quinta-feira, 28 de novembro de 2013

SMS 541Regresso aos campos ou liquidação?

28 novembro 2013

A manchete do Jornal do Algarve da passada semana, “Governo aperta o cerco a pequenos agricultores”, foi branda. Na verdade, não lhes aperta apenas o cerco, aperta-lhes o pescoço, garrota-os, liquida-os. Sobretudo no Algarve, onde domina a pequena e média propriedade, sendo esta média propriedade pequena, e aquela pequena pequeníssima. E neste retrato de micro-agricultura variada, além dos citrinos e das hortas que resistem, as pequenas e pequeníssimas propriedades resultam, como é sabido, nos frutos secos – amêndoa, figo e alfarroba, esta, aproveitável a 100%, a alimentar uma pequena cadeia de fábricas de trituração que, aqui e ali, asseguram postos de trabalho e alguma exportação para usufruto de intermediários espanhóis e da indústria alimentar suíça. Não muito mais.  Pois tudo isto que tem sido a base dos campos em luta permanente pelo remedeio ou mesmo contra a pobreza, está condenado à derrocada com a obrigação generalizada para aos micro-agricultores de emitirem fatura e com o fim da isenção de IVA. O resultado vai estando ou já está à vista: o abandono dos campos, os frutos a ficarem nas árvores, fábricas à venda. Fazer agricultura como se fosse atirar barro à parede, não só não compensa como resulta em prejuízo. No tempo em que estamos, é um erro clamoroso de política agrícola e de cegueira fiscal que, para uma região como o Algarve, significa desastre.

É oportuno recordar que o deputado Mendes Bota, em março deste ano, dirigiu, e bem,  perguntas certeiras à ministra das Finanças. Perguntou primeiramente se a ministra tinha consciência da situação e depois se estava disponível para suspender de imediato a aplicação de IVA aos micro-agricultores, procedendo a um estudo sobre o impacto das medidas. A ministra respondeu ao deputado quatro meses depois (em julho) isentando-se com a invocação de algo da União Europeia e referindo que “os agricultores cujo volume de negócios não exceda os 10.000 euros (…) continuam a beneficiar de um regime de isenção de IVA”. Nada respondeu quanto a um estudo de impacto e quanto ao pedido de medidas que enquadram fiscalmente a atividade dos micro-agricultores sem obrigações declarativas pesadas que levem os micro-agricultores a desistir da apanha dos frutos das suas árvores. Quer dizer: a ministra descartou-se, como se lhe ficasse bem, por um amor sem imaginação a Bruxelas e por um rigor nefelibata com o seu País, estar longe da realidade, sendo realidade a liquidação dos campos e dos circuitos produtivos tradicionais. Uma ministra a sério iria ao local, falaria com os industriais e agricultores em causa, responderia ao deputado com substância e não apenas com pretextos formais de gabinete. Há já uns bons anos foi a mesma história com as pescas, agora é com a agricultura para a qual se fazem paradoxalmente apelos ao regresso, apelos patéticos, portanto.

Em vez de uma política agrícola e fiscal que potencie o aproveitamento e transformação dos produtos agrícolas, designadamente com estímulos à aplicação da investigação científica disponível (como é o caso particular da alfarroba, com a instalação de novas unidades industriais que deixem no País as mais-valias), assiste-se a uma política ao contrário, a uma política de autofagia, a uma política cobradora que, por natureza, tem cada vez menos por onde cobrar, já que o horizonte que se antevê é o da pobreza geral, do abandono e do desalento, com a cumplicidade das mordomias regionais desconcentradas ou descentralizadas que em vez de darem voz aos interesses do Algarve, castram-lhe a voz como se o Algarve estivesse condenado a ser um eunuco a cantar na catedral da política de Lisboa.

Carlos Albino
________________
Flagrante erro de palmatória: Além do mais, o fecho da Segurança Social em Quarteira clama aos céus. É desconhecer o que aquilo é.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

