quinta-feira, 30 de abril de 2015

SMS 612. Dieta mediterrânica…

30  abril 2015

Não é a essa que nos referimos. Essa é milenar, comestível, companheira do espírito e que bem justifica o brinde de uns à saúde dos outros. Referimo-nos a outra dieta, não menos mediterrânica mas intragável, a que destrói instituições, arrasa ideias de progresso, mina a convivência, faz quebrar compromissos e parte a espinha da esperança.

Essa horrível dieta é aquela com que tantos se alimentam quando transformam o poder (qualquer poder) em coisa da sua propriedade privada. Conquistam o poder em nome do serviço pela causa pública, ou são nomeados para servir a mesma causa pública, mas a tal dieta mediterrânica, a breve prazo, não lhes disfarça os efeitos perversos.

Não sendo autistas, fingem-se autistas por conveniência, num fingimento a que a sabedoria popular costuma designar por manha; não se lhes reconhecendo no passado mérito de jogadores, jogam; tendo ganho a confiança geral do voto ou a deputação do chefe, desconfiam de quem julgam que lhes estraga o apetite; os seus quintais cheios de roseiras entre duas palmeiras com ninhos de passarinhos, são uma espécie de estados islâmicos onde decapitam a crítica que foge à dieta, executam o reparo que fira o culto pessoal, apedrejam quem lhes observe que, em política, o verbo “eu” não é conjugável nem é verbo, e redigem, para cima e para o lado, o índex com os nomes dos que querem mandar para baixo, e mandam mesmo.

Tudo pela calada, como mandam as boas dietas. E, além disso, os que seguem esta dieta, estão conscientes de que numa sociedade sem bases de anonimato social, os seus nomes permanecerão, por isso mesmo, anónimos e tanto mais anónimos quanto mais na província a avaliação nutricional é feita. Por isso, os bons seguidores da dieta gostam da província profunda e recôndita.

Mas os efeitos notam-se, saltam à vista e por isso aí vemos, nos serviços públicos, estatais e municipais, verdadeiras legiões de gente proletarizada, com lassidão dos pés à cabeça, cumprindo estritamente o obrigatório, com cortesia se o chefe obriga mesmo que não saibam redigir uma carta, com lhaneza se o chefe determina mesmo que o atendimento qualificado de um telefonema lhes cause cansaço cerebral. Se o chefe confunde animação com cultura, é uma animação constante; se o chefe confunde património com matrimónio, é um casamento contínuo; se o chefe é um néscio embora com bons fatos, então, está na mão.

Mero apontamento, por hoje, observando por aí tanta obesidade política e mediterrânica.

Carlos Albino
_______________
Flagrante prova dos nove: Naturalmente que aqueles que lutaram sempre, lutam e lutarão contra a corrupção, geram anti-corpos… E um anti-corpo, apesar das provas da sua existência, nunca se vê e raramente se dá a ver.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

SMS 611. O livro, essa fita métrica da sociedade

23 abril 2015

Feliz coincidência com o dia deste apontamento, hoje é o Dia Mundial do Livro. E com este dia, além dos leitores, estão comprometidas diretamente as instituições que com o livro têm ou deviam ter um pacto íntimo: escolas, bibliotecas públicas e associações que não sejam subsidiodependentes.  Pacto com o livro portador de arte, de ciência, de pensamento e de excelência. E quem diz, pacto com o livro, diz pacto com os seus autores, e com os seus críticos também de excelência. Dir-me-ão que a “excelência” ou a qualidade, são conceitos relativos. Pois são relativos, mas tais conceitos são facilmente reconhecíveis à distância, tal como à distância se distingue um pedregulho de um grão, seja este grão de oiro, de prata ou de bronze…

Mas enquanto as escolas ainda têm, felizmente, mecanismos de escrutínio interno (um grande disparate dificilmente aí se repete), já algumas bibliotecas públicas, lamentavelmente, parece que agem isentas ou isentam-se de escrutínio, não conseguindo conviver com a observação crítica e prosseguindo uma eterna festa infantil e, nos intervalos, promovendo confraternizações de amigos bem encadernados. Claro que não são todas – há bibliotecas, poucas mas há, que, por exemplo no Algarve, têm programação cuidada e rigorosa, cumprindo a missão de promover a leitura, aproximando autores a sério dos leitores que também lêem a sério. Não entram nos esquemas da papelada com o embuste da auto-ajuda, do exoterismo, da prosa com a chamada pornografia espontânea que está longe de ser erotismo, e desse amontoado supostamente poético que o erário público candidamente subsidia mas que não passa de manifestação serôdia de frustrações ou de temporão exercício de narcisismo frente ao espelho.

