quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

SMS 647. O El Dorado das corporações

31 dezembro 2015

Não são todos assim. Há médicos que são beneméritos. São conhecidos e reconhecidos. Há advogados que advogam, há arquitetos que não vacilam na fronteira do interesse público, há engenheiros em cujos cálculos entra com rigor a argamassa da responsabilidade social. Mas os advogados que não advogam, poucos ou mesmo ninguém dá por eles; os engenheiros que, aldrabando a argamassa, saltitam entre interesses e interessados, diluem-se nos meandros da responsabilidade política que os sustenta no anonimato confortável; e há arquitetos cuja irresponsabilidade é como fazer um traço sobre o joelho. Todos estes não são casos de vida ou de morte, o que já não acontece com os médicos. Pelas mãos destes passa muito destino. E quem fala de médicos fala da saúde, e falando-se desta, à cabeça fala-se dos serviços públicos de saúde. E nesta matéria, o Algarve há muito que tem o problema por resolver. Melhor dizendo: por explicar. Ao longo de anos e anos, o Algarve tem sido palco de cenas inacreditáveis. Algumas destas cenas decorreram de simples e pura incúria. Outras por insuficiência ou falta de pequenos hospitais, de centros de saúde ou até mesmo pela falta do tal hospital central. Outras cenas por escassez de enfermeiros, outras pela falta de médicos. De vez em quando, e quando aparentemente e dito pelos próprios, há médicos e enfermeiros, as culpas vão para as administrações públicas de saúde, ou mesmo para esta ou a anterior administração hospitalar. E é assim que desde que há um serviço nacional de saúde, há também um problema dos serviços públicos por explicar e que não há meio de ser ou de ficar explicado e resolvido, não se desconhecendo que a atividade comercial da saúde (a grande e a pequena) viu nessa falta de explicação um “nicho de mercado” crescente e grandemente lucrativo.

E é aqui que o pequeno grande mundo dos médicos se divide: há aqueles para quem trabalhar no Algarve é como ir para Marrocos, como alguém responsável recentemente testemunhou, e há os médicos para quem trabalhar no Algarve é o mesmo que ir para o El Dorado, como naquela antiga lenda dos incas que dava conta de uma cidade toda ela feita de ouro maciço e tanto ouro puro havia que o imperador tinha o hábito de se espojar no ouro em pó, para ficar com a pele dourada…

Na verdade, há gente da saúde que chega ao Algarve em camisa sobre a pele e osso e com o carro a cair de podre, mas que passado pouco tempo parece que se espoja em ouro. Explica-se: a mesma intervenção que por aqui se cobra dois mil euros, na Alemanha custa duzentos euros, como aqui nestes apontamentos já se descreveu. Quando isto acontece, a última coisa que se pode exigir a um médico é que, em vez de se espojar em ouro, seja escuteiro ou carmelita descalço, mas também a primeira conclusão a que se chega é a do fracasso do serviço  público de saúde, fracasso agravado quando atos e omissões dos responsáveis se encaixam com o “nicho de mercado” do tal serviço comercial de saúde. Entretanto, bastantes morrem cedo demais.

Dá para continuar.

Carlos Albino
________________________
Flagrante advertência: Mal do Algarve se uma nomenclatura é apenas substituída por outra. Parece que este 2016 é o ano do retorno de autores de muitos disparates do passado.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

SMS 646. Natal de Lutgarda Guimarães de Caires

24 dezembro 2015

Não estranhem. Embora toda a gente tenha uma ideia, muitos saibam mas poucos se recordem, ocorre-nos evocar Lutgarda Guimarães de Caires, mais pela sua marcante figura de humanista e filantropa do que pela sua poesia que teve a sua época e moda. Lutgarda é filha de Vila Real de Santo António, homenagens oficiais e iniciativas tendentes a colocá-la na memória dos vivos, embora não muitas, não têm faltado. Em 2007, a sua obra poética foi reeditada; em 2005, foi erigida uma estátua de corpo inteiro, da autoria do escultor também vila-realense Nuno Rufino; antes, em 1966, um busto seu foi apresentado na margem do Guadiana que depois voou para sítio esconso; mais longinquamente, em 1937 (dois anos após a sua morte) o nome de Lutgarda foi dado a espaço público na sua terra natal; e, quando o corpo ainda estava quente, o Governo português agraciou-a com a Ordem de Benemerência e a Ordem Santiago da Espada, a primeira pela dedicação de Lutgarda às crianças. Com tudo isto, ficou para toda a gente a ideia da poetisa, embora muito saibam que Lutgarda foi mais do que isso, e poucos se recordem da humanista e da filantropa, o principal da sua vida.
            
