quinta-feira, 28 de outubro de 2004

SMS 77. Portanto, aí teremos… a Feira de Faro

28 Outubro 2004



Jerónimo Osório. Faro tinha a obrigação de, como capital nacional da cultura em 2005, ir buscar à profundeza do passado essa figura que foi das mais eminentes do Humanismo europeu, D. Jerónimo Osório, organizando tudo o que tinha para organizar com projecção internacional altamente assegurada. Aliás apenas se veria D. Jerónimo Osório como a figura de «marca» da capital da cultura. Já não há tempo para comprometer a rede de ensaistas e estudiosos no assunto.

Samuel Gacon. E teria a obrigação de, sem favor, reclamar a vanguarda da tipografia em Portugal, evocar Samuel Gacon que da sua oficina (1487) fez sair o mais antigo incunábulo português, o Pentateuco recolhido no British Museum de Londres. Faro já não tem tempo para programar um conjunto de acções adequadas: a vinda do livro para exposição de contexto, uma relação da ousadia de Gacon com a de Gutenberg e, nesse sentido, uma geminação activa e culturalmente estratégica com Estrasburgo, além da instituição de um Prémio Internacional de Tipografia – tipografia essa que não morreu, evoluiu. Faro não tem tempo e possivelmente nunca teve vontade.

Os 3000 livros de Oxford roubados a Faro. Teria a obrigação de organizar uma grande exposição sobre a Biblioteca do Bispado do Algarve, promovendo o retorno temporário dos 3.000 livros roubados pelo conde de Essex (1596) e que formam hoje um das cinco grande bibliotecas históricas do Reino Unido, a chamada Biblioteca Bodleiana de Oxford produto da pilhagem. Não tempo.

Tavares Belo. Teria a obrigação de promover a audição da obra musical do maestro Armando Tavares Belo. Além disso a estreia da ópera inédita com base na peça teatral Sabina Freire, de Teixeira Gomes, continua clamorosamente adiada ou esquecida – diz quem sabe que é uma magnífica... E nesse pretexto, instituir um concurso internacional de inéditos com o nome desse grande maestro e compositor. Exactamente: Tavares Belo. Não tem tempo.

Pintores. Teria obrigação de dar ancoragem internacional definitiva aos pintores da meridionalidade, muito para além das exposições. Não lhe faltariam os grande nomes da pintura - por exemplo a grande pintora farense contemporânea Luzia Lage (obra reproduzida ao lado). Não tem tempo.

Andaluzia e Marrocos. Teria a obrigação de reconstituir as rotas culturais e económicas com a Andaluzia e com Marrocos. Exactamente com uns ciclos Algarve/Andaluzia e Algarve/Marrocos. Não falo da vinda de uns ciganos de Sevilha e de umas folcloradas de Casablanca. Falo de coisa mais profunda. Mas não tem tempo.

Algarviana. Teria a obrigação de promover a recuperação da Algarviana de Mário Lyster Franco, a biblioteca desse bom e cultíssimo homem, estantes que eu conheci palmo a palmo quando era enorme mas que não sei onde está… Aliás, sei mas completamente desfalcada. Não tem tempo.

Universidades, escolas e grupos de pesquisa. Teria a obrigação de chamar à colaboração activa a malha universitária algarvia e das associações de pesquisa que em conjunto e trabalhando em conjunto surgiriam como motor espantoso e possivelmente surpreendente, nos domínios científico, tecnológico e cultural. Não tempo, obviamente.

Teatro com letra grande. Teria obrigação de pensar a sério no Teatro com letra grande. Não tempo para encomendar peças aos escritores algarvios ou sintonizados de projecção internacional e que são bastantes para não dizer suficientes. Não tem tempo para organizar um Festival Internacional de Teatro do Mediterrâneo-Atlântico.

Poetas capitais. Teria a obrigação de chamar à casa os grandes poetas de hoje e que são… capitais – Gastão Cruz, claro. Mas se Faro comprovadamente não quis dar tempo na sua agenda política ao plano de Casimiro de Brito que não passou de um primeiro Encontro Internacional de Poesia por atavismo dos políticos, também não é agora que terá tempo.

Ossónoba. Teria, Faro, a obrigação de promover um grande acontecimento sobre o nome que consta no seu verdadeiro bilhete de identidade e que é Ossónoba e com issoteria a obrigação de recuperar o bilhete de identidade do próprio Algarve que é remotamente fenício mas muito mais grego e romano que árabe. Não tem tempo.

Música e não cantigas. Faro teria a obrigação de pensar a sério na Música, também com letra grande. Aí sim, um Festival das Orquestras do Mediterrâneo, deixemo-nos de cantigas. E tem Álvaro Cassuto à mão! Poderia e deveria entregar a chave de ouro da cidade à Orquestra do Algarve. Não tem tempo.

Assis Esperança. Teria Faro, sobretudo, a obrigação de lembrar Assis Esperança e entrar pelo campo que a cultura tem de mais nobre – o romance. Fazer alguma coisa de fôlego nessa área nobre. Não me refiro a palestras, sessões de incensar e oportunismos do costume. Não tem tempo.

448 coisas mais. Alinhados estão apenas 13 mandamentos mínimos para que Faro não perdesse a ocasião de se agigantar culturalmente, mas é óbvio que a «capital da cultura» teria a obrigação de fazer outras 448 coisas mais sem que ficassem prejudicados os cantores amigos de Lena d’Água, os acordeões, os fados da Alexandra, muita gastronomia para regurgitar, repuxos novos e 17 rotundas com palmeiras e oliveiras com holofotes e - porque não? – uma horta de celebridades.

Provincianismo, doença incurável. Mas a dois meses de ser capital nacional da cultura e sem nada, rigorosamente nada preparado a não ser agenda de espectáculos, Faro será uma sorvedouro de verbas e quanto mais verba mais espectáculo. Dizem-me que as pessoas, o que querem é espectáculos. Sem dúvida que o provincianismo é uma doença incurável, prolongada e que se disfarça com verbas. Quanto mais verba, melhor se disfarça.

Carlos Albino

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

SMS 76. Faro perdeu a oportunidade

21 Outubro 2004

Cinco meses perdidos. A dois meses de Faro iniciar, enfim, a saga de, por um ano, ser a Capital Nacional da Cultura, pouco ou mesmo nada se vê à vista desarmada, a não ser a demissão de António Lamas e, a seguir, a nomeação de António Rosa Mendes para o cargo de presidente da comissão organizadora. Um professor de história, portanto, substitui um engenheiro civil e com isto perderam-se, desde Maio, cinco meses cruciais para a organização do acontecimento.

Equívocos. Desde o início, alimentou-se o grave equívoco de reduzir a «capital da cultura» a um «festival de espectáculos culturais». Depois, equívoco mais grave, fez-se passar a ideia de que esse festival teria de coincidir com a época alta do turismo e portanto feito em função do turismo - uns escassos dois meses e meio. Faro nem piou.

Haja dinheiro! Ora fazer festivais e montar festivais, é coisa fácil – basta haver dinheiro e instalações. Havendo dinheiro, contrata-se um bailado de Moscovo, dez violinos a Londres, um fagote a Paris, uma potente voz a Milão e, sobrando algum, claro, lá teremos uns coisitas de teatro, umas cantorias em português, umas pitadas de cinema, umas borradas de pintura e, imprescindivelmente, o monumental fogo de artifício na Doca. E chamar-se-á «capital» a isto que não passará de estendal.

Convite ad hoc. Nos dois meses que faltam para 2005 começar, António Rosa Mendes pouco poderá fazer. Com rigor, não poderá fazer nada. É evidente que poderá gerir o estendal de cultura para a época de verão» mas não conseguirá erguer uma Capital Nacional de Cultura e nem o inusitado convite (segundo me disseram mas não acredito porque se acreditasse, António Lamas pediria a demissão) feito, em São Paulo, pela própria ministra Maria João Bustorff à cantora Lena d’Água para esta ser comissária de Faro para a música ligeira (coisa que a cantora terá aceite, ali, imediatamente) salvará a questão. Aliás, a ser isso verdade, inquinou a questão.

Erro tremendo. Faro perdeu a oportunidade para, com serenidade, construir a Cultura que lhe falta. De uma Capital 2005 alguma coisa ficaria, de um Estendal de dois meses não ficará nada porque acabada a festa, desarma-se a igreja. Por uma vez, dou razão aos homens do futebol que vêem na bola o espelho da sociedade: Faro está na terceira divisão e a zero. Foi um tremendo erro de política cultural e pouco adianta fazer aproveitamento partidário desse erro. O que está perdido, perdido está.

Carlos Albino

quinta-feira, 14 de outubro de 2004

SMS 75. Foi a pirataria perfeita no Algarve posto a saque

14 Outubro 2004

Ouvi, observei e comprovei. O extenso barrocal algarvio foi palco da perfeita pirataria. Hordas de ciganos pilharam alfarrobas, milhares e milhares de arrobas de alfarrobas, devassando propriedades, ameaçando donos de terras – na maioria já velhos mas resistentes e sabedores do que representa ou deveria representar o verdadeiro ouro negro do Algarve. Uns, pelo que ouvi, impantes como piratas vieram em verdadeiros raids pela Via do Infante do outro lado da fronteira, cobertos pelos «primos» abancados deste lado – aliás abancam onde lhes apetece. Outros, pelo que observei e comprovei, são os próprios «primos». Roubaram tudo pelos campos, foi um verdadeiro saque a que as populações assistiram indefesas e apavoradas.

Brutos piratas aliados a finos piratas. Também me disseram que os intermediários terão feito um pacto – o de não comprarem um quilo que fosse de alfarrobas a tais piratas e à evidência produto do saque. Mas qual pacto! Alguns intermediários de frutos secos não ficam atrás dessa horda e aí temos os milhares e milhares de arrobas de alfarrobas roubadas a engordar os cofres da pilhagem mais fina mas não menos pirata pela avidez bruta do proveito. Tudo pago informalmente, sem papéis e à margem das leis que regem as transacções comerciais mas também tudo depois dissimulado com tosca engenharia contabilística que caba por ser eficaz num Estado sem fiscalização ou em que os fiscais poderão fazer parte do «esquema». Muita gente não sabe nem calcula, mas estamos a falar de um negócio de milhões de que dezenas de indústrias tecnologicamente sofisticadas (como a suíça) necessitam.

Desmotivados. Os donos de terras, abandonam as árvores. O que é que a GNR pode fazer? Nada. Nem tem meios, nem tem treino e muitas vezes também não tem motivação porque a nossa Justiça, para além de já de si infantil, tem os tribunais cada vez mais infantilizados. Os piratas riem-se da GNR e dos juízes, porquanto agem e têm a pose de soldados que se acham com direito ao saque. Aliás agiram sem qualquer interposição das forças da ordem.

Já. Ora o mês de Julho de 2005, quando começa nova época da alfarroba, começa agora, hoje mesmo. As polícias, sobretudo a judiciária, levaram anos e anos para acabarem com o tristemente célebre «casino do figo» que a pirataria fina manteve para especular preços e, tal como máfia organizada, esvaziar os bolsos dos lavradores. Não ficou ninguém preso nem nenhum nome ficou manchado, mas enfim, isso acabou pelo menos à vista desarmada. Como Guterres outrora dizia, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres como se dizer isto bastasse. Não andarei longe da verdade se disser que a pirataria de 2004 já está a preparar a de 2005. As autoridades têm que agir, já.

É claro. Isto que acabo de escrever não deve dizer nem incomodar muito aqueles para quem o Algarve começa nas pirosas leoazinhas da portada da sua vivenda à beira-mar e termina no campo de golfe, por entre celebridades. Mas já deve dizer alguma coisa aos que sabem o que a alfarrobeira representa ou deveria representar na economia regional. O que este ano aconteceu foi demais. A paciência de muitos esgotou-se e não digo o que muitos pensam fazer se o caso se repetir em 2005.

