terça-feira, 31 de dezembro de 2013

SMS 545. O discurso de António Branco

31 dezembro 2013

Cada vez mais nos obrigam a adquirir o hábito de ouvir discursos na condição da prévia anuência. Discursos cheios de formalidades, de afirmações óbvias sejam estas polémicas ou mansas, enfim discursos sem alma ou com pouca alma, que não adiantam nem atrasam e que são talhados para as civilizadas mesuras finais. Discurso com princípio, meio e fim, é raro. E mais raro no Algarve. Não por falta de assunto, mas porque aqueles que discursam pensam que conseguem o consenso das inteligências não tocando nos assuntos que as mesmas inteligências escrutinam. Vem isto a propósito do discurso da tomada de posse de António Branco como reitor da Universidade do Algarve. O discurso foi respigado ao de leve aqui e ali, mas foi um daqueles discursos que deveriam ser ouvidos ou lidos na íntegra, de Vila do Bispo a Alcoutim, se o Algarve nunca tivesse perdido a noção de aula, da aula contínua que o viver em sociedade deveria pressupor, porque uma sociedade de gente que nasce ensinada e em que cada um julga que nada tem a aprender, essa sociedade não vai longe. Ora, António Branco não só nos ensinou na sua primeira aula como reitor, como deixou marcados dois trabalhos de casa, um para a Universidade, outro para a própria sociedade algarvia. Os dois trabalhos com um ponto comum: Universidade e sociedade não podem progredir de costas voltadas, no mútuo desconhecimento, fechando-se uma no cortejo académico e a outra nos cortejos sociais que são 16, tantos quantos os concelhos, a que se somam os cortejos de meia dúzia de instituições que alimentam a roda viva de alguma política e de alguma economia. A cultura, no Algarve não dá sequer para formar cortejo.

Julgo não errar dizendo que podemos entrar em 2014 e dizermos que “Temos Reitor!”

As palavras de António Branco não dissimulam aquela inegável sinceridade que traduz clarividência, arrojo, consciência dos desafios e da função de uma universidade cujas aulas devem influenciar o comportamento da sociedade onde se insere, dando a esta e recebendo desta a capacidade de formular os problemas antes de se imporem soluções. Para isso, é necessário que a Universidade fale com a Sociedade e não apenas com linguagem gestual, mas com palavras vivas e adequadas à realidade, e que também a Sociedade assuma a Universidade como o seu principal motor de cultura, de ciência, enfim, de saber e conhecimento.

O Algarve nada ganhará, antes pelo contrário, perderá mais rapidamente o que ainda tem e as imensas oportunidades que estão à sua frente, se a Universidade não passar do casulo de Gambelas, casulo fechado que nenhuma ação de marketing salva. E a Universidade terá todos os motivos para se interrogar se os seus alicerces estarão sólidos, se a Sociedade não assumir que ali tem ou deve ter o seu escol de consciência crítica e um farol, que aponte para muito mais longe que o farol de São Vicente.

Disse António Branco que “não é por acaso que a aula é um dos espaços mais perigosos para os poderes autoritários: porque a força da Educação, a força que resulta de os homens se interrogarem, a força que resulta de os homens quererem saber mais, quererem compreender melhor, quererem, sem suma, tomar conta da sua vida, essa força é assustadoramente poderosa”. O Algarve precisa, como de pão para a boca, dessa força poderosa, antes de apanhar algum grande susto. Mas para isso é necessário que a Universidade saia do seu casulo e que a Sociedade algarvia assuma que o custo de não ter uma universidade ou de ter uma universidade faz-de-conta, é muito superior ao de ter uma universidade que esteja no centro da cidadania cuja aula passe fronteiras, se internacionalize. Para tanto, é preciso esforço e determinação de parte a parte, e que, tanto a Universidade como a Sociedade formulem o primeiro grande problema comum: um problema de Comunicação.

Mas, para já, temos Reitor.

Carlos Albino
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Flagrantes contas: Na mensagem de Natal, o primeiro-ministro poderia ter dado uma boa notícia se, de facto, em 2013 tivessem sido criados 120 mil postos de trabalho no país. Mas como foram apenas criados 22 mil novos empregos, a mensagem matou o mensageiro.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

SMS 544. Chegou a hora de não dizer adeus

19 dezembro 2013

Neste Natal, poucos ou ninguém está à espera de grandes presentes e de alegres surpresas. E os apelos à solidariedade, vulgares na quadra mas que ainda há pouco tempo pareciam coisas estranhas, já não são tanto apelos à solidariedade entre ricos e pobres mas solidariedade entre os menos pobres e os abandonados pelas sucessivas gestões públicas. À minoria dos ricos cada vez mais ricos, resta-lhes a caridade sem a qual não adquirem o estatuto de bom-tom e de efémero perdão divino. As instituições que são o elemento comum a todas as explicações sobre as as razões porque algumas nações prosperam e outras ficaram para trás na marcha da história humana, refletem nos seus orçamentos e planos para 2014, a situação geral de crise que, sem dúvida, mudou a sociedade de alto a baixo, para o bem e para o mal. Na ausência de instituições respeitadas, funcionais e independentes dos humores dos que se alojaram na democracia com desígnios escondidos, com planos nada claros e rasgando promessas e compromissos assumidos até à véspera do poder, não pode existir esperança de riqueza pública, de distribuição social ou de capacidade coletiva capaz de assegurar à sociedade a possibilidade de progredir num cenário sustentável de estabilidade política, económica, e, talvez mais importante, de estabilidade moral.

Mas não podemos nem devemos deixar-nos soterrar nos escombros da crise. Vivemos em sociedade, felizmente livre e que em momentos agendados faz livremente escolhas e corrige escolhas anteriores, e é apenas em sociedade que podemos encontrar caminhos e soluções. Ninguém fechado na sua casinha, seja esta casinha uma freguesia, um concelho ou mesmo a região, pode julgar que o temporal passa e que nada tem a fazer fora da sua casinha, pensando que chegou a hora de fazer adeus aos vizinhos e que sejam os vizinhos a resolver a crise. Ora, chegou precisamente a hora de não dizer adeus. Chegou o momento de, no maior número possível, os cidadãos clamarem em uníssono que querem o fim da crise e sanar erros e causas da desesperança, assumindo responsabilidades, compromissos e escolhas. E, em democracia, não é preciso esperar pela hora das eleições, sejam estas meramente indicativas como as próximas europeias ou decisivas como as que lhes seguirão. A palavra esperança deve fazer-se ouvir, para já, nas assembleias municipais e de freguesia que nos prolongados anos de distração funcionaram, na generalidade, com ambientes de enterro e para cumprimento de formalidades em tono de figuras que tanto deram para caciques jogadores, como para almas generosas e probas.

E já agora, o melhor presente que o Algarve poderia receber neste Natal, é ter uma voz no sapatinho. O Algarve precisa de ter uma voz, e isso apenas a sociedade a pode oferecer.  Com urgência, o Algarve não precisa de brinquedos tem muitos para brincar, não precisa de roupas novas (os guarda-fatos, sobretudo políticos, estão cheios de roupa), não precisa de jogos de computador (está cheio de jogos e de jogadas) – precisa de ter uma voz. Coisa tão pouca e que não pesa no orçamento. Ofereçam-lhe isso porque a voz do Algarve só é possível saindo das gargantas de todos, a começar pela palavra esperança. Chegou a hora de não dizer adeus.

Carlos Albino
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Flagrante comida: O melhor que o reconhecimento da Ementa Mediterrânica pela UNESCO pode provocar, é não termos vergonha da comida dos nossos pais e avós, vermos nela um sinal de riqueza e que seja posta, com cinco estrelas, na mesa de cada um.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

SMS 543. Falemos do Porto de Faro

12 dezembro 2014

Na vertente exportadora (cimentos e sal-gema de Loulé, sal de Olhão, alfarroba, ferro, aço e atum para diversos destinos), o Porto de Faro tem vindo a subir em flecha, é já um dos pilares fundamentais da economia algarvia. Vai fechar este ano de 2013 com 400 mil toneladas de carga exportada. Segundo parece, o crescimento vai consolidar-se nos próximos anos.

Num raro entendimento entre os deputados eleitos pela região (todos, os dos cinco partidos), foi expedida de S. Bento, em julho, uma recomendação ao governo para que desenvolva uma política de investimentos portuários no Algarve, avalie o desassoreamento dos canais de navegação e clarifique o modelo de gestão dos Portos do Algarve. O entendimento não abarcou a reivindicação da criação da mais que justificada Autoridade Portuária do Algarve com autonomia administrativa e financeira, ficou-se pelo pedido de clarificação, mas o passo dado já não foi mau. A malha portuária algarvia, além dos portos comerciais, com 12 de pesca, 4 marinas, 6 portos de recreio, estaleiros navais e o serviço público de transporte marítimo entre as ilhas-barreiras e entre Portugal e Espanha, tudo isto está na esquisita dependência de Sines, assim como que por comando à distância.

