quinta-feira, 28 de agosto de 2003

SMS 16 - Muita parra e pouca uva

28 Agosto 2003

1 - Agradeço imenso ao deputado José Apolinário a gentileza de ter enviado o relatório-síntese supostamente da actividade dos quatro parlamentares eleitos no Algarve pelo PS, ou melhor e para ser mais preciso, dos três eleitos pelo PS e de mais um para o PS que ninguém viu por cá mesmo que a Região tivesse ardido toda. Gostaria que os restantes quatro do PSD - porque não há mais - fizessem o mesmo no que toca ao Algarve.

2 - Cumprido o agradecimento, vamos à matéria do relatório. Salta dali aos olhos uma fácil colectânea de conhecidas reivindicações locais, muitas delas tão velhas que já têm barbas e outras tão gastas que não há meio de deixarem de ser bandeira dos que se revezam na oposição, numa espécie de reposição política do Senhor Feliz e do Senhor Contente.

3 - Para além das 200 perguntas ou requerimentos que garantem, e acredito, terem apresentado ao Governo (até estranho que não tenham despachado 1675 perguntas ou mesmo 8965 requerimentos porque perguntar é fácil e requerer muito mais), o relatório de José Apolinário fala do trabalhoso interesse dos deputados por 15 ligações rodoviárias, sete portos de pesca ou de recreio, quatro hospitais, quatro esquadras de polícia ou quartéis da GNR, três barras e duas passagens de nível. E ainda tiveram tempo e forças para se interessarem por uma ponte, um projecto urbanístico, um teatro, um achado arqueológico, um pólo universitário, uma escola de hotelaria, um tribunal, um estádio, um INEM, um centro emissor, um Metro de Superfície e por pouco não chegavam a Marrocos e se interessavam por uma palmeira, um camelo, um tijolo de mesquita em Fez, uma tâmara de Marraquexe e já agora a árvore que falta plantar em frente da minha terna casa de Loulé.

4 - Ah! Já me ia esquecendo, também se interessaram pela elevação de Odiáxere a vila e promoveram a excursão de 400 algarvios até às galerias de S. Bento o que, apesar de tudo, é um acto politicamente mais limpo do que essa peregrina ideia das juntas de freguesia algarvias, num gesto de duvidosa religiosidade, organizarem e promoverem excursões a Fátima como se fossem paróquias.

5 - O relatório das «actividades parlamentares» fica por aí como se um deputado fosse um «autarca» de primeira grandeza ou um «porta-voz» dos autarcas de segunda que não raro também falam como se fossem Deputados de primeira. É que no relatório e por certo também nas actividades, não há uma palavra para os assuntos fundamentais, estratégicos e da verdadeira Política na pureza desta palavra se é que ela ainda é pura. Ora, sabemos todos que um deputado é muito mais do que um compadre de presidente de junta e, naturalmente, muito menos que um enteado de Chefe de Estado por mais que deste seja predilecto a desfavor dos filhos naturais. Mas também não é um presidente simultâneo e ambulante das 16 câmaras algarvias e claro que também não será um fiscal de obras ministeriais andando de concelho em concelho com o livro de ocorrências em punho. Um deputado transporta ou deveria transportar uma Ideia, um Projecto, uma Estratégia, um Rumo de Valores, e é ou deveria ser a superior afirmação da Política. E isto é que não há meio de se ver. É um mal que vem de há muito e não há meio do mal acabar porque aqueles que optaram pela profissão de políticos, são esses os primeiros a confundir Ideia Política com chicana, Discurso Político com circunstancial tagarelice populista e Estratégia Política com colectânea de reivindicações, pelo que nada custa aceitar que perguntem e requeiram até sobre a tâmara de Marraquexe. Muita parra e pouca uva.