Carlos Albino

quinta-feira, 7 de outubro de 2004

SMS 74. O Sr. X não foi condenado, mas toda a gente sabe

7 Outubro 2004

Patifes outrora, deuses depois. Na vida em sociedade, neste nosso dia a dia em que todos nos suportamos, tem que ser, deve ser: a presunção de inocência é um valor a acautelar e a respeitar integralmente – ninguém deve ser apontado como autor de um crime, de qualquer ilícito e ou de qualquer ilegalidade sem que seja condenado em tribunal, pelo que, haja paciência, temos de confiar na justiça. Mas na vida política não será bem assim: o tribunal, aqui, não é dos juízes mas sim do eleitor, dos cidadãos e tem prazos marcados para as «audiências» que são as eleições. No entanto, não só o factor tempo e a consequente perda de memória das coisas, mas também as técnicas de comunicação, de imagem e de publicidade política, subvertem as regras, admitindo-se que um patife político de outrora, esquecidas as suas actuações publicamente recriminadas, surja tempos depois e após estratégica travessia no deserto, como um santo, um salvador público. O Algarve não tem muita gente deste género, mas tem.

Experiência autárquica. E claro, quando alguém ousa rememorar o passado, ele, o patife invoca que nunca foi condenado em tribunal. E será verdade. Primeiro porque ninguém apelou ou denunciou à Justiça, segundo porque, de política se trata, os partidos abafam e finalmente, os poderes públicos que fazem as leis não fiscalizam suficiente e eficazmente a aplicação das mesmas leis. Há sempre um compadre a interferir na fiscalização, um amigo bem colocado a obstruir o processo, um burocrata conivente a deixar andar as coisas até à prescrição ou arquivamento. A doutrina que se pode extrair da experiência autárquica no Algarve vai nesse sentido que é, afinal, um sentido de frustração do eleitor quando é confrontado com a ressurreição do patife de outrora. Chamemos-lhe o Senhor X. Sim, o Senhor X que não foi condenado mas toda a gente sabe... E porque é que ninguém denunciou? Bem as provas da corrupção activa normalmente ficam nas mãos do corruptor passivo. Ambos são coniventes e assim se estraga a política.

Carlos Albino

quinta-feira, 30 de setembro de 2004

SMS 73. Sim, Senhor Padre. Vá até ao fim

30 Setembro 2004

Figueira. Foi um drama, sem dúvida a juntar a tantos outros dramas pelo Algarve afora, em grande parte abafados. A região tem duas fatias. Uma, por certo a nossa, muito bem ou razoavelmente instalada, debatendo-se com os gravíssimos problemas da política, com os fluxos e refluxos da economia e do bem-estar, com a gestão do orçamento instável e dos impostos irascíveis que alimentam a parte mais alta da fatia, onde moram os nossos amigos e por certo as cunhas, as influências, enfim, o esquema que não anda longe da bandidagem que até atemoriza a Justiça. Outra fatia é a dos marginalizados, dos desenraizados, dos carentes de tudo e onde a pobreza faz o mesmo trabalho do mar nas rochas, o trabalho de sapa que desfaz a pobreza mais resistente nas miséria mais granulada e que é o pasto onde se coitam os marginais, os intermediários de tudo, os criminosos sem rosto que até atemorizam a Liberdade. O pior de uma fatia anda casada com o pior da outra e, eis o resultado por força de insondáveis leis sociais: a desumanidade. Sim, a desumanidade. O abismo chama o abismo e por isso andamos a enganar-nos uns aos outros.

Circo mediático. O padre Domingos Monteiro teve obviamente a coragem de denunciar o circo mediático montado na Figueira, com a televisão obsessiva atrás das caras que, a propósito de um drama, acabam por sorrir em glórias instantâneas, não para as câmaras mas a posteridade efémera da ralé comum às duas fatias. Ao manipular emoções, as mais baixas emoções, a televisão dá a cara da sua irresponsabilidade e da sua impreparação. Em vez de ir ao coração dos problemas, vai exclusivamente às vísceras, à zona onde está o mais podre e onde tudo cheira mal. Mais uma vez, se sentiu que a televisão «está» no Algarve para cheirar, apenas para cheirar.

Os dedos na ferida. Mas o padre Domingos Monteiro corajosamente apontou o dedo para a ferida, para ferida profunda da nossa sociedade, admitindo-se o Algarve ainda tenha ao menos uma sociedade algarvia… E, revoltado, o padre acusou os técnicos da comissão de menores do impensável, insurgiu-se contra a inoperância da assistência social e dos tribunais de menores, denunciou a falta de valores das pessoas, a negligência do Estado, enfim, o vazio (palavra nossa) das instituições portuguesas. Tem razão.

Abismos. Diziam os latinos, muito antes dos séculos destes milénios de missas, que abyssus abyssum invocat, o que traduzido à letra quer dizer que o abismo atrai o abismo mas que entrou com melhor tradução na linguagem corrente com os ditos segundo os quais a asneira puxa asneira e que uma desgraça nunca vem só. Peço ao padre Domingos Monteiro que vá até ao fim para que neste Algarve as pessoas não andem, como disse e bem, «a ensinar músicas às crianças para cantarem no funeral da Joana», de todas as Joanas, as conhecidas e as desconhecidas.

Carlos Albino

quinta-feira, 23 de setembro de 2004

SMS 72. O Mediterrâneo, aqui tão perto

23 Setembro 2004

Dupla boa. Os deputados Álvaro Viegas (PSD) e José Apolinário (PS) foram indicados para representar o parlamento português (uma delegação de três efectivos e dois suplentes) na nova Assembleia Parlamentar da Conferência Euro-Mediterrânica, um vasto fórum político que agrega os Estados da União Europeia e os vizinhos do Mare Nostrum. E foram escolhidos, presumo saber, por um consenso entre os dois maiores partidos no sentido de, para o caso, dar primazia a deputados algarvios. Naturalmente que será difícil dois algarvios fazerem alguma coisa no meio dos 240 outros parlamentares daquele fórum – 120 europeus (45 do Parlamento Europeu e e 75 dos parlamentos nacionais) a que se juntam mais 120 do Médio Oriente e Norte de África bordejante do mar interior comum. Mas podem fazer, apesar da desvantagem - Álvaro Viegas é voluntarioso e José Apolinário uma formiguinha trabalhadora, pelo que se tem visto.

Reuniões internacionais. De há uns quatro, cinco anos para cá, o Algarve tem sido pura e simplesmente esquecido (ia dizer marginalizado ostensivamente) em matéria de reuniões internacionais. Cimeiras, seminários internacionais, conferências inter-estatais e, embora poucas, todas as reuniões multilaterais que foram animando a nossa fraca política externa, ocorreram nos sítios mais díspares. Porto, Figueira da Foz, Coimbra... enfim, houve reuniões marcadas para sítios ermos, sendo evidente o favor da promoção do local, da região e, claro, algum proveito.

E então. Se Álvaro Viegas e José Apolinário conseguirem que, em algum ano, a Assembleia Parlamentar Euro-Mediterrânica seja marcada para o Algarve, terão a minha chapelada. Os espanhóis carreiam Barcelona e Valência para esse processo, a França faz o mesmo com Marselha e os italianos insistem com Nápoles. Oxalá que o governo português não tenha a peregrina ideia de fazer candidatar Freixo de Espada à Cinta para uma reunião eventual dessa assembleia no nosso País, só porque Freixo está no Norte. Depois do «enorme castigo» aplicado ao Algarve em matéria de reuniões internacionais, o mínimo que se pode exigir é que se reconheça que Freixo de Espada à Cinta é uma terra muito bonita mas pouco tem a ver com o Mediterrâneo, muito menos com a Espanha mediterrânica e nada, nada com o Algarve mediterrânico...

Carlos Albino

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

SMS 71. O Estado que circula em sentido contrário…

16 Setembro 2004

Grande maná. As receitas do Turismo algarvio foram, nas últimas décadas, um verdadeiro maná fundamentalmente para duas entidades: para o Estado e para esse grupo irregular de investidores, operadores e agentes com sede e contas em paraísos fiscais, cuja actuação foi tolerada, protegida e até condecorada pelo Estado em função da parte que este foi sempre recolhendo. Deste gigantesco negócio do turismo, para o Algarve sobraram as migalhas, pouco mais. As assimetrias dentro do próprio Algarve entre concelhos ou áreas de concelhos «turísticas» e «não-turísticas» falam por si – mesmo junto do apregoado maior dos luxos deste mundo continua a maior das pobrezas do País. O Algarve não beneficiou do Turismo porque este, até agora - descontadas as palavras de encantar do discurso político - não surgiu como elemento de um Plano de Desenvolvimento, como peça de um Programa de Progresso Geral da região.

A surdez do Estado. Foi neste contexto que o Estado cujo Orçamento foi em larga medida alimentado pelos dinheiros captados por causa do Algarve e no Algarve, demorou séculos acabar a Via do Infante, demorou milénios a completar a auto-estrada para o Centro, demorou uma eternidade a reformular via férrea (fazendo-o apenas até Faro e com estações pelo meio com aspecto e serviços miseráveis) e foi incapaz de ligar com modernidade Loulé a Quarteira (neste caso é uma vergonha), Faro a Loulé (por escassos seis quilómetros de vergonha também), Monchique a Silves, Silves a Loulé, por aí fora… A Via do Infante, na óptica do Estado, resolveria tudo e, em certa medida, é o único recurso, o único e, mesmo assim mal amanhado e barulhento para não dizer ensurdecedor.

Mau cobrador. Ora é este mesmo Estado que quer cobrar portagens numa coisa a que chama auto-estrada mas que não é – é apenas uma via dupla alargada com separador central… - não lhe bastando as «receitas turísticas» que ao longo de décadas cobrou sem benefício directo para o Algarve, melhor, para as populações do Algarve.

Multa, claro. E o que se deve fazer a um Estado que circula em sentido contrário? Naturalmente que esse Estado deve ser autuado. Nem mais.

Carlos Albino

quinta-feira, 9 de setembro de 2004

SMS 70. Sobre os arquitectos e um post scriptum

9 Setembro 2004

Arquitectos. Pois é verdade. Admito que alguns autarcas se sintam muito felizes com repuxos que debitam a mentalidade infantil de quem os desenhou, mais felizes com as rotundas cheias de oliveiras, palmeiras, ciprestes rodeados de casca de pinheiros com estradinhas de relva as curvas, e que muito mais felizes se sintam ainda com os verdadeiros caixotes pretensiosos em que se resumem os novos edifícios na sua maior parte, imitando o Siza, outros o Taveira, por aí fora. Estava um jardim romântico, com bancos desenhados pelos nossos bisavós e que eram graciosos? Pois é verdade, surgiu aí uma coisa «muito elaborada», com «muito projecto» e com «muito argumento» mas ficou tudo num grande enxerto de tal modo que a parte traseira do Kit-Marquet do Vale Paraíso consegue ser sublime comparada com essa brincadeira de crianças. E não falemos das esculturas! Há cubos, há cilindros, há um barco com velas ao vento que poderia ser muito bem esconderijo do terrorismo que conspira contra a estética pública e contra o decoro da Arte, há de tudo e do mais horrível e creio que sempre com um dedo ou um parecer do tal arquitecto. Vamos retomar este assunto mas para já uma chapelada para os grandes arquitectos que operam no Algarve.

Carlos Albino

Post scriptum. A escolha de Graça Cunha para a direcção do futuro Teatro de Faro, foi boa. Certo, vamos ver. A nomeação de Francisco Motta veiga como responsável pela programação naturalmente que também promete e foi acertada. O que não se compreende é que o acto simbólico da prova de vida do novo Teatro não tenha ocorrido em Faro. Também não se compreende que a três meses da «capital da cultura» não haja uma data de arranque. António Lamas, enfim, lá disse que «a época forte será a partir da Páscoa» e Maria João Bustorff também lá deixou o recado de que é preciso aproveitar «a época forte do Algarve no Verão»... Portanto aí teremos uma capital por semestre. Bonito e cultural.

