quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

SMS 655. Desfiguração. Porque todos nos calamos?



25 fevereiro 2016

1. O que se passa com a reabilitação do nosso património edificado, incluindo o património monumental das áreas rurais? A pergunta vai direita para os arquitectos responsáveis pela reformulação dos espaços públicos, conservação dos nossos centros históricos, reformulação dos circuitos de circulação, reedificação dos monumentos que identificam lugares preciosos para a nossa memória colectiva e edificação da memória futura, esse projecto que sempre imaginamos de beleza e harmonia. Mentira. O que se verifica, é que em muitos casos, um excesso de actividade criadora ao invés, encarrega-se de desfigurar o que apenas se pedia que se configurasse.

2. E o que se pergunta é se certas intervenções que se produzem não resultam pior do que o abandono puro e simples a que são votados certos bens preciosos patrimoniais. É que, onde existe abandono, sempre temos a esperança de que um dia tudo vai ser refeito e recomposto, mas quando as intervenções são megalómanas e desfiguradoras, a ideia que se tem é de que a modernidade entre nós chega-nos por via da total desadequação em relação ao conceito moderno de reabilitação. Então, ultimamente, por onde quer que se vá, encontram-se trancadas as ruas, os passeios públicos e os monumentos, por fieiras de metal, alfinetes espetados na carne da paisagem urbana que ferem e não guardam nada.

3. Não escondo que lamento o que acontece um pouco por toda a parte, e hoje, em particular, depois de uma revisita a Querença, o que um grupo de visitantes foi encontrar nesta jóia do barrocal algarvio. Um igreja de portal manuelino cercada de pinos de metal brilhante, tantos e tão poucos que fazem do espaço uma cercadura própria de uma campa cemiterial. Uma fieira de pinos brilhantes, encurralando o monumento e pelos passeios, uma barreira visual extraordinária, que aniquila a povoação, degrada-a, torna-a o fruto do novo-riquismo de metal próprio do espírito que desfigurou Santiago de Compostela no tempo de Fraga Iribarne. Porque nos acontece isto? Porque todos nos calamos, todos somos cordatos, todos somos bons rapazes. Fomos muitos a achar isso mesmo, quando tivemos de fazer a volta em torno dos pinos da igreja. Um horror, diziam alguns. Mas quantos de nós levantam a voz para dizer o que se diz em privado? Que apetecia arrancar um a um o espavento de metal daquelas facas espetadas no coração arquitectónico de uma aldeia maravilhosa?

4. À distância, abrindo ao dia futuro, que os jovens da região, munidos de um novo olhar, arranquem aqueles pinos, e façam uma festa de reconciliação, no adro da igreja branca.

Carlos Albino
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Flagrante conclusão e com destinatário: Errar é humano, não assumir o erro é burrice.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

SMS 654. Caminhos que vão dar a Querença

18 fevereiro 2016

Os números são impressionantes: 10.096 versões de peças do romanceiro tradicional português publicadas entre 1828 e 2010, a somar a 3.632 inéditos, recolhas sonoras contidas em 609 cassetes correspondendo a 660 horas de gravação. Papel e registos magnéticos ficam preservados adequadamente e saltam para uma plataforma digital que fica acessível online.

Tudo isto tem morada com código postal: a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, com imponente sede em Querença, a provar que não se trata de um elefante branco. Este importantíssimo acervo vai ser publicamente apresentado pelo coordenador da iniciativa, Pedro Ferré, neste próximo sábado (16 horas) no Auditório da referida fundação. Esse acervo junta-se a outros acervos, coleções e arquivos já em depósito na instituição, pelo que em matéria de fontes culturais, não todos os caminhos mas muitos caminhos vão dar a Querença, terra de fontes.

Seria impensável que, havendo já um Ministro da Cultura, ele não estivesse presente com olhos e ouvidos atentos. João Soares lá vai estar na apresentação desse projeto batizado por “O Arquivo do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna (1828-2010): sua preservação e difusão”. É um projeto de envergadura, silenciosamente preparado e de cujo alcance estamos hoje longe de poder avaliar. Financiado pela Fundação Gulbenkian e comprometendo, em parceria, a fundação anfitriã e a Universidade do Algarve (Centro de Investigação em Artes e Comunicação), o projeto faz de Querença uma terra de referência para investigadores dessa área que tem tudo a ver com língua e identidade e, já agora, é uma boa e grande homenagem ao patrono da instituição, Manuel Viegas Guerreiro, nascido da terra e um dos mais insignes expoentes da Etnografia portuguesa.