Um mês depois do acerto dos parlamentares, o ministro da Economia, Pires de Lima, anunciava em Portimão (agosto) investimentos portuários no Algarve da ordem dos 15 milhões de euros, nos próximos quatro anos - 10 milhões no porto de cruzeiros de Portimão e os restantes 4 milhões no porto comercial de Faro – nada adiantando sobre o modelo de gestão cuja clarificação os deputados reclamaram, e que, para já, para além dos milhões prometidos até 2017, será politicamente o mais importante.

A verba prometida para o Porto Comercial de Faro parece insuficiente. Como é que quatro milhões de euros se poderá proceder à criação de uma zona de atividades logísticas do porto, à urgente ampliação dos cais, à ligação óbvia do ramal ferroviário ao porto, à ampliação do parqueamento de cargas e beneficiação do pavimento, à realização imperativa de dragagem de manutenção da barra, canal de acesso e bacia de manobra, à melhoria do equipamento de movimentação de cargas, gruas e pórticos, e à beneficiação das áreas de armazenagem coberta, instalações e equipamentos portuários?

O Porto de Faro está a dar provas de ter futuro e de poder responder ao futuro do Algarve, como gerador de ganhos e potenciador da economia regional. Com o que por ele se exporta e o mais que pode vir a ser exportado, não pode ser tratado como um portozinho e como mero apêndice alentejano.

Carlos Albino
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Flagrante falta de vista: Dizem-me que os concessionários de transportes rodoviários furtam-se a estabelecer ligações entre estações ferroviárias e localidades de importância, alegando que os comboios de e para Lisboa são concorrentes das ligações rodoviárias para a capital, pelo que cada estação é vista como inimiga do autocarro… Há que apurar se isto é miopia ou astigmatismo. Se calhar, uma coisa e outra.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SMS 542. A Casa do Algarve

5 dezembro 2013

Os leitores que, desde 2013, acompanham estes apontamentos, sabem que de vez em quando não evito falar da Casa do Algarve em Lisboa, da importância que deveria ter ou que nunca devia ter perdido porque já a teve. Durante décadas, a Casa foi tratada com a embaixada da região na capital, por décadas e décadas por ela fizeram passagem obrigatória todos os algarvios que se prezassem independentemente de credos políticos e estatutos sociais, foi um elo de ligação, quando não de pressão por vezes incontornável entre a região e os poderes, e foi uma instância de consenso e de influência. Paradoxalmente, quando alguns acreditavam que a democracia iria potenciar a instituição, dar-lhe um novo fôlego e traduzi-la para a modernidade, eis que a Casa iniciou um declínio sem fim, entrou em crise e por pouco que não caiu no anonimato. Vários fatores contribuíram para isto, mas um desses fatores impressiona é precisamente o fator político.

 A livre eleição de deputados, por distorção de algumas visões sobre o que seja ou deva ser a cidadania e o seu exercício, levou a que se pensasse que a representação do Algarve e dos Algarvios ficasse completa com uns quantos deputados do círculo dispersos por este e aquele partido. Ora aconteceu o contrário. Esses deputados, que deveriam ter sido os primeiros a marcarem presença na Casa do Algarve e não a serem os seus sistemáticos ausentes, é verdade que fizeram muitas perguntas a governantes e dirigiram muitos requerimentos aos governos, mas, na generalidade dos casos e pelo histórico dos exercícios políticos, não influenciaram nem deixaram influenciar. Em vez de se congregarem no sítio certo sempre que algumas vezes tocou a reunir pelo Algarve, ausentaram-se uns, outros voltaram mesmo as costas, outros ainda fizeram-se distraídos como se a Casa do Algarve fosse instituição que passou à história.

Idêntico procedimento, sejamos francos, tem sido foi o que, nas câmaras e nas juntas, grande parte dos autarcas tem manifestado, sem dúvida influenciados pelo distanciamento de deputados e estados-maiores regionais dos partidos, estes, por vezes, a cair nas mãos de desenraizados, ou, pior, nas mãos de gente que não quer criar raízes e que só não desdenham do Algarve em voz alta porque o Algarve é que os sustenta na profissão política. Estou convicto, no entanto, que o panorama vai mudar, a começar pelos autarcas. E virá o momento em que nenhum político terá êxito eleitoral se não tiver no seu cartão de cidadão o registo do seu enraizamento ao Algarve.

O Algarve dos Algarvios, mais do que nunca, precisa da sua Casa em Lisboa enquanto Lisboa for a capital e o centro do poder, precisa de que a Casa volte a acolher sob o seu tecto os Algarvios que se prezam, independentemente de credos políticos e estatutos sociais, porque todos juntos muito podem fazer pelo Algarve desde que pisem o chão da embaixada. Os Açorianos entenderam isso há que tempo!

Carlos Albino
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Flagrante slogan: Diz a propaganda que o Algarve é ”o segredo mais famoso da Europa”. Mais famoso e mais mal aproveitado.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

SMS 541Regresso aos campos ou liquidação?

28 novembro 2013

A manchete do Jornal do Algarve da passada semana, “Governo aperta o cerco a pequenos agricultores”, foi branda. Na verdade, não lhes aperta apenas o cerco, aperta-lhes o pescoço, garrota-os, liquida-os. Sobretudo no Algarve, onde domina a pequena e média propriedade, sendo esta média propriedade pequena, e aquela pequena pequeníssima. E neste retrato de micro-agricultura variada, além dos citrinos e das hortas que resistem, as pequenas e pequeníssimas propriedades resultam, como é sabido, nos frutos secos – amêndoa, figo e alfarroba, esta, aproveitável a 100%, a alimentar uma pequena cadeia de fábricas de trituração que, aqui e ali, asseguram postos de trabalho e alguma exportação para usufruto de intermediários espanhóis e da indústria alimentar suíça. Não muito mais.  Pois tudo isto que tem sido a base dos campos em luta permanente pelo remedeio ou mesmo contra a pobreza, está condenado à derrocada com a obrigação generalizada para aos micro-agricultores de emitirem fatura e com o fim da isenção de IVA. O resultado vai estando ou já está à vista: o abandono dos campos, os frutos a ficarem nas árvores, fábricas à venda. Fazer agricultura como se fosse atirar barro à parede, não só não compensa como resulta em prejuízo. No tempo em que estamos, é um erro clamoroso de política agrícola e de cegueira fiscal que, para uma região como o Algarve, significa desastre.

É oportuno recordar que o deputado Mendes Bota, em março deste ano, dirigiu, e bem,  perguntas certeiras à ministra das Finanças. Perguntou primeiramente se a ministra tinha consciência da situação e depois se estava disponível para suspender de imediato a aplicação de IVA aos micro-agricultores, procedendo a um estudo sobre o impacto das medidas. A ministra respondeu ao deputado quatro meses depois (em julho) isentando-se com a invocação de algo da União Europeia e referindo que “os agricultores cujo volume de negócios não exceda os 10.000 euros (…) continuam a beneficiar de um regime de isenção de IVA”. Nada respondeu quanto a um estudo de impacto e quanto ao pedido de medidas que enquadram fiscalmente a atividade dos micro-agricultores sem obrigações declarativas pesadas que levem os micro-agricultores a desistir da apanha dos frutos das suas árvores. Quer dizer: a ministra descartou-se, como se lhe ficasse bem, por um amor sem imaginação a Bruxelas e por um rigor nefelibata com o seu País, estar longe da realidade, sendo realidade a liquidação dos campos e dos circuitos produtivos tradicionais. Uma ministra a sério iria ao local, falaria com os industriais e agricultores em causa, responderia ao deputado com substância e não apenas com pretextos formais de gabinete. Há já uns bons anos foi a mesma história com as pescas, agora é com a agricultura para a qual se fazem paradoxalmente apelos ao regresso, apelos patéticos, portanto.

Em vez de uma política agrícola e fiscal que potencie o aproveitamento e transformação dos produtos agrícolas, designadamente com estímulos à aplicação da investigação científica disponível (como é o caso particular da alfarroba, com a instalação de novas unidades industriais que deixem no País as mais-valias), assiste-se a uma política ao contrário, a uma política de autofagia, a uma política cobradora que, por natureza, tem cada vez menos por onde cobrar, já que o horizonte que se antevê é o da pobreza geral, do abandono e do desalento, com a cumplicidade das mordomias regionais desconcentradas ou descentralizadas que em vez de darem voz aos interesses do Algarve, castram-lhe a voz como se o Algarve estivesse condenado a ser um eunuco a cantar na catedral da política de Lisboa.