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

SMS 69. Sim, é de arrepiar

2 Setembro 2004

A peça de Nuno Couto sobre como vai a preparação do Algarve para a fatalidade de um terramoto deve ser tomada muito a sério pelos órgãos da Junta Metropolitana. As asneiras de arquitectos, engenheiros, imobiliárias e autarquias cometidas neste longo período de verdadeira selvajaria urbanística que infelizmente não terminou, podem ser pagas muito caro. Muitos de nós, sem dúvida, nos recordamos do que aconteceu em Agadir onde as chamadas «construções anti-sísmicas» foram pura e simplesmente engolidas pela terra e que foi uma pálida amostra do que poderá ocorrer no Algarve. Nuno Couto e o Jornal do Algarve fizeram bem em lançar aquilo que é um verdadeiro alerta cívico e uma oportuníssima chamada de atenção à responsabilidade dos políticos, se são políticos. A memória possível do Algarve ao longo dos séculos dá-nos na verdade uma lição que, perante as asneiras e a irresponsabilidade que está nos caboucos da construção voraz de lucro e engano, é no mínimo de arrepiar. Mas não vale a pena chorar sobre o leite derramado e nem vale a pena descrever a cobardia dos que perante o perigo preferem enterrar a cabeça na areia. Há que prevenir, há que emendar o que pode ser emendado, há que corrigir o que obviamente tem que ser corrigido. Creio que a Junta Metropolitana, mesmo que não estejamos em Marrocos, tem a obrigação de, com toda a urgência, promover um Livro Branco onde tudo esteja doa a quem doer sobre esta matéria em que o governo central foi somando enormíssimas responsabilidades ao longo dos anos, tolerando à direita e tolerando à esquerda, tantas vezes com a canga dos financiamentos eleitorais. Fiquemos por aqui porque na próxima semana vou falar dos «arquitectos». Sim, dos arquitectos que também são de arrepiar.

Carlos Albino

quinta-feira, 26 de agosto de 2004

SMS 68. Capital internacional, já?

26 Agosto 2004

Se não estou em erro, José Vitorino disse recentemente que Faro não iria ser apenas uma capital nacional da cultura mas, sim e já em 2005, uma «capital internacional» no mesmo domínio de superior afirmação do género humano. Duvido que o presidente da Câmara de Faro não tenha sido desvirtuado... Mas se não foi, José Vitorino saberá por acaso o que é a Cultura para que Faro que, nesse domínio, nem sequer é ainda a capital do Algarve e que apenas com injecções forçadas poderá ser milagrosamente capital do espavento cultural nacional, venha a ser por uma passe de mágica já «capital internacional»? E o que dirá o poeta Casimiro de Brito quando o seu projecto de instalar e converter em tradição um Encontro Internacional de Poesia nessa mesma cidade de Faro que não passou do primeiro, falhou redondamente por falta de apoios, por falta de política cultural e sobretudo por falta de visão dos responsáveis farenses? Um político com responsabilidades públicas como José Vitorino e à frente de uma cidade que quer ser a cabeça do Algarve, não pode deixar que a boca debite tudo que a língua faz subir à cabeça. A modéstia fica bem e a noção da realidade fica melhor, pelo que talvez mais senso cultural tenha tido a câmara de Albufeira ao permitir que a Guia se autointitule à vista de todos os que a essa localidade acedem pela 125 como a «capital do frango»... Não perdoo à Guia ter retirado a Faro um honroso título.

Carlos Albino

quinta-feira, 19 de agosto de 2004

SMS 67. Sociedade civil

19 Agosto 2004

Os partidos falharam. E como a esperança é a última coisa a morrer, valha-nos a sociedade civil. Os partidos falharam na pedagogia pública, colocaram-se a milhas daquelas tarefas de instrução cívica que a democracia lhes impõe e converteram-se em maquinetas eleitorais que ciclicamente prometem ao eleitorado o que não vão cumprir nem poderão cumprir porque as promessas, já de si, têm sido vagas. É verdade que felizmente ainda não andam por aí os galopins* mas há situações que estão próximas dos compradores de votos. Em vez de proporcionarem líderes promotores do debate sereno e inteligente, abrem caminho a títeres que fazem carreira com base no ataque gratuito, na tramóia bem montada e no endeusamento do ego; em vez de abrirem as largas avenidas da crítica construtiva e de estimularem o confronto público das ideias, enveredam pelo beco das mordomias organizadas, quase sempre assassinando o interesse geral e condenando o bem comum à prisão perpétua; e em vez de submeterem as ideias ao escrutínio público, não senhor, fogem desse escrutínio preferindo consolidar a chamada «carreira política» dotada já de «profissionais da matéria». Tem sido este, muito em particular, o drama do PSD e do PS do Algarve, manifestamente atados aos muitos egos, às mordomias e ao fracasso de ideias reciprocamente tolerado. Espero pela hora em que estes partidos façam uma verdadeira autocrítica.

E que sociedade civil? Naturalmente que me refiro à única tábua de salvação – a sociedade dos cidadãos, a organização cívica e o exercício da generosidade que não visa o poder nem dele se faz por natureza condicionar. Não me refiro, portanto, à sociedade civil do subsídio, à associação criada para legitimar neste ou naquele domínio o uso de dinheiros públicos sem um projecto aceitável e sem um plano de comprovado alcance mas apenas com um elenco de objectivos apresentados como que a corresponderem a duvidosas necessidades. Admito que os políticos que temos gostem disto porque lhes adorna o exercício, mas não é a essa sociedade civil que me refiro nem será essa a sociedade civil de que o Algarve precisa de ver afirmada como o pão para a boca e que não só faça a todo o vapor o trabalho que partidos não fizeram, aguardando pacientemente, pois, que o façam.

Exemplos. Sim, poderia apresentar muitos exemplos e bons exemplos, mas por ora cabe um. Creio que toda a gente já ouviu pelo menos falar da Casa do Algarve. É claro que acredito que a Casa do Algarve seja ou possa vir a ser um factor civil importante para a região algarvia. É um assunto para pensar.

Carlos Albino



quinta-feira, 12 de agosto de 2004

SMS 66. Recomeçar o Algarve

12 Agosto 2004

1 - Incêndios. Esperava-se tudo menos o que este governo fez e insiste em fazer. Depois da clamorosa omissão do Algarve da Carta Nacional de Risco, Santana Lopes parece que foi ao Caldeirão como que suspeitando que os jornais e televisões não mostraram a verdade, e mesmo confrontado com o cenário infernal em que a Serra Algarvia ficou transformada, parece que ainda ficou com dúvidas sobre a urgência e necessidade da declaração de calamidade pública! Seria preciso arder mais alguma coisa por mais hectares? A Junta Metropolitana reagiu depressa e bem, oxalá que não fique pelas palavras. Espero que Macário Correia não desarme porque, pelos vistos, a Política do e no Algarve deve começar de novo.

2 – Oportunismo. E já se esperava que por aí aparecesse o oportunismo político no rescaldo dos incêndios. Surge uma figura do Parlamento Europeu e promete pedir fundos a Bruxelas com alguma gente a acreditar, como se aquilo em Bruxelas fosse um centro humanitário de ajuda directa. Vem outra figura do governo de Lisboa e promete apoio para todos e rapidez para tudo, mas fazendo depender tudo dos estudos, das avaliações, dos cálculos e se calhar de nova visita inesperada do primeiro-ministro… Enfim, não vamos longe com este oportunismo político que apenas tem em vista a fotografia e referências nos jornais, nas rádios e nas televisões. Para um recomeço do Algarve, essas fotografias arrepiam.

3 – Turismo. Sim é a crise. O turismo não é, nem de perto nem de longe, o jogo de compra e venda das imobiliárias, jogo que se esgota no tempo porque é um jogo a prazo. Suspeito que o Turismo Algarvio tenha de começar de novo. Mas mesmo esse novo turismo não será o gabinete do secretário de Estado «deslocalizado» para em Faro a fazê-lo. Tenha Carlos Martins santa paciência.

4 – O aeródromo de apoio... Poderá ser uma mera suspeita mas julgamos que um Aeroporto Internacional como o de Faro tenha que dispor, num curto raio de quilómetros, o chamado aérodromo de apoio. E também suspeitamos que, até há muito pouco tempo, esse «apoio» seria precisamente o aeródromo de Vilamoura. Mas ainda assim se continua a suspeitar que, por força de um protocolo assinado com a Câmara Municipal de Loulé, tal aeródromo estaria já implantado «ao longo da Via do Infante», sendo certo e sabido que não está. Daí que os aviões usados para o combate aos incêndios tivessem que ir reabastecer-se a Beja. Portanto, o aeródromo de apoio ao Aeroporto Internacional de Faro, segundo se suspeita, está em Beja.

5 – Castelos na areia. Afirma Cabrita Neto que há que proceder a demolições no litoral algarvio. Mas ainda falta algum bocado de litoral para demolir? E onde esteve Cabrita Neto durante este tempo todo?

Carlos Albino

quinta-feira, 5 de agosto de 2004

SMS 65. A mãe de todos os incêndios

5 Agosto 2004

1 - Foi uma cena dantesca para as populações algarvias da Serra e um espectáculo miserável os que do fogo de alguma forma falaram. As televisões, em vez de darem números, extensões que iam sendo afectadas pelos incêndios, quantidade e qualidade os meios de combate às chamas e volumes de prejuízos imediatos e a prazo, entretiveram-se ou entretiveram o País com circunstanciais imagens da Idade Média apanhadas intencionalmente aqui e ali, com os repórteres de voz escalfada como que a darem a ideia de estarem numa frente da guerra do Iraque e em risco de vida permanente – eles e não os bombeiros. E os responsáveis, então, cada um sempre que abria a boca era um chorrilho de palavras liofilizadas, assépticas, sem sentimento e pseudo-técnicas, como que de altos gestores ou por imitação do tipo de discurso saloio que os ministros e secretários de Estado de há uns tempos a esta parte praticam certamente a conselho dos respectivos «gabinetes de imagem».

2 – Depois do que no ano passado aconteceu em Monchique e em Silves, se não se previa para quando, o fogo era previsível no Caldeirão. O Algarve ficou de fora da Carta Nacional de Risco como uma das zonas potencialmente de maior gravidade e ninguém mexeu uma palha. E compreende-se que assim aconteça pois o Algarve já não conta como um todo, contando apenas a área da moradia à beira-mar, a piscina atrás ou à frente da moradia e o campo de golfe ali ao lado. Nada mais conta. E tanto assim é que nos mais importantes centros noticiosos do País não se sabia onde ficava Alportel, o Barranco do Velho e Salir, havendo muita gente admirada até de nesta vasta área algarvia haver... floresta! Para essa gente o Algarve seria tão somente a faixa de sete a oito quilómetros da praia onde vão molhar os pés, o que também se compreende porque as políticas dos governos sobretudo desde Cavaco Silva e sem excepção transformaram o Algarve numa nova Costa da Caparica de que Lisboa e as gentes do Norte precisavam e nada mais.

3 – Erros de previsão política, erros de planeamento no terreno, erros de observação e erros de informação, mais do que vento, mais do que a onda de calor e mais do que a acção de potenciais criminosos, resultaram assim numa situação de calamidade pois de calamidade se trata, pelo que Seruca Emídio (Loulé), António Eusébio (São Brás) e Macário Correia (Presidente da Junta Metropolitana) têm carradas de razão ao terem reclamado a declaração de calamidade pública.

4 – No ano passado, alvitrou-se aqui a Jorge Sampaio para fazer uma «presidência aberta» nesta mesma serra que ardeu. Mas segundo parece para o Presidente da República, também para ele, o Algarve fica-se pelos campos de golfe e pelos sabichóes das imobiliárias envolventes. Nem respondeu, nem fez. Deveria ter respondido e feito.

5 – Para terminar, recordam-se da cena de 1994, quando com o fogo de Silves à vista, os de Albufeira enchiam os olhos de gáudio com o seu fogo de artifício? Essa foi uma prova mais do que evidente de que o Algarve não está a ser visto e pensado como um todo. Comos e cada um,k responsável e irresponsável, estabelecesse como regra isto: «Desde que o meu quintal não arda para eu estar na piscina do meu quintal, o meu Algarve está bem e é o melhor do mundo...» Ora é para esta mentalidade, meu caro Macário Correia, que deve ser declarado o estado de calamidade pública e com a máxima urgência porque essa mentalidade, no Algarve, é a mãe de todos os incêndios.

Carlos Albino

quinta-feira, 29 de julho de 2004

SMS 64. Presente envenenado

29 Julho 2004

No momento em que se atira aos quatro ventos que Lisboa suplantou o turismo do Algarve, no momento em que os do Douro, pelas suas contas, prevêem que em 2010 também área suplante o mesmo turismo do Algarve e no momento em que os do Alqueva sonham que a área da barragem igualmente vá suplantar, em algum momento, o mesmo turismo do Algarve que assim é transformado numa desgraçada bitola, pois é neste momento que se decide colocar o gabinete do Secretário de Estado do Turismo em Faro! Para quê? Para gerir as certezas do turismo de Lisboa, os cálculos do Douro e os tão justos quanto espanhóis sonhos do Alqueva, como espanhóis são já os negócios de Vilamoura * ? Esse gabinete, colocado em Faro, vai aumentar artificialmente a conflitualidade inevitável entre as regiões – se alguma medida o secretário de Estado tomar a favor do Algarve, é porque está em Faro e se não decidir nada ou fazer o mesmo que até aqui tem sido feito em Lisboa, o Algarve não pode protestar porque até foi beneficiado com tão ilustre turista governamental. É um presente envenenado e Santana Lopes apenas fará bem se repensar. Está a tempo.