Vem a propósito. Lutgarda foi a fundadora e impulsionadora do Natal das Crianças dos Hospitais, que, como toda a gente sabe, hoje se chama apenas Natal dos Hospitais, alargado que foi a todas as idades, uma festa que ano após anos atingiu uma dimensão jamais esperada. Popularizada pela rádio e depois pela televisão, a festa hoje perdeu de vista o nome da criadora da iniciativa, mas o sonho, a vontade e a obra pertencem a Lutgarda.

Mas a filantropia e o humanismo de Lutgarda não se restringiu à sua atenção pelas crianças doentes. Convidada em 1911, pelo então ministro da Justiça Diogo Leote para um estudo sobre a situação dos presos, principalmente das mulheres, Lutgarda conseguiu a abolição da máscara penitenciária e do regime de silêncio, instrumentos que colocavam as prisões portuguesas nos tempos medievais. O regime de silêncio, aliás, era um castigo tipicamente medieval que, no seguimento dos nossos brandos costumes e das conveniências da justiça politizada, vigoraria até 25 de Abril de 1974…

Neste Natal de 2015, aqui fazemos modesta homenagem a Lutgarda, pelo seu Natal das Crianças dos Hospitais. E como a 30 de março de 2016, passam 80 anos sobre o dia da morte de Lutgarda, cabe a Vila Real de Santo António homenagear quem tudo fez para que as prisões portuguesas saíssem da barbárie, sobretudo com a abolição da máscara penitenciária que fazia de seres humanos, alguns arbitrariamente condenados, bichos numerados na jaula, sem direito ao rosto e cujos nomes eram substituídos por números. Lutgarda, se fosses viva, oferecia-te neste Natal uma flor de esteva da serra algarvia, ainda que em botão, deve haver algum. Mereces.

Carlos Albino
________________________
Flagrantes eventos: Neste Natal, aí pelo Algarve, alguns eventos que, sem tirar nem pôr, fazem do Natal o mesmo que Carnaval, Dia das Bruxas, Animação de Verão, Palhaçadas… Tudo igual, até o Pai Natal com ar de pateta no meio de ursos de Entrudo. Parece que o Presépio perdeu as eleições e que o menino Jesus, a Mãe e o Pai adotivo José nem sequer passaram à oposição – entraram na clandestinidade. “São os eventos!” – dirá o burro e até a vaca.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

SMS 645. Correspondência França-Portugal

17 dezembro 2015

De Paris, amigo meu, catedrático de referência, abre o diálogo que se segue:

- Como vão as coisas?
- Por aqui as coisas mudam, as loisas não… E por aí?
- Por aqui depois do suspense das eleições as coisas estão menos mal. Mas se analisamos porque é que tanta gente vota FN, dá uma "fotografia" pouco agradável de 30% dos Franceses.
- Também por aqui, há “fotografias” pouco agradáveis.
- Como diria a minha mãe, os Franceses no fundo tinham aderido em grande parte a Pétain, depois nos anos 50 ao horrível Poujade, essa espécie de ideologia pequeno-burguesa restrita, reacionária, mesquinha, mais o racismo que está enraizado numa parte da população...
- Por aqui, mudando Pétain e Poujade para outros nomes, passa-se o mesmo, só que atrás de um biombo, com 50% dos Portugueses atrás e outros 50% à frente. Como explicas isso aí
- A falta de pedagogia - desde a escola primária às altas  instâncias dos governantes - destas última décadas tem feito resto. A falta de grandes intelectuais que lutam pela liberdade da palavra e do pensamento e pelo humanismo. Agora são falsos intelectuais cuja maioria vem da direita e que são convidados pelos media. Quando os bons intelectuais, inteligentes, sensatos, que analisam com mais profundidade falam, o povo acha que são chatos. Mais um jornalismo francês que prefere criticar seja o que for.
- Por aqui, tal e qual. Sobretudo isso, a falta de pedagogia desde a escola primária às altas instâncias dos governantes. Dá para conversa longa.
- Falaremos disso quando nos voltarmos a ver. Bom, continuemos a “luta”. Como tu dirias, os políticos defendem a cidadania até chegarem ao poder. Parto dia 21, vou a Zürich à ópera ver "Il viaggi a Reims" do Rossini, que vi há trinta anos quando o Abbado re-descobriru a partitura e o Ronconi  encenou na Scala com uma distribuição maravilhosa. Veremos desta vez. Depois vou para o Lago dos Quatro Cantões, como nestes últimos anos, ler, andar a pé ao longo do lago e nas montanhas à volta, ir de barco de vez em quando a Lucerna, talvez escrever - porque não? - em todo o caso, mudar de  ares e ver o lago e os barcos que o atravessam.
- Que sorte! Aqui temos que nos contentar com alguma coisa que pingue na província, depois passear rente ao mar e imaginar um caíque vindo do horizonte. Imaginar apenas, porque já não há um único caíque nem para amostra, e que se os suíços descobrem ainda põem um a navegar no Lago dos Quatro Cantões...

