quinta-feira, 28 de julho de 2016

SMS 677. Façam furos de prospeção sobre o futuro

28 julho 2016

Justifica-se uma chamada de atenção, porque não é inteligência, passar como cão por vinha vindimada. No seu recente livro “A Sociedade do Custo Marginal Zero” (Bertrand, março-2016), o sociólogo e economista Jeremy Rifkin augura um futuro de energia gratuita que mudará radicalmente os modelos de produção e, com isso, a própria sociedade tal como a conhecemos. Depois de outros vaticínios feitos muito antes que todos os think-tanks do mundo e que já são realidade, Jeremy Rifkin não apresenta o fim da era obsessiva do petróleo como uma utopia, mas como uma realidade iminente. Há poucos dias, numa entrevista dada em  Dallas, durante o congresso internacional do World Travel & Tourism Council, Jeremy Rifkin assegurou que “nos encontramos perante o final das energias fósseis” e explica tintim por tintim porque a segunda revolução industrial já tocou no teto e está em pleno declive. A entrevista não cabe neste espaço, mas como que em resumo, Jeremy Rifkin afirma como certo que “os automóveis, tal como hoje os conhecemos, não estarão cá daqui a vinte anos” e que, nos EUA, por exemplo, “se em 1978, um vátio de energia solar custava 78 dólares, agora custa 50 cêntimos, e dentro de 18 meses custará 35 cêntimos”...

No Algarve, e com o que ocorre neste Algarve, em vez de muita ou tanta conversa fiada, julgo que Jeremy Rifkin deveria ser convidado pela Universidade do Algarve para uma intervenção e diálogo aberto. Seria oportuno e daria a necessária credibilidade à discussão do assunto. Uma universidade é para isso e Jeremy Rifkin não é inacessível e uma intervenção sua apenas nos ajudaria a fazer furos de propeção mas sobre o futuro que é mesmo o futuro imediato porque o relógio avança. Não é preciso coragem, basta querer e, por tudo, que querer que o cão não passe por vinha vindimada.

É verdade que Jeremy Rifkin é o guru do que chama “a terceira revolução industrial”, baseada nas energias sustentáveis e nas consequências da internet como as da economia colaborativa, trabalha como assessor de numerosos governos, desde a China, Dinamarca, EUA, Espanha e Alemanha, e também com a União Europeia. Uma vinda sua ao Algarve, na hora que passa e para uma intervenção na nossa melhor Casa da Inteligência, seria uma vinda honoris causa. E um furo de prospeção.

Carlos Albino
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Flagrante sintoma: Quando um hospital como de Faro chega ao ponto de não dispor de uma cadeira de rodas, ou Faro tem muito movimento, ou a coisa está mesmo doente de há muito.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

SMS 676Torga, se calhar teve razão

21 julho 2016

Sim, tal como para Miguel Torga, o Algarve é sempre um dia de férias na pátria. Mais: dentro dele nunca me considero obrigado a nenhum civismo, a nenhuma congeminação telúrica nem humana. E seja onde for - em Ferragudo, em Barão de São Miguel ou no Cachopo - tal como quando me debruço a uma varanda de Alportel, apetece-me tudo menos ser responsável e ético.

Lá longe, as coisas de Trás-os-Montes, ou mesmo as de mais perto como as coisas do Alentejo, tais coisas tocam-me muito no cerne para eu poder esquecer a solidariedade que devo a quem sofre e a quem sua. E isto repete-se com maior ou menor força no resto de Portugal, seja em Fátima, no Estádio do Dragão ou no Retiro do de Guinchos do Fado. No resto de Portugal, tenho consciência das coisas, umas vezes leve outras vezes pesada.

Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa! Passado o Caldeirão, agora até a confundir-se com A2, qualquer Torga é algarvio, e adeus ética, adeus responsabilidade, adeus consciência das coisas.

Também é verdade que, chego ao Algarve, e a brancura dos corpos e das almas devida à ausência de liderança regional, a limpeza das casas e das ruas devida às rigorosas burocracias municipais, e a harmonia dos seres e da paisagem devida ao facto de por enquanto ou ainda não haver petróleo, tudo isto lava-me da fuligem que, no resto de Portugal, se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.

No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria. Sem tirar, nem pôr. Mas também me não vejo fora dela, desde que o desemprego sazonal, a desgraça do hospital e o pandemónio dos mercenários das escolas não me afetem.

Em resumo: como qualquer Torga que se preze, chego ao Algarve e julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo, primaveril, cante alentejano e pêra do Oeste.

Obrigado, Torga! Facilitaste este apontamentozito! Como te ririas se te lesse isto na Praia de Santa Eulália, perante um bom salmonete grelhado, como aconteceu quanto te aconselhei a ir a Alte para reconheceres os filhos dos filhos dos teus ascendentes emigrados.

Carlos Albino
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Flagrante boato: Ouviu-se e ouve-se dizer que a Fundação Sousa Cintra (onde está tudo para os devidos efeitos, nomeadamente fiscais) tem como objectivo principal “o apoio à valorização, à divulgação e desenvolvimento sustentável da região cinegética do Algarve, tendo em vista o equilíbrio entre a economia e o ambiente, designadamente através do fomento e reforço de habitats e de espécies cinegéticas, a criação e apoio ao desenvolvimento de projectos no domínio do ambiente, ciências e economia do mar, a criação, exploração e desenvolvimento do Museu dos Descobrimentos e do Mar, ambos em Sagres”. No que as más línguas dão.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

SMS 675. Onde está o público?