Carlos Albino
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* A autarquia de Loulé decidiria hoje de forma diferente se soubesse o que hoje sabe.

quarta-feira, 21 de julho de 2004

SMS 63. Areia para os olhos

21 Julho 2004
 
O anúncio de que a sede da Secretaria de Estado do Turismo, agora já Ministério do Turismo (em função da pessoa do titular e não da política que se impõe) será eventualmente «deslocada» para Faro não é mais do que atirar areia para os olhos e, nisto, José Apolinário tem razão ao sublinhar que tal medida é uma «forma sem conteúdo».

O que o Algarve precisa – não antes que seja tarde mas sim antes que seja mais tarde – é de uma Região Administrativa que obviamente tenha na sua orgânica uma Secretaria Regional de Turismo. O Governo Central não pode assemelhar-se a um Osíris esquartejado ao longo do Nilo, deixando a Regionalização numa eterna viuvez. Uma Secretaria de Estado do Turismo em Faro não fará mais pelo Algarve do que em Lisboa. Até fará menos, politicamente falando, muito embora se imagine como um tal secretário de Estado ou ministro andará de hotel em hotel, de golfe em golfe, de cocktail em cocktail, de pompa em pompa e como nas horas vagas por entre intensas viagens para o Porto e para Lisboa em nome do interesse nacional, tomará café com José Vitorino à beira da Doca como generosa concessão ao provincianismo. A promoção externa do Turismo Algarvio, em última análise ou no pleno sentido dos interesses do Estado não está nas mãos do ICEP? E onde está o ICEP? A captação do investimento estrangeiro não está nas mãos da Agência Portuguesa para o Investimento, a API? E onde está a API? Por aí fora.

«Deslocar» não é nem de perto nem de longe o mesmo que «desconcentrar» e muito menor «descentralizar» e jamais será «regionalizar». É atirar areia para os olhos. Ora deixem ficar a areia onde está porque a areia faz falta nas praias antes que o mar avance e coma inesperadamente a ganância dos homens.

Carlos Albino

quinta-feira, 15 de julho de 2004

SMS 62. Território ocupado...

15 Julho 2004

E aí esteve reunido o Fórum de Embaixadores da Agência Portuguesa para o Investimento. Em matéria de turismo, a promoção do Vale do Douro e do Alentejo (Sines e Alqueva) dominou as preocupações dos cérebros que estão na primeira linha da frente da diplomacia económica portuguesa. E justifica-se que assim seja: os responsáveis do Douro garantiram em alto e bom som, não há muito tempo, que suplantarão o Algarve e os alentejanos ou alguns por eles sonham com o mesmo objectivo.

Ao mesmo tempo, aqui e ali, começou a entrar na moda altos responsáveis e até m esmo decisores repetirem que «as praias já deram tudo o que tinham a dar», que «o Algarve é o caos», que «não se pode permitir em Portugal a repetição dos erros do Algarve»… por aí fora. E possivelmente isto também se justifica, porquanto alguns ou mesmo dos principais investidores do turismo algarvio comportam-se no Algarve como se estivessem à frente de colonatos na faixa de Gaza – o que lhes interessa é o colonato e mais nada, as ligações e o diálogo com os Municípios visam apenas a ampliação do colonato na mira da próxima transacção financeira e, no que diz respeito às populações, quanto mais longe estas estiverem melhor.

É este um dos preços do Algarve não ser Região Administrativa e não é difícil aceitar que os colonatos a inviabilizaram face à completa insensibilidade do Estado. Porque carga de água o Algarve haveria de ser considerado nos fóruns da diplomacia económica portuguesa?

Carlos Albino

quinta-feira, 8 de julho de 2004

SMS 61. A promoção externa

8 Julho 2004
 
Albufeira afirma que é responsável por nem quantos por cento mas uma enormidade das camas do Algarve como se isto do turismo fosse apenas camas e só camas. E então sentiu-se na obrigação de se promover a si própria e por si própria no exterior, abrindo caminho a que Loulé faça supostamente o mesmo isoladamente, o mesmo acontecendo com Faro, Silves, Olhão, Tavira e por aí adiante, cada um orgulhosamente só a fazer pela sua vida, com mais ou menos camas… O que Albufeira fez não é apenas a constatação do fracasso da RTA e a desconfiança no ICEP em matéria de promoção externa do turismo algarvio – Albufeira acaba de fazer isto mesmo: fez-lhe a cama. Falaremos daqui a dois anos.

Carlos Albino

quinta-feira, 1 de julho de 2004

SMS 60. Sagres

1 julho 2004

Em três páginas inteiras do Diário de Notícias, vai para uns cinco anos, alertei para a importância da classificação de Sagres como Património da Humanidade e de forma muito particular chamei a atenção para o valor inestimável do Relógio Solar que o astrónomo José António Madeira, na década de 60, estudou até ao mínimo pormenor, no terreno, desfazendo com instrumental e cálculos científicos os equívocos de Gago Coutinho em matéria de rosa dos ventos. Creio que Paulo Neves terá lido aquelas páginas, gerou-se um movimento encabeçado pela RTA, houve comissões, peritos, foi dito que se avançou para o processo da candidatura e volta e meia fala-se no assunto, mas o certo é que parece que se perdeu a dinâmica e se algum entusiasmo existe, esse entusiasmo está enleado nas malhas da habitual burocracia. Creio ter chegado a hora de se pegar no assunto e de vez. O Presidente do Algarve Metropolitano, Macário Correia, tem naturalmente uma palavra a dizer porque Sagres, descontadas todas as lendas, patranhas e invencionices, é o símbolo documentado de permutas intercontinentais milenares, é o símbolo da maior gesta de um Povo e uma das poucas referências verdadeiramente sagradas da Terra. Sagres deveria estar a bater já como um coração no peito do Algarve e não está. O que falta para a UNESCO?

Carlos Albino

quinta-feira, 24 de junho de 2004

SMS 59. Insegurança

24 Junho 2004

Não damos novidade a ninguém: as populações algarvias vivem, no dia a dia, num clima de insegurança generalizada e, de forma muito particular, nas zonas rurais. Multiplicam-se os assaltos a casas isoladas por esses montes, alguns com uma violência extrema; os arrombamentos de estabelecimentos comerciais já nem surpreendem e os roubos são mais que muitos. O criminoso já aprendeu de resto que compensa menos atacar um turista milionário mas incauto do que um casal de velhotes da serra a viver de pensões. Por isso, a esmagadora maioria das vítimas já nem participa às autoridades ou por descrença numa justiça que é lenta e lassa ou, em crescente número de casos, por receio de represálias, ou ainda, pura e simplesmente porque não pode participar… De resto, a presença das forças de segurança, mesmo em cidades e vilas, é escassa senão mesmo nula, nunca se sabendo com exactidão qual a origem dos criminosos e meliantes: se aventureiros vindos do outro lado da fronteira, se gente desesperada, clandestina e desenraizada do lado de cá, ou se é a droga que comanda. Será por certo um pouco de tudo isso à mistura, mas naturalmente que alguma coisa tem que ser feita e com urgência contra este estado de coisas, antes que o desespero das vítimas se organize e acabe por ser tão ou mais violento que o dos criminosos. Tem que haver Polícia em todo o Algarve e a GNR tem que ser GNR.

Carlos Albino

quinta-feira, 17 de junho de 2004

SMS 58. Misturada evitável em Faro: Eleições e Cultura

17 Junho 2004

Em Faro vai haver a mistura que é sempre perigosa entre Política e Cultura. Isso será quase inevitável, por mais que quem lidera o processo da Capital Nacional da Cultura, o Eng. António Lamas, se esforce. E admitimos que queira ou tenha mesmo que esforçar-se muito!

De qualquer forma, a mistura entre calendários da Capital da Cultura e das eleições autárquicas é um risco para todos.

José Vitorino, para já, deveria ter feito tudo para evitar esse risco – só lhe ficaria bem, resguardar-se-ia de suspeitas e até ganharia pontos.

Se tivesse havido a determinação política que não houve, a Capital da Cultura seria neste ano da graça de 2004 tal como foi inicialmente programado, e se, por outro lado, existisse uma genuína vontade de separar o trigo da Cultura do joio da política, o ano de 2006 seria mais aconselhável. Não seria pela espera de mais um ano que os políticos ganhadores ou perdedores das eleições farenses deixariam de ler mais um livro sem saltos de página, assistir a uma peça de teatro sem adormecerem ou ouvir um concerto sem abanarem a cabeça. Mas como o que foi decretado, decretado está, aí teremos Faro em 2005 de bem com a Cultura por amor da Política ou de mal com a Política por amor da Cultura.

Carlos Albino

quinta-feira, 10 de junho de 2004

SMS 57. Mas eleger quem e para quê?

10 Junho 2004

O Parlamento Europeu, mesmo que os seus «poderes» venham a ser reforçados não deixará de ser uma esquisita assembleia parlamentar composta por delegações nacionais supostamente escrutinadas em cada um dos Estados da UE.

E é esquisita porque uma vez que tais «delegações» iniciem o mandato, elas perdem o carácter nacional diluindo-se em famílias ou agrupamentos partidários transnacionais que estão tão próximas do cidadão comum como as nuvens da relva. Portugal integra, e muito bem, e, diversas assembleias parlamentares - como sejam a da NATO, a da OSCE e a do Conselho da Europa – bastando para isso que a Assembleia da República designe a delegação participante segundo um critério proporcional.

Já para essa assembleia parlamentar da UE, é o que se sabe: há um sufrágio específico, como o que nos bate à porta, para determinar os 24 contemplados. Mas eleger quem e para quê? Quem vai ser eleito, já sabe. E cada um dos que já sabe, também está ciente das finalidades: um brutal ordenado, apetitosas mordomias, inevitável proa e pouco trabalho, embora com muita viagem.

O que podem fazer estes 24 portugueses felizes e contentes no meio de uma assembleia parlamentar de 732 elementos? Nada, nada e nada, a não ser fogo de vista que é o que, como «candidatos», todos eles têm feito e, convenhamos, sem elevação. Não me apanham.

Carlos Albino

quinta-feira, 3 de junho de 2004

SMS 56. A «coisa» chegou já aos presidentes de juntas...

3 Junho 2004

E não são apenas quatro mas mais do que sete, os presidentes de juntas que, invocando o montante das taxas e impostos pagos na sua área, reclamam e exigem a satisfação de determinadas reivindicações locais.

Algumas dessas reivindicações são, à evidência, justas em qualquer parte do mundo e até num sítio ermo quanto mais na civilização de uma Junta, mas o problema não está na maior ou menor razão que essas Juntas possam ter – o problema está no critério ou na «arma» usada para reclamar e, em não poucos casos, para fazerem o que tem apenas um nome: chantagem política. Portanto, «a coisa» já chegou aos presidentes de juntas.

E a coisa é mesmo isso - a chantagem – pelo que, segundo até parece, um presidente de junta que não saiba ou não queira fazer chantagem, não presta. E mais grave é quando, quem está na oposição e visa ascender ou reocupar poderes camarários, estimula essa chantagem política como causa própria, na mira de cobrar dividendos nas próximas eleições autárquicas, todavia sabendo que «a coisa» não tem futuro. A Democracia não se aguenta com estes procedimentos feios, porcos e maus. Até para a semana, pois voltaremos ao assunto «da coisa», tenham lá os presidentes de juntas santa paciência.

Carlos Albino

sábado, 29 de maio de 2004

SMS 55. À espera do decreto...

27 Maio 2004

Sem excepção, os partidos têm a mesmíssima pose nessa matéria da Região do Algarve – estão agora à espera do longínquo decreto que vier lá de cima e que, se calhar, apenas virá no Dia de S. Nunca à Tarde.