Carlos Albino
________________________
Flagrantes votos: Bom Natal para todos os que tolerantemente lêem estes apontamentos e, muito em especial, para os fazem este Jornal do Algarve, o nosso The Times, como diria José Barão e João Manjua Leal não se cansa de repetir.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

SMS 644. Leão Penedo

Leão Penedo 1916-1976
10 dezembro 2015

Em 2016 é o centenário do nascimento de Leão Penedo (13 de agosto de 1916, em Faro). Para além dos poucos moradores da rua que tem o seu nome, nas costas do Hospital Distrital, Leão Penedo pouco ou nada diz para a generalidade das pessoas. Aliás, o Algarve quase só se lembra dos seus para nomes de ruas e mesmo para isso é preciso terem morrido há muito, porque os mortos recentes ainda fazem sombra aos vivos à espera de ruas. Pior ainda, dá-se nomes porque tem que se dar nomes às ruas para não se cair na vergonha de dar a uma rua o nome de Rua do Continente e a outra o de Rua do Pingo Doce, pelo que os nomes que se dão obedecem a uma escala que começa na celebridade possível, havendo poucas celebridades, e acaba na nulidade, das muitas que são a fartura. Não é o caso de Leão Penedo de que Faro se devia lembrar, e nessa lembrança, não tanto para encómios póstumos mas para pretexto de reflexão diversa e recapitulação do obra, da literatura ao cinema que foram as principais ruas de Leão Penedo.

Na verdade, Leão Penedo foi um dos mais destacados escritores da corrente neo-realista portuguesa e um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Escritores. Desligado da atividade literária em 1961 na sequência de um derrame cerebral, faleceu em janeiro de 1976, deixando obra escassa mas notável - Multidão (1942), Caminhada (1944), Circo (1946), A Raiz e o Vento (1954). Do seu romance Circo, fez a adaptação para o já clássico filme Saltimbancos (1951), de Manuel Guimarães, vindo depois a colaborar com Rogério de Freitas no argumento de Sonhar É Fácil, e ainda a assinar o argumento e diálogos do filme Dom Roberto, de José Ernesto de Sousa.

A sua atração pelo jornalismo, cedo se fez notar: aos 13 anos, sendo aluno do Liceu de Faro, publicou um jornal de quatro páginas de que saiu apenas um número… Depois, por aí inundou os semanários regionais com textos seus, e, chegado a Lisboa, aos 19 anos, fundou uma revista de estudantes, Mocidade Académica. Andou por redações de referência na época, designadamente a Vida Mundial, mas a literatura e o cinema foram as as suas ruas.

Faro, se fosse ainda Ossónoba recordar-se-ia de Leão Penedo em 2016. Penso que bastaria chamar pela Univerdade e esta acorreria.

Carlos Albino
_________________________
Flagrantes gastos: Muito do que por aí se gasta em autarquias, a pretexto de “cultura” mas que não passa de “cóltura”, são gastos perdulários e sem resultados dignos. Muito dinheiro perdido – sabe-se de onde vem, desconhece-se para onde vai.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

SMS 643. Esta pode ser uma boa hora para o Algarve

3 dezembro 2015

O Algarve nunca resolveu o problema da sua identidade – foi por séculos reino sem rei, foi governo civil com pouco governo e um simulacro de civil, acabando por viver sob comissões regionais disto e daquilo mas que não têm passado de consulados do centralismo e de mordomias traçadas pelo compadrio partidário dominante, e assistindo também à organização municipal, ora assim ora assado, mas sempre verbo de encher. Ou seja, o Algarve tem muito presidente mas não tem voz, não tem figura com capacidade de decisão assente na formação de vontade democrática, representativa e filtradora da competência. Há muita cabeça a suscitar mesuras, mas não tem cabeça que assuma com legitimidade representar a região, agir em nome dela e submeter-se ao escrutínio responsável. Nestas circunstâncias, quando as coisas correm mal, a invocação das “ordens superiores” obviamente que é o expediente para salvar os carapaus de corrida, e quando correm bem os benefícios não vão para o currículo da região mas para os currículos pessoais dos cônsules. Assim sendo, a região tem uma inequívoca identidade geográfica, mas uma já relativa identidade cultural, uns restos de identidade política e nenhuma identidade volitiva.

Segundo parece, o programa deste XXI Governo pode anunciar uma boa hora para o Algarve que, como Algarve, mais uns poucos anos e seria uma espécie em vias de extinção.

E porquê boa hora? Para já, com este prometido novo modelo territorial coerente assente na  região de planeamento e de desenvolvimento territorial, na criação da autarquia metropolitana, na promoção da cooperação intermunicipal através da comunidade intermunicipal (no Algarve, única por instinto de defesa), na descentralização para os municípios das competências de gestão dos serviços públicos de caráter universal e na afirmação do papel das freguesias como pólos da democracia de proximidade e da igualdade no acesso aos serviços públicos. É o que está escrito.