SMS 540. A pobreza envergonhada

21 novembro 2013

Não vale a pena esconder porque está à vista. Cada vez mais, à noitinha, se vê gente a vasculhar caixotes do lixo nas cidades e vilas do Algarve, à procura de qualquer coisa que pareça alimento; cada vez mais os carenciados, cabisbaixos e tapando o rosto, procuram as sobras das cantinas escolares; cada vez mais, os mesmos ou outros, no fecho de pastelarias e restaurantes pedem a comida inaproveitada. Não há estatísticas da pobreza envergonhada, mas ela aí está apunhalando o coração dos mais sensíveis e acordando sentimentos de solidariedade urgente. Sabe-se, pelos números das instituições de apoio social (banco alimentar, misericórdias, Cáritas), que a pobreza assumida galopa, Da pobreza envergonhada, causada pelo desemprego prolongado e pela redução drástica e cega do socorro público, dessa não há números mas sobe em flecha, paradoxalmente tanto quanto em flecha sobe o enriquecimento de uma minoria que, por tradicional coerência, também enriquece pela calada (o número de bimilionários cresceu 20% em Portugal, o que é obra em tempo de crise extrema). Quanto a pobres, já foi assim (quem não ouviu ou não sabe dos relatos dos tempos do mercado negro?) e volta a ser assim. Ainda não se vêem, como nos anos 50 do século passado, dezenas de pedintes em alas à porta das igrejas pedindo “uma esmolinha para o pobrezinho” ou “um panito pelas alminhas dos seus”, mas o que está a acontecer e que pode ser observado por quem percorra as ruas com a intenção de observar, dá no mesmo.

Acontece isto numa terra cheia de hotéis sumptuosos mas na generalidade ancorados no estrangeiro, numa terra com o litoral esquadrinhado por campos de golfe a perder de vista e a fornecer sempre matéria para as revistas sociais, numa terra de desfile de turistas sem dúvida inebriados pelo sol, praias e pouco mais, numa terra cujas marinas estão repletas de iates milionários. Nada disso se inveja ou se deve invejar, desde que tudo isso fosse sinal de uma economia saudável, equitativa, geradora de emprego com remuneração justa, e circuito de trabalhadores e empresários responsáveis. Ninguém pode exigir que o paraíso esteja na terra mas também ninguém pode conviver com o inferno na mesma terra.  

Mal está decorrido um mês e picos sobre os calores eleitorais das autárquicas, em que todos, fossem apoiantes do actual poder governamental ou titulares da oposição, proclamaram que “o importante são as pessoas” e que a política “deve estar ao serviço das pessoas”, a tal ponto que na maior parte das comarcas em disputa quase não havia diferença de discurso entre gente do poder que se dissimulou e gente da oposição que oxalá não se tenha simulado, e parece que, decorrido este mês, esse discurso “para as pessoas” está esquecido. Pode ser engano mas parece. Ainda não se viu uma única medida urgente para as pessoas, sendo estas pessoas, obviamente os pobres quer os envergonhados quer os assumidos. Regista-se apenas que foi a Igreja Católica a ordenar a criação de gabinetes em cada paróquia para apuramento da situação.  Situação que é grave, não vale a pena esconder e que, pelo menos nas câmaras eleitas pelo discurso “para as pessoas”, justificaria a criação de pelouros com vereadores responsáveis para atacar o problema pela via de políticas públicas locais e não pela caridadezinha. Um pregão de solidariedade que se esgota numa campanha eleitoral, não é pobreza, é miséria.

Carlos Albino
________________
Flagrantes vizinhos: A execução do Cadastro Predial começou pelo município de Loulé como experiência pioneira no País e mal começou, começou também o roubo dos novos marcos delimitadores das terras. Por favor, não digam agora que os ladrões são ciganos, moldavos, russos, senegaleses, marcianos… 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

SMS 539. Poiares Maduro, muito obrigado

14 novembro 2013

Pondo de lado jogos de palavras cifradas e critérios estatísticos artificiais para a classificação do Algarve na corrida aos fundos comunitários e que levam a discussão sem fim, o Quadro de Referência Estratégico Nacional, que a generalidade conhece pela estafada sigla QREN, era esperado na região como deus relativamente salvador para os próximos anos, designadamente já em 2014. Muitos políticos nas suas apostas locais e regionais, bastantes burocratas nas suas mordomias e número apreciável de empresários nos seus vaticínios deram, até anteontem, confiança a esse deus que, segundo parece, caiu por terra pelo anúncio do ministro responsável, Poiares Maduro. Segundo este, 93% dos fundos, em 2014, serão dirigidos “às regiões mais pobres” do Norte, Centro, Alentejo e Açores e os restantes 7% serão para as regiões de Lisboa, Algarve e Madeira. Portanto, para o Algarve será uma amostra.
Ainda recentemente, em agosto, Poiares Maduro afirmara em Lagoa (na FATACIL), que a grande prioridade do próximo QREN deveria ser, não supostamente as quatro “regiões mais pobres” mas o reforço da competitividade de bens e serviços transacionáveis e com capacidade para serem exportados. Agora acaba de explicitar essa intenção ao referir que a prioridade dos fundos será para projectos que melhorem a competitividade da economia e que as “empresas que investem, empregam e produzem (…) serão as primeiras destinatárias dos fundos europeus”. Nada a opor a este princípio se fosse geral. Mas o que repugna é que o ministro tenha dividido o país em duas partes separadas por um fosso sem dúvida cavado por lóbis: de um lado, o país dos 93% e do outro lado o país dos 7%, onde não haverá pobreza, e por sinal as mais elevadas taxas de desemprego, ao lado de empresas que também investem como no Norte, também empregam como no Centro, também produzem como no Alentejo e que também necessitam do reforço da competitividade como nos Açores.