Na verdade, quer o PS quer o PSD, sempre que estão no poder, prosseguem políticas centralistas, muito embora quando se revezam na oposição façam da regionalização uma bandeira ou um cavalo de batalha que rapidamente esquecem quando chega a hora de repartir o bolo do poder pelas clientelas até à última migalha. Honra seja feita a Macário Correia que ao tomar posse da presidência da Grande Área Metropolitana – que mesmo em matéria de descentralização é uma descentralização em pijama – lá se referiu à tal futura Região ou ao tal futuro decreto a vir lá de cima e nada mais.

Claro que não seria de esperar que os partidos dessem o apoio à criação de um fórum cívico ou de cidadania para, com abrangência e sem jogos de poder, imprimir dinâmica, participação e criatividade à ideia da Região – sim, qualquer coisa como um Fórum para a Região do Algarve, comprometendo escolas superiores, instituições independentes, personalidades... enfim, as forças que o Algarve tem, diz ou pensa ter. Confesso que esperava que o PS de Miguel Freitas desse uma arrancada agora que esse partido está livre de espírito, mas não deu.

Carlos Albino

quinta-feira, 20 de maio de 2004

SMS 54. Desalento

20 Maio 2004

O discurso político é pobre.

Os líderes partidários ou não dizem coisa com coisa, ou quando dizem é em função de interesses, sobretudo os interesses de carreira política pessoal – tudo calculado numa espécie de jogo.

Quanto aos eleitos, então alguns, seria melhor que não abrissem a boca – há presidentes de juntas que já exibem como luxo uma mentalidade rasteira de mercearia; há presidentes de câmara cujo discurso está ao nível dos dirigentes partidários e por isso elogiam-se uns aos outros; e há deputados cujas manifestações secundárias de adolescência nem aos adolescentes deverá agradar.

Quanto aos técnicos, maior é o desalento – há arquitectos camarários que andam a brincar às palmeiras e repuxos nas cidades, há directores de bibliotecas que só falam de si próprios no que talvez tenham razão porque as câmaras e já agora os jornais, estão cheios de animadores culturais.

Na verdade, começo a não acreditar no Algarve e por um triz esta SMS não seria mesmo a última. E para que não digam que evito as palavras, pois aqui vão as palavras: o PSD tem muita culpa, o PS tem muito mais e no resto há brincalhões, brincalhões.

Carlos Albino

sexta-feira, 14 de maio de 2004

SMS 53. Combustíveis com estranho sotaque

13 Maio 2004

1 – Sim, Gillian Ann Fox, de que nunca ouvi falar, quer instalar uma armazenagem 4480 litros de combustíveis na Foz de Oleleite (Castro Marim).
2 – Também Rainer Offermann quer armazenar 2500 litros de combustíveis numa dita Casa Lontona, no Vale do Milho (Lagoa).
3 – Igualmente Elvira Brunk requereu licença para armazenar 2500 litros de combustíveis no recôndito Sítio do Zambujal (Boliqueime).
4 – Mais, Andrew Ian Hogg almeja armazenar a mesma quantidade de 2500 litros de combustíveis no também recôndito Sítio do Malhão (Paderne).
5 – Finalmente, a firma Pierre Lamar Limited de que também nunca ouvi falar quer armazenar 2500 litros de combustíveis numa dita Vila Palmela, na Estrada do Garrão (Almansil).

Como manda a lei, a Direcção Regional do Algarve do Ministério da Economia fez publicar os editais em 30 de Abril pelo menos num jornal tão recôndito como os lugares dos combustíveis, dando o prazo de 20 dias para as reclamações por escrito, portanto até 20 deste mês. É óbvio que ninguém irá reclamar quase pela certa, até porque no Sítio do Zambujal e no Sítio do Malhão não há vivalma que possa reclamar, ou se há, tanto lhe faz. Mas reclama-se aqui.

Então, por um lado, andam os Municípios tão zelosos em erguer as suas zonas ou áreas industriais e, por outro lado, pinta-se o mapa com milhares de combustíveis aqui e outros milhares ali? Então, por um lado, anda-se a promover e a estimular o turismo rural, e, por outro lado, nas mesmíssimas zonas rurais e pelos respectivos caminhos rurais onde mal cabe um dois cavalos, plantam-se armazéns de combustíveis? O Director Regional do Ministério da Economia não reparou nas coincidências?

Um Algarve assim com tanto combustível armazenado não é um cartaz turístico, é um atentado suicida.

Carlos Albino

quinta-feira, 6 de maio de 2004

SMS 52: José Barão

06 Maio 2004

A 17 de Agosto, é o centenário do nascimento do Jornalista José Barão que fundou o Jornal do Algarve em 1957. Sem mais ou grandes considerandos, sugiro a criação de um Grande Prémio de Imprensa do Algarve, com o seu nome, anual, e que, por dois modos, distinga em acto público, por um lado, a carreira de alguma personalidade algarvia relevante na área da Comunicação Social, e por outro lado, o conjunto dos melhores trabalhos de um Jornalista (algarvio ou não, português ou não) publicados ou difundidos no ano anterior sobre questão ou questões relacionadas com o Algarve. Essas duas distinções, fazem falta no calendário algarvio.

Carlos Albino

quinta-feira, 29 de abril de 2004

SMS 51: A Mãe Soberana fez um milagre em Loulé!

29 Abril 2004

A festa louletana da Mãe Soberana é uma festa mais que milenar e facilmente se identifica como sequência de uma velhíssima tradição anterior – está documentado que Diana era venerada em Loulé nos tempos romanos (as lupercalia…) e os devotos de há dois milénios designavam aquela entidade como a «Sancta» ou também como a «Mater Soberana», curiosamente as mesmíssimas palavras que os louletanos de hoje empregam. O Município de Loulé faz mal em embarcar nesse fundamentalismo redutor dos 450 anos que é mais uma manifestação secundária do Concílio de Trento, e a Igreja Católica mal faz em não aceitar ou não assumir que é a herdeira de tradições místicas dos tempos do paganismo aos quais ninguém deseja voltar mas que não podem ser alvo de inquisições inúteis. Aliás, os louletanos são «louletanos» e não louleeiros ou louleenses porque aquele «t» fatal terá a haver alguma coisa com a antecessora de Diana… Um dia falaremos disto aqui, mas vamos ao que interessa e o que interessa é que a Mãe Soberana fez, no Domingo passado, comprovadamente um grande milagre em Loulé, pois milagre foi: pela primeira vez, a Santa uniu na sua corrida triunfal pela ladeira acima, o Poder, a Oposição e a Independência! Confesso que nunca pensei que o deputado do PSD e presidente da Assembleia Municipal, Patinha Antão tivesse força nas pernas para chegar lá ao alto, pois também sempre comprovei que o Luís Filipe Madeira só conseguiria subir aquilo a cavalo, a pé jamais; nunca tinha visto o presidente da Câmara, Seruca Emídio, também do PSD, de braço dado fosse com quem fosse, a «empurrar» a Santa ao passo marcado pela ímpar marcha dos Artistas de Minerva (sempre, em anos anteriores, o tinha notado a ver a banda passar); também não faltarei à verdade se disser que o líder da oposição local e anterior presidente Vítor Aleixo (PS) há anos que sobe com a Mãe Soberana ao meu lado, sendo ele um convertido mais tardio que André Magrinho que foi uma das melhores inteligências económicas do primeiro-ministro Guterres e que também sobe todos os anos - o que não é milagre, uma vez que a gente da minha geração sobe porque «a Santa está na alma» que é o que se acaba sempre por dizer aos sacerdotes católicos lá em cima, quando agnósticos inquietos, ateus serenos e crentes convictos, todos estão juntos, parecendo aquilo o concílio mais ecuménico do Mundo! Rimo-nos, abraçamo-nos, respeitamo-nos, enfim nada temos a ver com aqueles que dividem e se rebentam, rebentando o Mundo. Ora aqui está o valor da grande festa de Loulé que, obviamente, sendo coisa também para turistas admirarem, não é uma festa turística. É sobretudo uma festa da convicção humana e do Humanismo. É claro que na subida deste ano só faltou ainda Cavaco Silva mas suspeito que para o ano ele lá se decidirá a ir, suspeito… Ora eu creio que tendo o andor da Santa arrastado este ano, à frente ou atrás, não interessa, Seruca Emídio, Vítor Aleixo, Patinha Antão e André Magrinho e, para mais – para maior perfeição do milagre - acabando todos por se reunir lá em cima para escutarem o bispo louletano D. António Carrilho, foi milagre deveras, muito embora, sendo festa, tudo terminou em festa que também se desarma. Mas foi um milagre que eu, com a independência que reclamo sem qualquer suspeição, peço que se repita em 2005. Seruca Emídio e Vítor Aleixo só fazem bem mesmo que o armistício seja breve. A Santa registou porque os armistícios breves estimulam a serenidade da crítica e da democracia para os dias seguintes, mesmo que a democracia louletana continue a ser uma promessa a pagar à Mãe Soberana…

Carlos Albino

quinta-feira, 22 de abril de 2004

SMS 50:Bodas de Ouro! Honra lhe seja feita

22 Abril 2004

E assim chegamos ao Número 50 destes modestos apontamentos semanais – são as Bodas de Ouro pois, para muitos leitores, esperar uma semana continua a ser um ano. Justifica-se o balanço:

• As Câmaras do Algarve continuam com obras fundamentais adiadas e o poder central (todos os poderes centrais) continuam a ter pelo Algarve o maior desprezo. Correios, florestas e o mais que se avizinha… tudo a mudar para os alentejanos de Évora que pensam devagar mas dominam o Terreiro do Paço.

• E o Presidente Sampaio? Nem uma palavra. Entendeu não visitar o pobre nordeste algarvio e muito menos as terras queimadas de Monchique e Silves.

• Estádio Algarve ou Estádio Louletano? Tenho pena de José Vitorino que há tantos e tantos meses anda a dar 25% do seu ordenado para o Farense…

• Droga, álcool e barulho continuam. Portimão não teve a gentileza de convidar o presidente do parlamento argelino, Karin Younss. O ano de 2004 está longe de ser um ano de clarificação para o Algarve, por mais que José Apolinário, como bom homem do Pechão, pergunte, requeira, reúna, se desloque, se insurja, aponte, enumere, difunda…

Maestro Álvaro Cassuto? Agora somos nós que estamos em falta. Um grande maestro a que não hesitamos chamar já Algarvio.

• Eurodeputados «do Algarve»? O que é isso? Mendes Bota ainda tem que esperar algum tempo pela resposta à interrogação. Tenha paciência como paciente será a oligarquia de Alte, honra lhe seja feita.

• Descentralização. Aí temos a Grande Área Metropolitana. A questão marginal ou acessória está resolvida e o resto, como diz o meu amigo do Cachopo, são «pormenores fundamentais».

• O secretário de Estado do Turismo, Correia da Silva continua a não pedir desculpas à Universidade do Algarve como se fosse alentejano de Évora. E se calhar é.

• E, já agora, se faz favor Luís Villas-Boas, continue a resistir.