É de coisas como estas que o Algarve precisa. Assim existissem noutros domínios, da economia à ciência e tecnologia, da arte às coisas do mar, porque modas e bordados não são suficientes. Os autarcas, cada um e no seu conjunto, têm enormes responsabilidades na construção de um Algarve de excelência e de eleição, ou seja, o tal Algarve com tesouros mas que nunca vai a eleições, e que tantas vezes fica prejudicado, no bom caminho para o futuro, pelas modas e bordados do provincianismo sorrateiro, populista e calculista. Ponhamos de parte coisas tristes porque, hoje, uma boa notícia pelo menos: há caminhos que vão dar a Querença.

Carlos Albino
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Flagrante Mário Centeno: Independentemente de concordantes ou discordantes, independentemente do Plano A dar certo ou do suplício de algum um Plano B, e independentemente da Política ir em linha reta ou aos ziguezagues, foi reconfortante ouvir o Ministro das Finanças iniciar conversa pública em Faro, assim: “Caros conterrâneos”. Já nos tínhamos esquecido de que um ministro pode ser algarvio e que um algarvio pode ser ministro, uma vez que alguns até parece que escondem. Ou pelo menos dissimulam.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

NOTA OPORTUNA

Incentivos à Comunicação Social do Algarve
Quais os candidatos
e que montantes?

A CCDR/Algarve já deveria ter dado conhecimento público e ostensivo do procedimento relativo aos incentivos do Estado à comunicação social, agora nas competências dessa entidade. Se foram atribuídos, quanto e a quem, ou pelo menos quem se candidatou. O assunto deveria estar com transparência no site oficial da CCDR/A mas ou está muito escondido ou não está, ou então deficiência de quem se interesse saber.

Em julho do ano passado, a CCDR/A promoveu uma sessão de "esclarecimento", antes designara um júri que merece todas as reservas em função do panorama da comunicação social do Algarve, e antes de qualquer juízo porque os montantes em causa não são de desprezar, devia ser dado ostensivo conhecimento dos candidatos. E, caso tenha havido decisão, as verbas atribuídas e a quem, com descrição sumária dos respetivos perfis, projetos e fundamentações.

Consultar

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

SMS 653. O caso da CCDR. Por uma questão de ética

11 fevereiro 2016

A CCDR, em função do que é, do que pode fazer, do que pode impedir que se faça, do que concede, do que decide e do que contrata no âmbito das suas atribuições, é uma instituição de referência de primeira grandeza na região, exigindo-se-lhe credibilidade pública a toda a prova. Não interessa, para o caso, se o presidente é do partido A, B, C ou de nada (o nada é muito pior porque o nada é uma capa que pode esconder tudo). O que interessa é que, exigindo-se à instituição credibilidade pública, isto quer dizer, à cabeça, que se exige ao seu comando ética política.  E esta ética política é independente da forma de nomeação do presidente da CCDR, seja ela por substituição, seja por concurso público, ou como se anuncia, por eleição indireta.

E porque a ética também não depende de despachos e decretos, compete aos empossados avaliar se os seus compromissos, cargos, responsabilidades e estratégias pessoais não põem em crise, direta ou indiretamente, a ética política e, por arrasto, a credibilidade pública da instituição. Ora, se é verdade que a ética política não se mede nem se pesa, também é verdade que fica ferida de morte quando o bom senso dita que “isso é demais”.

Vem isto a propósito do atual presidente da CCDR/Algarve ter sido eleito presidente da estrutura regional do partido a que pertence, e de, com essa eleição, assumir a mensagem de ter como grande objetivo as eleições autárquicas de 2017. Sabendo-se como a CCDR, no âmbito das suas atribuições e competências, interfere e interage com as autarquias e com toda a gama de interesses fortes da região e na região, dita o bom senso que essa acumulação é demais, e que põe em crise a ética política. Ou dirige o partido, ou preside à CCDR. Esteja o partido no poder, esteja na oposição.  Não é a filiação partidária que está em causa, mas o endosso da sua direção. O que, por ética política, não se pode aceitar é que um presidente da CCDR acumule a direção regional do partido a que pertence, seja qual for o partido simpático ou antipático que esteja no poder central. E mesmo não se pondo em causa a ética pessoal desse presidente, é a credibilidade pública da instituição que não fica acautelada, muito menos garantida. Financiamentos, incentivos, programas, parcerias, apoios, contratos, etc., entram no campo público do diagnóstico reservado e a invocação de critérios, mesmo que sejam legítimos e justos, ficam feridos de morte. Dir-se-ia o mesmo se os papéis dos partidos litigantes do poder fossem trocados.

