Portugal já começou a ser outra vez um sítio sem nome. Todos constatam com muito pesar que há corrupção mas, constatando isso, logo acrescentam de alguma maneira que não há corruptos. Todos se afirmam contra o centralismo e contra os poderes centralizadores que levam ao despotismo oculto e ao afastamento do Estado relativamente aos cidadãos mas, afirmando isso, logo garantem que não há egocêntricos no poder, nem déspotas a vários níveis sublimando na burocracia os seus complexos de superioridade, e que, assim sendo, se os cidadãos estão afastados do Estado é porque assim quererão. Todos reconhecem que há mordomias e distribuição de cargos por simpatia e conveniência e não por competência, mas, indo ao somatório dos casos concretos, da empresa municipal ao instituto autónomo de ministério, logo dizem que toda a gente é competente, com curriculum ajeitado e talhada para o múnus. Todos os que, por responsabilidade pública ou profissão de fé deveriam dedicar-se à concretização do direito e não podem fugir à verdade de que o direito não se concretiza, também não deixam de garantir que a máquina da justiça está emperrada, lenta e contraditória, mas logo a seguir, não deixam de confundir a defensável presunção de inocência com a defesa descabelada da inocência e antes de conhecida qualquer decisão de qualquer meritíssimo não deixam de afirmar que a condenação será um erro, e isto para não falar dos sabedores de direito que usam a sua ciência para ajudar a contornar o mesmo direito e as leis paradoxalmente dentro da legalidade baralhada. Todos ficam perturbados com o conhecimento dos factos mas logo a seguir insurgem-se contra a divulgação dos mesmos factos pisando no almofariz invocações de segredo de justiça e desejos confessos de censura prévia como se pisam alhos e salsa para as omeletas, mas remetendo a verdade para investigações que apenas terminam fritas no arquivamento, no esquecimento geral ou nos acordos tácitos que ninguém fica a perceber por serem tácitos. Um país assim é um sítio sem nome e onde também, desculpem lá, as regiões que se julgava terem nome também perdem o nome, pois qualquer sítio onde haja corrupção sem corruptos, onde haja mordomias sem militantes disso, onde o direito é como um deus de nome invocado em vão, e onde ao conhecimento e apuramento dos factos se prefere a omissão protectora, esse sítio não tem nome.
Carlos Albino
- Flagrante passo em frente: O projecto das Minas de Sal-gema de Loulé pelo qual há tantos anos nos batemos (designadamente aqui, no Jornal do Algarve) e que apenas o actual poder autárquico assumiu de forma clara e desabrida depois da tibieza dos anteriores, é sem dúvida o primeiro grande passo em frente do Turismo de Civilização no Algarve.
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