Carlos Albino
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Flagrante erro de palmatória: Além do mais, o fecho da Segurança Social em Quarteira clama aos céus. É desconhecer o que aquilo é.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

SMS 540. A pobreza envergonhada

21 novembro 2013

Não vale a pena esconder porque está à vista. Cada vez mais, à noitinha, se vê gente a vasculhar caixotes do lixo nas cidades e vilas do Algarve, à procura de qualquer coisa que pareça alimento; cada vez mais os carenciados, cabisbaixos e tapando o rosto, procuram as sobras das cantinas escolares; cada vez mais, os mesmos ou outros, no fecho de pastelarias e restaurantes pedem a comida inaproveitada. Não há estatísticas da pobreza envergonhada, mas ela aí está apunhalando o coração dos mais sensíveis e acordando sentimentos de solidariedade urgente. Sabe-se, pelos números das instituições de apoio social (banco alimentar, misericórdias, Cáritas), que a pobreza assumida galopa, Da pobreza envergonhada, causada pelo desemprego prolongado e pela redução drástica e cega do socorro público, dessa não há números mas sobe em flecha, paradoxalmente tanto quanto em flecha sobe o enriquecimento de uma minoria que, por tradicional coerência, também enriquece pela calada (o número de bimilionários cresceu 20% em Portugal, o que é obra em tempo de crise extrema). Quanto a pobres, já foi assim (quem não ouviu ou não sabe dos relatos dos tempos do mercado negro?) e volta a ser assim. Ainda não se vêem, como nos anos 50 do século passado, dezenas de pedintes em alas à porta das igrejas pedindo “uma esmolinha para o pobrezinho” ou “um panito pelas alminhas dos seus”, mas o que está a acontecer e que pode ser observado por quem percorra as ruas com a intenção de observar, dá no mesmo.

Acontece isto numa terra cheia de hotéis sumptuosos mas na generalidade ancorados no estrangeiro, numa terra com o litoral esquadrinhado por campos de golfe a perder de vista e a fornecer sempre matéria para as revistas sociais, numa terra de desfile de turistas sem dúvida inebriados pelo sol, praias e pouco mais, numa terra cujas marinas estão repletas de iates milionários. Nada disso se inveja ou se deve invejar, desde que tudo isso fosse sinal de uma economia saudável, equitativa, geradora de emprego com remuneração justa, e circuito de trabalhadores e empresários responsáveis. Ninguém pode exigir que o paraíso esteja na terra mas também ninguém pode conviver com o inferno na mesma terra.  

Mal está decorrido um mês e picos sobre os calores eleitorais das autárquicas, em que todos, fossem apoiantes do actual poder governamental ou titulares da oposição, proclamaram que “o importante são as pessoas” e que a política “deve estar ao serviço das pessoas”, a tal ponto que na maior parte das comarcas em disputa quase não havia diferença de discurso entre gente do poder que se dissimulou e gente da oposição que oxalá não se tenha simulado, e parece que, decorrido este mês, esse discurso “para as pessoas” está esquecido. Pode ser engano mas parece. Ainda não se viu uma única medida urgente para as pessoas, sendo estas pessoas, obviamente os pobres quer os envergonhados quer os assumidos. Regista-se apenas que foi a Igreja Católica a ordenar a criação de gabinetes em cada paróquia para apuramento da situação.  Situação que é grave, não vale a pena esconder e que, pelo menos nas câmaras eleitas pelo discurso “para as pessoas”, justificaria a criação de pelouros com vereadores responsáveis para atacar o problema pela via de políticas públicas locais e não pela caridadezinha. Um pregão de solidariedade que se esgota numa campanha eleitoral, não é pobreza, é miséria.

Carlos Albino
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Flagrantes vizinhos: A execução do Cadastro Predial começou pelo município de Loulé como experiência pioneira no País e mal começou, começou também o roubo dos novos marcos delimitadores das terras. Por favor, não digam agora que os ladrões são ciganos, moldavos, russos, senegaleses, marcianos… 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

SMS 539. Poiares Maduro, muito obrigado

14 novembro 2013

Pondo de lado jogos de palavras cifradas e critérios estatísticos artificiais para a classificação do Algarve na corrida aos fundos comunitários e que levam a discussão sem fim, o Quadro de Referência Estratégico Nacional, que a generalidade conhece pela estafada sigla QREN, era esperado na região como deus relativamente salvador para os próximos anos, designadamente já em 2014. Muitos políticos nas suas apostas locais e regionais, bastantes burocratas nas suas mordomias e número apreciável de empresários nos seus vaticínios deram, até anteontem, confiança a esse deus que, segundo parece, caiu por terra pelo anúncio do ministro responsável, Poiares Maduro. Segundo este, 93% dos fundos, em 2014, serão dirigidos “às regiões mais pobres” do Norte, Centro, Alentejo e Açores e os restantes 7% serão para as regiões de Lisboa, Algarve e Madeira. Portanto, para o Algarve será uma amostra.
Ainda recentemente, em agosto, Poiares Maduro afirmara em Lagoa (na FATACIL), que a grande prioridade do próximo QREN deveria ser, não supostamente as quatro “regiões mais pobres” mas o reforço da competitividade de bens e serviços transacionáveis e com capacidade para serem exportados. Agora acaba de explicitar essa intenção ao referir que a prioridade dos fundos será para projectos que melhorem a competitividade da economia e que as “empresas que investem, empregam e produzem (…) serão as primeiras destinatárias dos fundos europeus”. Nada a opor a este princípio se fosse geral. Mas o que repugna é que o ministro tenha dividido o país em duas partes separadas por um fosso sem dúvida cavado por lóbis: de um lado, o país dos 93% e do outro lado o país dos 7%, onde não haverá pobreza, e por sinal as mais elevadas taxas de desemprego, ao lado de empresas que também investem como no Norte, também empregam como no Centro, também produzem como no Alentejo e que também necessitam do reforço da competitividade como nos Açores.

Mais uma vez aí temos um ministro insensível ao significativo número de indicadores do Algarve, anormalmente desfavoráveis para o desempenho socioeconómico e de coesão da região e mais uma vez fica adiada e prejudicada a capacitação do Algarve, das suas empresas e dos seus recursos humanos para os desafios que tem de enfrentar se é que os poderá enfrentar com a pequena fatia que lhe caberá dos 7%.

Carlos Albino
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Dois flagrantes: 1 - Os doentes oncológicos residentes no Algarve não têm acesso facilitado à medicina nuclear (exames PET) como os outros portugueses do continente. Dos 12 equipamentos disponíveis nenhum está localizado no Algarve e nem sequer no Alentejo. É a própria Entidade Reguladora da Saúde a afirmar que a disparidade põe em causa a equidade no acesso à saúde.
2 – As televisões por aí se desdobram e cobrem as vindimas, a apanha das azeitonas e até das castanhas. Para a apanha da alfarroba, no Algarve, não há câmaras nem tempo de emissão que dê conta desse valor económico. 93% das câmaras estão no Norte, no Centro, no Alentejo e nos Açores…

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SMS 538. Crise de representação

7 novenbro 2013

Quando se sente que há um problema, soluções há muitas, não há ninguém que não tenha a melhor solução. Nisto de salvadores somos especialistas. E então mesmo sem se identificar o problema, aí temos montanhas de soluções. Solução para a educação e ensino, para as empresas, para o emprego, para a cultura, para a política local, para as instituições. Nadamos em soluções mesmo que se desconheça ou não se queira mesmo conhecer o problema. No entanto, o importante e o fundamental seria começarmos por responder a uma simples pergunta e que é esta – Qual é o problema?

Não é difícil perceber que o Algarve tem um problema que, em traço comum, passa por todas as terras, da maior cidade à mais recôndita aldeia, problema esse que infeta  as poucas organizações e organismos regionais, infeta cargos desde os de grande influência aos de mero impacto local, infeta a política, infeta a sociedade se é que se pode falar de uma “sociedade algarvia”, porquanto ela está esquartejada por esse mesmo problema, como num talho, em pequenas sociedades locais fechadas e sempre nas mãos de pequenos grupos também estes fechados, alguns antropófilos, outros antropófagos.

O Algarve tem um problema de representação. Não está representado verdadeiramente por ninguém, e os poucos cargos de representação efetiva e legítima prefiguram interesses nisto ou por aquilo, ou seja, controlam o bolo sempre que há bolo ou enquanto há bolo. É um campo aberto para os populistas e para os sortudos, mais para os sortudos do que para os populistas porque o populismo não tem grande futuro perante uma multidão de gente que, nas melhores horas do dia e que de Aljezur a Alcoutim, não prescinde do sofá em frente da televisão convertida em deusa do lar, de gente que não lê absolutamente nada ou se lê é a notícia da facada ou do amor anavalhado, que não sente a falta de jornais locais e muito menos dos regionais, de gente que se abstém nas eleições porque antes e depois destas se abstém em tudo o que esteja para além do humor egocêntrico. É abstenção das bibliotecas que, salvo exceções pontuais, não se converteram em centros de ideias, de escrutínio e de criatividade; é a abstenção das associações que sem subsídios morreriam; é a abstenção do teatro, da música e do livro; é a abstenção da convivência não se confundindo esta com ajuntamento do camarão e da cerveja; é a abstenção dos sindicatos desde que não haja problema com o salário ou com a regalia; é a abstenção de uma sociedade em que se mistura gente desenraizada com gente que perdeu as raízes e nem se esforça por, conhecendo as raízes, conhecer a terra onde vive.

