quinta-feira, 30 de julho de 2015

SMS 625. CCDR: de “autarquia” a autocracia?

30 julho 2015

Posso estar enganado, mas essa questão das bolsas de mobilidade parece ser uma grande trapalhada. E caso assim seja, aumenta o receio de que a CCDR, que já mais parece uma difusa “autarquia regional”, se vá transformando numa autocracia igualmente difusa. O que é mau, quer para o conjunto das autarquias deveras, quer para os aspirantes a autocratas, seja qual for a espécie de governo que lhes dê chapéu, seja qual for o chapéu com que defendam a calvície do poder central. Mas, como disse, posso estar enganado.

O caso é este, pelo que subiu ao noticiário quotidiano: para o programa “+ Superior” que visa a concessão de 1020 bolsas com o valor de 1500 euros anuais a estudantes que se inscrevam em instituições localizadas fora dos grandes centros, a Universidade do Algarve foi, pelo segundo ano consecutivo, excluída. De entre 14 universidades e politécnicos, a Universidade de Trás-os-Montes é a instituição com mais bolsas atribuídas, e a região Centro concentra os benefícios distribuídos pelas universidades da Beira Interior, Évora e Vila Real, e pelos politécnicos de Beja, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Portalegre, Santarém, Tomar, Viana do Castelo, Viseu, Oliveira do Hospital e Coimbra. O Algarve de fora e postergado, com uma seta cravada no coração da sua bela e prestigiada universidade.

Sabendo-se que entre as universidades e politécnicos há uma guerra surda para captação de alunos, e com isto, luta pela sobrevivência, à primeira vista pensou-se que era mais um ato hostil ou de displicência do Ministério da Educação contra esse inútil rincão nacional que se chama por acaso Algarve. Mas não. Ao que se sabe, o Ministério, depois de sublinhar que a CCDR é “autarquia” no assunto, apressou-se a esclarecer: “a CCDR do Algarve optou por não mobilizar essa prioridade de investimento no seu programa regional, alegando que tinha necessidade de concentração dos recursos nos maiores constrangimentos da região e que a mesma não se encontra em perda demográfica”.

Estou em crer que todos os que sentem e vivem o Algarve como o seu chão, registaram com lhaneza e tolerância a notória evolução do pensamento de David Santos, presidente da CCDR do rincão postergado, porquanto em 2014, afirmou dar prioridade “às pessoas e às empresas” e neste ano de 2015, no seu mais recente pronunciamento seletivo, já não falou em pessoas mas apenas em empresas como se estas não fossem constituídas por pessoas, não dependessem de pessoas, mais, da qualidade e do enraizamento das pessoas.

A CCRD ouviu alguém? Ouviu a universidade, principal interessada? Ouviu as autarquias deveras? Promoveu alguma auscultação?

Se não o fez e transmitiu ao Ministério algo que o Ministério sacudiu do capote, então, é lícito que haja receios de que a CCDR, como quem não quer a coisa, se sinta já a navegar nas águas da autocracia, porque a procissão ainda vai no adro.

E se assim for, é mau. Pela boca morre o peixe.

Carlos Albino
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Flagrante deferência: Afirmou António Eusébio que Miguel Freitas “é um quadro valioso do PS, que pode ser encaixado noutros desafios maiores que ser deputado”. Não há qualquer problema em indagar se alguns nomes de candidatos a deputado não poderiam ser “encaixados” em desafios menores, o problema é o uso do verbo “encaixar”…

quinta-feira, 23 de julho de 2015

SMS 624. Deixemos a poeira pousar  

23 julho 2015

Com certeza, esta é a época em que há muito atropelo em festas, festivais, feiras, reconstituições dadas como históricas, encontros disto e daquilo, pretextos desde o chouriço ao marisco, desde tudo a qualquer coisa, por aí fora, umas coisas “nacionais”, outras já “internacionais”, quase não deixando um dia livre no calendário estival. Não há mal grave nesse atropelo. Ainda há uns poucos anos, contava-se pelos dedos de uma só mão o que poderia ser descrito como animação, recreio ou divertimento. Agora é um mapa de “eventos” quase uns sobre os outros, ou, mal acaba um, outro começa mesmo ao lado, seguindo-se outro logo ali, ainda estão a voar pelas valetas, em pilhas nos balcões dos cafés ou nos vidros dos automóveis estacionados há oito dias, os folhetos do que acabou de há três dias. E nisto, mal da terra que não tenha “eventos” que, por natureza, deviam ser eventuais mas até o significado da palavra se alterou. Não mal grave nesse atropelo de que muitos se queixam e com que outros tantos se animam. Algum dia, se descobrirá que tem que haver um esforço de coordenação mínima para o que deva ser considerado com “regional”. Algum dia se reconhecerá que a Animação (letra grande) do Algarve deve ter um planeamento ainda que esboçado, um fio orientador, claro que nada impositivo ou castrador das eventuais criatividades e orçamentos locais, mas Animação conjugada. Para que, pousada a poeira, a qualidade impere e para que tal qualidade não fique apenas nos braços das agências disto e daquilo que, por natureza, programam à distância os “eventos” cá de dentro.

