quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

SMS 502. A questão dos mandatos



28 fevereiro 2013

Se houve lei com intenção declaradamente moralizadora do exercício de cargos públicos foi esta, a da limitação de mandatos de presidentes de câmaras e juntas. Independentemente de com tal lei se penalizarem bons presidentes, ela foi bem acolhida como um sinal claro e balizador de que o exercício do poder a que se ascenda por via do voto não é um eterno emprego de carreira mas um transitório serviço público e sem apegos. Na verdade, um mandato obtido por eleição não é propriedade privada de quem é eleito, e a lei em referência foi feita, assim se entendeu, para dissipar dúvidas, travar carreirismo político e colocar um obstáculo a que os eleitos não fiquem prisioneiros de lóbis ou que os lóbis não usem os eleitos como marionetas de interesses não esclarecidos. A possível prevenção moralizadora, portanto, incidindo nas pessoas titulares e não nas autarquias porque o objetivo foi ou será o de impedir o carreirismo, seja este sempre na mesma autarquia ou ali ao lado que é o mesmo, pois os lóbis não têm as fronteiras que os cadernos eleitorais traçam.


Não se entende assim o expediente de contornar a lei explorando alguma indefinição desta ou mesmo lacuna, sendo o propósito moralizador, e muito embora sejam poucos os casos em que se tenta forçar esse propósito, não é de excluir que em muitas situações de presidentes reconhecidamente bons mas inibidos de novo mandato e agora remetidos ao hiato, se possa dizer que afinal eram tão maus presidentes que nenhuma autarquia ao lado os aceitou para encabeçar listas para um quarto mandato que será o primeiro ao lado. Independentemente das vertentes jurídicas que são sempre uma forma de encomendar fato a alfaiate à medida do corpo, a finalidade da lei é uma finalidade moralizadora e esta não tem vertentes – ou é moralizadora ou não é, ou é para todos ou não é para minguem, ou se aplica a todas as autarquias mesmo que estas distem mil quilómetros entre si ou é fogo de vista.


Admite-se que em algumas autarquias, este ou aquele partido “não tenha mais ninguém” a não ser alguém cuja transferência por aquisição de passe possa salvar a situação como nos clubes em aflição. Mas isso, independentemente das tais vertentes jurídicas, põe em crise o propósito moralizador da lei pelo que se torna possível que alguém vá cumprindo três mandatos de autarquia em autarquia pelos 278 municípios do continente a começar em Valença do Minho e a acabar em Vila Real de Santo António se a vida der para isso, porque a moral e a ética política seguramente é que não dá.

Carlos Albino

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    Flagrantes equivalências: Santo Deus! O número de licenciados em ciências empresariais e afins que por aí não há mas que nem sabem o que é a regra de três simples.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

SMS 501. Promiscuidade



17 fevereiro 2011

Sei que a palavra promiscuidade, em título, causa arrepios, mas não há outra que retrate a vida ou a atividade política portuguesa quanto a condicionar e a orientar a chamada opinião pública. Há comentadores que falam para todo o País e que metade ouve, mas que são ao mesmo tempo titulares de altos cargos ou funções de Estado, e ainda ou sobretudo nos intervalos, são também interventores ativos dos partidos – como nas lixívias de lavar o chão, três em um. Há comentadores diariamente ativissimos que metem pitada sobre tudo, da política interna à externa, mas que se somem como água na areia e desaparecem das televisões onde fincaram pé, mal ficam à frente do grande negócio consumado para o qual, pelo comentário ou também pela intervenção política espúria e difusa, contribuíram como iniludível parte interessada. Há comentadores que surgem no pequeno ecrã como cordeiros de lã fofa mas que dão nome, representam ou são eles mesmos o mundo que gravita em torno de sociedades de advogados, de empresas de comunicação e marketing político, e de lóbis bancários que no tempo de Sócrates estimularam o homem para as grandes obras e, agora sendo os mesmos, estimulam outro homem na perseguição ao contribuinte, na transformação dos pequenos pensionistas em inimigos públicos e no despautério de chamar ociosos aos jovens desempregados e sem perspetivas. Em emissão televisiva nacional são capazes de dizer que Relvas deu o beijo da morte a Seara no apoio a Lisboa, mas que andam por aí pelo país a beijarem candidatos a autarquias tão ou mais meteoricamente licenciados que Relvas e cujo passado, bem contado e não omitido nos pormenores, até faria Seara corar de vergonha.

