quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

SMS 299. Vem tudo aqui parar

29 Janeiro 2009

Não vale a pena falar dos casos porque toda a gente sabe, ouviu e tem sentido mas o pior que o mundo obscuro dos negócios incomensuráveis oferece vem parar ao Algarve. Nos últimos anos são casos atrás de casos, de onde menos se espera e quase sempre de quem é apenas conhecido nesses meios obscuros porque se não fossem os escândalos, continuariam simpáticos anónimos entre os anónimos simpáticos, e influentes ilustres entre os ilustres influentes. É claro que nem toda a gente dos negócios é assim: há, felizmente, investidores sérios, sejam estes grandes, médios ou pequenos e que se incomodam tanto ou mais que o cidadão comum com essa gente que aqui vem parar, sabedores da falta de escrutínio dos seus procedimentos, usufrutuários da lassidão política e jogando com uma justiça que deveras não funciona ou pela lentidão ou pela intervenção de uma legião de consultores preparados não para a concretização da justiça mas para ajudar a quem pretenda ladear a lei dentro da legalidade porque esta é a questão – a questão das escapatórias, matéria em que muitos portugueses ganhariam o Nobel se houvesse Nobel para peritos em escapatórias. Aliás, saber manejar as escapatórias já se transformou em honestidade e melhor maneja mais honorável já é, muito embora essa honestidade escapada e essa honorabilidade de mafarrico vá comendo a democracia como o bicho da madeira come a madeira e transformando a política naquele pó que nem serradura é.

O caso de Bemba, por exemplo, excedeu as marcas. Foi dado asilo a quem agora mesmo, nas masmorras de Haia, está formalmente acusado pelo Tribunal Penal Internacional, interrompida que foi a sua vivência no paraíso da Quinta do Lago, vivência essa que não foi por acaso, como não terá sido por acaso que aqui veio parar.

O mal do Algarve é que há por aí muita gente que não é algarvia, não se fez algarvia e a quem o Algarve não lhe interessa rigorosamente para nada a não ser o mundo obscuro das escapatórias. Vivem e actuam num Algarve aparte, embora se cruzem connosco anónimos, simpáticos e influentes.

Carlos Albino

      Flagrante portento: É dos dicionários – portento diz-se de quem é extraordinariamente talentoso, inteligente e capaz. Foi o caso de Luís Vicente no seu desempenho na peça «O Presidente» levada à cena no Teatro Lethes e que alguns não tiveram a paciência de esperar. Oh santo deus! A cultura espera-se!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

SMS 298. É a fase da propaganda

22 Janeiro 2009

Se alguma coisa há com a qual a democracia não ganha nada, antes pelo contrário perde, é a propaganda – a tal, a enganosa, sendo que, em política, a propaganda raramente deixa de ser enganosa. E, pelo andar da carruagem, era já de prever que, com a aproximação destas eleições, entraríamos na fase da propaganda. O achincalhamento do debate, da crítica e do diálogo, a «morte civil» dos que não se prestam ao exercício laudatório, a criação de várias polícias desfardadas a propósito de modernizações aqui e ali que não passam de bazófias, e o estímulo a que chefes passem a chefões e chefinhos se armem em chefes numa hierarquia que volta, neste país, a dissimular a falta de inteligência com o exercício discriminatório dos poderes e com a exibição da capacidade de provocar temor, tudo isto acaba por garantir impunidade aos propagandistas.

Vem isto a propósito da regionalização.

Até há pouco, melhor, até antes da crise, o argumento máximo dos que afastaram a regionalização como o diabo da cruz, foi sempre o argumento de que o Estado não tinha condições, designadamente económicas, para concretizar essa finalidade. Agora que ainda não se atingiu o pino da crise nem se sabe bem qual será a altura do pino, os mesmos prometem e anunciam o propósito da regionalização como bandeira eleitoral. Ainda assim, seria de dar umas résteas de crédito se esses tais mesmos tivessem feito alguma coisa pela regionalização, nomeadamente por via da desconcentração de poderes que não seja mera criação de empregos para a clientela, e, claro, por via da descentralização de competências sobre as matérias que não sejam para inglês ver. Mas não, pelo contrário – confundiram a autoridade conferida legitimamente pelo voto com o autoritarismo impante que manda o voto às urtigas.

Ora, autoritarismo pré-nupcial e propaganda em dia de boda, dão em mau casamento.

