sexta-feira, 26 de março de 2004

SMS 46: Ora aqui está um bom slogan!

25 Março 2004

Possivelmente o que vou escrever é coisa já requentada e conhecida de todos, menos por mim. Pois estava eu muito longe da filosofia e exasperado com a sujidade e o ruído das ruas (já por aqui uma vez se garantiu que muitas das nossas cidades algarvias de marca estão perto do nojo que grande parte do terceiro mundo já varre) mas ao entrar num café, olho, leio um letreiro e de imediato me recordo de Unamuno. Lembrei-me de como o filósofo espanhol foi pelo pensamento afora quando ao entrar numa velha farmácia de Valência, encontrou na parede um letreiro com a fórmula para a última tentativa de salvação do moribundo que tivesse experimentado remédios indicados atrás de remédios, sem resultado para debelar o mal desconhecido. A fórmula do boticário de Valência chamava-se treuka máxima e consistiia numa mistura das parcelas de toda a medicamentação conhecida, fosse ela qual fosse - a esperança era a de que alguma dessas parcelas, na misturada de centenas e centenas, acertasse contra as causas do mal.

Ora nesse café de uns uns 16 metros quadrados apenas (para mais um café de Loulé que é a capital da algazarra) acabei de encontrar coisa semelhante à treuka achada por Unamuno, para a pior doença do Algarve que é o barulho selvagem, portanto um barulho mortal. O que diz o letreiro? Isto: «A Terra tem 5 Oceanos, 7 Mares, 5 Continentes, 513 milhões de quilómetros quadrados… e você vem fazer barulho para aqui?» Estão a ver o remédio, não estão? Eu fui pelo pensamento afora e vi o remédio…

Carlos Albino

quarta-feira, 17 de março de 2004

SMS 45: O que é ser Algarvio ?

18 Março 2004

Não é que pensar nisto provoque um cansaço cerebral, mas vale a pena pensar nisso de vez em quando. O que, ao longo dos séculos - arriscar-me-ia a escrever mesmo milénios - caracteriza esta Querida Terra, é ser ela uma plataforma de gente que entra e de gente que sai, ficando naturalmente alguma gente parente de todas as outras gentes. Não somos algarvios pelo sangue, mas pelo território aberto. O Algarvio é, pois, aquele «que está aqui», se identifica com a Terra onde está, e que em algum momento, começou a amar a Claridade e a Nitidez, quer na natureza, quer nas relações humanas. Coisa simples e universal. Por isso, o Algarvio é simples e é universal. É anti-fundamentalista, assim mesmo: anti-fundamentalista. De corpo e de espírito. Noutras paragens, a coisa é diferente e, entre outros exemplos, se me permitem dou um testemunho pessoal. Há já alguns anos, o homem que ficou como carismático director do Jornal do Fundão que é de pura matriz beirã, precisamente o saudoso António Paulouro, pediu-me para, na prática, salvar-lhe o jornal. Aquilo estava num imbróglio técnico, numa grande confusão em termos de organização jornalística. Por alguns meses fiz o trabalho que foi levado a bom porto e a imagem, estilo e cunho que inculquei no jornal perdura até hoje em laivos identificáveis. Só que houve uma barreira, uma fronteira intransponível: o que, para além do «fazer o jornal» eu escrevesse, não tinha a «sensibilidade beirã» porque não era da Beira, era Algarvio… E como para deixar de ser «algarvio» para passar a ser «outra coisa» não vale a pena fazer muito esforço, retirei-me pela esquerda alta, salvando a amizade e o respeito recíproco, ficando eu sem perceber - diga-se, até hoje - o que é «ser Beirão»! Ora vejam como no Algarve as coisas são completamente diferentes, e nos exemplos do mesmo campo. Repugna a alguém que um transmontano escreva sobre Aljezur? E que uma minhota escreva sobre Albufeira? E que um ribatejano escreva sobre Faro? E que todos passem por Algarvios? Desde que pensem como seres liberais e, sobretudo amem a Terra, ninguém vai questionar o transmontano, a minhota ou o ribatejano… Sempre assim foi. Os desertores polacos da tropa napoleónica ocupante do Algarve não nos deixaram o acordeão, o corridinho sem letra e a cataplana? Deixaram, e hoje são coisas «algarvias». Os transmontanos que, transportados por galegos, para aqui emigraram nos séculos XVI, XVII e XVIII não nos deixaram os romances e o cancioneiro da serra que o Teófilo Braga em boa hora recolheu assinalando as variantes da origem do extremo norte? Também deixaram. Não vejo nenhum mal em que o Algarve continue a ser a plataforma milenarmente movimentada, uma Terra de chegada para uns, de partida para outros e de permanência para os que por aqui ficaram adoptados como liberais, de espírito aberto e universal. Os bandidos é que estão a mais, como outrora os piratas de costa, fossem eles mouros ou britânicos… O bandido é que jamais poderá ser Algarvio mesmo que as estatísticas o mostrem como tal e se apresente vestido de médico, de jornalista ou de trolha. E basta por hoje.

