quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

SMS 303. A crise internacional


26 Fevereiro 2009

Portugal é bafejado de vez em quando com um milagre caído dos céus. Infelizmente, estes milagres não dão pão para a boca, não são chuva de pepitas de ouro e também não são banhos de civilização, cultura e civilidade. Os milagres que volta e meia bafejam Portugal são meras explicações normalmente sobre o que toda a gente já percebeu como sendo de culpa própria mas cujas causas também toda a gente percebe que será conveniente remetê-las para gente alheia, inominada e de preferência longínqua. O nosso século passado, o portuguesíssimo século XX, foi vivido à espera da conversão do Rússia e actividades correlativas como se estivesse aí a chave da solução para os problemas de um século que começou com a corrupção e a anarquia a autoalimentarem-se, e que praticamente foi até ao fim com o analfabetismo e a miséria a servirem de suporte para todo o género de déspotas e títeres, alguns dos quais rapidamente se trajaram de democratas mas todos muito satisfeitos pelo facto do povo estar confiadamente à espera da conversão da Rússia – naturalmente que uso a Rússia por metáfora. Mas, com ou sem metáfora, o certo é que um terço da população portuguesa emigrou, partiu e a maioria não quer regressar à terra dos milagres mesmo que a saudade não morra e as remessas de dinheiro enviadas tivessem feito enorme jeito às antigas Contas Gerais do Estado, agora civilizadamente trajadas em Orçamento do Estado.

É claro que, convertida a Rússia, a explicação milagrosa para os nossos males está agora na «crise internacional». Fizeram-se loucuras na banca, na imobiliária, com os dinheiros europeus (e tanto que foi a fundo perdido…), nas escolas, no aparelho do Estado e nos aparelhómetros das autarquias, mas conhecidas as consequências que algum dia teriam de aparecer, sacode-se a água do capote e lá vem a crise internacional. Os deputados eleitos que na generalidade – salvo honrosas excepções, para evitar melindres - acabado o escrutínio voltaram costas ao cidadão e se especializaram nos jogos de poder das máquinas partidárias, transformando o dever de representação em emprego político e em expectativa de mordomia e em contrato de trabalho com o chefe, também agora ousam limpar a seco esse passado com lições de «crise internacional» quando se confrontam com os protestos do desemprego, com as consequências das loucuras e com a apatia e desconfiança do cidadão comum perante uma justiça que nunca funcionou, uma escola que anda entre o oito e o oitenta, e uma saúde minada pela doença incurável do enriquecimento seja qual for o esquema da «crise internacional»...

Carlos Albino

      Flagrantes correcções (da edição do JA em papel): A «sondagem» a que nos referimos no SMS da semana passada, obviamente era uma flagrante observação, minúscula como todas as observações e não parte do texto. E uma semana antes, saiu como observação minúscula o que fazia parte do texto, tendo sido apagado o seguinte: «Em Faro, um duelo mais do que entre partidos entre duas personalidades – José Apolinário e Macário Correia. Um e outro têm que escolher bem os padrinhos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

SMS 302. Apolinário, Macário e Vitorino

19 Fevereiro 2009

Como era de esperar, quanto a autárquicas, Faro está no centro da polémica politica embora o resto do Algarve não seja paisagem. Macário entra na corrida com promessas frescas, Apolinário tenta segurar, Vitorino insiste e com isto são os indivíduos que marcam. No resto do Algarve, quem está deverá ficar a não ser que nestes poucos meses que faltam para o acerto de contas com o eleitorado cometam asneira da grossa.

É claro que Macário ao pedir ao eleitorado passaporte para Faro, não lhe interessaria apenas Faro como autarquia mas como símbolo de alguma influência regional ou de alguma referência de liderança que desgastando-se na periferia política tavirense não lhe será possível. Na verdade ninguém se converte em farense de um momento para o outro porque Faro não é uma religião, é apenas uma primeira divisão ou divisão de honra.

De Apolinário ainda não se viu aquele golpe de asa – até agora geriu uma crise confusa que tão depressa se compreende nas causas e motivos como rapidamente se deixa de perceber nos efeitos e consequências. Apesar de pertencer ao partido do poder mas partido sem profissão de fé regional que se veja e convença (Miguel Freitas está lá por Bruxelas e não é em fins-de-semana, e-mail, uns telefonemas, uma outra sessãozita e corrupios de secretários de estado que fazem uma agenda política, sendo já tarde para reaver o que o tempo levou), pois Apolinário ainda tem tempo, pouco, não para mostrar mas para prometer esse golpe de asa. Paradoxalmente depende sobretudo de si próprio porque aquilo que parece serem ajudas pode desajudá-lo.

E Vitorino, que insiste, é de facto mais uma incógnita do que um fiel da balança até porque ele não tem propriamente um ideário – tem apertos de mão. Este ritual dá votos e ninguém pode garantir quantos apertos de mão Vitorino vai dar.