E, as bibliotecas públicas, ao lado das escolas, têm uma missão naturalmente pública e que não se compadece com a proletarização dos seus responsáveis. Num país que é dos mais retrógrados da Europa em matéria de leitura, como os índices comprovam, e numa região que nessa matéria está na cauda do País , como o fecho geral das livrarias igualmente comprova, as bibliotecas públicas não podem nem devem abdicar dessa missão, mesmo que à custa da “programação cultural", politicamente imposta pelos poderes locais, onde tudo conta para contabilizar votos futuros, por via do populismo, dos favores, das simpatias, da condescendência ao rude. Neste aspeto da rudeza que está nos antípodas da arte e da excelência, em 40 anos de democracia – democracia esta que não existe com solidez sem democracia cultural – o Algarve já produziu umas boas centenas de toneladas de livros sem peso na balança da história e sem leitores que não vão além dos sobrinhos e primos de seus autores, contra uns poucos quilos de livros com dignidade e qualidade para figurarem num Dia Mundial do Livro.

O que se passa em algumas bibliotecas públicas do Algarve, é de cair para o lado. Desmotivação dos seus responsáveis? Incapacidade? Falta de meios? Em alguns casos, será até de perguntar: criancice, imaturidade? Não sei. Também não sei se em todas as bibliotecas públicas se lerá a mensagem de Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO, a mesma UNESCO que instituiu este dia mundial. Aprender-se-ia muito com essa leitura, como se concluirá muito se os próprios responsáveis das bibliotecas públicas desconhecem tal mensagem.

Celebramos, por vezes orgulhosos, o Algarve e suas terras como terras e região de Autores. Mas, acabada a festa, e desarmada a igreja, verifica-se que, além dos muitos que omitiram ou trocaram Autores e Livros por devaneios,  alguns falaram deles sem os reconhecerem e muitos continuam a falar sem os lerem – nem os sobrinhos, nem os primos.

E assim, neste breve apontamento se celebra o Dia Mundial do Livro, livro que é a fita métrica da Sociedade. Diz-me o que lês, dir-te-ei o que e quem és, e também quanto medes.

Carlos Albino
_______________
Flagrante surdez: Um democrata está surdo ou perto disso, quando lhe dizem que estará a gastar ou a usufruir dos últimos cartuchos, e não ouve. E até diz: “Nã s’nhôr! Né nada, come assim!...”

quinta-feira, 16 de abril de 2015

SMS 610. Günter Grass, obrigado

16 abril 2015

A Günter Grass, devemos dizer obrigado. Gostava da natureza e das pessoas do Algarve que considerava pacíficas. Para quem viveu a guerra e que pelas suas causas teve uma vida atribulada, é um elogio para a nossa terra. Dizia isso sem hesitações, ele, que acima da polémica que gerou por nunca querer desculpar-se e desculpar a Alemanha da catástrofe, acabou por ser a consciência moral da própria Alemanha.

Desde há muito, vinha ao Algarve duas vezes por ano, na primavera e no Outono, sempre com um manuscrito na mão – o seu próximo livro. Era aqui que lhe dava a forma final.  Obra vasta, Nobel da Literatura, tivemos como vizinho que, além do trabalho das palavras, pintou, esculpiu e escolheu Almancil para mostrar o que, rodeado pela natureza pacífica e por pessoas pacíficas, ia criando. Foi assim que nada custa dizer que Günter Grass chegou alemão algarvio e, sem alardear, fez-se algarvio alemão.

No “Tambor de Lata”, escrito em Paris, obra inicial que lhe deu logo vastíssima notoriedade internacional, Günter Grass inventou um menino que se recusou a crescer. Possivelmente, esse menino acabou por crescer na Mexilhoeira Grande, quem diria, acordando a consciência dos alemães e dando ao mundo obras que fazem estremecer as pessoas relativamente a uma reedição do poder alemão, oferecendo-se ele próprio como culpado. A sua obra foi uma obra sobre a consciência de culpa, por isso um constante aviso e uma constante advertência contra a hipocrisia e o cinismo.