Implicando isto a democratização da CCDR, com a eleição do respetivo órgão executivo por um colégio eleitoral formado pelos membros das câmaras e das assembleias municipais (incluindo os presidentes de junta de freguesia) da área de intervenção, e passando o órgão executivo da CCDR a responder perante o Conselho Regional, o Algarve não terá o rei que nunca teve, nem o governo civil que nunca passou de pau mandado, mas terá cabeça – com toda a legitimidade democrática, o Presidente do Algarve -, terá tronco com dignidade muito acima dos quintais autárquicos – o Conselho Regional -, e terá pernas para andar e mãos para mexer, assim o colégio eleitoral tenha pernas e mãos.

Só que, ao estado a que o Algarve chegou, não basta o decreto ou os decretos. É necessária uma reforma das mentalidades. E este é o problema, o desafio e a urgência. Caso queiramos aproveitar uma boa hora.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante nomeação: Não tenho a certeza, vou verificar. Alguém me garante que Teresa Caeiro, eleita pelo Algarve, disse aos dirigentes do CDS/Algarve: “Desculpem lá o ambiente que eu vim causar. Também não tive culpa de ser nomeada pelo Paulo Portas para a lista de Faro”… Estas reticências aplicam-se. Nomeações assim ficam mal em qualquer que seja o partido.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

SMS 642. Todos aprendemos muito

26 novembro 2015

Desde 4 de outubro, todo o País assistiu a uma enorme aula de ciência política e de direito constitucional como nunca aconteceu. Todos aprendemos muito, independentemente das opiniões de cada um e das convicções mais ou menos generalizadas. Sobretudo aprendemos que escolher representantes para o parlamento não pode nem deve ser um ato de ligeireza. Do conjunto dos deputados e da sua diversidade, depende a condução do destino do País e a afirmação do poder na sua raiz central. Aprendemos que o voto tem consequências mas que também produz surpresas, aprendemos que há regras que acima dos interesses de cada um movimentam as instituições, aprendemos que o sufrágio não é uma aritmética de caras simpáticas ou antipáticas, que não é ou não deve ser mero efeito de encantamento por vozes canoras ou repulsa de vozes fanhosas. Aprendemos que o voto deve ser exercido em função de ideias, de um projeto, de um programa. Aprendemos também muito quanto ao valor da participação e sobre a absoluta inutilidade da fuga, da abstenção e do desligamento da decisão coletiva na sua hora certa e livre. Aprendemos igualmente que o exercício do poder não é coisa da propriedade privada seja de quem for e que seja quem for que exerça o poder não pode fugir ao escrutínio dos seus atos, das suas omissões e das suas palavras. É esta aprendizagem que traça a fronteira entre uma democracia e uma ditadura, entre o que resulta da livre escolha de opções e da imposição de ordens dadas como indiscutíveis. E se continuarmos a aprender, também descobriremos que aquilo que vamos aprendendo como válido a nível nacional e das instituições do País, é igualmente válido a nível local e das instituições a que bem chamamos autárquicas.

Também os partidos, como coletivos organizados de eleitores, todos aprenderam muito ou deviam ter aprendido. De pouco já lhes vale a excessiva confiança no marketing político e o apagamento das ideias em benefício da propaganda por todos os meios e expedientes. Isto teve o seu tempo – o marketing político e a propaganda como fins em si, cansaram a sociedade que já se apercebeu de ser a primeira a ser enganada mas sempre a última a pagar decisivamente os erros, designadamente os erros evitáveis. Mais do que nunca, a sociedade aprendeu a questionar o que pode ou não ser erro.

Julgo que a sociedade algarvia, particularmente castigada por uma colonização partidária que faz dos eleitores algarvios uma espécie de imobiliária política do compra-e-vende através dos offshores do poder, também aprendeu, embora não tenha voz para o dizer até porque muitos dos que deviam ser eleitores ativos, não só caíram de pára-quedas, como aqui estão como poderiam estar na Mauritânia.  Mas é também uma fase que vai passar.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante pensamento: Tomando, no Calcinha, um café com um amigo, saltou-me esta: “A manha, manha do manhoso, é o rascunho do déspota na sua versão original”. E isto porque há muita honestidade invocada por aí, que não passa de manha.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

SMS 641. Paris e as mesquitas do Algarve

19 novembro 2015

Vai para seis anos, aqui, na SMS 294 (O respeito pelas religiões, março,2009), observámos como, por exemplo nas agendas municipais, se discriminavam as religiões beneficiando uma só, em matéria de locais e horários de cultos. Ou todas, ou nenhuma, defendemos, independentemente da respetiva grandeza ou da proximidade da crença de cada um. Entre as diversas religiões praticadas no Algarve, nessa altura, contava-se já, a islâmica, ou muçulmana, como queiram. Verifiquei, entretanto que, algumas câmaras começaram a contemplar o princípio da não exclusão, colocando nas suas agendas, endereços, horários e até responsáveis de cultos. Julgava eu que as religiões assim publicamente consideradas, se inseriam mais nas sociedades locais que as acolhem, não discriminando ninguém. Mas em diversas circunstâncias, comprovei que assim não acontecia. Telefones disponibilizados geralmente não respondem e, quando num caso ou outro se chegou à fala com interlocutor, as respostas ficaram aquém do benefício da inserção. Claro que não me arrependo da sugestão de há seis anos, na esperança de que as atitudes mudem.