Carlos Albino

      Flagrante sondagem: A esmagadora maioria dos inquiridos praticamente apenas conhece dois deputados do Algarve – Jamila Madeira (que até nem está em S. Bento) e Mendes Bota (que até nem está no Parlamento Europeu). Os restantes são tidos como deputados dos militantes sendo a militância, como se sabe, a margem de 97,3 % de erro.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

SMS 301. Boa fase para apostadores

12 Fevereiro 2009

Esta fase de crise inegável que é pretexto também para impor ou perpetrar o impensável, esta fase de dúvidas sobre o que de mais sério um Estado pode possuir e que também é oportunidade para a própria seriedade passar a ser coisa secundária, pois esta fase é uma boa fase para apostadores, sobretudo para os apostadores para quem a razão pouco ou nada diz interessando-lhes apenas o acertar em cheio para onde o poder vai pender, agindo calculadamente em função da aposta no poder. Um pouco por toda a parte, aí estão os apostadores – com visibilidade inegável nos pequenos gestos do quotidiano, mas com sabida discrição na escola, nas empresas, na administração pública e, claro, na política que, em época de crise e de dúvidas, acaba por ser a mãe de todas as apostas, e não apenas mãe mas sobretudo matriarca quando na sociedade os valores do civismo são ultrapassados pelo egoísmo e cilindrados pelo egocentrismo, pois não há egoísta nem egocêntrico que não aposte e não engrosse o sindicato tácito do oportunismo que se rege pelos estatutos da ganância. Assim foi no século passado, quando, nos anos 30, a corrupção, a usura, o descarado tráfico de influências, a repartição de mordomias por fidelidades mafiosas e o desbaratamento das coisas públicas acabaram por conclamar um salvador, qualquer salvador que fosse mesmo que estivesse ao nível da cobra a encantar os pássaros. E assim foi com o mercado negro e os negócios escuros com que fizemos a nossa II Guerra Mundial com toda a neutralidade que foi a fortuna para apostadores de êxito mas pobreza, atraso e miséria para aqueles a quem a história humana reserva sem alternativa ou o lugar de espectadores impotentes e calados ou, se julgam que têm força e falam, o lugar de livres escravos.

Com a entrada na Europa a ser vivida como perverso milagre e com a democracia a rolar como distracção adquirida, muitos senão a generalidade dos portugueses pensaram que Portugal estaria, desta vez, imune ao seu mal secular ou que, se tal mal eventualmente renascesse ele não chegaria às províncias, sendo cortado pela raiz na capital, no centro do poder por obra e graça da vacinação com Europa e democracia.

Nunca é tarde para alertar, sobretudo na fase em que os apostadores voltam a querer organizar a festa, a sua festa.

Carlos Albino

      Flagrante duelo político: Em Faro, mais do que entre partidos entre duas personalidades – José Apolinário e Macário Correia. Um e outro têm que escolher bem os padrinhos.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

SMS 300. O sítio sem nome

5 Fevereiro 2009

Portugal já começou a ser outra vez um sítio sem nome. Todos constatam com muito pesar que há corrupção mas, constatando isso, logo acrescentam de alguma maneira que não há corruptos. Todos se afirmam contra o centralismo e contra os poderes centralizadores que levam ao despotismo oculto e ao afastamento do Estado relativamente aos cidadãos mas, afirmando isso, logo garantem que não há egocêntricos no poder, nem déspotas a vários níveis sublimando na burocracia os seus complexos de superioridade, e que, assim sendo, se os cidadãos estão afastados do Estado é porque assim quererão. Todos reconhecem que há mordomias e distribuição de cargos por simpatia e conveniência e não por competência, mas, indo ao somatório dos casos concretos, da empresa municipal ao instituto autónomo de ministério, logo dizem que toda a gente é competente, com curriculum ajeitado e talhada para o múnus. Todos os que, por responsabilidade pública ou profissão de fé deveriam dedicar-se à concretização do direito e não podem fugir à verdade de que o direito não se concretiza, também não deixam de garantir que a máquina da justiça está emperrada, lenta e contraditória, mas logo a seguir, não deixam de confundir a defensável presunção de inocência com a defesa descabelada da inocência e antes de conhecida qualquer decisão de qualquer meritíssimo não deixam de afirmar que a condenação será um erro, e isto para não falar dos sabedores de direito que usam a sua ciência para ajudar a contornar o mesmo direito e as leis paradoxalmente dentro da legalidade baralhada. Todos ficam perturbados com o conhecimento dos factos mas logo a seguir insurgem-se contra a divulgação dos mesmos factos pisando no almofariz invocações de segredo de justiça e desejos confessos de censura prévia como se pisam alhos e salsa para as omeletas, mas remetendo a verdade para investigações que apenas terminam fritas no arquivamento, no esquecimento geral ou nos acordos tácitos que ninguém fica a perceber por serem tácitos. Um país assim é um sítio sem nome e onde também, desculpem lá, as regiões que se julgava terem nome também perdem o nome, pois qualquer sítio onde haja corrupção sem corruptos, onde haja mordomias sem militantes disso, onde o direito é como um deus de nome invocado em vão, e onde ao conhecimento e apuramento dos factos se prefere a omissão protectora, esse sítio não tem nome.

Carlos Albino

      Flagrante passo em frente: O projecto das Minas de Sal-gema de Loulé pelo qual há tantos anos nos batemos (designadamente aqui, no Jornal do Algarve) e que apenas o actual poder autárquico assumiu de forma clara e desabrida depois da tibieza dos anteriores, é sem dúvida o primeiro grande passo em frente do Turismo de Civilização no Algarve.