Esse esforço de coordenação ou de conjugação, algum dia, terá de acontecer para que o atropelo não dê em caos e para uma animação em caos não há orçamento que a suporte. Não me perguntem qual é ou deva ser a “instituição” a quem compete dar o pontapé de saída, ou se há mais que uma mas duas, três que entre si tenham dar o exemplo desse mesmo esforço. E, além disso, devam elaborar um dicionário mínimo em que animação turística signifique isso mesmo e não outra coisa, tal como animação cultural deva significar tudo o que queiram mas com cultura e não sem ela.

Algum dia, isso acontecerá. Deixemos a poeira pousar. A natureza não dá saltos, e a natureza humana, então a algarvia, além disso, não é propriamente um “evento”.

Carlos Albino
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Flagrante pedido aos motards e aos combatentes: Calma! Isto não é uma guerra, seja esta de invasores sem invadidos, ou de combatentes sem grandes combates à vista. Calma!

quinta-feira, 16 de julho de 2015

SMS 623. Esperança ou abuso 

16 julho 2015

Deus o ouça, David Santos. Há um ano (2014), pouco antes do “programa operacional” começar a valer, disse desejar que o Algarve viesse a ser em 2020 «uma região com mais emprego, mais economia, onde a sazonalidade não seja tão intensa e onde as pessoas tenham mais qualidade de vida». Foram palavras contidas, que geraram dúvidas mas em sintonia com a generalidade dos Algarvios, sejam estes de raiz ou adventícios. Numa região com a mais elevada taxa de desemprego do País, com muito pouca economia além da economia que foi destruída, e da “outra” que não tem sede na região, com uma sazonalidade próxima do antigo Estatuto do Indígena das colónias, e com uma qualidade de vida só para inglês ver ao longo da 125, as palavras de David Santos, N.º 1 da CCDR e de facto “governador civil”, muito próximo já de “ministro da República”, coincidiram com as palavras que quem queira o bem da Região, poderia dizer. Não estávamos perto de eleições, nem próximos de pontais ou de pontinhas, e as palavras de esperança são como chuva bem-vinda para flores a secar.

Um ano depois, neste 2015, David Santos naturalmente que se afirma satisfeito com os 85 por cento de execução do dito “programa operacional” e quando outra sigla para muitos enigmática – CRESC 2020 - começa a andar de ouvido em ouvido, volta a dizer : “gostaria que, quando terminasse este quadro comunitário 2014-2020, o Algarve fosse a região do país com menor taxa de desemprego”. David Santos usou o verbo “gostar” e não “querer”. Disse “gostaria” e não “quero”. Também gostaríamos e, já agora, quereríamos. Deus o ouça.

De resto, tudo o que mais disse agora – os 140 milhões, o FEDER, etc… - corresponde a sermão que, mais ou menos, se ouve há muito tempo, mudando as siglas que podem ou devem ser mudadas, desde o tempo do abate dos barcos, às piscinas, jipes e moradias para a renovação da agricultura, para não se falar de outros incentivos às “empresas” com todas as histórias da intermediação burocrática e dos gabinetes de interesses difusos, com um pé na responsabilidade púbica e outro pé nos jogos privados.

É claro que a voz de David Santos é, de alguma forma, a voz do governo em altifalante regional. É a voz do poder político executivo. Ele dirige um serviço periférico da administração direta do Estado, serviço esse integrado na Presidência do Conselho de Ministros e tutelado conjuntamente pelos Ministros do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia, e pelo Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional. As áreas de tal serviço, ancorado em Faro, abrangem extensas áreas: ordenamento do território, vigilância e controlo, desenvolvimento regional, ambiente, administração local, gestão administrativa e financeira, comunicação e sistemas de informação.