• Continuo a aguardar que o presidente da RTA, Hélder Martins, apresente o seu curriculum profissional por dever de resposta, tal como continuo a aguardar que Paulo Neves seja acusado de qualquer coisa como até agora não foi – antes pelo contrário viu a sua gestão aprovada na íntegra e sem reparos. Foi uma coisa suja e há por aí aprendizes de jornalismo que não perceberam que antes de escrutinarem os perseguidos por um polícia, devem e têm que, por imperativo ético e deontológico, escrutinar o perseguidor.

quinta-feira, 15 de abril de 2004

SMS 49: A qualidade de vida da minha rua…

15 Abril 2004

Esclareço, antes de tudo: a minha rua não entrou e possivelmente jamais entrará na história mundial, embora não fique a destoar de muitas ruas já célebres do Afeganistão, do Iraque e mesmo da Somália famosas por aquela selvajaria que é a irmã gémea da poeira suja, do ruído agressor e da falta de decoro. E sendo uma rua de Loulé, não foi certamente por causa da minha rua que Loulé se tornou cidade. No entanto, para os que vivem nesses cento e vinte, talvez cento e cinquenta metros e para os que aí nasceram conservando o lugar do berço como dever sagrado - pelo que legitimamente continuam a dizer «a minha rua» - trata-se de uma rua inacreditável. Os veículos, entre abandonados, à venda por oitocentos euros ou mesmo os de gama impante, além de num exercício de anti-civismo escroque ocuparem em absoluto os passeios assim tornados intransitáveis, também estacionam em segunda e em terceira fila até ao traço central que os homens camarários, há duas semanas, andaram a pintar no alcatrão num louvável assomo de modernidade, pelo que esse traço acaba por ser útil como guia único para as centenas de crianças saídas das aulas, para os velhotes de bengala e para as mães com carrinhos de bebé que se afoitam às curvas para evitar o carro furioso que vem de baixo e as grandes motas de escape aberto que vêm de cima como nos espectáculos do poço da morte. E ali estão dezenas de motos sobre a calçada com lavagens oficinais para a valeta pública onde poeiras e óleo fazem pasta. Além, há bilhas de gás, e mais além, bilhas de gás há que não estoiram porque não há acidente nem acasos e os bombeiros estão perto. Naquele espaço público de recanto, dezenas de grades vermelhas de vasilhame seguem a rigor a opção estética habitual em Casablanca. E por aí se aproxima o dia em que pessoa particular pede ao presidente da Câmara uma ingénua licença de ruído, mas como vem acontecendo há anos com a maior das impunidades, no que uma simples licença de ruído resulta? Pois chega a resultar no corte da via pública e na transformação da rua em grande esplanada de frango assado e sardinhada, com palco de origem municipal armado e ligação da energia à rede de distribuição pública – tudo isto, imagine-se, para celebrar um exótico santo popular que ninguém conhece naquelas paragens mas que corresponde ao nome geral dos donos do estabelecimento comercial assim favorecido e que consegue a proeza e os genitivos da proeza – está lá o poste metálico, inclinado já a quinze graus, à espera da função e do regabofe dos favores administrativos. Não falarei já dos ruídos de um pequeno bar feito discoteca por sua vez feito sala de espectáculos com música ao vivo aleatoriamente nos mais elevados decibéis até às três, quatro, cinco e seis da madrugada que já outro dia; não falarei dos donos dos cães e do que estes fazem por aqueles, ambos sumindo-se no que imaginam deixar para trás invisível; não falarei do facto de se ter perdido já a memória da pressão da água de uma agulheta a limpar os dejectos, as lamas, os óleos e os ossos dos cães que se acumulam nas rodas dos carros abandonados e não falarei dos ralis inglórios que o rapaz camarário faz com seu carrinho varredor que nada pode varrer onde deveria varrer; não falarei do lugar onde houve um grande chafariz, derrubado para aí surgir um chafariz pequeno mas onde até os burros iam beber sozinhos aprendendo o caminho de cor e que acabou por ser igualmente derrubado para dar lugar a uma sebe com um poste ao meio, como acontece em todas as ruas famosas do terceiro mundo. No entanto, apesar desta evidente qualidade de vida que a minha rua oferece, lá vou acarretando para aquela casa onde nasci, os meus livros e documentos que certamente doarei a sítio público de Loulé. Não tenho é coragem de convidar ninguém para lá ficar um dia ou pernoitar uma noite que seja – a «qualidade de vida» da minha rua de Loulé equivaleria a um castigo que os meus amigos não merecem.

Carlos Albino

quinta-feira, 8 de abril de 2004

SMS 48: CTT, uma lástima

08 Abril 2004

Os Correios de Portugal, S.A. ou CTT, S.A. são uma pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. No fundo, o privado é por enquanto uma redundância a encobrir certamente intenções que estão longe de ser públicas. Em todo o caso, o presidente dos Correios, Carlos Horta e Costa que, na fotografia hieratizada para os portugueses on line, surge em mangas de camisa apoiando o queixo em mão de pensador perscutante - como agora parece ser obrigatório na imitação serôdia dos empresários norte-americanos dos idos anos 70 – garante-nos que «a reformulação levada a cabo (nos CTT) tornará a empresa mais ágil, eficiente e inovadora». E naturalmente, como os CTT são, por enquanto, de capitais exclusivamente públicos, Horta e Costa acrescenta o óbvio descargo de consciência: «queremos que os nossos clientes nos sintam como um parceiro de negócio com a preocupação central de oferecer as melhores soluções e elevar a qualidade de serviço». Não se questiona que os CTT de Horta e Costa tenham que preparar-se para enfrentar novos desafios, embora ele destaque o da «liberalização de mercado» - objectivo que, como se sabe e à falta, por enquanto, da mão espanhola no nosso sistema de serviço postal universal, em todo o terceiro mundo se consegue através de protocolos com juntas de freguesia… Mas não é de Espanha (que tem a distribuição postal numa lástima, tal como a Alemanha, a Suécia…) que importa falar aqui. Falemos do Algarve que, até sob o ponto de vista postal e dos serviços financeiros postais, é uma região caracterizada. Pois o que fez Horta e Costa para tornar a sua empresa de capitais exclusivamente públicos numa empresa supostamente «eficiente e competitiva, rentável e com qualidade» no Algarve? Bem, Horta e Costa fez isto: acabou com a direcção regional dos CTT e mudou-a para Évora, sem escrutinar a decisão com os «parceiros do negócio». Foi uma desastrosa decisão e as consequências estão à vista. Os CTT que já mentiam na sigla (o primeiro T de Telégrafos falta à verdade e ao segundo T de Telefones até os dentes lhe caiem) também passaram a não ser confiáveis no C de Correios. Na verdade, ao mudar o quartel para Évora, Horta e Costa acabou com os Correios no Algarve, além de, segundo parece, ter falhado nessa ideia peregrina de fazer converter os presidentes de junta em parceiros de balcão. Digamos que, no que diz respeito ao Algarve, Horta e Costa brincou em demasia com capitais exclusivamente públicos. Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino

sexta-feira, 2 de abril de 2004

SMS 47: Luís Villas-Boas, se faz favor, resista!

01 Abril 2004

Sim, Faro é uma planura mas, nas imediações do Refúgio Aboim Ascensão, surgiu um enorme monte. Um monte de inveja, cobiças, ressaibo e perversões ali mesmo a cair sobre o Centro de Emergência Infantil e, claro, sobre o bom, abnegado e, na matéria de apoio a crianças, o sábio homem que é Luís Villas-Boas. Primeiro, foram umas contas mal interpretadas pelo jornalismo de trazer por casa a tentar fazer a cama da montanha, sem êxito, diga-se. Depois, há mês e tal, foi a questão da adopção de crianças por «casais» de homossexuais. E sendo esta uma questão que lança as maiores dúvidas e até os mais sérios debates na generalidade dos países, aqui, em Portugal, foi a aberrante sanha de uns tantos que querem impor a excepção tolerada como regra, a margem compreensível da natureza como normalidade e a sublimação questionável da apetência como instinto consagrado. E finalmente, na semana passada, foi o ataque descabelado a propósito dos cuidados especiais que as crianças seropositivas requerem e que o Refúgio não está preparado para prestar mas que afinal nunca recusou. Ora havendo mais de 600 instituições em Portugal que se dedicam a apoiar nos primeiros anos de vida as crianças atiradas ao lixo - por entre elas a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com cerca de 3.500 funcionários! - e todas procedendo de igual forma como o Refúgio, porque razão essa campanha contra Villas-Boas? Porquê a actividade vulcânica desse estranho sindicato que emite não menos estranhos pseudópodes em televisões e jornais de primeira, atirando-se exclusivamente contra o Refúgio e vendo-se nitidamente que, a qualquer pretexto, visa perfidamente um homem – Luís Villas-Boas? Pois essa minoria de gente que de inquirida passou rapidamente a inquisidora, o que faz, em vez de avaliar serenamente a experiência de um homem que, quase a partir do zero, construiu uma instituição modelar no País - melhor dito e sem hesitação, modelar na Europa, conhecida e reconhecida pelo mundo afora – o que faz? Faz aquela montanha que já cheira mal. Daí que tenha de dizer: Luís Villas-Boas, resista se faz favor! Neste momento tem 98 crianças para cuidar, as duas últimas abandonadas no último sábado, e você estava ao pé delas já a noite entrava adentro, quando por certo os seus algozes improvisados estariam distendidamente a alegrar-se com o balanço da refrega. Resista, se faz favor, porque não está sozinho.

Carlos Albino

sexta-feira, 26 de março de 2004

SMS 46: Ora aqui está um bom slogan!

25 Março 2004

Possivelmente o que vou escrever é coisa já requentada e conhecida de todos, menos por mim. Pois estava eu muito longe da filosofia e exasperado com a sujidade e o ruído das ruas (já por aqui uma vez se garantiu que muitas das nossas cidades algarvias de marca estão perto do nojo que grande parte do terceiro mundo já varre) mas ao entrar num café, olho, leio um letreiro e de imediato me recordo de Unamuno. Lembrei-me de como o filósofo espanhol foi pelo pensamento afora quando ao entrar numa velha farmácia de Valência, encontrou na parede um letreiro com a fórmula para a última tentativa de salvação do moribundo que tivesse experimentado remédios indicados atrás de remédios, sem resultado para debelar o mal desconhecido. A fórmula do boticário de Valência chamava-se treuka máxima e consistiia numa mistura das parcelas de toda a medicamentação conhecida, fosse ela qual fosse - a esperança era a de que alguma dessas parcelas, na misturada de centenas e centenas, acertasse contra as causas do mal.

Ora nesse café de uns uns 16 metros quadrados apenas (para mais um café de Loulé que é a capital da algazarra) acabei de encontrar coisa semelhante à treuka achada por Unamuno, para a pior doença do Algarve que é o barulho selvagem, portanto um barulho mortal. O que diz o letreiro? Isto: «A Terra tem 5 Oceanos, 7 Mares, 5 Continentes, 513 milhões de quilómetros quadrados… e você vem fazer barulho para aqui?» Estão a ver o remédio, não estão? Eu fui pelo pensamento afora e vi o remédio…

Carlos Albino

quarta-feira, 17 de março de 2004

SMS 45: O que é ser Algarvio ?

18 Março 2004

Não é que pensar nisto provoque um cansaço cerebral, mas vale a pena pensar nisso de vez em quando. O que, ao longo dos séculos - arriscar-me-ia a escrever mesmo milénios - caracteriza esta Querida Terra, é ser ela uma plataforma de gente que entra e de gente que sai, ficando naturalmente alguma gente parente de todas as outras gentes. Não somos algarvios pelo sangue, mas pelo território aberto. O Algarvio é, pois, aquele «que está aqui», se identifica com a Terra onde está, e que em algum momento, começou a amar a Claridade e a Nitidez, quer na natureza, quer nas relações humanas. Coisa simples e universal. Por isso, o Algarvio é simples e é universal. É anti-fundamentalista, assim mesmo: anti-fundamentalista. De corpo e de espírito. Noutras paragens, a coisa é diferente e, entre outros exemplos, se me permitem dou um testemunho pessoal. Há já alguns anos, o homem que ficou como carismático director do Jornal do Fundão que é de pura matriz beirã, precisamente o saudoso António Paulouro, pediu-me para, na prática, salvar-lhe o jornal. Aquilo estava num imbróglio técnico, numa grande confusão em termos de organização jornalística. Por alguns meses fiz o trabalho que foi levado a bom porto e a imagem, estilo e cunho que inculquei no jornal perdura até hoje em laivos identificáveis. Só que houve uma barreira, uma fronteira intransponível: o que, para além do «fazer o jornal» eu escrevesse, não tinha a «sensibilidade beirã» porque não era da Beira, era Algarvio… E como para deixar de ser «algarvio» para passar a ser «outra coisa» não vale a pena fazer muito esforço, retirei-me pela esquerda alta, salvando a amizade e o respeito recíproco, ficando eu sem perceber - diga-se, até hoje - o que é «ser Beirão»! Ora vejam como no Algarve as coisas são completamente diferentes, e nos exemplos do mesmo campo. Repugna a alguém que um transmontano escreva sobre Aljezur? E que uma minhota escreva sobre Albufeira? E que um ribatejano escreva sobre Faro? E que todos passem por Algarvios? Desde que pensem como seres liberais e, sobretudo amem a Terra, ninguém vai questionar o transmontano, a minhota ou o ribatejano… Sempre assim foi. Os desertores polacos da tropa napoleónica ocupante do Algarve não nos deixaram o acordeão, o corridinho sem letra e a cataplana? Deixaram, e hoje são coisas «algarvias». Os transmontanos que, transportados por galegos, para aqui emigraram nos séculos XVI, XVII e XVIII não nos deixaram os romances e o cancioneiro da serra que o Teófilo Braga em boa hora recolheu assinalando as variantes da origem do extremo norte? Também deixaram. Não vejo nenhum mal em que o Algarve continue a ser a plataforma milenarmente movimentada, uma Terra de chegada para uns, de partida para outros e de permanência para os que por aqui ficaram adoptados como liberais, de espírito aberto e universal. Os bandidos é que estão a mais, como outrora os piratas de costa, fossem eles mouros ou britânicos… O bandido é que jamais poderá ser Algarvio mesmo que as estatísticas o mostrem como tal e se apresente vestido de médico, de jornalista ou de trolha. E basta por hoje.

