quinta-feira, 25 de setembro de 2008

SMS 281. E não haverá mais?

25 Setembro 2008

Pelos relatos, foi um incêndio que pôs a descoberto um dormitório clandestino albergando mais de uma centena de imigrantes usados na construção civil. Portanto, não foram autoridades nem alguma das organizações civis subsidiadas para escrutinar que descobriram – foi o incêndio que descobriu. Ainda pelos relatos, esse dormitório situado no pacífico lugar da Sinagoga em Tavira, era uma antiga suinicultura e sendo o que foi, imagina-se as obras que não foram feitas para humanos tomarem o lugar dos animais, e não vale a pena falar mais do caso porque o incêndio encarregou-se de descobrir, porquanto, pelos vistos, tanto fiscal – de câmaras e de ministérios – que há pago pelo erário público para descobrir, também devem confiar em algum incêndio para que a ilegalidade e a desumanidade não fiquem encobertas.

Mas, apagado o incêndio e descoberta que foi uma suinicultura transformada em hotel de estrelas furadas, com o proprietário a garantir que «as condições são as ideais» e com Macário Correia a comentar que os imigrantes estavam «em condições desumanas», a pergunta que se coloca é, naturalmente, esta: não haverá mais? Não haverá até coisas piores do que antigas suiniculturas com essa carne para canhão? Não haverá casas sobrelotadas com vinte imigrantes onde outrora quatro pessoas dormiam já unas sobre as outras, não haverá contentores com beliches atrás das árvores igualmente numa santa ilegalidade e numa desumanidade de bradar aos céus?

Todos sabemos as dificuldades e a burocracia que tem ser vencida para qualquer ser humano normal obter uma licença de habitabilidade numa construção nova ou mesmo remodelada. Sabe-se também o que custa desrespeitar a lei e regulamentos nessa matéria. Por isso caso é para espantar que mais de uma centena de imigrantes consigam viver clandestinamente numa antiga suinicultura que não era propriamente desconhecida e que pela natureza dos antigos locatários se fazia notar.

É claro que também sabemos porque é que tanto fiscal ignora o que um único incêndio descobre com uma fumarada de rotina.

Carlos Albino

      Flagrante aviso: Em Albufeira, com as brincadeiras nas linhas de água. Pelo Algarve afora, ninguém pode dizer que dessa água não beberá.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

SMS 280. O Algarve, que futuro?

18 Setembro 2008

Anda Portugal, por aí fora, a debater o seu futuro, se terá viabilidade nos próximos dias ou até mesmo se ainda existe hoje. Aquilo são colóquios no Norte, são seminários no Centro, são jornadas na capital, e até mesmo a televisão, certamente para compensar aquela atoarda que apenas não cheirou totalmente a perfume de antigo cigano porque substituiu 28 de Maio, segundo a qual os elementos identitários de Portugal seriam «futebol, Fátima e 25 de Abril», até mesmo a televisão viu-se compelida a pleitear a viabilidade deste Estado, ou do país com este Estado, ou da nação com este País, como se queira. Quando não se quer ver escrutinado o presente, provoca-se o divertimento com o futuro, sendo este exercício paraolímpico apenas mero divertimento porquanto qual o País, qual o Estado, qual a Nação que tendo futebol, Fátima e 25 de Abril não haverá de sobreviver? Não se percebe como é que, com tais elementos identitários manifestamente perenes, os pensadores paraolímpicos ainda perdem tempo em indagar a viabilidade ou mesmo a existência de Portugal… Tenhamos pena, verdadeira pena é das regiões que, dentro desse Portugal imortal, não tenham dotes para pontapés, não disponha de um lugar de aparições divinamente pagãs, ou que nunca tiveram um 28 de Maio a sério nem um 25 de Abril a brincar uma vez que dois dias de democracia converteram muito antigo comissário da ditadura em fervoroso missionário da liberdade. Com a situação em que o futebol algarvio se encontra, dado que também não há meio para alguma divindade descer dos céus para aqui havendo tão bons sítios para isso (em Marmeleite, no Cachopo ou no terraço de algum hotel de Albufeira, por exemplo) e porque, quanto a datas, falta pouco para alguns líderes da região, trocando as coisas, evocarem o 25 de Maio e o 28 de Abril, é de temer se este Algarve, sem os elementos identitários de Portugal, tem viabilidade, se tem futuro ou mesmo se existe.

