quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

SMS 553. Os novos Bordas d’Águas…

27 fevereiro 2014

Para agradarem ao chefe ou porque receberam indicações de intermediários do chefe (possivelmente o chefe não se presta a isso), aí temos uma falange de gente que, segundo parece, anda a brincar com coisas sérias. Gente que pensa estar isenta do escrutínio público ou que, pior ainda, dá um estalido com os dedos no chumaço do casaco quando alguém lhe fala dos factos e do escrutínio público. São os novos Bordas d’Águas cujo estilo, como se sabe, corresponde à arte de adivinhar o futuro por qualquer coisa e seu contrário, de emitir vaticínios para agradar a gregos e troianos (sobretudo a troianos enganados ou desenganados), enfim, à arte da trapalhice sorridente.

Turismo? Vai ser um ano em grande, apesar dos hotéis andarem a cobrar já 20 euros por noite, pressionarem trabalhadores a rescindir contratos por 60 por cento (contratando depois pelo valor dos sobrantes 25 por cento, restando ainda 15 por cento para o bolo das aplicações). Vai ser um ano em grande. Cultura? Vai ser um mar de cultura, apesar do pouco e ainda resistente teatro que o Algarve tem estar nas lonas, apesar das poucas ações culturais relevantes viverem dos carolas a que se junta a carolice a custo zero de alguns protagonistas de boa vontade. Economia? De vento em popa, apesar das empresas de monta não terem sede financeira no Algarve e bastantes das mais relevantes nem sequer a têm no País, pouco mais deixando na terra onde operam e que transformaram em mero balcão de vendas, pouco mais que os salários para quem limpa o pó; apesar das empresas de serviços não saberem na generalidade como vai ser o dia de amanhã; e apesar do desalento profundo na agricultura e do desânimo de alguma indústria transformadora que também na generalidade quer ver se algum espanhol a compra. Área social? Santo Deus, porque não também ano em grande, apesar da fome envergonhada ser cada mais um facto não envergonhado (as escolas que o digam e que o digam quem surpreende gente até há pouco da classe média, às tantas da madrugada, à procura de restos de comida nos contendores das imediações dos restaurantes, como comovidamente tenho verificado nestes dias em que circunstancialmente tenho deambulado pelo Algarve). E o desemprego  (a mais elevada taxa do País) já não é de gente que “não quer trabalhar” como era do argumentário até há pouco usado por empresários hoje também na generalidade falidos e entalados – o desemprego é de quem quer trabalhar e sabe trabalhar mas não encontra trabalho nesta economia que os Bordas d’Água, nos seus vaticínios, dizem que vai ser de sucesso nos próximos meses. E a saúde? Um sucesso, um completo sucesso em Faro e em Portimão, um sucesso sucessivamente sem cessar nos centros e extensões de saúde pública onde não faltam médicos falando espanhol a diagnosticarem diabetes apenas por um calo na sola do pé, enquanto os médicos competentes são marginalizados e tratados com os pés. A segurança? Outro sucesso sobre o qual, paradoxalmente, assaltantes e assaltados estão de acordo, porquanto nem os primeiros relatam para eficácia e sucesso da profissão, nem os segundos reportam confiados em que o silêncio sobre o sucesso de um assalto evita um segundo e terceiro ataque à propriedade, como poupa trabalho desnecessário às autoridades tão envolvidas que estão com o farolim da frente, o selo dos seguros, o 55 à hora na zona de 50.

Isto são só sucessos, e o curioso é que os Bordas d’Águas (uns três ou quatro no Algarve) não se apercebem de como caiem no ridículo por, em cada um dois 365 discursos que fazem por ano para meros e obsessivos efeitos mediáticos, julgarem que estão a fazer o “Discurso do Ano”, proeza que só o homem da cartola, fraque e monóculo, o autêntico, pode fazer.