Naturalmente que, em democracia, todo o homem e mulher é livre, mas há leis que por definição não esgotam a ética e há ética que, embora não constando das leis, deve ser seguida. Assim como é inconcebível que um conselheiro de Estado, nessa qualidade, apresente o Preço Certo, também a qualidade de apresentador reboludo que rebola nas baixas emoções, não lhe dá credencial para conselheiro de Estado. E um comentador que seja deveras comentador sério, não deve sair desse estrado, porque se saltar amiúde para o estrado seja deste ou partido, ora para cá ora para lá, parte-se-lhe a coluna da ética como comentador, se for vertebrado. A lei não o proíbe a não salte de estrados mas a ética aconselha-o e a democracia exige-lhe que não se sirva de um estrado para saltar para o outro, sobretudo uma democracia com opinião pública frágil, crédula e formada à base de ingénuos ou confiantes em que não há gente má no mundo.

Seja como for, a promiscuidade está instalada e pouco há a fazer a não ser uma reforma das mentalidades, até porque, aqui e além para salvar algum decoro, há sempre uns quantos convidados para fazerem figura de contraditório mas que vão no jogo, aceitam o jogo e legitimam o jogo. Promiscuidade, é a palavra. Até quando, não se sabe, e pelo que constatei em nenhum país da Europa acontece o que em Portugal é o pão-nosso de cada dia, e, no Algarve, com uma Imprensa geralmente acrítica, com as rádios reduzidas a grafonolas, e que quanto a televisão esta está para lá do Caldeirão, é pior.

Carlos Albino
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    Flagrante prova real: O PSD/Algarve que teve o mérito de exigir a publicitação de currículos sem omissões dos nomeados ou candidatos a cargos políticos, tem nestas autárquicas a obrigação de não pregar como frei Tomás.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

SMS 500. Toda a gente vê e percebe

14 fevereiro 2013

Por todos os cantos se fala da “reforma do Estado”, associando-se a tal pretendida reforma cortes orçamentais aqui e ali e não àquilo que deveras merecia reforma urgente – a reforma das mentalidades, a reforma dos procedimentos e usos da democracia, a reforma do centralismo estatal gerador de uma cadeia infinda de mordomias e postos de ociosidade, a reforma dos frágeis mecanismos do Estado que permitem a prática de verdadeiros crimes públicos cujos efeitos são pagos dura e cruelmente por aqueles que os não cometeram. As causas do estado a que o Estado chegou ou em que está, são tão velhas como Portugal, tala como vem dos antigos saber-se que quem enuncia e denuncia tais causas ou é afastado da sociedade ou atirado para o esquecimento por aqueles a quem uma verdadeira reforma do Estado não interessa. Como exemplo dos tempos que passam, basta citar o caso do BPN e da constelação de burla e dolo que andou à volta da instituição bancária, para nos certificarmos que uma reforma autêntica do Estado não interessa. Dizem os apressados e falsamente chamados reformistas ou que da designação se reclamam, que há gastos a mais na saúde, na educação, na segurança social, por aí fora, mas silenciam o astronómico buraco deixado pelo dinheiro que se sumiu e ninguém sabe ou, sabendo, ninguém diz onde pára sob as desculpas de se terem encontrado um ou dois bons bodes expiatórios. A justiça não é responsável mas leis desfasadas, leis omissas e leis deliberadamente redigidas no terreno do equívoco que competiriam ao Estado corrigir, aclarar ou introduzir, permitiram que muito do que devia ser punido exemplarmente acabasse por ser tolerado e aceite apenas não ser ilegal, cobrindo jogadas de dolo e enriquecimentos à tripa forra por via de negócios especulativos sob o manto diáfano das próprias instituições do Estado cuja reforma agora se diz urgente apenas para que os justos, os ingénuos e a generalidade dos cidadãos confiantes paguem os desvarios. Podem reformar por decretos punitivos para quem nunca cometeu crimes públicos e podem invocar causas internacionais e episódios da política doméstica insuflados pela conquista ou manutenção do poder, mas toda a gente vê e percebe que um Estado assim não tem emenda, até porque logo à partida os reformadores, num Estado a sério, deveriam ser logo identificados como prevaricadores ou seus aliados quer por via da omissão, quer por via de atos de exceção permissiva. Chegámos, sem dúvida, a um Estado que na sua grande parte é uma pirâmide de ociosos, de cargos inúteis, de mordomias distribuídas por prosélitos, de oficialidades impantes, de cortejos de burocratas que levam quinze dias para rubricar um papelinho, de palradores que falam horas e horas ou do que não percebem ou se percebem ninguém emtende porque não passam dos chavões e das linguagens cifradas que camuflam a estreiteza do espírito, a ausência de alma e, sobretudo, um egoísmo muito maior que a Ponta de Sagres a entrar no oceano dos cidadãos honestos e que logo às primeiras horas da democracia acreditaram e disseram em voz alta “Isto agora vai”. Não foi e assim não está a ir.

