quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SMS 480. Pequeno aviso, grande advertência

27 setembro 2012

As manifestações de 15 de setembro foram uma surpresa para todos: os que, desta ou daquela maneira, a promoveram não contavam com a grandeza da adesão, e os destinatários do protesto (poder e partidos que o suportam) também faziam outras contas. Assim foi em todo o país, não sendo o motivo de alegrias mas de tristeza e repulsa pela falta de palavra política e pelo abuso político. E no Algarve, que sofre o maior desemprego, sente a maior insegurança do país e engole o maior desdém do governo por uma região, onde também se registou uma das maiores provas públicas de sempre (em Faro, Portimão e Loulé) também há conclusões a tirar, quer pelos promotores, quer pelos destinatários.

Quanto aos promotores, não só não podem nem devem ir além do que a manifestação foi – inegavelmente um estrondoso protesto cívico –, como também terão de concluir que os que encheram as ruas não foram atrás da folclorada, ou seja, não foi uma manifestação de tachos e caçarolas, foi uma manifestação de almas doídas e de protesto contra a política que rasga compromissos, oculta entendimentos e e que em vez de entregue a gente madura e séria, parecerá entregue a adolescentes tardios e a rapazolas. Portanto, os promotores não podem pensar em cantar hinos do tipo de até à vitória final, porque a esmagadora maioria dos que foram para as ruas não o fizeram para cantigas – foram para a rua não como um meio mas como um fim.

Quanto aos destinatários, nenhum deles pode deixar-se tentar pela ideia de que o alvo dos manifestantes foi o vizinho do lado, e não é só o poder ou os partidos do poder que, numa prova de inteligência e sobrevivência política, podem e devem tirar ilações, mas também os da oposição. As manifestações excederam em muito as contas porque as pessoas não se sentem capazmente representadas como as fizeram acreditar que estavam no atual sistema político. As vozes que elegeram para as representar ou lhes soam a engasgadas, ou engasgam-se por comprometidas, ou até mesmo correspondem a bocas que politicamente nada valem ou valem menos que uma casca de amêndoa e nem para espantalhos de pardais servem. Foi para estes mesmos destinatários – todos, sejam os do poder esquecidos já do que prometeram quando eram oposição ou os da oposição que julgam que toda a gente se esqueceu das fanfarronices de antes de ontem – que a manifestação algarvia foi também um pequeno aviso e uma grande advertência.

Pequeno aviso - o de que a sociedade não está cega, surda e muda. Grande advertência - a de que haja uma mudança de práticas políticas para que eventuais avisos seguintes não sejam maiores ou, para além de inorgânicos, incontroláveis frutos do desespero que já é um grande pomar.

Carlos Albino
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    Flagrante antevisão: Possivelmente as próximas autárquicas não vão ser como até aqui – coisa controlada quase exclusivamente pelos partidos. Assim por exemplo, um reconhecível ladrão que se atreva a concorrer...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

SMS 479. As pessoas não aguentam

13 setembro 2011

Coincidiu que a democracia em Portugal se converteu em rotina precisamente quando a Europa entrou na nossa rotina. E assim foram sendo eleitos primeiros-ministros em função dessas duas rotinas coincidentes, cada qual eleito por dizer cobras e lagartos do anterior e quanto mais melhor mesmo que de forma perversa, explorando a esperança dos eleitores e quase por regra abusando da sua crença. Cada eleito, até este último inclusive, foi-se apresentando como salvador da pátria e do mundo, fama essa que também por regra foi durando seis meses, quando muito um ano, período esse durante o qual também foi tolerável que cada novo eleito atribuísse ao deposto o mal e a caramunha.

Só que os eleitores foram assistindo até à exaustão, a este jogo do empurra e das ambições, estado de exaustão em que a maioria dos votam hoje se encontra. O eleitor está exausto dos que prometem uma coisa e fazem outra completamente diferente ou que executam o que juraram nunca fazer; está exausto dos jogos para atingir apenas o poder e depois mantê-lo ao serviço de quem está por trás do reposteiro e que nunca soube estar noutro sítio; está exausto dos que ganham as pessoas com a cantiga de que primeiro estão as pessoas mas que rapidamente escolhem as pessoas para o tiro ao alvo; está exausto dos escândalos de toda a ordem e cujos autores por aí andam com caras de anjinhos como se nada tivesse acontecido; e já está tão exausto que não diz sequer que está exausto, ficando o eleitor pura e simplesmente calado, sem acreditar seja em quem for e sem esperança. E então o que resta? Resta um terreno propício para o exercício autoritário do poder, sem oposição que seja capaz de o fazer tremer, e rodeado de clientelas que sugam o Estado como a formiga-branca suga a madeira de cuja ação só nos damos conta quando estala a pintura. Ora, deixando-me de abstrações, tenho que dizer que, depois dos outros três que emigraram, assim se chegou a Pedro Passos Coelho que está a estalar a pintura, porque as pessoas estão exaustas e não aguentam mais.

Carlos Albino
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    Flagrante irresponsabilidade: A de decapitar direções próprias das escolas, deixando-as ao deus dará ou ao sabor dos dedos de quem recebeu o telecomando.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

SMS 478. Quarteira perdoa


6 setembro 2012

Durante anos e anos, Quarteira foi usada como símbolo do desvario urbanístico e do caos imobiliário em todas as crónicas e croniquetas. Até o projeto turístico do Alqueva chegou a ser apresentado como um paraíso onde o erro de Quarteira não teria lugar. Gente que nunca pôs os pés em Quarteira ou que apenas por lá esteve de passagem há trinta anos, ainda hoje, quando lhes dá jeito meter na prosa um exemplo do inferno, lá recorrem ao símbolo que se lhes meteu na cabeça como um quisto. Ora, não é assim. Quarteira não é propriamente um milagre das rosas mas para quem conheceu a terá ainda como póvoa de pescadores, depois a viu crescer desnorteada, assistiu ao enorme esforço de requalificação e hoje a vê como uma cidade esplendorosa com o mar por vizinho à mão como poucas, só pode concluir que se não houve milagre, parece. Na verdade, contrariamente ao que diz o poeta, ali em Quarteira Deus quis outra coisa, o Homem corrigiu e a obra nasceu. O longo passeio público marítimo, o conhecido calçadão, é a qualquer hora dádiva da natureza e milagre de convivência humana; nas avenidas que deram novo traçado à terra respira-se paz; o que era alto ficou disfarçado e o que sempre foi baixo ficou integrado; desapareceram os apartheids, o apartheid dos ricos a poente e os apartheids dos pobres e remediados , de tal forma que se a justiça social não fosse perturbada pelos diabos que Deus quis com o rei na barriga, ali o Homem parece sempre sonhar e a Obra sempre a nascer. É uma cidade esplendorosa, símbolo de um Portugal corrigido pela determinação, generosidade e visão de poderes eleitos.   É uma terra onde se pode ir e estar. Há poucos exemplos de milagres como o de Quarteira, apetecendo dizer à cidade: “Quarteira perdoa a quem não te viu como estás e que fala de ti não sabendo como és. Perdoa.”

Carlos Albino
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Flagrante geografia política: Para este governo, o Algarve não deve já constar no mapa do País.