Carlos Albino
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Flagrante conselho deixado por D. Afonso III: “Mal do Algarve se não for o Algarve a cuidar de si próprio, pois o conde Barcelos não distingue duas alfarrobas de três marmelos”.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

SMS 552. Para que conste, passados 630 anos

20 fevereiro 2014

Para quem tem menos de 40 anos, a palavra Ditadura é apenas estranha. Ela foi, no entanto, sinónima de um pesadelo que tirou o sono a Portugal por mais de quatro décadas no século passado, uma longa e degenerada experiência de empobrecimento das populações que culminou numa guerra colonial utópica que isolou o País do mundo. Convém lembrar que as ditaduras valem-se de variados caminhos para chegar ao poder e nele se perpetuarem. De golpes militares repentinos a vitórias em eleições de farsa, seguidas de lenta e inicialmente indolor supressão gradual das liberdades (como foi o caso da portuguesa), os regimes ditatoriais que aqueles que têm 50 ou mais anos foram conhecendo, têm um traço em comum: a tentativa de eliminação da democracia local. É por aí que a coisa começa e a história está repleta de exemplos confirmando que quando governos de rótulo democrático começam a empenhar-se na submissão dos poderes locais e no esvaziamento das funções dos eleitos mais próximos das populações, isso é sinal claro de que estão por vir ruturas das regras de convivência democrática.

Daí que a existência de uma democracia local (seja qual for a designação que esta tenha recebido ao longo do tempo) é uma das manifestações mais claras do grau de civilização atingido pelas sociedades abertas. E também, nos dias que correm, a principal garantia do estado direito. Por essa razão, a democracia local é abominada pelas ditaduras e pelas plutocracias estatais com seus séquitos de acólitos. E também pela mesma razão, ela torna-se no primeiro alvo de grupos políticos que pretendem perpetuar-se no poder ou dominar o Estado em benefício dos seus próprios interesses. Sem democracia local, não haverá mais o que celebrar em qualquer dia que se denomine por Dia da Liberdade.

Por felicidade, temos no Algarve, concretamente no Arquivo Municipal de Loulé, os documentos mais antigos do País probatórios de democracia local. O primeiro desses documentos data de 1384, tratando-se das Atas de Vereações do município. É um assunto conhecido por bastantes, estudado à lupa por alguns, mas convém recordar isso de vez em quando, para que conste. Passados 630 anos, termos no Algarve e ser do Algarve a prova mais antiga de democracia local no País, é caso para se dizer: “É obra!” E para se acrescentar: “Celebremos!”

Carlos Albino
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Flagrantes duas perguntas: Primeiro, ao ministro Poiares Maduro, se pensa que, no Algarve, há gente que ainda confunde descentralização com desconcentração e com delegação. Segundo, ao mesmo ministro, se também julga que uma distribuição de verbas, em última análise pelo critério do per capita ou, como dizem, percapitação, numa região cujos habitantes duplicam ou triplicam, conforme, isso não será mais do que uma perdecapitação…

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

SMS 550. Apenas mau? É péssimo sinal

6 fevereiro 2014

Quanto à imprensa, designadamente imprensa local e regional do Algarve, não é apenas crise, é morte, é fim. Fim em quantidade, e perto disso em qualidade. Ligando-se isto a uma região sem centro televisivo ou sem espaço autónomo condigno nas televisões, com as rádios locais convertidas em barrigas de aluguer sem qualquer ligação à terra ou em gira-discos com mais ou menos volume, com atividade noticiosa própria reduzida a zero ou dependendo do controlo remoto sem pilhas, não é apenas um mau sinal, é um péssimo sinal.

De há uns cinco anos para cá, sobretudo desde que se liquidou a obrigatoriedade de publicidade local dos concursos públicos,  vários alertas foram lançados pelos desistentes. Não serviram de nada, pelo que as estocadas na sustentabilidade da imprensa das comunidades locais e da comunidade regional (que, bem vistas as coisas, nunca chegou a ser comunidade) foram sendo dadas sem dó nem piedade. Noutras regiões do país, onde se pode falar apenas de crise, as empresas ancoradas nessas mesmas regiões, e, ainda assim, práticas e hábitos de leitura, têm assegurado a existência mais ou menos sólida de jornais que, ao mesmo tempo, souberam capturar vantagens associadas pelo recurso às novas tecnologias. Outras regiões mantêm os seus semanários locais e regionais, bissemanários, diários até. No Algarve, às estocadas legislativas, somou-se o tradicional divórcio das empresas que operam na região mas que na região não têm nem querem simuladamente ter nem o coração nem a carteira. Estão fora disto, o seu território não é o da Sociedade, é o dos clientes que chegam e partem.