O abstencionismo, no Algarve, não é um abstencionismo político, mas sim um abstencionismo cultural. E um Algarve assim e a caminhar assim, só por milagre não mergulharia num problema de representação, numa grave crise de representação que normalmente resulta numa crise de identidade. E este é o problema. Problema que afeta e infeta as nossas escolas e a nossa universidade, os nossos jornais, as nossas assembleias municipais e as nossas assembleias de freguesia, a nossa chamada “comunidade intermunicipal” em cuja bandeira parece já não constar o rei mouro e o rei cristão mas sim os dinheiros do QREN em função dos quintais pouco comunitários e que, nas cabeças dos que não querem saber do problema, são a solução.

Carlos Albino
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Flagrantes reservas naturais: As tertúlias, muitas, que por esse Algarve há. Algumas são já escolas de convivência.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

SMS 537. As orquestras dos nossos 11 mil milionários

31 outubro 2013

Porque as palavras no Facebook não só voam mas evaporam, aqui fica impresso. Tenham a paciência de ler.

Eram umas quatro da manhã, encontrava-me no auditório principal do CCB. Inexplicavelmente, um homem já falecido, que fora meu amigo durante anos e anos mas que, depois de umas navalhadas nas costas, lhe mudei o nome para Aldrabão Sorridente, fez-me chegar o convite para um anunciado concerto clássico. O convite era já de si estranho. Na tarja em diagonal, lia-se “Lugar reservado no palco”. E assim era. Chegado ao CCB fui encaminhado para o estrado onde, no lugar tradicionalmente ocupado pela orquestra, estavam uns sessenta outros convidados, entre os quais não foi difícil identificar uma dúzia de sem-abrigos, quatro frades franciscanos descalços, dúzia e meia de caras amareladas típicas de desempregados sem qualquer apoio, alguns reformados com casacos engelhados e camisas coçadas, e bastantes jovens com face de desalento. Fiquei sentado entre uma professora despedida e um moldavo que me confidenciou não ter dinheiro para regressar à terra depois de dez anos de clandestino ao serviço de um empreiteiro. Ainda não estava eu refeito desta surpresa com os convidados para o palco do CCB, quando, olhando para sala apinhada, notei que todos os espetadores na enorme plateia e nos balcões, cada um tinha o seu instrumento, das cordas e metais à percussão. Ou seja, o convite do Aldrabão Sorridente para o concerto clássico colocou-me numa sala ao contrário: sessenta espetadores em palco no lugar da orquestra, e uma orquestra de oitocentos e tal elementos vestidos com impecáveis roupas de marca, homens agitando os pulsos com relógios de pulso inegavelmente de ouro, e mulheres, sobretudo as dos violinos, exibindo paraísos fiscais nos decotes, enchendo por completo plateia e balcões, num cenário dantesco de uma gigantesca orquestra possidente e feliz, pronta a tocar para regalo de sessenta desgraçados. Foi então que olhei para o folheto explicativo do espetáculo. Aí se lia tratar-se da “estreia mundial” de uma orquestra formada exclusivamente pelos portugueses com uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares (815 mil euros) escolhidos criteriosamente por entre um total de 11 mil milionários lusitanos registados com tais condições segundo estudo certificado do «World Wealth Report 2012», o que, feitas as contas com os que ficaram de fora da orquestra nacional do CCB, daria para mais doze orquestras regionais. Mas quando li também que o maestro residente da orquestra era aquele mesmo Aldrabão Sorridente que me convidou, então aí, acordei. Foi um pesadelo.

Carlos Albino
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Flagrantes previsões estatísticas: Para que se meça a saúde do turismo, há quem sugira que se conte não tanto as dormidas (tão do agrado e proveito dos operadores com sede no estrangeiro) mas o número de dias em que os visitantes andam acordados, comprem, circulem, transacionem...

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

SMS 536. A questão da liderança regional

23 outubro 2013

Queixam-se muitos, por certo com razão, de que o Algarve não tem liderança regional. Liderança política, liderança cívica e liderança moral amplamente reconhecida. Não é visível que haja alguém ou alguns com um projeto com pés e cabeça para a região, independentemente da região não existir como tal, e de, portanto, não haver um “posto de comando” a que corresponda a função de liderança, embora toda a gente saiba que é a função faz o órgão. É verdade que temos a comunidade intermunicipal que é uma manta de retalhos, com a sua presidência sempre muito disputada ou muito concertada nem se sabe bem porquê, pois essa presidência não corresponde a mais do que um salário de prestígio social e a que, até hoje, não correspondeu prestígio político. Esperar-se que daí resulte “liderança regional” é o mesmo que querer pescar um atum com anzol para bogas. Também é verdade que temos uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional que é um serviço periférico da administração direta do Estado, mas o seu chapéu, na melhor das hipóteses, corresponde a um funcionário zeloso, e na pior, a uma mordomia, pelo que, ou o funcionário está calado pelas leis da sobrevivência, ou o mordomo fala, e aquilo que diz não é mais que a voz do dono, tudo isso não indo mais além da autonomia administrativa e financeira de mais uma máquina burocrática de resultados duvidosos e de procedimentos conflituantes com outras máquinas. Também é verdade que, como em todo o País, tivemos o governo civil que teve os seus tempos áureos de temor na ditadura, mas que, em democracia, nem era governo como nunca foi, nem era muito civil – era uma paróquia de culto partidário com umas procissões de protocolo pífio.

Nestas circunstâncias, sempre que há eleições, autárquicas ou legislativas, esperam esperançosamente muitos que uma liderança regional possa emergir, ou de uma autarquia cujo protagonista tenha sido mais ou menos exitoso na corrida interna da comunidade intermunicipal, ou dos cabeças de listas de deputados eleitos para S. Bento, já que, nas suas campanhas, os candidatos a deputados, desta ou daquela forma, alargam-se nas garantias de representação e defesa dos interesses da região com programas políticos enformados nesse desiderato. Só que tomara os autarcas conduzirem bem os seus ducados e tomara os deputados cuidarem da pose nas respetivas bancadas. Não é daí que uma liderança se afirma, porquanto ovos de codornizes dão codornizes e não geram águias.

Para uma liderança, democrática, claro, e não populista e com síndrome de autoritarismo, não basta que haja quem queira e possa. É preciso ter saber atuante e consolidado, independentemente de quem isso tenha, ser ou não autarca ou deputado, e para que esse saber se comprove, é necessário tempo. Mas também é preciso estar identificado com um projeto ou um programa, deixando que sejam os seus concidadãos a reconhecer a justeza e adequação dos princípios e valores, para o que é necessário espaço, seja este um espaço partidário ou extra-partidário. E finalmente é preciso ter peso, autoridade moral, probidade e respeitabilidade pública que se note e seja referência para além do Caldeirão, para o que é necessário ter matéria e não apenas carreira. Ou seja: líder regional será mais o que tende a sê-lo sem pretender, do que aquele que provincianamente espalha aos quatro vento que pretende sem ter estofo para essa tendência. Chefes temos muitos, a liderança ou desejavelmente lideranças alternativas é que, segundo parece, não há e também não pode ser recrutada por anúncio ou por concurso público. Reconhecer este problema já é um grande passo, o primeiro passo.

Carlos Albino
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Flagrante aplauso: Grande discurso em Loulé, o do prof. Mário Patinha Antão (PSD, da assembleia municipal cessante) na tomada de posse de Vítor Aleixo (PS, presidência da câmara). Foi uma lição de democracia pública e também de democracia interna dos partidos, quer ganhem ou percam. Esse discurso merecia ser publicado na íntegra.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

SMS 535. Aparelhismo, o Alzheimer da democracia

17 outubro 2013

Fazem-se os partidos para a conquista do poder ou da representação através do voto geral. As escolhas de quem se apresenta para essa conquista, a nível regional (deputados) ou local (municípios e juntas) fazem-se pelos mecanismos da chamada “democracia interna” segundo critérios em que deveria imperar a competência aliada à probidade, o dinamismo aliado à criatividade e também as incontornáveis provas públicas. Nem sempre estes critérios são tomados em devida conta, com os partidos a deixarem-se ir na onda dos jogos de influência pessoal ou a deixarem-se arrastar por interesses apostadores, voltando costas a princípios, valores, programas e ideias e a focarem o poder pelo poder na mira do poder ser exercido em função de interesses difusos ou de afirmações pessoais. Quando isto acontece, de vez em quando os partidos entram também na chamada “rutura interna”, do que resultam facções dominantes ou literalmente dominadas ou, então, mais tempo menos tempo, dão azo, por enquanto apenas a nível local, a candidaturas independentes, umas com êxito, outras não, conforme a implantação da facção dissidente e a bitola da dissidência. Também acontece, os partidos chegarem ao ponto de que se convencerem de “não terem ninguém”, recorrendo a independentes cuja independência apenas significa não estarem inscritos em partidos, o que é muito pouco ou mesmo nada para traduzir independência. Isto é normal, não é por aí que a democracia se corrói, antes pelo contrário, pode contribuir para os partidos se confrontarem com a sua própria verdade. A democracia apenas ganha com as escolhas feitas pelo critério de excelência e probidade dos candidatos, independentemente da militância ou não dos candidatos. Claro que também podem surgir os independentes fora dos mecanismos partidários mas que, na prática, não deixam de configurar uma espécie de “partidos espontâneos” ou partidos ad hoc”, com maior ou menor duração, por vezes a exercerem o escrutínio dos partidos formais e que estes internamente atempadamente não fizeram. Somos livres e o sufrágio manda.