Mais uma vez aí temos um ministro insensível ao significativo número de indicadores do Algarve, anormalmente desfavoráveis para o desempenho socioeconómico e de coesão da região e mais uma vez fica adiada e prejudicada a capacitação do Algarve, das suas empresas e dos seus recursos humanos para os desafios que tem de enfrentar se é que os poderá enfrentar com a pequena fatia que lhe caberá dos 7%.

Carlos Albino
_______________
Dois flagrantes: 1 - Os doentes oncológicos residentes no Algarve não têm acesso facilitado à medicina nuclear (exames PET) como os outros portugueses do continente. Dos 12 equipamentos disponíveis nenhum está localizado no Algarve e nem sequer no Alentejo. É a própria Entidade Reguladora da Saúde a afirmar que a disparidade põe em causa a equidade no acesso à saúde.
2 – As televisões por aí se desdobram e cobrem as vindimas, a apanha das azeitonas e até das castanhas. Para a apanha da alfarroba, no Algarve, não há câmaras nem tempo de emissão que dê conta desse valor económico. 93% das câmaras estão no Norte, no Centro, no Alentejo e nos Açores…

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SMS 538. Crise de representação

7 novenbro 2013

Quando se sente que há um problema, soluções há muitas, não há ninguém que não tenha a melhor solução. Nisto de salvadores somos especialistas. E então mesmo sem se identificar o problema, aí temos montanhas de soluções. Solução para a educação e ensino, para as empresas, para o emprego, para a cultura, para a política local, para as instituições. Nadamos em soluções mesmo que se desconheça ou não se queira mesmo conhecer o problema. No entanto, o importante e o fundamental seria começarmos por responder a uma simples pergunta e que é esta – Qual é o problema?

Não é difícil perceber que o Algarve tem um problema que, em traço comum, passa por todas as terras, da maior cidade à mais recôndita aldeia, problema esse que infeta  as poucas organizações e organismos regionais, infeta cargos desde os de grande influência aos de mero impacto local, infeta a política, infeta a sociedade se é que se pode falar de uma “sociedade algarvia”, porquanto ela está esquartejada por esse mesmo problema, como num talho, em pequenas sociedades locais fechadas e sempre nas mãos de pequenos grupos também estes fechados, alguns antropófilos, outros antropófagos.

O Algarve tem um problema de representação. Não está representado verdadeiramente por ninguém, e os poucos cargos de representação efetiva e legítima prefiguram interesses nisto ou por aquilo, ou seja, controlam o bolo sempre que há bolo ou enquanto há bolo. É um campo aberto para os populistas e para os sortudos, mais para os sortudos do que para os populistas porque o populismo não tem grande futuro perante uma multidão de gente que, nas melhores horas do dia e que de Aljezur a Alcoutim, não prescinde do sofá em frente da televisão convertida em deusa do lar, de gente que não lê absolutamente nada ou se lê é a notícia da facada ou do amor anavalhado, que não sente a falta de jornais locais e muito menos dos regionais, de gente que se abstém nas eleições porque antes e depois destas se abstém em tudo o que esteja para além do humor egocêntrico. É abstenção das bibliotecas que, salvo exceções pontuais, não se converteram em centros de ideias, de escrutínio e de criatividade; é a abstenção das associações que sem subsídios morreriam; é a abstenção do teatro, da música e do livro; é a abstenção da convivência não se confundindo esta com ajuntamento do camarão e da cerveja; é a abstenção dos sindicatos desde que não haja problema com o salário ou com a regalia; é a abstenção de uma sociedade em que se mistura gente desenraizada com gente que perdeu as raízes e nem se esforça por, conhecendo as raízes, conhecer a terra onde vive.

O abstencionismo, no Algarve, não é um abstencionismo político, mas sim um abstencionismo cultural. E um Algarve assim e a caminhar assim, só por milagre não mergulharia num problema de representação, numa grave crise de representação que normalmente resulta numa crise de identidade. E este é o problema. Problema que afeta e infeta as nossas escolas e a nossa universidade, os nossos jornais, as nossas assembleias municipais e as nossas assembleias de freguesia, a nossa chamada “comunidade intermunicipal” em cuja bandeira parece já não constar o rei mouro e o rei cristão mas sim os dinheiros do QREN em função dos quintais pouco comunitários e que, nas cabeças dos que não querem saber do problema, são a solução.

Carlos Albino
_______________
Flagrantes reservas naturais: As tertúlias, muitas, que por esse Algarve há. Algumas são já escolas de convivência.