Carlos Albino

quinta-feira, 21 de agosto de 2003

SMS 15 - O Problema do Algarve

21 Agosto 2003

Em escassos dias deste Agosto, coleccionei uma boa trintena de episódios que me dão conta de que o Problema do Algarve não é só de infra-estruturas, de planeamento, de projectos, de engenharias financeiras, de freguesias que querem ser cidades e que mal são cidades querem ser concelhos ou, entre muitas outras questões, muito menos será da falta de navegabilidade do Arade, do Gilão e já agora da Ribeira de Alte. Estes serão meros problemas compreensivelmente atrelados à pedincha da UE que já deu tantas piscinas em vez de virtuais plantações de melão e tantos jeeps em vez de máquinas agrícolas dadas nos formulários como imprescindíveis para o «projecto». O grande Problema é de Estrutura, sim, de Estrutura Mental. Dos trinta episódios, escolho apenas sete. Aqui vão um a um:

1 – Fogos. Era meia-noite. No eirado de onde se avista a faixa apresepiada do barlavento e com o bico da Foia como manso limite da terra, via-se perfeitamente a linha trágica dos incêndios e se não se ouvia, pressentia-se a dor e os gritos de desespero de todos os que tiveram no fogo o pior dos ladrões. Ora, naquele preciso momento em que as labaredas estavam às portas de Silves e o governo decretava estado de calamidade para grande parte do Algarve, eis que nas bandas de Albufeira surge um vistoso fogo de artifício. Fogos de todas as cores, foguetório, uma festa! Não se chama a isto falta de Estrutura?

2 – Quarteira. Boa e digna Feira do Livro onde não se sabe se o artesanato é engodo para os livros ou os livros engodos para o artesanato. A organização destinou dois quiosques à Junta de Freguesia de Quarteira. Esperava eu que a Junta aproveitasse a oportunidade para mostrar o que a terra vale, o que tem, o que significa, o que deseja, enfim, que desse um sinal de que os quarteirenses não são como os búzios que só têm um pé para andar. Pois bem, um dos quiosques nem abriu, ficou vazio e o outro, foi subalugado a uma casa de bolos! Nada tenho contra os bolos a não ser quando são em demasia pois com papas e bolos se comem os tolos. Mas quando uma Junta entrega o mandato à doçaria, não se chama a isto falta de Estrutura?

3 – Urbanidade. O Homem é poderoso no Algarve e ocupa um dos cadeirões do poder regional. Digamos até que se não é o rei, parece. Chegou acompanhado da mulher. Eu estava numa das mesas da acolhedora esplanada das Portas do Céu, com três amigos de longa data. O que faz o Homem? Puxou uma cadeira, ocupou o lugar nobre da mesa, começou a falar, a falar e a falar mas nem uma com licença, nem um bom dia, nem um desculpem... E o que fez a Mulher? O mesmo. Claro que, passado um bom período de indulgente benefício da dúvida, cumprimentei apenas os meus três amigos que não sendo reis são fidalgos da urbanidade, levantei-me, deixei o Homem poderoso a perorar à vontade, afastei-me daquele Urbanidade. Quando um Poder destes é assim na vida, não se chama a isto falta de Estrutura?

4 – A condutora da Goncinha. À saída de Loulé para Faro, numa estreita e perigosa estrada tipo caminho-de-cabras de fazer desmaiar o Euro 2004, uma rapariga consegue fazer ao mesmo tempo o seguinte: falar pelo telemóvel preso entre o ouvido e o ombro, segurar o cigarro ao canto da boca, meter uma mudança forçada, fazer manobras de volante mal se aproximou de uma lombas artificiais e nem sei onde ela foi buscar a mão com que simultaneamente a tudo isto ajeitou a longa cabeleira que lhe entrava para os olhos... Resultado: uma travagem brusca, uma guinada torta e, pasme-se, como só então se apercebeu que não nasceu com mãos para tanta coisa, lançou o cigarro aceso pela janela da direita, para as bermas onde o restolho seco confina com a apreciável vegetação da Goncinha. Caso a rapariga não seja uma bombeira à paisana, não se chama a isto falta de Estrutura?

