Esta fase de crise inegável que é pretexto também para impor ou perpetrar o impensável, esta fase de dúvidas sobre o que de mais sério um Estado pode possuir e que também é oportunidade para a própria seriedade passar a ser coisa secundária, pois esta fase é uma boa fase para apostadores, sobretudo para os apostadores para quem a razão pouco ou nada diz interessando-lhes apenas o acertar em cheio para onde o poder vai pender, agindo calculadamente em função da aposta no poder. Um pouco por toda a parte, aí estão os apostadores – com visibilidade inegável nos pequenos gestos do quotidiano, mas com sabida discrição na escola, nas empresas, na administração pública e, claro, na política que, em época de crise e de dúvidas, acaba por ser a mãe de todas as apostas, e não apenas mãe mas sobretudo matriarca quando na sociedade os valores do civismo são ultrapassados pelo egoísmo e cilindrados pelo egocentrismo, pois não há egoísta nem egocêntrico que não aposte e não engrosse o sindicato tácito do oportunismo que se rege pelos estatutos da ganância. Assim foi no século passado, quando, nos anos 30, a corrupção, a usura, o descarado tráfico de influências, a repartição de mordomias por fidelidades mafiosas e o desbaratamento das coisas públicas acabaram por conclamar um salvador, qualquer salvador que fosse mesmo que estivesse ao nível da cobra a encantar os pássaros. E assim foi com o mercado negro e os negócios escuros com que fizemos a nossa II Guerra Mundial com toda a neutralidade que foi a fortuna para apostadores de êxito mas pobreza, atraso e miséria para aqueles a quem a história humana reserva sem alternativa ou o lugar de espectadores impotentes e calados ou, se julgam que têm força e falam, o lugar de livres escravos.
Com a entrada na Europa a ser vivida como perverso milagre e com a democracia a rolar como distracção adquirida, muitos senão a generalidade dos portugueses pensaram que Portugal estaria, desta vez, imune ao seu mal secular ou que, se tal mal eventualmente renascesse ele não chegaria às províncias, sendo cortado pela raiz na capital, no centro do poder por obra e graça da vacinação com Europa e democracia.
Nunca é tarde para alertar, sobretudo na fase em que os apostadores voltam a querer organizar a festa, a sua festa.
Carlos Albino
- Flagrante duelo político: Em Faro, mais do que entre partidos entre duas personalidades – José Apolinário e Macário Correia. Um e outro têm que escolher bem os padrinhos.
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