Carlos Albino

quinta-feira, 11 de março de 2004

SMS 44: Triste cena essa, a de Correia da Silva

11 Março 2004

O secretário de Estado Correia da Silva, vai para quase um ano, condenou o Observatório do Turismo à morte pelo garrote que é a pior das mortes que um projecto pode ter, sobretudo quando a pena é executada pela política encapuzada. Correia da Silva lançou publicamente um acusatório contra o Observatório e, implicitamente, contra os investigadores que o compunham e as instituições que eram, em última análise, o respaldo científico da iniciativa, no caso a Universidade do Algarve e a Universidade de Aveiro. Disse esse secretário de Estado que o Observatório não tinha feito nada na vida e que nenhuns resultados tinha produzido. Cedo me pareceu que Correia da Silva entrou pelo campo da irresponsabilidade política porque ele não fez avançar nenhuma prova consistente e nenhum argumento susceptível de discussão – atirou palavras para o ar. O secretário de Estado foi na onda de dissolver o que podia dissolver julgando que com isso agradaria certamente a Manuela Ferreira Leite. Foi uma triste cena essa a de Correia da Silva. Sei que muita gente desejará um «turismo à balda», sem avaliação estatística criteriosa, sem qualquer escrutínio relativamente às questões do ordenamento do território, sem observação do emprego, da actividade empresarial e, naturalmente, sem uma dissertação correcta da Qualidade (letra maiúscula, por favor!) do Turismo. Correia da Silva já devia ter pedido desculpas públicas do que disse, já devia ter emendado o que fez e já devia ter percebido que, como secretário de Estado, não podia ter brincado com coisas sérias. Um governante não pode andar e decidir na política como se fosse uma espécie de motar a desafiar a vida em sentido contrário nas auto-estradas. Voltarei à questão.

Carlos Albino

quarta-feira, 3 de março de 2004

SMS 43: E garantem-me que já há especialistas em construção de ruínas...

5 Março 2004

Pasmo: em plena cidade, uma casa sem passeio e portanto sobre a estrada, recebe um primeiro andar falso e estende mais por uns valentes metros quadrados. Licença? Para quê a licença se o proprietário é funcionário municipal? Tudo clandestino. O presidente deve saber, o fiscal fecha os olhos, o mamarracho ali fica para a posteridade... É claro que o dono disto se ri dos que, com todo o escrúpulo e zelo pela lei, aguardam há meses, anos, vários anos por alguma licença de obras.

E aquela casa mesmo à beira da estrada? Bem, essa recebe dois andares. Também sem qualquer licença. Tudo clandestino. Os da junta encolhem os ombros, a carrinha do fiscal passa sem travar. Para quê travar? Ou não é verdade que, uns cinquenta metros abaixo, um antigo e exíguo salão de baile deu em vasto armazém de alfarroba, com mais cinco metros para cima, um enorme portão de ferro em vez da velha portinha e o dono a rir-se? Não tinha ele, mesmo em frente ocupado metade de uma via pública para idêntica façanha clandestina? Para quê licença?

Estes são apenas dois exemplos de como o Algarve das obras clandestinas está a tornar-se insuportável. São exemplos miúdos, porque há também os graúdos! Sim, os graúdos em quem ninguém pode tocar no receio de represálias na próxima campanha eleitoral...

E garantem-me que há já por aí firmas «especializadas» em construção de ruínas em lugares ermos, seja em terrenos só de lavoura ou mesmo em encosta íngreme de pedras! Tudo para que a ilegalidade das obras, com esse passe de mágica, se torne – imaginem – legal!

Neste panorama de ilegalidades monstruosas - em que tanto os decisores cá de baixo mas que, nas câmaras, condicionam os decisores lá de cima, como os fiscais de rua que a olhos vistos enriquecem sem justa causa, tornam obviamente obrigatório o perdão imediato a qualquer GNR de trânsito apanhado com uma perna de fora no quartel de Albufeira - o cumprimento da lei, para o cidadão que queira ser íntegro, acaba por se transformar numa punição. Numa injusta e irremediável punição.

E o curioso é que não há campanha eleitoral local, desde Aljezur a Alcoutim e entre Castro Marim e Vila do Bispo, que nos últimos trinta anos não tenha sido feita «contra a corrupção»... Perante tanta honestidade não me curvo apenas – faço uma circunferência!

Carlos Albino