14 julho 2016

A pergunta, no Algarve, é conforme. Caso se trate de sardinha assada, não falta e não há nenhum mal nisso – Deus criou os peixes para serem grelhados, embora isso destoe no Teatro da Figuras. Caso se trate de uma divindade forjada pela televisão, mesmo que pouco ou nada tenha na cabeça, público também não faltará e continua a não haver nenhum mal nisso ou só por isso – mesmo no paraíso cada um pode escolher a serpente que lhe apresente a melhor maçã. E caso se trate de um fado cantado por voz de passarinho, de uma banda com som amplificado como se um avião entrasse por uma orelha e saísse por outra, ou mesmo de três ranchos folclóricos à medida do orçamento da festa, haverá igualmente público garantido à medida, e nenhuma catástrofe daí virá, pois Deus também criou o fado, uma banda e um rancho ao sétimo dia, quando descansou. Nenhum mal nisso ou só por isso.

O problema é quando um grande pianista como Artur Pizarro se apresenta no Teatro das Figuras e a sala fica por metade; quando pinga no Algarve alguma boa peça de teatro e, fora a sessão dos convites seletivos, as cadeiras ficam vazias; e quando se anuncia um conferencista de topo e é preciso pescar público para a terceira fila. E problema também quando a uma pretensa sessão “cultural” com algum ouro, prata e bronze da casa, ou muita da lata de casa, e acorrem apenas os tios e primos dos organizadores, os funcionários autárquicos  e adjacentes do costume, se o senhor presidente for, além de supostos simpatizantes que nada leram do escritor, se for um escritor,  que nem por certo irão ler. E mesmo nestas sessões, o problema fica agravado quando os que deviam estar atentos não se despegam das mensagens de telemóvel num afã ininterrupto de gente à beira da surménage, abandonando ao intervalo alegadamente para pregação noutra aldeia, com público idêntico.

É claro que, nestas circunstâncias, a última coisa que se pode fazer é culpabilizar seja quem for. O problema de público no Algarve é social e sociológico. As elites locais que, por regra, devem gerar públicos de referência, estão desenraizadas por opção ou por inércia, e mesmo desinseridas da sociedade onde vivem e trabalham. Professores em trânsito e saturados da burocracia escolar, advogados que têm mais em que pensar, médicos por certos desejos de escapadela da província; economistas para quem quase tudo está fora do âmbito; e um sem número de novos especialistas que, sem se darem conta, prosseguem o velho problema de menosprezo da instrução pública e da aprendizagem contínua, tudo isto contribui para que não haja públicos e públicos críticos que não se verguem ao encómio ou à hostilidade. Não há que culpar ninguém porque o problema é estruturalmente social e sociológico, numa sociedade que até para conhecer os seus mortos apenas tem um meio – o aviso por fotocópia colada na parede, ou por recado no café da manhã.

Carlos Albino
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Flagrantes votos: De bom e isento desempenho para Francisco Serra, como Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

SMS 674. Destaque para dois comentários

7 julho 2016

Como vamos nas 674 semanas deste apontamentozito, ocorre agora dizer que temos dois hábitos: um, é o de volta e meia dirigirmos duas perguntas ao diretor deste jornal, e que são - Estamos a servir o Jornal do Algarve? E servimos o Algarve? O outro hábito é o de submetermos o apontamentozito em pré-leitura a muitos cujas opiniões respeitamos e acolhemos. E assim, o apontamentozito vai ficando dependente de duas provas. A prova real (Fernando Reis) e a prova dos nove.

Sobre os dois temas da semana passada (saída britânica da UE e esse desafortunado programa de “cultura sazonal”), damos destaque para dois comentários recebidos, um muito breve mas significativo partindo de quem parte, outro mais longo mas simbólico enviado por quem sabe que é melhor prevenir que remediar. A saber:

1 – Sobre livres trocos de libras por euros: “O seu SMS vem precisamente ao encontro do que penso! Temos que trabalhar para reforçar as nossas relações com os nossos amigos britânicos, porque reflete o que somos, e é do nosso interesse”.

2 – Sobre a ideia peregrina da cultura sazonal: “Assino por baixo da flagrante miopia. Poderia (passe a imodéstia) tê-la escrito. Isso preocupa-me desde a primeira hora! Acredito que se pode e deve fazer algo pensado, estruturado, com tempo e, sobretudo, percebendo as graves carências da região algarvia. E que sem estes termos, vamos falhar. Sim. Tem todos os ingredientes para falhar. Como se constrói um programa que se quer alicerçado na identidade e nas associações artísticas da região, quando estas não existem e aquela não tem produtos (ou tem poucos) construídos a partir dela de forma consistente e estratégica? Mas, sim, pode e deve fazer-se mais, pensar-se melhor, mas para isso é necessário perceber de onde partimos e construir uma estratégia a longo prazo com ações que começam no curto prazo. Mais, esse programa pode contribuir para uma possível candidatura de Faro, em 2019, a capital europeia da cultura em 2027 mas para isso é necessário ter dirigentes políticos com visão, com estratégia, sem medo de apostar na Cultura como motor de desenvolvimento. E a partir daí, trabalhar o território para realizar esse evento. Sem isto, será mais uma oportunidade perdida. Falhar de novo para falhar melhor, é o que não precisamos na nossa região!”

Pedimos desculpa por não identificarmos os autores dos comentários, mas os próprios não se importam e é a prova de que este é um espaço comum.

Carlos Albino
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Flagrante peça de museu: Depois do atual Presidente da República e do Primeiro-Ministro terem recusado o carro legado pelo anterior Chefe de Estado de gama muito acima das nossas possibilidades, há uma solução – entregar-se o automóvel ao Museu Etnográfico de Boliqueime….