Günter Grass, a partir de agora, já não voltará ao Algarve no próximo outono e na próxima primavera, com o seu manuscrito,  e para a sua pintura ou escultura. Mas o Algarve deve reviver a sua obra e fazer com que Günter Grass não desapareça, mas perdure nesta natureza pacífica e por entre estas pessoas pacíficas. Deve continuar como nosso vizinho pacífico e essa será a melhor homenagem.

Carlos Albino
_______________
Flagrante epidemia: A falta de cortesia é já uma epidemia no Algarve, tão normal e tão aceite que se esgota nos amigos e correligionários.      

quinta-feira, 9 de abril de 2015

SMS 609. Está tudo refundado, reformado, aproximado…

9 abril 2015


Deste modesto posto de observação, não nos compete mudar o mundo, mas tanto quanto possível observar se o mundo está a mudar para pior ou para melhor. E nesta tarefa, naturalmente que há erros e acertos. De modo que é sempre um risco, continuado risco, fazer o papel de observador observado. Todavia, há factos, realidades, sentimentos gerais e constatações comuns que permitem observar à vontade, e de tal modo à vontade que até nos distraímos da possibilidade de erro. Uma dessas constatações é a da abstenção crescente nas consultas eleitorais, um dos sentimentos é o do afastamento dos partidos rotinados no poder relativamente aos cidadãos, uma das realidades é a a da escolha de candidatos a isto e àquilo depender exclusivamente dos “aparelhos” partidários muito pouco aparelhados, e o facto é o que vem à boca de que é consciente de que pode estar a errar: a “crise do sistema” que é tanto mais grave crise quanto os políticos se desacreditam nas palavras, nos atos, nas omissões e quando abrindo a boca não dão uma para a caixa.

Quando o Partido Socialista ousou escolher o seu ”candidato a primeiro-ministro”, através de uma ampla consulta aberta para além da fronteira dos seus militantes e ficheiros, fê-lo certamente como resposta ao que então corria de boca em boca: que o Estado tinha que ser refundado, que o sistema democrático tinha que ser reformado, que os partidos tinham que se abrir à participação ativa dos cidadãos (e não estes como ovelhinhas controladas no curral), e que os candidatos, para além de qualidade e excelência, deviam ter manifesto apoio da sociedade ou pelo menos sinais disso. Por aí fora. As “primárias” que levaram António Costa à corrida de 100 metros/obstáculos para primeiro-ministro, decorreram nessa crença de reforma do sistema partidário, de resto mais ou menos saudada, como se costuma dizer, nos “mais diversos quadrantes” e de tal forma que influenciou até a escolha de muitos dos candidatos autárquicos, conforme as regras de diabolização local.

E agora que estamos à beira de legislativas, com a escolha de candidatos pelos círculos? À bera de uma presidenciais que, tanto quanto a minha vida permitiu observar de circunstância em circunstância, vai ser uma das escolhas mais sérias desde Américo Tomás que não foi escolha mas AVC do sistema? E também quando já as próximas autárquicas batem à porta, determinando estratégias veladas, quer da parte dos que, recentes vencedores, estão a dobrar a metade de mandato, quer da parte dos que, frescos vencidos, distribuem comprimidos não para reforçar a memória mas para a apagar? Agora? Agora, a avaliar pelo silêncio geral, parece que o sistema está reformado, que os cidadãos participam em pleno, que está reformado tudo o que, há pouco tempo, todos aceitavam que tinha de ser reformado… Só que, nada está reformado, a participação é escassa, os discursos são do género “vira o disco e toca a mesma música”, o escrutínio público ou mesmo o simples pedido de escrutínio é diabolizado, a lealdade volta a ter como sinónimo vassalagem, avisos e advertências fundamentadas são amesquinhados e subalternizados por segredos de gabinete. Sem qualquer prévia consulta, aberta, ousada, participativa e verdadeiramente reformadora, tudo leva a crer, os próximos deputados já estão escolhidos; é muito provável que o próximo Chefe de Estado, mesmo que chefie pouco, já esteja filtrado; e que os próximos autarcas já tenham fato talhado, mesmo que o populismo distribua escassos 35 por cento, a dispersão da esperança inútil 5 por cento (ou 7) e a abstenção 60 por cento, ou perto.