5 – O inglês reformado. O fleumático cidadão, leitor permanente de livros e que fez do Algarve segundo berço, pagou sempre pontualmente a caixa postal privativa que mantém na Estação de Correios. Por desleixo do responsável, o registo de pagamento não foi feito e cortaram-lhe sem aviso, sem apelo nem agravo, o lugar das correspondências e o inglês deixou de receber o cheque mensal da reforma. Levou três meses para resolver a situação, com o Chefe dos Correios a dizer que não e ele a dizer que sim exibindo o recibo de pagamento. Sem o seu dinheiro mensal certo, ficou com uma depressão, naturalmente. Para ele, uma Estação de Correios parece-lhe uma esquadra da Guarda Islâmica do Irão. Não se chama a isto falta de Estrutura?

6 – Mártires da Pátria. Andou muita gente por aí preocupada pelo Poço de Boliqueime voltar a chamar-se Fonte. Pois ali bem perto, a um carreiro íngreme que não tinha nome, a junta local entendeu chamar-lhe Rua dos Mártires da Pátria. Mesmo que num carreiro, fiquei curioso por esta tardia homenagem ao General Gomes Freire executado no Forte de S. Julião da Barra e aos seus companheiros enforcados no Campo de Santana e que por isso mesmo se chama Campo dos Mártires da Pátria. E fiquei curioso porque quando uma junta de freguesia revela conhecimentos, ainda que mínimos, da História Portuguesa, merece também no mínimo, curiosidade. Só que foi tudo por água a baixo quando verifiquei que a intenção foi prestar uma homenagam aos soldados mortos no Ultramar. Para aquela gente Mártires da Pátria do século XIX ou Combatentes do Ultramar do século XX, é tudo a mesmo coisa. Não se chama a isto falta de Estrutura?

7 – Fiscais. Os fiscais municipais são uma obra-prima. Alguns conseguem construir vivendas mais esplendorosas que os GNR de Albufeira, ganhando até menos que estes... Como o fazem, não sei, mas corre à boca calada por todo o lado que o regime de compensações informais a troco do olho fechado para obras ilegais, é um costume, pelos vistos incontrolável. Mas eu verifiquei com os meus próprios olhos, nestes dias, várias «obras» de bradar aos céus, na área de Loulé. Desde muros erguidos sem as regras da lei, até armazéns a abrir portões pela estrada dentro e casas acrescentadas, ampliadas a triplicar sem exibição do cartaz de licenciamento camarário, sei lá, é um regabofe. Os fiscais passam e fecham os olhos. Apenas os abrem selectivamente, como a Guarda Islâmica do Irão. Não se chama a isto falta de Estrutura?