Carlos Albino

quinta-feira, 11 de março de 2004

SMS 44: Triste cena essa, a de Correia da Silva

11 Março 2004

O secretário de Estado Correia da Silva, vai para quase um ano, condenou o Observatório do Turismo à morte pelo garrote que é a pior das mortes que um projecto pode ter, sobretudo quando a pena é executada pela política encapuzada. Correia da Silva lançou publicamente um acusatório contra o Observatório e, implicitamente, contra os investigadores que o compunham e as instituições que eram, em última análise, o respaldo científico da iniciativa, no caso a Universidade do Algarve e a Universidade de Aveiro. Disse esse secretário de Estado que o Observatório não tinha feito nada na vida e que nenhuns resultados tinha produzido. Cedo me pareceu que Correia da Silva entrou pelo campo da irresponsabilidade política porque ele não fez avançar nenhuma prova consistente e nenhum argumento susceptível de discussão – atirou palavras para o ar. O secretário de Estado foi na onda de dissolver o que podia dissolver julgando que com isso agradaria certamente a Manuela Ferreira Leite. Foi uma triste cena essa a de Correia da Silva. Sei que muita gente desejará um «turismo à balda», sem avaliação estatística criteriosa, sem qualquer escrutínio relativamente às questões do ordenamento do território, sem observação do emprego, da actividade empresarial e, naturalmente, sem uma dissertação correcta da Qualidade (letra maiúscula, por favor!) do Turismo. Correia da Silva já devia ter pedido desculpas públicas do que disse, já devia ter emendado o que fez e já devia ter percebido que, como secretário de Estado, não podia ter brincado com coisas sérias. Um governante não pode andar e decidir na política como se fosse uma espécie de motar a desafiar a vida em sentido contrário nas auto-estradas. Voltarei à questão.

Carlos Albino

quarta-feira, 3 de março de 2004

SMS 43: E garantem-me que já há especialistas em construção de ruínas...

5 Março 2004

Pasmo: em plena cidade, uma casa sem passeio e portanto sobre a estrada, recebe um primeiro andar falso e estende mais por uns valentes metros quadrados. Licença? Para quê a licença se o proprietário é funcionário municipal? Tudo clandestino. O presidente deve saber, o fiscal fecha os olhos, o mamarracho ali fica para a posteridade... É claro que o dono disto se ri dos que, com todo o escrúpulo e zelo pela lei, aguardam há meses, anos, vários anos por alguma licença de obras.

E aquela casa mesmo à beira da estrada? Bem, essa recebe dois andares. Também sem qualquer licença. Tudo clandestino. Os da junta encolhem os ombros, a carrinha do fiscal passa sem travar. Para quê travar? Ou não é verdade que, uns cinquenta metros abaixo, um antigo e exíguo salão de baile deu em vasto armazém de alfarroba, com mais cinco metros para cima, um enorme portão de ferro em vez da velha portinha e o dono a rir-se? Não tinha ele, mesmo em frente ocupado metade de uma via pública para idêntica façanha clandestina? Para quê licença?

Estes são apenas dois exemplos de como o Algarve das obras clandestinas está a tornar-se insuportável. São exemplos miúdos, porque há também os graúdos! Sim, os graúdos em quem ninguém pode tocar no receio de represálias na próxima campanha eleitoral...

E garantem-me que há já por aí firmas «especializadas» em construção de ruínas em lugares ermos, seja em terrenos só de lavoura ou mesmo em encosta íngreme de pedras! Tudo para que a ilegalidade das obras, com esse passe de mágica, se torne – imaginem – legal!

Neste panorama de ilegalidades monstruosas - em que tanto os decisores cá de baixo mas que, nas câmaras, condicionam os decisores lá de cima, como os fiscais de rua que a olhos vistos enriquecem sem justa causa, tornam obviamente obrigatório o perdão imediato a qualquer GNR de trânsito apanhado com uma perna de fora no quartel de Albufeira - o cumprimento da lei, para o cidadão que queira ser íntegro, acaba por se transformar numa punição. Numa injusta e irremediável punição.

E o curioso é que não há campanha eleitoral local, desde Aljezur a Alcoutim e entre Castro Marim e Vila do Bispo, que nos últimos trinta anos não tenha sido feita «contra a corrupção»... Perante tanta honestidade não me curvo apenas – faço uma circunferência!

Carlos Albino

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

SMS 42: Desculpem-me, mas dou um conselho

27 Fevereiro 2004

Acabo de ouvir pela rádio uma intervenção pública de um autarca algarvio. Não interessa saber-se agora quem é, nem do que falou nem para quem falou. Não quero «fulanizar», como agora se diz quando um texto é incómodo, e muito menos desejo converter pessoa tão bem convencida e melhor rodeada, em vítima a concitar a misericórdia e a compaixão. Assim diz-se melhor o que se tem para dizer. Desde que este ano de 2004 começou, já deve ser a vigéssima personalidade pública de relevo que – ou pelo que ouço ou pelo que leio - mostra à evidência desconhecer a gramática portuguesa, ou dar notórios sinais de que pouco ou nada percebe do que fala, e, com todo o àvontade da terra e dos céus, mergulha o cérebro na celha dos maiores disparates. Desculpem-me mas dou um conselho: levem ao menos o discursozito escrito, razoavelmente bem pensado e não tenham vergonha de pedir uma opinião prévia a quem sabe sobre a matéria que estiver em causa. Falar bem de improviso não é apenas um acto de coragem ou de «treino» como os ignorantes reciprocamente se desculpam e estimulam quando sobem pelos escadotes podres dos partidos. E se o falar, só por si, é um acto de responsabilidade sobretudo quando se fala «em nome de...», o falar de improviso quando não se percebe patavina da matéria é um acto de desrespeito grosseiro. Na verdade, tenho de dizer: a «qualidade» do discurso público no Algarve anda muito por baixo e toca no ridículo.

Carlos Albino

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

SMS 41: Duas Guinés-Bissaus? Não, obrigado

19 Fevereiro 2004

1 . Cheiro da Serra e odor da Doca. Naturalmente que prefiro ver Aljezur, Monchique, São Brás de Alportel e Alcoutim integrados numa Grande Área Metropolitana. O cheiro da Serra incomoda-me menos do que o da Doca de Faro em hora de maré baixa. Além disso prefiro ver todos os concelhos da linha serrana numa única área muito embora admita que o poder central – seja qual for o partido que por ele ande a rolar – gostará de ver o Algarve dividido para melhor reinar. Sabe-se como isso tem acontecido com os Municípios e não vale a pena gastar espaço em dissertações sobre o óbvio. E mais: prefiro ver sempre algum concelho da linha serrana ou na presidência ou numa das vice-presidências de uma Junta Metropolitana do Algarve, do que vê-los como caniches atrelados a alguma Comunidade Urbana ou a alguma Associação Intermunicipal que, no Algarve, serão mais tarde ou mais cedo sempre fórmulas para dividir tudo isto em duas Guinés-Bissaus a bem da truculenta Grande Imobiliária que, no mesmo Algarve, tem sido anti-cosmopolita, anti-metropolitana e já agora anti-Região. Além disso, não gosto de caniches em Política – nem são cães nem são gatos.

2. Acusaram o toque. Naturalmente que a Região-Piloto do Algarve nunca esteve na Constituição... mas o incómodo dessa ideia acompanhou a Lei Fundamental desde as constituintes a todas as cenas de revisões (a de 1982 foi o exemplo da tal traição). A imposição da «simultaneidade» para as regiões administrativas teve apenas um fim em vista: inviabilizar qualquer pretensão algarvia, e que um eventual êxito da regionalização, mesmo que em regime experimental, contaminasse o País. Daí que tenhamos escrito e voltemos a escrever: a Região-Piloto esteve lá, fez parte do espírito da Lei Fundamental mas foi retirada por uns braços no ar a que – logo vi – só lhes interessava fazer uma Oligarquia no Algarve e não uma Região. Os braços acusaram o toque e fiquemos por aqui. Além disso, não gosto de oligarcas em Política – nem são caniches nem são domadores de circo.

3. Curiosamente. Até agora, sempre que têm estado no poder, tanto o PS como o PSD revelam-se fortissimos zeladores do Poder Centralizador em detrimento da Regionalização, esquecendo o discurso de campanha. Mas sempre que voltam ou alternam na oposição, também cada um desses partidos volta a reivindicar a Regionalização... Nestas alterações de comportamento (no poder e na oposição) as elites «distritais» que, por regra, sobrevivem da nomenclatura centralista só enganam quem quer ser enganado. Recordo-me por exemplo, de um inquérito feito em 1996, pelo Expresso, junto de 15 dos 19 presidentes das distriatis do PSD – apenas Mendes Bota (então a liderar a distrital de Faro) se declarou «inquestionávelmente favorável» à regionalização. Claro que os restantes 14 então homólogos de Mendes Bota não tinham ainda tido tempo para compreender que a promessa eleitoral de regionalização feita pelo PS não era para cumprir e que o referendo (ou a forma como referendo foi montado) equivaleu a um lavar de mãos. Tal como na revisão de 1982.

Carlos Albino

terça-feira, 17 de fevereiro de 2004

SMS 40: Possivelmente estamos cansados

12 Fevereiro 2004

Não é verdade que em 1998, o referendo sobre a regionalização foi transformado numa batalha entre o partido então no Governo e o partdo então na primeira linha da oposição? O resultado viu-se: mais de 50 por cento de portugueses pura e simplesmente se abstiveram. E não falemos mais do passado (as autárquicas como pretexto para a inexplicável fuga de Guterres do Governo...) porque basta estar-se atento ao que se aproxima, pelo que aí vem a pergunta no mesmo tom – não é verdade que, a propósito de eleições europeias, o principal partido agora na primeira linha da oposição já deu indicações de que considera esse sufrágio como argumento válido para chumbar o partido agora no Governo? «E o que é que uma coisa tem com a outra?» pergunta sempre aquele caçador do Cachopo quando, no preciso momento em que ele alveja uma perdiz, alguém lhe diz, para travar a cartuchada, que a apanha de amêijoa está proibida... Na verdade, já cansa ver como os partidos, na ânsia de reocuparem ou conservarem ou voltarem a ocupar o aparelho central do Estado, até da proibição da amêijoa se servem para impedirem algum tiro numa perdiz. E digo isto porque o meu amigo José Lança lançou uma dúvida pertinente: a de não se saber pela certa se de facto os Algarvios querem a Região do Algarve. O referendo de 1998 quanto a isso foi inconclusivo, ou melhor: nada tinha ou teve a ver com isso. Mas para além da pertinência da dúvida, admita-se é que os Algarvios começam é a ficar cansados de uma meta política face à qual é o Estado que não cumpriu a Constituição pela confusão que se arrasta - vai para trinta anos! - entre perdiz e amêijoa. A abstenção é a resposta. Infelizmente, mas é a resposta. Pobre perdiz.

PS: Na próxima SMS vamo-nos lembrar da resposta de Mendes Bota em 1996 e de como em 2004 ficará melhor a Alcoutim e Aljezur serem metropolitanos ao lado de Tavira e Lagos do que contunarem a ser humilhados como serrenhos. É só para adiantar.

Carlos Albino

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004

SMS 39: Gato por lebre...