O problema é quando os partidos, a nível regional ou local, julgando-se isentos do escrutínio público ou com resultados à vista que pensam ser favas contadas, propõem a sufrágio listas emanadas do clientelismo, umas vezes impostas pelos diretórios de Lisboa, outras vezes prefigurando a mera distribuição, entre compadres, dos lugares tidos como elegíveis. Ou seja, listas de nomes do aparelho e da vontade circunstancial do aparelho, sem atender a critérios de competência e probidade (uma coisa, na hora do voto, não se desliga da outra, e raramente o marketing político compensa essa falta de visão, como estas autárquicas, aqui e ali, comprovaram). A nível local (municípios e juntas), o fator de proximidade pode corrigir a distorção do clientelismo. Já a nível regional (eleição de deputados) essa proximidade apresenta-se muito mais rarefeita, se é que existe dado que a “vivência regional” ou identitária, no caso do Algarve, é uma figura de estilo que pouco passa para além da realidade geográfica.

As eleições para o parlamento aproximam-se (as europeias são apenas fator de consideração dos diretórios de Lisboa e o Algarve nelas pouco conta como se tem verificado) e se queremos ter deputados que representam a sério a região e desta sejam porta-vozes com constância e excelência, é esta a hora de lembrar que o aparelhismo é o Alzheimer da democracia. O Alzheimer da democracia interna dos partidos e o Alzheimer da própria democracia onde os próprios partidos se fundamentam e justificam.

Carlos Albino
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Flagrante esquecimento: Contrariamente ao que acontece com outras regiões (Açores, Beiras, Alentejo, por aí fora) o Algarve esquece e deixa cair como velharia inútil  a sua Casa do Algarve em Lisboa, quando dela a região tanto precisaria. Sinal dos tempos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

SMS 534. Como o desafio à lei rende

10 outubro 2013

Pela primeira vez, observei “in loco” estas eleições locais. As anteriores foram sempre inteiramente vividas em Lisboa, pelo que aquele “in loco” significa a província, chegando a tempo e horas para o voto em Lisboa. E nesta província observei o que é inadmissível em eleições democráticas.

A lei proíbe afixar propaganda em edifícios públicos, nos sinais de trânsito ou nas placas de sinalização rodoviária, e no interior de repartições e de edifícios públicos? Proíbe, mas vi propaganda em edifícios públicos, em placas de sinalização (nas rotundas, então!), no interior de repartições e em equipamentos públicos. Designadamente, num centro de saúde de freguesia rural e de idosos, apinhado de idosos, lá estava propaganda de um só.

Existem espaços especialmente destinados à afixação de propaganda? Existem, mas observei que painéis destinados às candidaturas por juntas de freguesia, e que deveriam ser equitativamente distribuídos pelas listas concorrentes, estavam repletos não de propaganda (cartazes, fotografias, manifesto, avisos, etc.) mas repletos dos editais que segundo a lei deveriam ser afixados obrigatoriamente à porta das juntas. E quanto a utilização abusiva de equipamentos públicos, observei que até os caixotes de lixo camarários foram usados como painéis de propaganda, com colagens a desoras feitas pelos próprios candidatos.

A lei permite que os candidatos possam estar presentes nas assembleias de voto? Lá isso permite, desde que nas assembleias de voto isso apenas se justifique na ausência do respetivo delegado mas, em qualquer caso, não podem praticar atos que constituam, direta ou indiretamente, propaganda à sua candidatura. Observei um caso em que, às claras, o candidato lá esteve, explicando a eleitores o símbolo partidário em que deveriam votar… Qual lei! A lei estipula que é punido com pena de prisão até 6 meses ou pena de multa não inferior a 60 dias, caso essa prevaricação ocorra no dia da eleição, abrangendo toda a atividade passível de influenciar, ainda que indiretamente, os eleitores quanto ao sentido de voto, mas o desafio à lei rende.

A lei proíbe a realização de eventos na véspera e no dia da eleição? Não proíbe desde que não haja aproveitamento de tais eventos, no sentido de serem entendidos como propaganda eleitoral e nos quais os candidatos não devem assumir uma posição de relevo. Ora, observei eventos, designadamente a pretexto de forçado romantismo religioso, organizados não tanto por fé mas pelo chico-espertismo que nada tem a ver com a fé.

Observei muito mais pelo que a lição destas locais “in loco” foi grande. Num sofá em Lisboa não se imagina o que um chico-esperto pode fazer na província. Impunemente, não se sabendo até quando.

Carlos Albino
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Flagrantes contas: Mas como é interessante a consulta dos Orçamentos de Campanha apresentados pelos partidos, conforme a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos do Tribunal Constitucional discrimina, terra a terra. Sobretudo em matéria de angariação de fundos e donativos. A bota não bate com a perdigota.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

SMS 533. Claro, um Algarve diferente

3 outubro 2013

Com dez câmaras para o PS, cinco para o PSD (uma, a de Faro, em coligação com o CDS) e uma para o PCP (CDU, para os devidos efeitos), obviamente que o Algarve ficou com uma expressão política diferente. Em 2009, o bolo era dominado pelo PSD com nove câmaras (uma, também em coligação com o CDS), restando então para o PS a liderança em sete municípios.

Facto relevante foi, de modo geral, o comportamento do eleitorado mais rural, quer para juntas de freguesia, quer, por arrastamento, para assembleias municipais, que deu um expressivo empurrão ao PCP e amparou o PSD numa queda maior. Relevantes também foram a vitória de Isilda Gomes em Portimão (depois de tudo o que se passou), ainda a vitória de Vítor Aleixo em Loulé (aqui, de facto, uma vitória de David contra Golias, em função dos meios desproporcionados e da campanha luxuosa do PSD), como também, pela negativa, a derrota em Lagos do deputado do CDS, Artur Rêgo, que não foi além dos 6,37 por cento dos votos.

Mas, independentemente de vitoriosos ou derrotados, e de forças regionalmente liderantes, há algumas conclusões a tirar destas eleições. Para já, Faro por que todos os candidatos pugnaram, desta ou daquela forma, para se afirmar como “capital” da região, ficou na contra-corrente da mesma região, perdendo manifesto protagonismo político que também não soube ou não conseguiu afirmar quando as eleições de 2009 lhe deram sopa no mel. Pelas inevitáveis consequências dos resultados do dia 29 (na AMAL e, mais tarde ou mais cedo em órgãos regionalmente relevantes, como a RTA), a “capitalidade” vai ficar repartida, senão mesmo deslocada. É uma questão de tempo, até porque as europeias e as legislativas aproximam-se e os sinais da alteração do mapa político da região são mais do que evidentes.

Depois, como muitos previam e bem, pela primeira vez a eleição dos presidentes das juntas de freguesia ganhou importância, nalguns casos decisiva para o desfecho dos sufrágios para as câmaras. Os presidentes de juntas eram, até há pouco e por inércia, uma espécie de atrelados políticos dos candidatos às câmaras, e a situação inverteu-se. Alguns presidentes de câmaras foram eleitos pela influência dos candidatos às juntas e alguns perderam também por isso mesmo. Nem sempre os métodos foram recomendáveis e, aqui e ali, houve mesmo casos de figuras que atuaram como os antigos regedores do Estado Novo, prestando-se a procedimentos próximos do caciquismo, a deslealdades que desonram a dignidade do voto. Casos isolados, sem dúvida, mas fica, para memória futura, a grande lição de que os candidatos às juntas não são verbos de encher, ou figuras decorativas das campanhas. E num momento em que as juntas recebem mais competências e mais verbas, tudo aponta para que os partidos repensem a sua responsabilidade nas escolhas e nos procedimentos, sobretudo nos meios rurais, de eleitorado idoso e onde a democracia mais faz transparecer inevitavelmente as suas contradições.

Carlos Albino     
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 Flagrantes independentes: Nem todos.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SMS 532. António Ramos Rosa

26 setembro 2013

Dizer que António Ramos Rosa é um dos maiores poetas do Século XX é dizer pouco. É preciso acrescentar que é um dos maiores poetas portugueses da segunda metade desse século. E para se precisar um pouco mais, talvez convenha acrescentar que se manteve como um porta marcado pela dedada da terra onde nasceu. O seu endereço de nascimento é este – Cidade de Faro, Algarve.

Que é uma honra para nós, seus parceiros de terra? Sim. O seu primeiro poema, datado de 1958, “Os Dias sem Matéria”, foi publicado em  A Voz de Loulé. Ao longo do tempo e dos seus abundantes títulos, as marcas de uma paisagem luminosa que lembra o Sul, parecem sobreviver desde o primeiro título “O Grito Claro”, datado também de 1958, até ao último, “Figuras Solares”, de 1996. Talvez o seu maior esplendor como poeta da originalidade – e aqui originalidade refere-se sobretudo à origem - esteja concentrado nas recolhas de 74 e 75, bem como no livro “O Ciclo do Cavalo”. Depois, a pureza de António Ramos Rosa nunca foi manchada por nenhum descuido ou cochilo. Sempre grande, por vezes quase imaterial, quase sem raiz na terra pátria, para passar a ter só raiz no mundo. Não importa.