Em Portugal, há 52 mesquitas, três das quais no Algarve (Portimão, Albufeira e Armação de Pêra), a que se somam dois designados lugares ou salas de culto islâmico (Faro e Quarteira). Portanto, uma religião já com alguma expressão, designadamente da parte de imigrantes, muitos deles há muito radicados na região, acolhidos e, além de bastantes serem lusófonos, com provas dadas em matéria de participação cívica. Derivas à parte, o islão é uma religião pacífica e os seus seguidores, se seguem, pugnam pela paz, pela concórdia e pela harmonia social.

Por isto mesmo, esperava-se já da parte dos responsáveis de mesquitas e lugares de culto islâmico, uma posição pedagógica, firme e probatória de bons propósitos, não só antes mas sobretudo a partir dos trágicos acontecimentos de Paris. O silêncio não é a resposta, e as palavras para dentro ou para uso interno, não movem moinhos, num momento em que aqueles acontecimentos são suscetíveis de provocar um amplo receio público e aproveitamentos por certo injustos e descabidos face a uma comunidade que se instalou pacificamente e para fins pacíficos. Sheikhs, bhais e imãs já deviam ter dito alguma palavra que suscitasse serenidade a uma sociedade que, independentemente de crenças, se une esmagadoramente na crença da Paz. Já deviam ter dado um sinal agregador ou, até mesmo, apaziguador por bons motivos. Sinal este que mais vale tarde que nunca.

 Carlos Albino
_________________________
Flagrantes meios-mandatos: Por aí, muito balanço a meio-mandato autárquico, quando tantas vezes basta um dia, uma hora ou até mesmo um minuto, para se estragar tudo e irreversivelmente… Não seria melhor optar-se pelo balanço constante?

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

SMS 640. Efeitos disto para o Algarve

12 novembro 2015

Claro que vai ter efeitos. A queda do Governo é apenas um episódio – foi toda uma política, uma pose, um estilo e um rumo que desandou. No que diz respeito ao Algarve, a principal consequência é a do caminho aberto, da expetativa e da esperança de que o comando dessa estrutura vital para a região – a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve – seja de algum modo corolário ou consequência do mapa dos votos na região e não de nomeação do poder central. E haverá mais consequências, a começar por um aperto no escrutínio do poder local, esteja este nas mãos deste ou daquele, mas com mais forte incidência no poder local que tenha agora sido surpreendido pela mudança nacional de rumo. O que é benéfico, pois alguns se modificaram mal entraram numa câmara ou numa junta, mas também algumas câmaras e juntas se modificaram com a entrada de alguns. O escrutínio, seja pelas assembleias municipais ou pelas assembleias de freguesia, vai ser mais rigoroso e atempado. Ninguém pode falhar, e ninguém, como se costuma dizer, pode deixar uma perna de fora.

Além disso, foi posto um enorme travão à diabolização  de qualquer força política organizada, por certo gerando-se um mais vasto capital político de cooperação e de colaboração adulta. Aliás, ou é agora ou nem tão cedo haverá condições para que as decisões políticas e respetivos debates percam de vista o bem comum e o interesse público, em vez de ficarem atolados no funcionamento das chamadas correias de transmissão. Isto afeta todos – os que perderam tendo insuficientemente vencido e os que ganharam tendo aparentemente perdido. Não será já amanhã ou daqui a uma semana, mas todos vão ser diferentes pela lógica da sobrevivência ou da recuperação política. PSD e PCP vão ser “outros”, PS vai ser “outro”, BE “outro” vai ser, o CDS dificilmente vai poder contar com barriga de aluguer pelo que terá de contar ou reconstruir a sua própria realidade e raiz, porque facções, seitas e grupos de pressão que minam o que de melhor uma Democracia possa ter, aprenderam todos uma grande lição – a de que as coisas dependentes do voto não são favas contadas e que há uma inteligência coletiva que funciona, embora sem corpo.

Nas autarquias, tudo está na fase do meio-mandato, o calendário para as eleições locais galopa e estas, mais uma vez, irão funcionar como avaliação do desempenho do poder central, se este não sofrer sismos do grau 8.  E no quadro atual, sobretudo num Algarve que não tem lobbies em Lisboa, as autarquias, no seu conjunto, são tudo ou quase tudo o que uma região pode dispor, com responsabilidade acrescida se a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional vestir fato novo, e não andar por aí em pijama a fingir de fato. Por outras palavras, se vier a ser uma comissão que, para além de coordenar e desenvolver, emane de escolha legítima e sob escrutínio apurado.