Carlos Albino

quarta-feira, 20 de agosto de 2003

SMS 14 - Quem não deve, não teme

14 Agosto 2003

O regime democrático tem ou deve ter um credo inicial: a Transparência. Sem transparência ou com transparências apenas para inglês ver, a situação de liberdade alimenta o diz-se, diz-se, o boato, a inverdade e, por resvalo, tudo o que bate à porta da calúnia e da difamação. Vem isto a propósito do que cidadãos eleitos ou nomeados para relevante cargos públicos deviam impor a si próprios: a regra de divulgarem, em boa hora, os seus currículos profissionais e académicos, de forma exaustiva e sem hiatos. Currículos na íntegra porque quem não deve não teme. As instituições públicas regionais, as autarquias, os serviços estatais desconcentrados ou regionalizados têm lugares na Internet e é aí que deveriam constar os currículos profissionais e académicos de eleitos e nomeados. E nada melhor que alguém com responsabilidades começar por dar o exemplo, como é o caso do Presidente da RTA, instituição emblemática e em certo sentido lugar-chave de poder no Algarve. Gostaria imenso que o senhor Helder Martins divulgasse o seu currículo exaustivo, precisamente para dar exemplo. Que tornasse público o que estudou, a formação complementar que obteve, as empresas que serviu de quando até quando, se apenas em Portugal ou também no estrangeiro, enfim, a sua experiência profissional completa. Tudo colocado à vista desarmada. Em democracia, um cidadão que aceita ser eleito ou nomeado para um cargo de relevante interesse público, não deve evidentemente temer que o seu passado seja escrutinado, fornecendo ele próprio os dados sem omissões. Esta é até a melhor defesa para o eleito ou para o nomeado, antecipando-se eventualmente a alguém que malevolamente faça o currículo por ele mas mal. A Transparência (assim mesmo com letra grande) deve imperar. Aprecio imenso as «mensagens» que os presidentes de câmaras dirigem aos seus munícipes, aprecio imenso que alguns até digam que são casados e têm um número tal de filhos, aprecio muito mais que digam que são militantes deste ou daquele partido desde o ano tal com desempenho deste ou daquele cargo dentro do dito partido ou como corolário da filiação e registo com enorme satisfação que digam qual é a sua profissão. No caso das Câmaras Municipais aprecio imenso esses rasgos de sinceridade mas isso não basta, e muito menos basta quando se trata de funções que implicam o Algarve e os algarvios no seu todo. Os nossos vizinhos Espanhóis, para não falar do que se passa em toda a Europa organizada, já aprenderam há muito essa regra da Transparência, usando a Internet não tanto para plantar flores mas para ajudar a árvore da democracia a crescer e a enraizar-se. Tem portanto a palavra o senhor Helder Martins, o eleito mais recente de uma instituição do maios peso.

Carlos Albino

SMS 13 - Essa história da RTA

7 Agosto 2003

Custa-me aceitar que, depois desse enorme estendal de buscas na RTA, com apreensões de discos rígidos e com uma caterva de suspeitas atiradas para o ar, mas sobretudo depois da seta atirada certeiramente ao peito de Paulo Neves, que não haja, decorrido este tempo, nada de concreto, que não haja um indício, um sinal sequer de justificação da gravidade que levou à intervenção a qual, tal como foi dito pelos responsáveis, nem podia ser antes, nem depois. Mas porque não antes ou porque não depois? Naturalmente que os algarvios sérios e honestos que felizmente são muitos, muitos mesmo embora calados, ficaram em estado de choque com o sucedido, tanto mais que a operação e a forma como foi suportada pelo zelo matreiro próprio da divulgação sediciosa que não se livra da fama de ter sido concertada, determinou incontornavelmente os resultados da eleição da liderança da RTA. Naturalmente que os algarviotes, que apesar de poucos são bastantes para influenciar perversamente a coisa pública (por isso é que são algarviotes) devem estar a rir-se a bandeiras despregadas. E felicissimos, então, devem andar os algarviões, um reduzido número, um grupo quase insignificante mas que está para o Algarve como a pneumonia atípica está para Singapura (por isso é que são algarviões). Mas agora um pouco à distância dos acontecimentos, parece que, mais uma vez, o segredo de justiça (tão machão mas impotente) se casou com a justiça do segredo (aparentemente virgem mas mais sabida que a cobra reputada de Eva), sabendo-se que, em Democracia e num Estado de Direito, desse casamento só pode resultar geração irremediavelmente estropiada ou meia dúzia de siameses unidos monstrusosamente pela cabeça como um molho de rabanetes. Faltaram dois votos a Paulo Neves. Pelo que me dão como certo, a história da RTA já terá resultado num arguido que não é Paulo Neves e, ou redondamente me engano, ou andará muito perto da verdade a sugestão de que os dois votos que lhe falharam, foram precisamente o do segredo de justiça e o da justiça do segredo. Se assim for, que Paulo Neves conte comigo como testemunha.

Carlos Albino