O que há a salientar, no momento que passa, e é tão fugaz, é que António Ramos Rosa tenha sido tão fiel à poesia pura. Numa hora tão absurda como é aquela em que vivemos, em que a Literatura se mistura na alcofa das vendas a retalho, é bom que um poeta tenha escrito:

Às vezes um homem consegue ser a palavra
Entre a terra e a terra
E abrir uma porta.

A Biblioteca Municipal de Faro tem o seu nome e a sua obra. Oxalá nós tivéssemos na nossa vida a inteireza da sua poesia.

Carlos Albino
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 Flagrante indicação de voto: Escolham estes ou aqueles e, conforme, depois não se queixem, dizendo que foram enganados e que estão arrependidos.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

SMS 531. Os nomes das coisas

19 setembro 2013

Dar nomes a ruas, praças, escolas ou edifícios públicos, é um ato que, para além de simbólico, é marcante. Traduz, ou deveria traduzir, os valores em que a sociedade acredita e quer deixar vivos para a posteridade, ou põe em letra de forma, por princípio, gente de bem que a sociedade não quer que se esqueça. E é assim que os nomes das coisas, da travessa e avenida à praça de referência, passam a fazer parte do quotidiano de quem aí habita ou passa.

E nisto de nomes, também há modas. Houve tempo em que a moda foi dos reis da simpatia ou dos presidentes da República, ou por terem nascido na localidade ou por amizade com o regedor da circunstância. Noutro tempo, foram os navegadores e figuras emblemáticas da expansão marítima. Há muito Vasco da Gama, muito Afonso de Albuquerque, bastante Pedro Álvares Cabral e uma coleção de marinheiros mesmo em terras onde ninguém sabe nadar. Houve também a moda de heróis, uns heróis a sério, outros por dá cá aquela palha, sendo essa a razão de, por aí, quase não haver terra que não tenha a sua Rua Tenente Valadim, embora ninguém saiba quem foi, o que fez e porque consta. Também houve a moda dos ideais, com as ruas da Liberdade, do 5 de Outubro e do 25 de Abril a substituírem, por vezes, anteriores nomes que tão depressa foram impostos como expediente de idolatria, como rapidamente caíram em desgraça, passando a figurar na lista dos detestáveis. E o que se passou ou passa com nomes de ruas, passou-se e passa-se com escolas e demais edifícios públicos a que se queira dar bilhete de identidade.

Mas independente de modas, o que interessa é avaliar os critérios. E nem sempre os critérios são suportáveis. Porque uma coisa é dar a uma rua o nome do Poeta Aleixo, outra é perpetuar numa travessa alguém que publicou dois ou três livrecos de quadras onde coração rima sempre com feijão e não passam da cepa torta. Uma coisa é dar nome de rua a uma figura pública nacional ou local que tenha deixado obra de excelência, pensamento e exemplo estimável na sociedade, outra é usar a rua para tornar em figura pública quem foi figura normal e por vezes pouco exemplar. Até por vezes os nomes são dados “porque não há mais ninguém”. Neste caso, rendo-me à sageza de uma terra do Alentejo que, à falta de personalidade local de relevo e com direito à consideração pública, resolveu o problema atribuindo à rua o nome de “Rua de Ninguém”. Ou, outro caso, também se encontra em Palmela a Rua de Nenhures. Na verdade, dar a uma escola o nome de alguém que não produziu uma linha pedagógica ou científica, que nunca foi professor ou investigador a sério, e que jamais se revelou um lutador da instrução pública com nome para ficar, não lembra a ninguém. Pensem nisto e dêem uma volta pela vossa cidade.

Carlos Albino
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Flagrante autarca sem limitação de mandatos: André Jordan.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

SMS 530. Os novos educadores do povo

12 setembro 2013

É uma originalidade portuguesa, esta de, semanas atrás de semanas, ex-líderes de partidos, ex-governantes e deputados no ativo ou reformados se sentarem nas televisões, entrando como comentaristas e saindo como entrevistados. Falam dos mais variados temas, da economia e finanças até à educação e ambiente, com ar de peritos em tudo. Não é difícil perceber que os temas são previamente escolhidos e estudados determinando as perguntas, e que as respostas são preparadas em função da militância partidária e da capacidade de tecer argumentos ardilosos, frequentemente perto do embuste. As televisões chamam a isso comentários mas são de facto entrevistas, conferindo continuadamente a essa gente que teve tribuna e não usou na hora em que devia ter dado explicações, ou que tem e não usa para os devidos efeitos, uma espécie de direito adquirido. Mesmo que no passado tivessem feito o mal e a caramunha, aparecem impositivamente nas casas de cada um como educadores do povo, como exemplos de ética política, e como papas infalíveis.

Não é que, como cidadãos, não tenham direito ao comentário ou à expressão de opinião. Obviamente que não se lhes pode nem deve retirar esse direito. O que repugna é que, a coberto desse direito, sejam entrevistados em dia certo ao longo de tempos e tempos, como se fosse um dever nacional ouvi-los e eles tivessem o direito também nacional de serem ouvidos. Ou Portugal não tem ensaístas, pensadores, politólogos, comentadores independentes e especialistas a ponto de se ter de recorrer a políticos errantes mas disponíveis para tais serviços, ou então, estamos enganados, e o pensamento crítico, a avaliação da realidade, o escrutínio do passado e a abertura de perspetivas de futuro, terá mesmo de passar pelos estafados recrutas partidários que, por este ou aquele motivo mais que sabido, estão a fazer a travessia do deserto.

Em nenhuma democracia ocidental acontece este fenómeno português de entregar a políticos que falharam à mingua de ideias, que erraram clamorosamente ou que perderam no voto a confiança dos cidadãos, surgirem como pensadores impostos, agendados e com honras de luminárias, em entrevistas que mais não são que uma serviçal mistificação do jornalismo, a que normalmente, nas democracias maduras, se chama frete.

Se não vejam, agora que atravessamos o período eleitoral autárquico, como sub-repticiamente interferem ou tentam interferir, no que a cada um convém partidariamente. É verdade que não pisam o risco da lei, ou não sejam na generalidade advogados, mas a mensagem subliminar, a ideia apelativa subtil e o intencional argumento falacioso, lá estão. Entram nas televisões como comentadores supostamente independentes e fora da política ativa mas saem delas génios dependentes e clérigos experimentais dos diretórios partidários. Com tais novos educadores do povo, sem dúvida que, feitas as contas, a instrução pública desce. Convertem o pensamento político na tagarelice com sorriso de salão.

Carlos Albino
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 Flagrantes queixas: Na Comissão Nacional de Eleições, pelos dados mais recentes, deram entrada 157 queixas relativas a estas autárquicas. O maior número (39) relaciona-se com a neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, seguindo-se (31) casos de tratamento jornalístico discriminatório e (27) com publicidade comercial. No Algarve também há casos em que, segundo parece, todos os meios justificam os fins…

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

SMS 529. Independentes de quê?

5 setembro 2013

Quanto à independência crítica, todos, estejam ou não filiados em partidos, é bom que a tenham, a conservem e torçam por ela. A independência de espírito é um bem inestimável, e se algum partido eventualmente a não tolera, estará a esgotar a democracia interna ou terá deturpado gravemente os procedimentos estatutários. Só que a invocação de independência dá para tudo. Por vezes nada mais é que a camuflagem de subserviências e interesses em nome de “grupos de cidadãos”, ou, pior, a máscara de vaidades pessoais, de ressaibos mal administrados e de fato eleitoraleiro dos vira-casacas.

Nesta época de candidatos livres, aí temos os independentes de várias espécies. Há os independentes por mera afirmação ou motivação pessoal, há os independentes “apoiados” por um partido ou concorrendo em lista de partido, há os independentes que já foram de um partido mas que, perdendo a corrida interna da sua facção, surgem como espécie de vingança acrítica e de pregação emotiva, e há também os independentes, sobretudo nos pequenos meios ou nos meios rurais, que em anteriores eleições foram apoiados por um partido e agora surgem com apoio de outro. Se me dizem que o independente é aquele que isso invoca por não ser filiado num partido ou neste não tem militância, sendo próximo, nada haverá a opor. Os partidos têm o direito, a legitimidade e até o dever de recrutar os melhores da sociedade, os probos, os honestos, os competentes e, naturalmente, os que tenham dado provas de independência crítica. A presença destes independentes no jogo eleitoral é saudável, enriquece a democracia e vai ao encontro dos eleitores que, estes também tenham independência crítica. E até se admite que de fora dos partidos também surjam independentes probos, honestos e competentes, com algum programa de ação e ideias que os partidos recusaram ou não previram, e que um grupo de cidadãos assuma. O problema não é esse, o problema é quando a independência é uma máscara, o resultado do mais reles oportunismo e, pior será, quando o independente julga que o mandato que quer renovar ou conquistar é como coisa de sua propriedade privada, algo que lhe pertence por direito próprio, como se cada eleitor fizesse mera figura de notário.