Também por tudo o que de dramático ou trágico aconteceu ao longo da última década, o Governo central já não pode voltar a ser uma espécie de organização de mordomias, com montagem mais ou menos sábia ou sofisticada. Esse tempo acabou, precisamente nesta semana. O Algarve, que também nunca teve grande posição na corrida às mordomias, antes pelo contrário, pode ficar beneficiado por critérios mais justos e compensatórios do que aqueles que, até agora, na prática, o têm punido, sem poder levantar a voz, até porque não tem voz. Por isso é muito provável que possa ter voz, porta-voz e voz à medida da sua garganta e dos seus pulmões, fazendo-se ouvir para além do Caldeirão. E, como agora também é moda dizer, voz positiva, e não negativa, sendo certo que as águias não geram pombas.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante palpite: Quando António Costa voltar ao Algarve, certamente não vai estar tão isolado como por vezes pareceu. Não faltará companhia.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

SMS 639. Albufeira, o dedo na ferida

5 novembro 2015

Com o tempo, a realidade torna-se lenda. No cemitério de Boliqueime está sepultado um juiz de Albufeira que, a seu pedido, não quis ser enterrado na sua terra. Pelos finais dos anos quarenta do século que passou, insurgiu-se contra intervenções e construções nas linhas de água, ficando isolado na sua opinião inabalável. Pouco tempo depois das suas advertências, ocorreria uma das várias tragédias que têm enlutado Albufeira, cada qual não servindo de emenda. Como resposta aos que não o ouviram, o juiz deliberou descansar para a eternidade numa campa em terra longe da sua e dos surdos. E ali estão os seus restos que, a cada tragédia tanto mais grave quanto maior é o disparate, se fazem lendários. Voltou a acontecer.

A febre imobiliária, com sua teia intrincada de interesses que implica várias profissões de interesse público e várias entidades que em vez de darem cobertura ao interesse público colocam a céu aberto o contrário, leva a que não se possa ver um centímetro quadrado livre para a Natureza, para a sua lógica imparável e que não se mede pelo diâmetro de caneiros, sendo imprevisível em cima dos estiradores e dentro dos gabinetes dos despachos técnicos. Traçar avenidas e erguer enorme massa de edifícios onde as ribeiras deviam continuar ribeiras disponíveis para o previsível e para o previsto, é brincar com o acaso da Natureza e com o destino de quem não sabe se a sua cama pode ser a sua campa, e se os seus bens podem ser a sua perdição. Não há seguro que compense os efeitos de um erro que lesa o interesse público desacautelado, de nada valendo ocultar as causas pelos efeitos.

Tal erro não existe apenas em Albufeira, está espalhado por todo o litoral algarvio. O sonho efémero de fazer grandes cidades onde a doutrina da Natureza aconselha a que se façam apenas as cidades possíveis e com os seus elementos na dimensão e localização, naturalmente que forçará qualquer juiz das coisas a sentenciar que a sua campa fique longe, tornando-se tragicamente em lenda. Hoje as águas, amanhã um sismo, oxalá que não, e fora do registo da nossa memória curta, os próprios movimentos isostáticos da Terra – por aí temos cidades de outrora sepultadas no mar ou mostrando seus vestígios nas arribas muito acima das nossas cabeças.

Mas se a coisa é grave quando o imprevisível acontece, mais grave é quando não se tem em conta o previsto. Um perito em metereologia que comigo se corresponde, bastante, muito antes da entidade competente ter disparado um alerta colorido, enviou-me um email a dizer isto: “Infelizmente receio o pior e na minha humilde opinião de profissional na área, as nossas autoridades já deveriam de ter lançado Alerta Vermelho para o Baixo Alentejo e sobretudo o Algarve, dada a situação, para as pessoas salvaguardarem bens e mesmo por segurança pessoal, atempadamente!”. Depois de alertar para a possibilidade de inundações relâmpago para o SE de Portugal, “onde poderão ocorrer acumulações de precipitação acima dos 100 mm em 9/12h e, dado o tipo de fluxo, suas características, coberto vegetal e tipo de solos da região, poderão ocorrer problemas”,  advertia que “temos de acompanhar a situação entre as 00h. e 18h dia 01 Novembro 2015, em especial no Sotavento algarvio mas podem ser mais abrangentes nesta parte do território”. Terminava assim: “Espero estar enganado... mas se ocorrerem, vai dar problemas sérios”. Creio que não vale a pena discutir comportas, diâmetro de caneiros, seguros, e muito menos olhar para as nuvens ou enterrar a cabeça na areia escavada a repor o leito natural para o curso das águas. O mal está feito. Mal cujas causas é que devem ser sanadas e discutidas à cabeça.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante quadratura do círculo: Disse o Ministro da Administração Interna, Calvão da Silva, no seu terceiro dia de exercício, a propósito da tragédia de Albufeira, que “Deus nem sempre é amigo”. Pelos registos bíblicos, só o diabo diz uma coisa destas.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