Não é apenas uma causa mas várias causas que estão na base da derrapagem da imprensa no Algarve, onde o surgimento da informação on-line não chega a ser causa do desastre nem de concorrência da palavra impressa, muito menos da liquidação do braço armado das opiniões públicas e do escrutínio digno de ficar em arquivo.

É uma opinião que vale o que vale, mas não hesito em referir que, no Algarve, há uma elevadíssima taxa de relutância à leitura, auto-justificada por falta de interesse pela matéria publicada com enorme desfasamento no tempo (a região não dispõe de equipamentos de produção adequados pelo que uma imprensa sem produção própria é como portos sem rebocador). Não há leitores e esta é a questão. E porque chegámos a uma situação de sociedade sem leitores do que mais diretamente lhes deveria interessar, é o problema que urge debater.

Carlos Albino
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Flagrante alteração climática: Felizes aqueles tempos em que o começo das amendoeiras em flor era notícia de primeira página nos diários nacionais. Agora, nem na necrologia constam. Efeito de estufa.

SMS 551. Portugueses, a  graça  do coração

13 fevereiro 2014

Muito admirados andam os estrangeiros com a brandura do povo português.

Ao inteirarem-se da dieta rigorosa, quando não mortífera, que nos está a ser aplicada, admiram-se de que não se verifiquem motins nas praças de Lisboa e noutras, cenas que encham os telejornais europeus de imagens de violência, admiram-se que as ruas se mantenham calmas, e até mesmo vazias das antigas enchentes de há dois anos, quando fomos notícia no mundo inteiro por que nos manifestávamos, ao contrário dos outros, com flores e cantando. Admiram-se da nossa brandura, da nossa capacidade de espera, da nossa desiludida ilusão, da nossa emigração forçada, sem um pio, sem um ai. Admiram-se do nosso temperamento submisso, da nossa forma de ser sumida, mas e apesar de nos elogiarem em público, à volta das mesas, em privado, riem-se de nós. É que um dia, quando a mudança se der, ela será feita entre nós a reboque dos outros, e não por nós. De novo, nós seguiremos os outros.

Explicações para a nossa conduta? Há muitas. Desde a explicação pelo medo à explicação pelo bom senso, até à explicação da rendição temporária e tática. Mas por vezes, as explicações vêm de longe e encontram no olhar dos estrangeiros, os argumentos que nós não temos, ou que a proximidade não nos deixa vislumbrar. Foi assim que em 1994 Doris Lessing deu uma ajuda antecipada para uma outra interpretação do nosso temperamento. Escreveu no primeiro volume da sua autobiografia, publicada em 1997, recordando a sua festa de casamento em África – “No baile para os jogadores de râguebi, sentei-me ao lado de uma jovem portuguesa e, para encetar conversa, elogiei a sua bolsa de noite, de lantejoulas vermelhas e douradas. Na mesma hora, ela me ofereceu a bolsa. Fiquei aborrecida porque sabia que eram pobres. Porém, não adiantava argumentar. Explicaram-me que havia sociedades em que um elogio era inevitavelmente seguido por um presente e em que era preciso tomar cuidado com o que se admirava. Portugal fora colonizado pelos mouros, os portugueses aprenderam os modos cavalheirescos da civilização árabe. Guardei a bolsa durante anos, como um talismã, e toda a vez que dava com ela no fundo de alguma gaveta, lembrava-me de que havia alguns lugares no mundo onde reinava a graça do coração.”

Doris Lessing ganhou o Prémio Nobel em 2007. Uma pena que não possa, hoje em dia, escrever sobre o temperamento do nosso povo. Em face do que está a acontecer, talvez a sua explicação fosse diferente.

Carlos Albino
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Flagrante cabeça no ar: Ouvimos e vimos uma jovem do Algarve, ou em nome de estudantes do Algarve, a falar das praxe numa da televisões, botando meia dúzia de baboseiras, designadamente a desconhecida praxe dos “jornalistas” com absinto… Era melhor que estivesse calada.