Carlos Albino

      Flagrante constatação: A ministra da Educação, afinal, sabe menos que uma criança de 10 anos, e o ministro da Economia, afinal também, sabe mais que um Nobel de 71 anos.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

SMS 297. Há gente a gozar o prato

15 Janeiro 2009

O caso não é geral mas volta e meia repete-se. Refiro-me aos serviços técnicos de câmaras que tutelados pela política acabam por tutelar a política gozando o prato. Arquitectos, engenheiros e alguns desenhadores correlativos estão metidos nisso – não todos, repete-se, nem sequer a maioria, apenas aquela minoria de sabidos como as há em todas as profissões «técnicas» que amarram o contribuinte e o eleitor aos pareceres «técnicos» elaborados com aquela lentidão que não mata mas mói, ou segundo critérios díspares que variam de cabeça para cabeça e conforme o interessado é Sua Excelência ou aparentemente arraia miúda. Já nem me refiro aos conflitos de interesses que, aqui e ali, aparecem não tão evidentemente como outrora mas dissimulados, talvez melhor dizendo, camuflados, procedimento que tem seguramente êxito numa sociedade onde a regra é a de cada um que se governe. O pior que as autarquias têm passa por aí, não se registando iniciativa autónoma de monta no que toca à transparência e no combate à pequena corrupção a qual, no somatório, até consegue ser maior e pior que a grande.

Vem isto a propósito de um daqueles casos que não fazem notícia nos jornais, mas repete-se. Determinada pessoa pretendeu abrir uma pequena e modesta casa de venda de pão. Alugou casa, fez obras na conformidade da lei, dirigiu-se aos serviços municipais para obter o licenciamento. Para uma simples padaria, os ditos serviços, passados oito meses, não tinham ainda elaborado o parecer necessário para a decisão… Claro que a dita pessoa desesperou, denunciou o contrato de arrendamento, perdeu tudo o que investiu, desistiu, nem quer ouvir falar dos serviços técnicos municipais da sua autarquia. Oito meses sem um não, sem um sim, sem uma resposta qualquer, é de facto demais. Não se trata de um PIN, de uma grande superfície, de uma urbanização de enchido e cozido, tratava-se apenas de uma pequena casa para venda de pão, portanto coisa pouco para comover tecnicamente os serviços técnicos que assim procedem confiados que o anonimato os protege das consequências da lassidão e que a arraia miúda não os põe em sentido como alguma Sua Excelência os poderá pôr. O caso não é geral, mas repete-se e é assim que, aqui e ali, os «técnicos» vão tutelando a política quando querem e quando lhes apetece gozar o prato.

Carlos Albino

      Flagrante dificuldade: O prémio SMS de Jornalismo que não é de atribuir por atribuir, relativamente a 2008 que passou, não é atribuído – a crise também passa por aí.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

SMS 296. O 17.º concelho algarvio

8 Janeiro 2009

Acintosamente, os que não têm um rasgo de cultura que não seja o da cultura popular contra o Povo (com ajuda das televisões, nomeadamente a pública, que mais parecem fossas livres porque vai lá tudo parar) chamam à Orquestra do Algarve o 17.º concelho do Algarve. Mas, fora o acinte, acertam na designação – a Orquestra do Algarve não só é o 17.º concelho, como é um governo civil para os devidos efeitos mais útil do que o do Arco da Vila de Faro, e que quisermos dizer coisas sérias a brincar a orquestra já mais alta que o pico da Fóia, tem oito estrelas que nenhum hotel possui e tem mais oiro que o oiro que o senhor ministro Pinho consegue ver em cada allgarve de golfe e apesar de parecer custar muito, vejam só, custa um centésimo dos cães de luxo do Algarve juntos que andam por aí sem propriedade responsável a conspurcar as ruas e a passear os donos. E fora de brincadeiras, mal do Algarve, da Cultura do Algarve, se perde a sua orquestra que, sem território, é o seu melhor concelho. Irreprimivelmente, senti-me forçado a escrever estas linhas, terminado o concerto-espectáculo Diabolus in Musica em Portimão (com a magnífica Banda Osíris), naquele teatro municipal que com justiça deve encher Manuel da Luz de orgulho. Corrijo: de brio.

É claro que no interior da orquestra terá havido reivindicações excessivas, alguns exageros para os tempos que passam que saltaram cá para fora do contexto e com fífias. É claro também que a orquestra ainda não conseguiu colocar a olhos vistos no elenco gente da terra, para que seja mais Orquestra do Algarve e menos Orquestra no Algarve, mas isto são outras contas – são contas da casa e muito há a fazer, só quem já está no paraíso é que nada terá nada à frente para fazer. É claro também que falta no Algarve uma vontade explícita de levar o público até junto da Orquestra, sobretudo o público que desejaria ir e não pode, acontecendo isto até quando a orquestra se desloca contratualmente com o propósito de ir ao encontro do público. Nisto, algumas juntas de freguesia, responsáveis pelo que do pior provincianismo confessional o Algarve tem, parece que preferem patrocinar ou apoiar excussões a Fátima ou mesmo a Santiago de Compostela, porque Roma daria muito nas vistas e os velhotes que contam para os votos calculados não aguentariam a estafada. Mas também estas são outras contas.

Carlos Albino

      Flagrante ponderação: O habitual prémio SMS de jornalismo, atribuído anualmente por altura dos Reis, está a ser ponderado. Será revelado na próxima semana.