Mas olhando bem para programas, slogans e ideias-chave, dos que, no Algarve, invocam ser independentes, de modo geral, os programas são pobres quando não irreais, os slogans de campanha são inócuos e andam perto dos anúncios dos supermercados, e quanto a ideias-chave, ou repetem o pior populismo criticável nos partidos, ou não passam de exploração do que julgam ser as emoções localmente mais fortes. E dizem à boca cheia que são “independentes” porque dependem de si próprios, sabendo-se que o convencimento da auto-dependência é a maior negação de independência. E um embuste. Não é o grupo de cidadãos que trabalha, é o eu.

Carlos Albino
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 Flagrante pormenor: Até dia 9 (segunda-feira), os partidos políticos, coligações de partidos e grupos de cidadãos devem comunicar à junta de freguesia os representantes das candidaturas nas mesas de voto. É aconselhável que indiquem gente de olho atento para que os mortos, abstencionistas por velhice, invalidez ou sabidos, não votem. Para que não se repita o que já tem acontecido, pois há gente que não olha a meios para atingir os fins.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SMS 528. O que é demais não presta

29 agosto 2013

Ainda me recordo de eleições autárquicas em que a publicidade partidária até usava avionetas com longos panos a esvoaçavam sobre aldeias, vilas e cidades apelando ao voto, numa manifestação de poder, força e dinheiro. Na inteira propriedade do termo, tais avionetas pagas sobretudo por empreiteiros e ofícios liberais correlativos, voavam acima das nossas possibilidades. Entretanto cá em baixo, aquilo é que eram montanhas de esferográficas, cachecóis, bonés, medalhas e medalhões, tudo para lançar o “nome”, para afirmar a suposta autoridade moral do candidato e fundamentalmente para caçar o voto, como um período eleitoral fosse uma época de caça. Muito pobre diabo assim se transformou, apenas por via do slogan lá em cima e dos bonés cá em baixo, em luminar e em génio da política local, embora pouca luz irradiassem e raros pensamentos próprios fossem capaz de apresentar sem o papel de auxílio escrito por terceiros. Depois, os “caçados” foram vendo o comportamento dessa gente, uns atrás de outros, nas jogadas de interesses, na ginástica de fazer legal o ilegal, lícito o ilícito e na arte de dar um ar sério às brincadeiras com o interesse geral e às trafulhices com o bem comum. Alguns casos pontuais transformaram-se em escândalos, mas, de modo geral, tudo o que não chegou a escândalo contribuiu para a abstenção dos eleitores, para o desapontamento dos contribuintes e para a descrença dos cidadãos.

Agora, os partidos fazem questão em não fazer espavento financeiro com as propagandas eleitorais, como dizem, devido à crise, mas também, como deixam sugerido, porque numa sociedade com gente à fome, desempregada, indefesa, com a maior parte das pessoas a não saberem como será o dia de amanhã e até como vencerão o dia de hoje, o dinheiro gasto a rodos com a propaganda produziria o efeito contrário ao desejado. Mas ainda assim há bastante espavento. Aqui e ali, há sementeiras de cartazes que são uma agressão e uma ofensa a quem conta os cêntimos para enfrentar o dia a dia, e que já aprendeu na pele que o bom candidato não depende do cartaz mas das suas ideias, do seu programa, das suas propostas, da sua visão da sociedade e das garantias ou provas que o seu passado pessoal dá.

Só que a força do marketing político de fatela e o desespero de alguns em caçar votos, levam ainda alguns a continuar os velhos métodos que contribuíram para pôr nódoas nesta Democracia. Não resisto a observar que alguns desses cartazes mais me parecem cartazes de aiatolas do Irão, caras enormíssimas semelhantes às dos aldrabões sorridentes, supostamente dominadoras das opiniões públicas locais, mas que espremidas dão em cabeças de alfinete.

Carlos Albino
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Flagrantes desperdício: Surgem por aí uns livros editados com apoios autárquicos, que são desperdício de dinheiro, massacres para quem tenha o mínimo de cultura, inutilidades para a instrução pública, alguns verdadeiras peças pimba, embora sejam monumentos de vaidades pessoais de gente que apenas sonha com os seus nomes numa travessa local. Enfim, com papas e bolos…

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

SMS 527. Terra de ninguém

22 agosto 2013

O primeiro-ministro esteve a banhos na Manta Rota, dias calmos, e ainda bem, porque a democracia exige serenidade na manifestação pública e respeito pela vida privada. No final da semana passada, foi a rentrée política no Calçadão de Quarteira, com o que se convencionou chamar Festa do Pontal, onde não faltaram ministros por conveniência, dirigentes no seu direito ao palanque e comentadores que nos restantes dias do ano pintam a cara de semi-independentes e se reclama de estar “fora da política ativa”. Enfim, foi o Pontal. Mas o curioso é que Pedro Passos Coelho, tendo estado uma semanita no Algarve e discursando no Algarve, sobre o Algarve nada disse, e para o Algarve não disse nada. É como se tivesse falado numa terra de ninguém, onde não está ninguém, ou onde se alguém está, é de passagem pelo Pontal. Sendo a região do País mais fustigada pelo desemprego, com gente mais do que assolada pela fome às claras, e das mais atingidas no seu coração económico pela crise financeira, com a construção civil parada, as autarquias nas lonas, o comércio a fechar e os serviços a fazerem das tripas coração, pois em cima do vulcão social, o primeiro-ministro nem uma palavra dirigiu ao alvo, entretendo-se em esperanças gerais e com alfinetadas retóricas.

Se fosse regra não falar dos dramas locais, com certeza, seriam critérios discutíveis, mas critérios. Mas não tem sido assim noutros lados. Por exemplo, noutra festa, a Festa do Bodo no Pombal, dias antes de vir para a Monta Rota, Pedro Passos Coelho, segundo os anais, andou um quilómetro a pé numa volta às obras de recuperação urbana. E uns dias antes, noutra festa, a Festa das Romanas, nas Pedras Salgadas, também andou por lá, falou de lá e para lá. Mas em Quarteira, e naquele Calçadão que é a capital do Algarve em estado puro, foi como que falar do nunca em terra de ninguém.

Ele não fez sequer 20 metros a pé, perante as câmaras de televisão, para se inteirar das obras de requalificação do muro de Berlim que é a estrada 125; não fez uns 15 metros que fossem para comprovar o abandono de Faro; dois metros para indagar as consequências para as populações do regabofe financeiro das câmaras de sua simpatia ou de algumas outras de sua antipatia; ou, o que seria quase um milagre, um passo para lançar a segunda pedra no Hospital Central do Algarve. Nem fez isso, nem falou disso, como passou ao lado das dramáticas questões de segurança da população residente e visitante, da bela obra dos mega-agrupamentos escolares que espatifaram com o que melhor havia no sistema de ensino numa população dispersa mas coesa, não perdeu cinco minutos para ouvir os pequenos comerciantes, os pequenos empreiteiros, os pequenos agricultores, todos os pequenos que são o tecido do Algarve. Mas se não escutou, não foi ver, ou não lançou uma segunda pedra, também isso se compreende em função da agenda. O que não se compreende é que venha ao Calçadão de Quarteira, faça a sua rentrée política no Algarve com todo o bronze e trate esta terra como terra de ninguém. E assim sendo, para os algarvios, foi a Festa de Ninguém.

Carlos Albino
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Flagrantes jogos informáticos: Ou muito nos enganamos, há por aí uma candidatura autárquica cujos jogos informáticos não são caso jornalístico, são caso de polícia, de procurador e de tribunal.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

SMS 526. A questão ética dos mandatos

15 agosto 2013

A 45 dias das eleições autárquicas, os tribunais pronunciaram-se pela inelegibilidade de dois candidatos no Algarve (Francisco Amaral em Castro Marim, após cinco mandatos em Alcoutim, e José Estevens em Tavira, depois de quatro mandatos em Castro Marim). Nos restantes nove casos de impugnação no resto do País, os tribunais dividem-se. Como é sabido, as sentenças de inelegibilidade não são pedra sobre o assunto, porquanto há a hipótese de reclamação e ainda a de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo ser colocado um ponto final apenas a 9 de setembro, ou seja, escassas três semanas antes do sufrágio.

Está fora de questão que Francisco Amaral e José Estevens não mereçam prosseguir para um sexto ou quinto mandato noutra terra paredes-meias com as terras onde esgotaram o número legal de mandatos, como fora de questão está que outros autarcas, alguns bons e com provas dadas, não tenham mérito para andar com a casa às costas num singular nomadismo autárquico. Sabemos todos que alguns bons autarcas viram impedido mais um fôlego à frente dos “destinos da terra”, não por demérito ou punição mas porque a lei é a lei. Mas não é só a lei.

A questão é de ética, de ética política. Prende-se com o espírito da lei, com a intenção da lei, com o pressuposto ético que informa a lei. Está muito para além da questão do “de” ou “da” que a Presidência da República descobriu, num daqueles momentos de minudência que não tem, quando contrações de preposições com vogais surgem avantajadas à frente dos olhos, como no caso do BPN.