05 Fevereiro 2004

Fez bem o Director do Jornal do Algarve, Fernando Reis, alertar para as diferenças entre desconcentração, descentralização e regionalização. É coisa que há muitos, muitos anos é dos livros, mas os políticos têm usado esses termos segundo as conveniências do momento ou, como se costuma dizer, sobretudo no Cachopo, têm vendido gato por lebre. Na verdade, mal se decidiu alguma desconcentração a trinta por cento lá vinha o ministro da festa (senão até o próprio primeiro-ministro da fanfarra!) falar em Faro de «descentralização» - falso! E mal essa tímida generosidade do poder central subia para os quarenta e cinco por cento, lá vinham os mesmos, dessa vez a falar em «regionalização» - falsíssimo! Por esse andar, não seria de espantar que, em caso da singela desconcentração subir aos oitenta por cento, para aí surgissem os mesmos ou outros por eles, a dizerem que, com isso, se consumaria a plena independência do Algarve como Estado soberano! A falsidade não foi tão longe mas esses caçadores da política obrigaram muita gente a comer gato por lebre. Mas onde é que está afinal desconcentração no Algarve? Tímida e muito pouca. E a descentralização? Quase nenhuma. E a regionalização? Nada, absolutamente nada. E tanto que é assim, que há muito «director regional» que mais não é, ou pouco mais é que o equivalente a chefe de divisão do respectivo Ministério da tutela. O resto é apenas «consideração pessoal». Foi este rosário de falsidades começou por punir os Municípios e acabou também por ferir de morte as poucas instituições «distritais» que por aí andavam a arrastar as pernas sem incumbências, sem competências e, sobretudo, sem respaldo institucional. Mas, mais grave, tais falsidades acabaram por impedir que a desconcentração efectiva fosse a pedagogia para a descencentralização, e esta fosse a pedagogia para a regionalização como patamares ou degraus que uma Democracia faria supor. Ora, como se sabe, em Política (letra grande, se faz favor…) é muito mais difícil eliminar um moribundo do que enterrar um morto. Por isso, os governadores civis têm vivido o drama de sentirem, ou quererem, ou ainda serem tentados a representar este «distrito», que foi «província» e até já foi «reino», mas não passando de meras extensões do Governo pelo que quanto mais grave foi a borrasca mais isso se percebia. E também foi por isso que Macário Correia (parabéns que tem a sua cidade de Tavira muito bonita) ousou com coragem, num debate em Outubro e perante membros do Governo, estranhar que, tendo a Assembleia Distrital de Faro, deliberado em reunião ordinária, comunicar ao Governo a sua totalidade inutilidade «este não encontre solução para a dar por extinta»… A fábula mostra que, no Algarve, qualquer «associação intermunicipal» seja ela de fins gerais ou de fins específicos, como alternativa a uma Grande Área Metropolitana - aceite estrategicamente como degrau para a Região que não há - mais década menos década terá a mesma sina da moribunda Assembleia Distrital. Pensem bem nisto. Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino

sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

SMS 38: A superfície da Área e o volume da Região...

29 Janeiro 2004

Essa ideia peregrina de dividir o Algarve em duas comunidades urbanas, supostamente uma polarizada em Portimão e outra em Faro, é de quem não conhece o Algarve ou, se conhece, quer deliberadamente feri-lo de morte arrancando-lhe por decreto o coração da unidade, vazando-lhe por despacho o sangue da coesão e, no estilo próprio dos bichos das campas rasas, dividindo o cadáver para reinar. A solução que, em última análise, consistiu em atirar para o ar - ou em sortear como na lotaria da Santa Casa – as Grandes Áreas Metropolitanas, as Comunidades Urbanas, as Comunidades Intermunicipais de fins gerais e as Associações de Municípios de fins específicos, é uma solução copiada daqui e dali, não é original. Mas admita-se que tal sorteio sirva para resolver - ou pelo menos para o Poder Central em exercício limpar a água do capote - os problemas do Norte e do Centro do País onde impera a agressividade por um ou dois palmos de terra e as lutas selvagens por independências locais que não deixam de ser independências macacas. Politicamente, foi esse Centro e esse Norte que inviabilizaram a Regionalização que há muito devia ter sido feita pelo que não há qualquer legitimidade em impor-se agora ao Algarve uma solução espúria, oportunista e sem mapa, porque o problema do Centro e do Norte é o mapa, está no mapa e decorre do mapa – mapa que o Algarve tem sem margem para dúvidas. É verdade que perante esse fracasso dos mapas estranhos ao Algarve, alguns algarvios politicamente responsáveis vergaram indecorosamente a cabeça tentando salvar-se também politicamente com dois discursos: um, para uso em Lisboa, e outro, para iludir o pobre Reino cá de baixo que lhes deu profissão política e até nome. Mas o certo é que os amuos de Aveiro-Viseu-Coimbra, as disputas Guimarães/Barcelos-Braga, as coisas entre Covilhã e Castelo Branco, os despiques de Leiria e Santarém, para não se falar das reivindicações de Bragança, da Guarda, de Tomar e até do desafinanço alentejano de Évora e Beja, tudo isso não tem nada a ver, nem de perto nem de longe, com o que se passa no Algarve - mesmo quando se regista inequívoca discórdia de fundo percebe-se que a discórdia algarvia decorre exclusivamente de não haver Região e é um custo da Não-Região, como também custo da Não-Região é a longa lista de disparates que não cabe aqui descrever. Assim, essa solução da Grande Área Metropolitana para os 16 Municípios do Algarve apenas pode ser aceite como expediente de solução para a superfície ou mapa do Algarve. A Região é o único volume político que se adequa ao Algarve pelo que a excepcionalidade da Região-Piloto deveria ser reposta na Constituição da República.

Carlos Albino

quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

SMS 37: A questão da Região é fundamental

22 Janeiro 2004

O resto até pode ser conversa. Ou melhor: será mesmo conversa. A questão da Região do Algarve é a questão política fundamental. Não vale a pena os partidos, os respectivos chefes circunstanciais e habituais cortejos de clientela contornarem o assunto, silenciarem o assunto, alterarem os termos do assunto. Foi um erro crasso aquele que, outrora, os deputados do Algarve em S. Bento cometeram ao terem permitido que a excepcionalidade da criação da Região-Piloto fosse retirada da Constituição. Foi um erro imperdoável a que não hesito chamar coisa próxima de traição, em função dos compromissos e das promessas eleitorais que confortavelmente respaldaram esses tristes políticos sem fibra. Como será um erro imperdoável se agora se permitir que a comprovada coesão algarvia fique espatifada com essa história das comunidades urbanas. Naturalmente que, no xadrês político algarvio, as palavras principais cabem ao PSD e ao PS, para nada lhes servindo que dissimulem a questão fundamental. O Algarve é uma Região Natural pelo que os políticos (e depois deles a própria democracia) pagarão muito caro se se furtarem às suas responsabilidades. Para já, a excepcionalidade da Região-Piloto deve ser reposta na Lei Fundamental. Os nossos ilustres deputados, em vez de por aí andarem - se perderam o poder - a visitar ribeirinhas entupidas ou - os que têm o poder na mão - a tentar amaciar os erros do mesmo poder, devem ser claros, devem definir-se de uma vez por todas quanto à questão fundamental. O resto é conversa.

Carlos Albino

SMS 36: Eurodeputados? Emigrantes de luxo…

15 Janeiro 2004

Estão à porta novas eleições ditas europeias que de europeias nada têm, tratando-se apenas de uns arranjos feitos pelos estados-maiores dos partidos. Sobretudo, as duas últimas dessas eleições ensinaram – gente incómoda pela crítica e também outra gente que se tornou num fardo pelo comportamento, mas que por efeito do marketing político arrastam maiores ou menores grupos de eleitores enganados, essa gente lá vai feliz e contente ou cantando e rindo, como queiram, para o corrupio entre Bruxelas e Estrasburgo. Vão felizes e contentes porque somam ao curriculum o pomposo título de eurodeputados e vão cantando e rindo porque afinal partem para uma emigração de luxo: um ordenado de ministro, mordomias com que nunca sonharam na vida e quase nenhum trabalho, porque se houver algum trabalho não faltam os gabinetes e consultores que por encomenda e bem pagos lhes fazem os relatórios, pelo que para se ser «eurodeputado» nem é preciso saber nada na vida. O resto continua a ser marketing e apenas marketing político: notícias para os jornais que não são notícias, convites para viagens que nem são convites (têm um grado orçamento só para esse efeito…) e, de vez em quando, a prestação ou simulação de prestação de uns favores alegadamente nos corredores de decisão de Bruxelas a empresários incautos. Nem sei para que vale o Algarve e os Algarvios terem-se convencido de que elegeram ou vão eleger eurodeputados. Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino

SMS 35: Álvaro Cassuto: Bravo! Bravo!

8 Janeiro 2004

Mas que magnífica noite em Loulé! O Cine Teatro – pérola de arquitectura pela simplicidade e harmonia – estava cheio e o programa tinha elementos para domesticar até animais selvagens: entradas de Mozart, condimentos de Donizetti e alguns doces de Rossini. Mas não foram os condimentos, nem as entradas e muito menos os doces que estiveram à prova no primeiro deste ano de 2004. Certamente que o melhor meio para de dirigir seres humanos será talvez tocar-lhe violino, embalá-los com o violoncelo, acordá-los com a trompa, amaciá-los com o oboé, dar-lhes profundidade com o contrabaixo e – porque não? – limpar-lhes a parte má da consciência com uns valentes abanões vindos lá dos lados dos tímpanos. Mas também nada disto estava em causa. A Orquestra do Algarve entrou como se fosse a continuação das nossas vidas e o maestro Álvaro Cassuto, depois de discretamente beijar a batuta, começou o seu trabalho com a seriedade de quem sabe que pode acrescentar mais alguma coisa às mesmas nossas vidas. Ele ia dirigindo suavemente aquela afinada máquina de sons humanos e pensava eu: este homem, se assim continua, está a domesticar o Algarve. Ele entusiasmava-se fugidiamente para, com um ligeiro levantar de tacão dos seus sapatos de verniz, prevenir o melhor simultâneo dos sopros com as cordas e pensava eu: este homem vai fazer escola. Ele ouviu uma longínqua faladura de criança, deixou a batuta suspensa, olhou para o lado sorrindo e pensava eu: já tem garantido o voto daquela criança. Por tudo isto, não perdoarei, jamais perdoarei a quem negar todo o apoio a Álvaro Cassuto e à sua Orquestra do Algarve e por tudo isso, levanto-me da plateia e por entre os aplausos grito: Bravo! Bravo! Um aprendiz de negócios, dizia outrora a Voltaire: «É uma grande felicidade para mim, mas nunca me sobrou tempo para ter bom gosto!». Também não perdoarei a quem me disser que não lhe sobra tempo para gritar «Bravo!» a Álvaro Cassuto que está a colocar no Algarve a praia que nos faltava. A daquela Arte que estimula a liberdade de espírito.

Carlos Albino

SMS 34: Que seja um bom ano de clarificação

1 Janeiro 2004

Tenho verificado que os Algarvios estão muito conformados. Perante aqueles que implantaram, aqui e ali, a execrável lei do quero, posso e mando, os Algarvios aceitam tudo, encolhem os ombros e só falta que – como nos tempos do Dr. Salazar – se generalize o conselho para que «não te metas na política, faz a tua vida e deixa andar…» Os Algarvios parecem subjugados à fatalidade dos que usam do poder (claro, é od poder local que estamos a falar!) como se a autarquia fosse autocracia, como se autonomia de decisão fosse despotismo e como se ousar dizer duas palavras alarves fosse clarividência. Na verdade, verifiquei que alguns autarcas entraram com pezinhos de lã, com mesuras para a direita e para a esquerda, e hoje permitem-se decidir da coisa e interesse público sem consulta pública, sem a mínima auscultação, sem o mínimo respeito pela cidadania. Ora, com este ano de 20004, não só acaba o benefício da dúvida para uns tantos, como para outros termina a dádiva da tolerância. É que voltou a histeria das ciclópicas construções à beira-mar, sem dúvida que pela exigência dos galopins (sim, galopins são os compradores de votos…), voltaram as insistências em projectos megalómanos de terceiro mundo que só fascinam no terceiro mundo e, com tudo isso, voltaram a reinar os sabichões do negócio rasteiro aliados aos teóricos da chafarica. Que 2004 seja um Bom Ano de clarificação. Espero que sim, se os Algarvios, de uma forma ou de outra, virarem a página do conformismo que o primo-irmão de todos os chefes da Sicília e já agora de Nápoles. Bom Ano!

Carlos Albino