Carlos Albino

      Flagrante sugestão: Uma ida a Almodôvar, para uma visita ao Museu da Escrita do Sudoeste. Diz respeito ao Algarve e a todos os que, por identidade, são algarvios.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

SMS 279. Esta máquina de esquecer

11 Setembro 2008

Trata-se do «8.º Encontro dos Povos», com o lembrete das migrações em pano de fundo. Num Algarve onde tanta gente assobia para o ar, sobretudo aquela gente para a qual a imigração apenas é carne para canhão, o facto de Estói se lembrar dos que, vindo de longe, entre nós estão e, salvo lamentáveis excepções, fazem das tripas coração para aprender a língua, trabalhar com gosto e ganhar umas migalhas de felicidade, merece registo, apoio e estímulo.

Embora a avaliar pelo folheto que anuncia esse encontro de imigrantes para dia 21, pareça tratar-se de uma iniciativa confessional e marcadamente religiosa, este pretexto não diminui a bondade da iniciativa. Primeiro, porque, com as dimensões que tem ou pode ter, o encontro de Estoi preenche uma grave lacuna do Algarve para com os migrantes que acolhe, quer a nível regional, quer a nível autárquico (as agendas municipais, por exemplo, desconhecem soberanamente os imigrantes). É como se, descontando tudo aquilo que nas escolas se faz por obrigação e lei, não tivéssemos uma palavra a dizer e duas a ouvir desses milhares de pessoas que também, na generalidade, contactam com a nossa cultura e história por mera curiosidade ou acaso.

É claro que o encontro de Estoi sabe a pouco – começa com um desfile de bandeiras dos países presentes e, com uma celebração religiosa pelo meio, vai pela tarde fora com gastronomia, música e danças dos grupos «de vários povos». Fica aquém do que seria razoável fazer, mas já é alguma coisa e sobretudo é uma boa lembrança. Na verdade, as «entidades regionais» descalçando a bota não estão viradas para este género de generosidade cultural, e as autarquias, cada qual por seu lado, esvoaçam entre «eventos» e animação em função dos que votam, acontecendo que esta doença infantil da democracia já há muito chega às juntas de freguesia. Parece que o Algarve anda esquecido que o pouco que culturalmente tem e lhe dá fortes traços identitários é derivado das migrações, de muitas e variadas migrações que rapidamente esquecemos uma a uma, ou uma depois de outra. Ou o Algarve não fosse uma máquina de esquecer.

Carlos Albino

      Flagrante falta de palavra: O comboio de alta velocidade entre Faro e Huelva combinado com Espanha em 2003, para funcionar em 2018…

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

SMS 278. O Carrocel Oito

4 Setembro 2008

Como era de esperar, o PSD reelegeu Mendes Bota, e, como se esperar será, o PS vai reeleger Miguel Freitas, ficando compostas as flores centrais do ramo que vai adornar as eleições. O PSD algarvio que não teve debate, teve despique e fez barulho, tem mais ou menos os seus nomes fixados mesmo que se admita algum mau humor da liderança nacional do partido; e o mais ou menos algarvio PS que não tem despique nem debate, sem problemas com a chefia, caminhando mudo e prosseguindo calado (pois que há-de dizer?) vive a paz daquelas força políticas em que a vontade política é como se fosse um acto administrativo ou, por indolência, um benefício nada sofrido daquela regra segundo a qual «as favas estão contadas».

Está à vista que há nomes mas não há debate. Miguel Freitas repete casuisticamente o que vem lá de cima, Mendes Bota faz a oposição casuística que pode. Sobre a região, o futuro da região e o que a região deve ser, há umas ideias gerais e umas explanações específicas (específicas, consoante se procure a conformidade com o poder ou a coerência de oposição), sobre os problemas da Sociedade troca-se por miúdos os comunicados do poder ou verbera-se o silêncio oficial quando tais problemas parecem ser graúdos, e assim se vai gastando o tempo, o tempo político até à normal e previsível efervescência da formação das listas – listas autárquicas e listas de deputados, esse Carrossel Oito que simula o debate que não houve até agora e possivelmente não haverá até às próximas corridas de Mendes Bota e Miguel Freitas, com mais uma voltinha para a menina Manuelinha e mais uma voltela para a menina Manuela, como o altifalante do Carrocel Oito a sério dizia.

Pode ser isto um divertimento e até proveitoso, mas a primeira vítima desta política aos oitos é sem dúvida a própria Sociedade, e as últimas vítimas serão os próprios políticos. Deixem chegar só mais uma geração.

Carlos Albino

      Flagrante vergonha: O que aconteceu na Praia dos Salgados (Albufeira) e zonas limítrofes. À causa chamam agora «efluentes» como se aquilo fosse o mesmo que emanante, proveniente ou irradiante, e os dicionários não registassem aquela adequada palavra que só pela palavra dá vergonha... Na verdade, Praia dos Efluentes é coisa mais nobre e fina.