A lei foi confecionada para tolher uma excessiva permanência de autarcas no poder local (presidentes de câmara e de juntas) e fixou o limite em três mandatos sucessivos. Para voltarem ao cargo, só depois de um quadriénio de interrupção. Já se chama a isto quebra-cabeças, que assim é num ponto de vista pura e simplesmente legal, compreendendo-se dessa forma as interpretações contraditórias dos tribunais. Já  de um ponto de vista ético ou de ética política, ou seja, indo ao encontro da intenção ética que subjaz na lei, não se vê onde haja quebra-cabeças. De um ponto de vista estritamente ético, a limitação de mandatos não humilha os autarcas inconformados, reduzindo-os à situação de caracóis com casa às costas. A lei diz-lhes – “interrompam a renovação sucessiva de mandatos” e assim se titula, independentemente do onde, com quem, para onde.

Como a questão é ética, de ética política, é no mínimo estranho que se pretenda que sejam os tribunais a decidirem uma questão ética, empurrando-se tudo até ao Tribunal Constitucional como se este fosse um supremo tribunal ético ou suprema instância de gramática caso o assunto ainda esteja no “de” ou no “da”. E a questão é ética porque como toda a gente sabe embora alguns finjam não entender, a limitação de mandatos apenas visa impedir que a corrupção e o tráfico de influências entrem pelos municípios e juntas adentro com falinhas mansas e ofertas tentadoras como a cobra do paraíso. O escrutínio público não está nos três mandatos, está na interrupção. É uma interrupção cautelar e que, por sinal, até deveria ser entendida e assumida como protetora dos bons autarcas.

Carlos Albino
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Flagrante Pontal: Agora que o tempo passou e permite comparações, saudades do Pontal de Sá Carneiro, aberto, sem medos, corajoso, convivial, sem necessidade de cordões de polícia, enfim, festa democrática diferente de outras festas porque a democracia é isso – pluralismo, e o sinal de saúde da democracia também é isso – ausência de receio e de medo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SMS 525. Publicidade política enganosa

8 agosto 2013

Vai para quase século e meio, Bismark observou que “Nunca se mentiu tanto como em vésperas de eleições, durante a guerra e depois da caça”… A questão não é que isso não pudesse acontecer no final do século XIX, quando as democracias saíam de sistemas obsoletos e quando grande parte das sociedades estava mergulhada no analfabetismo e organizada em compartimentos estanques, sendo que os mais pobres, desprovidos de haveres, sem acesso à cultura, a postos de decisão e ao próprio voto, eram mesmo estanques. O problema é que, passados cento e tal anos, a frase de Bismark continua a ter atualidade, com a mentira a aparecer mais sofisticada ou disfarçada, com subtilezas e ardis.

É claro que numa sociedade evoluída, a publicidade ou propaganda política enganosa acabará sempre por provocar o efeito de boomerang sobre a cabeça dos candidatos que a tais métodos recorram. O cartaz pode ser um primor de marketing e o slogan poderá parecer uma mensagem caçadora do voto, mas quem se apercebe do logro, do ardil e do procedimento enganoso, acaba por punir o seu autor ainda que fotografado na pose mais majestática, civilizada e aparentemente séria. Como no século XIX, sentido por Bismark, isso apenas funciona junto dos que, sem culpa, foram condenados ao atraso, mas que são os alvos preferenciais de quem não olha a meios para atingir os fins. Aqui e além, vê-se isso, nota-se isso, expõe-se isso à vista de todos. Cada um que conclua.

Muito gostaria que neste Algarve democrático do século XXI, os partidos (todos) não mentissem em vésperas de eleições, não mentissem como se escolher ideias, programas e gente séria, fosse andar na guerra, e não mentissem como se a conquista do poder (no caso, o poder local) fosse como contar perdizes dadas como prova de tiro certeiro mas que, em verdade, foram adquiridas no supermercado e penduradas à cintura pelo farsante caçador.

Não há lei nem decreto possível que impeça a mentira depois da caça, durante a guerra e em vésperas de eleições. Há apenas leis e decretos para a caça ilegal, para a guerra que viola a protecção de dados pessoais e para a compra de votos em vésperas de sufrágio. A frase de Bismark, vinda desses confins de 1890, dirige-se apenas à consciência de cada um – à consciência dos candidatos e à consciência dos eleitores. O outdoor, esse, não tem consciência, mas quanto mais uma sociedade é culta, mais boomerang se torna, sendo conveniente até saber o que é boomerang – arma de arremesso que cai sobre a própria cabeça de quem o atira.

Carlos Albino
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Flagrante oferta: Vítor Neto enviou-me o seu “Portugal Turismo – Relatório Urgente / Onde Estamos e Para Onde Queremos Ir”, que apenas conhecia de episódica recensão. Vou na pág. 58 (são 181) e vai de certeza dar azo a um apontamento. Pelas 58 páginas já lidas, precisamos muito de Vítor Neto.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

SMS 524. Património do Algarve

Guilherne d''Oliveira Martins no jantar-debate em Querença
1 agosto 2013

Pergunta simples mas importante foi dirigida a Guilherme d’Oliveira Martins no final de uma palestra sobre bens culturais, em Querença, na noite de sexta-feira passada: (fotos em cima e no final deste texto). Em resumo, a pergunta foi esta: A atenção deve ser dada com primazia para o património imaterial ou para o património material? A resposta não se fez esperar: para os dois em simultâneo porque um está intimamente ligado ao outro. Homenageava-se na ocasião Manuel Viegas Guerreiro, filho de Querença, um dos mais notáveis operários do património imaterial que lhe passou pela vista ou pelas mãos, e que deu nome a fundação exemplar encastoada na magnífica falda inicial da serra algarvia. Resposta certa, porquanto quer seja a poesia popular, sejam provérbios, sejam cantares, sejam quaisquer manifestações depuradas artisticamente da tradição e das gerações, das mais eruditas às mais espontâneas, todo o património imaterial não se desliga das pedras de construções históricas ou de qualquer marco que testemunhe a ocupação humana, a vontade humana e o significado mais ou menos vasto, mais ou menos emblemático para a humanidade, desde a humanidade que faz fronteira com cada um de nós até àquela humanidade que julgamos longínqua mas que cada vez mais tem vindo a visitar a nossa casa e só a volta a visitar se a dermos a conhecer, conhecendo-a.

Mas, dada a resposta, acabado o debate e feitos todos os cumprimentos devidos, vindo de regresso naquelas curvas da estrada, fui acrescentando algumas observações naquele debate íntimo que a gente faz sempre quando se acaba de participar numa “sessão em cheio”, como se diz. E o que acrescentei? Acrescentei que tão importante como a simultaneidade de primazia para patrimónios imateriais e materiais, é o seu escrutínio e que se o escrutínio do que se recebe do passado (material ou imaterial) pertence ou deve pertencer, numa primeira linha, a toda uma legião de especialistas intelectualmente sérios e escrupulosos, e, numa segunda linha, aos curiosos de valores e amantes de identidade cultural, já o escrutínio do património que se vai construindo ou modificando sob os nossos olhos, pertence não apenas a especialistas mas a todos os que ocupam esta terra chamando-lhe “nossa”, no momento da construção ou da modificação.

Puxando pela memória do que mais recentemente se tem construído no Algarve e que vamos deixar para os vindouros precisamente como “património construído”, há de tudo, do excelente ao péssimo. É excelente o que se integra na paisagem, o que se integra sem violência na arquitetura algarvia (temos uma arquitetura), o que entretece o moderno com o adquirido histórico. É péssimo o que não passa de enxertia do exótico, de transposição de outras culturas para a nossa cultura e para a nossa paisagem, e sobretudo em aldeamentos e urbanizações turísticas o que não passa de colonialismo abancado infantilmente por imposição do investimento ou do investimento desprovido de tato, de vista, de olfato, de sabor e de audição. Não admira que muito deste património que se vai construindo seja votado ao fracasso e tenha já mergulhado no fracasso.

Um exemplo? Pois que êxito pode ter na paisagem e na história algarvia (o presente rapidamente é passado) uma urbanização apenas concebível e aceitável em Marraquexe ou na periferia de Casablanca? Podem fazer isso com golfe, mas o único êxito ficará confinado ao golfe.

Portanto, primazia concomitante para o património material e património imaterial, mas nenhuma primazia para o fracasso. Este é que deve ser riscado da história presente, da paisagem a que desejamos que tenha futuro, além de que, certamente, não fará parte da poesia popular nem constará em nenhum provérbio que prove sabedoria. E pelo fracasso somos todos responsáveis, a começar pelos que não escrutinaram e deviam ter escrutinado.

Carlos Albino
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Flagrante proximidade: É que, nesta quinta-feira, faltam apenas já 58 dias para as eleições autárquicas. Muito pouco tempo para trocar as voltas.
Edifício da Fundação Manuel Viegas Guerreiro (em Querença), quando da inauguração
registando-se a presença do presidente da instituição, eng. Luís Guerreiro
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