Muito gostaria que este fosse um colossal erro de observação. E também um astronómico erro do observador, caso este afirme que o Algarve tem muitos líderes, líderes por todos os cantos, mas nenhuma liderança.

Carlos Albino
_______________
Flagrante pedido: Às universidades, mais ainda à que está perto, que evite dissertações de mestrados (e até de doutoramentos) que não passam de brincadeirinhas e criancices maquilhadas de calões técnicos.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

SMS 608. Para a unidade do Algarve 


2 abril 2015

Nestes 58 anos do Jornal do Algarve, ocorre e é imperioso que se diga que o desiderato do seu fundador, José Barão, está a ser cumprido, de uma forma quase milagrosa. Desiderato que, mais do que nunca, está atual. Uma sociedade esboroa-se sem comunicação, e como na natureza, detesta o vazio. Os novos meios tecnológicos, só por si, não preenchem esse vazio, são e devem ser complementares. O Jornal do Algarve soube atempadamente perceber isso – o Algarve precisa de que o desiderato de José Barão seja prosseguido, sem anulação da concorrência, antes pelo contrário, quanto mais concorrência melhor, desde que haja um objetivo comum: a unidade do Algarve e o fortalecimento dos valores de sociedade aberta que configuram a sua identidade

Não é difícil entender que a comunicação do ou no Algarve, atravessa uma profunda crise. A atividade noticiosa depende em larguíssima medida da informação institucional dos poderes públicos, informação essa amiúde condicionada pelas vorazes agendas políticas e por interesses difusos; não tem pé na televisão; e, além das grafonolas locais que com alguma heroicidade e proporcional dependência sobrevivem, não há uma rádio regional que coloque o Algarve na agenda de informação do Pais – tem repetidores usurpando o legítimo direito das comunidades concelhias a terem voz própria, licitamente mas usurpam. À parte isto, com recurso aos novos meios tecnológicos, aí estão implantados por todos os cantos jornais online sem papel complementar ou complementares deste, não constituindo documento, arquivo, memória palpável mas também amiúde não constituindo responsabilidade expressa, designadamente a responsabilidade pública em matérias do interesse público. Diga-se, claramente e sem equívocos, que, no novo mundo virtual, há bons jornais on-line, dentro da legalidade, com propósito ético no bilhete de identidade e princípios deontológicos no cartão de cidadão. Mas, diga-se igualmente sem equívocos, que estas ilhas de bom senso e até de bom serviço público, estão rodeados por atrozes ilegalidades, havendo “redações” sem jornalistas, empresas de “informação”, contra todos os princípios, alojadas nas barrigas de aluguer de agências de publicidade quando não nas agências imobiliárias. Assim não se vai a lado nenhum e, pasme-se, há ilegalidades financiadas ou protegidas por poderes locais que, sem critério e por benefício reciprocamente servil, usam o erário público com a maior das leviandades ou distraídos pela inexistência do adequado escrutínio – somos todos vizinhos, e quanto mais próximo é o vizinho, menor o exercício de avaliação do dano público e seu autor. Se a Entidade Reguladora para Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, alguma vez, descessem ao Algarve, estamos em crer, haveria uma apreciável razia, a vários níveis.

É neste panorama que, no Algarve, as poucas empresas deveras jornalísticas (com jornais impressos, apenas online, ou mistas) sobrevivem e dão contributo para a unidade do Algarve, sobretudo as empresas que têm, prosseguem e apostam, não numa manta de retalhos de quintais mas num desiderato regional do Algarve. O Jornal do Algarve está neste caso e se há mais, que há, oxalá continue bem acompanhado. Recordo-me, era eu um adolescente, ouvir da boca de José Barão, no saudoso Café Martinho – emblema da Lisboa de outrora, que queria do seu Jornal do Algarve um “jornal provincial” e não um “jornal provinciano”. Passados 58 anos, esse seu desiderato está atual, pelo que se um abraço tem peso, um forte abraço para o atual diretor, Fernando Reis. Prossiga!

Carlos Albino
_______________
Flagrante pergunta: Um jornal online tem obrigação de ter muito espírito, mas será sempre carne sem osso; um jornal impresso tem o dever de ter bons ossos, tendo a obrigação de não perder o espírito. O ideal é ser misto: com o espírito do online a recobrir o osso do papel. Esse será o futuro.