A dois meses de eleições, oxalá que Deus ouça as palavras de David Santos para 2020, e não as considere apenas um abuso de comissão.

Carlos Albino
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Flagrante arrepio: A colocação da Comunicação Social (apoios, subsídios, o futuro…) exclusivamente nas mãos de um órgão governamental, numa região que pouca e quase nenhuma comunicação social tem.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

SMS 622. Grande animação

9 julho 2015

Temos que nos render. Não há motivo para que o Algarve não seja apenas palco de elogios. Para os municípios, com suas câmaras e assembleias, elogios obrigatórios em tudo e todos os dias; para as freguesias de lés a lés, sem exceção, elogios; para as empresas municipais, elogios; para as associações sejam elas populares, impopulares ou mesmo só para pular, elogios; para as escolas, elogios; para as entidades ditas regionais, sejam direções, delegações ou entidades, elogios; para os deputados que tivemos e havemos de ter, elogios. Atingido este ano de 2015, este mês de julho e esta semana que vai do dia 6 ao dia 12, elogios para este Algarve e quem não for apenas e absolutamente elogioso, não dizemos que deva ser banido porque estamos numa sociedade livre, mas pelo menos deve-se-lhe dizer discretamente que não é merecedor da partilha do elogio geral construído, como se sabe, pelos impostos para uns tais efeitos e pelos votos para outros efeitos separados. Há asneirada? As asneiras passam com elogio, de preferência em abstrato. Há golpaças? Caso sejam bem feitas, os elogios recobrem o golpe já de si elogiável. Há o dito por dito? Diga-se que isso é nobreza de espírito que obriga aos elogios. Ignorantes daqui, néscios dali, ignaros dacolá que nunca se enganam e incultos que raramente têm dúvidas, pois, no tempo que passa, o momento do elogio ainda que este não passe de um ato de exceção sediciosa contra elogiados de outra espécie mas do mesmo género. Não há decreto que obrigue, não há postura municipal que imponha, mas o elogio é lei a cumprir. Elogio, elogio, elogio.

E quando numa terra apenas há matéria, pessoas e eventos para elogiar, pouco mais pode ser dito como pouco elogioso mas sem ofensa, que os passarinhos dessa terra, coitadinhos, fazem os seus ninhos com mil cuidados; arrancam as penas para aquecer os filhinhos nos beirais dos telhados, coitadinhos dos passarinhos, tão lindos são, que fazem esta grande animação.

Carlos Albino
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Flagrante confusão: Entre imigrantes e residentes estrangeiros.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

SMS 621. Maria Barroso


2 julho 2015

Partir não é notícia, abalar não justifica comentário, mas sentir a falta dói. Todos sabemos que Maria Barroso nasceu aqui, sabemos como ao longo destes anos passou como uma nuvem sobre fronteiras despejando uma chuva de afetos. Foi um exemplo vivo da concretização daquela advertência de Malebranche: “É preciso tender para a perfeição, sem a pretender”. A raras pessoas e em muito poucas situações tenho confidenciado que essa é a minha frase de cabeceira desde os 15 anos. E quando confidencio, olho para a cara da pessoa, tentando perceber o efeito em tudo o que os olhos possam apanhar como que num flash. Maria Barroso, quando, já lá vão uns bons e muitos anos, lhe fiz a confidência, abriu os olhos para o seu maior tamanho, apertou os lábios, e após uma forte contração do rosto tal como se faz quando se tenta separar a verdade da mentira, fez um daqueles sorrisos que não têm lugar preciso na cara, porque pertencem a todo o rosto naquele momento em que o rosto é a alma. E é verdade. Maria Barroso tendeu para a perfeição sem a pretender.

Ela não nasceu apenas no Algarve – viveu o Algarve. Queria a excelência no Algarve, nunca negou uma ajuda para que essa excelência varresse o provincianismo, o egoísmo, a invocação da cultura em vão, o jogo trafulha que nasce da ignorância como os cardos. Ao Algarve que lhe batesse à porta, dava sempre ajuda discreta mas eficaz e, para grandes causas, dava o nome.

Sobre Maria Barroso, qualquer notícia será sempre incompleta, qualquer comentário pecará sempre por defeito, mas a sua falta tende para a dor de quem a sente. Possivelmente a perfeição é abalar e partir sem isso se pretender. Obrigado, Maria Barroso.

Carlos Albino
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Flagrante observação: Tem o céu tanta estrela, porque é que há-de retirar as poucas que a Terra tem?