Carlos Albino
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    Flagrante exemplo papal: O papa abdicou porque sentiu chegada a sua hora de abdicar. Mas esse foi o pepa real, porque há por aí muitos papas de pacotilha que há muito deveria abdicar e não abdica e que em vez de sentirem chegar a sua hora, pelo contrário, dizem – “Estamos na hora e há que papar mais  enquanto é tempo!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

SMS 499. De braços cruzados é que não

7 fevereiro 2013


Quando uma das coleções da Salvat, nos anos sessenta, inaugurou uma série de livros sobre o devir das sociedades, um dos aspetos que já então se ressaltava era o aumento da insegurança que iria dominar o nosso futuro. Se noutros campos se registaram rotundos enganos, infelizmente, em relação à violência que iria vir, os futurólogos acertarem por completo. O panorama que nos chega diariamente dos Estados Unidos, de Espanha, d França, ou mesmo da até há pouco considerada fleumática Inglaterra, só para nos circunscrevermos aos países ocidentais, dá até que pensar. E entre nós, considerados pessoas de costumes calmos, desde que se deram os crimes da Meia Culpa e do Bar do Avião, ficou dado o alerta – o crime violento de grandes dimensões tinha começado, a sociedade portuguesa não iria mais ser o que era.

O Algarve, terra do Sul, de calor e lazer, bem que poderia ter ficado recuado, o que até há pouco parecia acontecer. Mas de súbito, pelas razões que sobejamente todos conhecemos, esta região passou a fornecer casos típicos de violência que, dia a dia, preenchem as páginas do crime e abrem os telejornais. Não vale a pena voltar a falar da insegurança que se vive nas cidades, nas praias e nos campos do Algarve. Nem vale a pena amedrontar as pessoas, contando casos e descrevendo pormenores. Vale a pena ver, isso sim, como inverter uma situação que pode ser altamente gravosa para os seus naturais, seus residentes e seus visitantes. Vale a pena pensar naquilo que a política pode impulsionar, no que as autoridades têm a fazer e na forma como nós, os habitantes, podemos contrariar esta tendência.
Todos gostaríamos que, no Algarve, por todo o lado, se pudesse colocar cartazes dizendo: “Terra livre, aqui vive-se em paz e segurança”. Sabemos que assim não pode ser, mas lá por isso não podemos ficar de braços cruzados, com as autoridades à espera da próxima participação, e os habitantes a disputarem a página do jornal de amanhã com os pormenores do crime de ontem à noite. As políticas de segurança têm que ser mais eficazes e mais atentas, com a consciência de que proteger uma população dispersa pelos montes é diferente do que protegê-la em ruas de prédios apinhados. Mas além de que as autoridades já deveriam ter iniciado novas rotinas com reforço da polícia de giro, ligação da polícia com a população, enfim, serem uma polícia protetora, presente e disciplinadora, em vez de uma polícia só punitiva e ameaçadora sem motivo aparente, também os habitantes já deviam ter mudado e muito, designadamente no estabelecimento de novas relações de vizinhança, criando dispositivos de associação de moradores, com ligação dos vizinhos em rede, serviços de alerta com roteiro de proteção, um mapa de sinais de alarme e identificação, em tempo útil, de ocorrências extraordinárias.

O que significa que nos próximos tempos, políticos e autoridades têm muito a fazer mas os habitantes, sem caírem na tentação de se substituírem às autoridades, também não podem de ficar de braços cruzados. Um novo conceito de responsabilidade cívica assim o exige.

Carlos Albino
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    Flagrante aparência: Ser presidente de câmara ou de junta, ou ser deputado, não é um emprego, nem sequer deveria tal parecer. Só numa ditadura é que há empregos desses.