Não se pode exigir a um só homem com uma só cabeça e uma só alma que como presidente da CCDR e em funções públicas decida com independência e liberto do jogo renhido eleitoral como as autárquicas de 2017 irão ser (renhido e presume-se que brutal), e ao mesmo tempo, na porta ao lado, como dirigente de partido interessado, prossiga como grande objetivo as mesmas eleições. Éticamente é demais.

Entre outros episódios que só podem alimentar a chicana política, se “tecnicamente” a forma como o atual presidente da CCDR tratou a Universidade do Algarve no caso das bolsas de mobilidade foi demais (SMS 625, 30 de julho 2015), dirigir regionalmente um partido com um grande objetivo eleitoral anunciado, e dirigir a instituição regional de referencia do Estado com tudo o que esta acarreta e condiciona, é não só demais, como absolutamente nada credível. Nem um anjo consegue passar entre duas gotas de chuva.

Carlos Albino
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Flagrante sugestão: A Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista deviam fazer uma visita ao Algarve. E não para banhos.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

SMS 652. Presidência da CCDR

4 fevereiro 2016

Projeta-se para 2017 o que pode ser considerado como algum arranque da descentralização. Nesse arranque, pelo que está dito, foi posta de lado qualquer hipótese de experiência piloto, designadamente envolvendo o Algarve. E o arranque é a dois tempos: eleição direta dos presidentes das áreas metropolitanas de Lisboa (18 concelhos) e do Porto (17 concelhos), e a eleição indireta dos presidentes das CCDR’s, entidades que fazem uma espécie de convivência difusa com as comunidades intermunicipais. O Algarve que tinha e tem todas as condições políticas para ser também uma área metropolitana, dispõe de uma CCDR que põe em palco alguns serviços desconcentrados, e de uma comunidade intermunicipal que faz que anda mas não pode andar, ambas com a mesmo definição e coincidência territorial.   A CCDR tem sido a expressão do centralismo e a extensão do governo que está e interesses conexos (alguns ocultos) em que só longinquamente a região pode politicamente interferir de forma decisiva, e a comunidade intermunicipal, com clareza, está para a deliberação política e para a representação da região, assim como a cartilha de João de Deus está para a poesia gongórica. A existência cruzada das duas entidades até na região onde a reforma necessária seria mais fácil, torna-se difícil e complexa. Em todo o caso, parece que a eleição do presidente da CCRD pelos municípios já é é um passo no bom sentido – pequeno passo, mas correto se for ato preparatório de algo mais profundo.

E agora, se isso, a acontecer, será em 2017?  Um ano não é muito tempo, e agora, naturalmente que compete apenas ao atual presidente da CCDR avaliar se tem condições políticas para desempenhar o cargo até à concretização da anunciada reforma. Condições técnicas terá, mas políticas, só ele, competindo-lhe igualmente avaliar se partidarizou ou não a função, ferindo o modelo de onde emana.

Significa isto que, quer o atual presidente prossiga no cargo pondo ou não alguma coerência política, quer deixe o lugar para alguém cujo perfil esteja em coerência com a reforma anunciada, os “grandes eleitores” do futuro presidente da CCRD, têm que pensar em nomes de candidatos, numa região farta de ouvir dizer que não tem quadros. Tal como acontece nas outras regiões, designadamente nas duas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ambas cúmplices do centralismo, tem mais candidatos que quadros. Mas tem bons quadros.

Muita gente não hesitará em avançar com o nome do prof. doutor Adriano Pimpão, como sendo a personalidade que os “grandes eleitores” de 2017 podem assumir como o candidato melhor colocado para a liderança do arranque da regionalização, assumindo isso em consonância com os “pequenos eleitores” que somos todos nós e que, para o caso, não seremos chamados.

Matéria para continuar aqui, sem dúvida. Por ora, ficam uns alinhavos.

Carlos Albino
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Flagrante boa notícia: Até que enfim, vamos vendo escolhas de algarvios e algarvias para o desempenho de funções em gabinetes governamentais. Damos toda a razão ao dr. José Mendes Bota que, com toda a coragem, denunciou recentemente que os algarvios, só por serem algarvios, são punidos nas carreiras de ascensão política. Em todos os partidos, acrescente-se. Também matéria para continuar. Fica o alinhavo…