SMS 638. O voto e os dias seguintes

29 outubro 2015

Tão ou mais importante que o voto, são os dias seguintes – todos os dias que se seguem, um a um, até ao próximo voto. E, à exceção do Presidente da República que é um órgão unipessoal, o voto, num primeiro momento, é para escolher assembleias de onde emanam equipas de governo (nacional ou local), onde as deliberações ganham força e onde os governos (de legislatura ou autárquicos) são fiscalizados. Todos sabem isto, mas porque uns tantos se esquecem nos dias seguintes ao voto, os que sabem desculpam que se lembre que as assembleias, seja ela da República, do Município ou da Freguesia, são os pontos centrais da nossa vida coletiva e de cada eleitor que vá tendo também os seus dias seguintes tal como os eleitos.

As campanhas eleitorais, no entanto, subvertem este entendimento que devia estar sempre presente. Tais campanhas centram-se até aos confins do norte na escolha do primeiro-ministro; até à ribeira seca que separa um concelho do outro na escolha do presidente de câmara; ou até ao caminho que separa um compadre de outro na escolha do presidente de junta, quando, nos dias seguintes ao voto, pelo voto e com o voto, o que fundamentalmente está em causa são as assembleias a cuja escolha os votos se destinam. Um primeiro-ministro nada fará sem a vontade expressa da Assembleia da República e sem ela cai; um presidente de câmara fica paralisado se a assembleia municipal lhe disser não e, ao fim de três nãos, o aconselhável é renunciar; um presidente de junta fica a olhar para a parede se a respetiva assembleia o mandar pregar para outra freguesia. Daí que não sejam poucos os que desejam assembleias dóceis, assembleias que sejam maiores ou menores regimentos a marcar passo, enfim, assembleias que não tenham o protagonismo que de facto deviam e devem ter nos dias seguintes ao voto e nas quais a observação e seguimento público, em não poucos casos, seja de evitar ou de restringir. Atas tardiamente publicadas, convocatórias feitas apenas com os mínimos legais, etc., compõem o bolo envenenado que, premeditadamente ou não, se dá à Dona Democracia.

Os partidos, embalados por sua vez neste jogo de distração política, acabam no amorfismo crítico, no seguidismo irracional, na propaganda de claque, no voto contra porque fica de mau tom votar a favor ou no voto a favor porque é de bom tom não trair a marcha do regimento. E com os partidos assim, as assembleias (de freguesia, de município e até a da República) caiem na modorra, adormecem e só de vez em quando acordam quando surge na sala ou no salão, alguma maioria circunstancial de interesses a fazer barulho igualmente amorfo.

Há muito a fazer nas assembleias do Algarve, onde há muito esquecimento nos dias seguintes ao voto, e não vale a pena trocar as vazas: não há democracia sem… democratas nos dias seguintes ao voto.

 Carlos Albino
_________________________
Flagrante tristeza: Cavaco Silva na reta final.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

SMS 637. Colunas parlamentares, precisam-se!

22 outubro 2015

Deixei sugerido ao Diretor deste jornal, Fernando Reis, vai para uns três, quatro anos, a criação de uma coluna parlamentar em que se fosse dando conta, com regularidade, rigor e objetividade, do trabalho produzido em S. Bento pelos deputados eleitos pelo círculo do Algarve, no que tenha relação direta e útil com a região.  Se todos os jornais que ainda existem assim procedessem por meios e critérios autónomos, esse registo paciente já seria um bom e proveitoso escrutínio. E além disso, serviço público. Naturalmente que é um daqueles trabalhos que, a ser prosseguido, terá de ser “trabalho de redação”, trabalho próprio e pesquisa autónoma, a cujo valor o leitor (o leitor que ainda exista…) não ficará insensível. Se for bem feito, creio até que será um pequeno fator que contrariará a relutância à leitura.

Que iniciativas legislativas os nove deputados tomam de interesse direto para a região, que intervenções em plenário, que perguntas fazem e que requerimentos apresentam ao Governo e à Administração Pública, que respostas obtém e em que prazo, enfim, tudo isso que faça com que o círculo de Faro não seja quadrado. Na verdade, ao leitor que também é eleitor, repugna-lhe já a propaganda fora do tempo, os comunicados de parlamentares de pura promoção pessoal ou de circunstância, e que, além de fastidiosos, mais parecem cartas “ao meu povo”, gerando expetativas excessivas em torno de iniciativas pessoais sem resultados práticos e muito longe da influência política com que se penteia a prosa. Os arquivos dos jornais algarvios, vivos ou extintos, são um verdadeiro cemitério de pregões que deram em nada.

Agora que começa nova legislatura, era bom começar-se a registar o que os quatro deputados despachados para Lisboa com bilhete do PS (José Apolinário, António Eusébio, Jamila Madeira e Luís Graça) vão de facto fazer; o que os dois parlamentares do PSD (José Carlos Barros e Cristóvão Norte) terão a dizer; o que o estreante do BE (João Vasconcelos) dará como prova; o que o disciplinadíssimo deputado do PCP (Paulo Sá) perguntará e requererá; e o que a deputada da órbita do CDS (Teresa Caeiro) poderá explanar já que entrou na órbita do Algarve.

É claro que os deputados representam todo o País, e não os círculos por que são eleitos, mas o País não existe sem os círculos que elegem deputados. A estes não cabe representar os círculos mas sim e por inteiro intervir a bem dos círculos.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante desabafo: Com o centralismo por aí em força, o Algarve não tem governabilidade, como numa feira de influências. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

SMS 636. O fim da Casa do Algarve não pode ser

15 outubro 2015

A notícia vinda a público dá conta de que a Casa do Algarve, com 85 anos, vai encerrar. E como uma das explicações para o caso, também se dá conta de que os autarcas algarvios viraram costas à instituição, e que, uns atrás de outros, os municípios foram deixando de pagar as quotas de associados coletivos. A isto juntou-se o divórcio dos algarvios residentes na capital, o desinteresse sistemático dos deputados eleitos pelo Algarve, a apatia dos estudantes algarvios e o alheamento da intelectualidade, sobretudo da que reclama profunda ligação à Província natal. Também, pelo que subiu ao noticiário quotidiano um tanto incorretamente, a própria AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) terá optado por não responder a um último apelo de sobrevivência, mas, ao que se sabe, a AMAL disponibiliza-se a receber uma delegação da Casa do Algarve para avaliação da situação.  Isto não invalida reparos a alguns autarcas algarvios que, perante a premência de uma representação cívica do Algarve na capital, confundem causas com efeitos.

Tem sido evidente a inanição da Casa do Algarve, o seu défice de atividade e a sua falta de presença no cenário vizinho do poder central, em contra-corrente com outras regiões do país cujas “casas” lobbies e pólos de influência acima das divergências políticas regionais. Outras regiões sabem e conseguem defender e identificar os respetivos denominadores comuns. Não vem para aqui estender o argumentário da validade e benefício da Casa do Algarve, cujo declínio começou com o despejo da sua sede tradicional no Chiado e com o fim do bom sonho de uma nova sede com residência estudantil em terreno cedido pela Câmara de Lisboa. Com o divórcio e alheamento descrito, com o envelhecimento e a lei da vida a fazerem minguar os sócios históricos, as atvidades da Casa, remetida para um esconso T-1 na Avenida de Ceuta, foram-se reduzindo a ações de benemerência cada vez mais difíceis de manter. As últimas direções da Casa do Algarve não poderiam fazer mais.

Sempre pensei que, em democracia, a Casa do Algarve entraria num novo ciclo de vitalidade e representação cívica, mas infelizmente assim não aconteceu. Quando deviam ser os primeiros a reconhecer essa valência da Casa, estou em crer que há autarcas que nem sequer a conhecem nem a querem conhecer, ou porque nem são do Algarve e fazem da política um mero desempenho profissional, ou porque sendo do Algarve se distraíram numa exagerada visão de quintal. Não os culpo porque são vítimas daquele erro crasso que a acontece quando a política captura a cidadania aberta e útil – aberta acima das divergências, salvaguardando a força da representação; útil, gerando influência em abono das grandes causas regionais que não são poucas nem de desprezar.

Peço ao dr. António Féu, por ora ainda presidente da Casa do Algarve, que envide todos os esforços para que a deliberação de encerramento tomada em assembleia-geral, possa ser revertida. Até porque, presumo, no Algarve ainda haverá Algarvios com sentido de responsabilidade, tenham cargos ou não, e, em Lisboa, Algarvios ainda haverá com responsabilidade de sentido e que não deixarão de abrir a porta ao tocar-se-lhes a campainha. O fim da Casa do Algarve não pode ser.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante desemprego: Aí vem, sazonal, etc. e tal. 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

SMS 635Feitas as contas do 4 de outubro


8 outubro 2015

1 – A abstenção. O número de abstencionistas no Algarve não nos deixa em conforto, antes pelo contrário, esse número causa incómodo. O Algarve com 48.62% de abstenção global, muito acima da média nacional (43.07%), e com os maiores concelhos a rondar ou mesmo acima dos 50%, significa algo nos tempos que correm. Esse algo compete aos partidos decifrar, sobretudo os que descortinam pouco mais que o aparelho, os interesses e interessados no e do aparelho. Num desses concelhos, Albufeira, por exemplo, a abstenção atingiu 54.79%. Arrepia.

2 – Os resultados. Os partidos liderantes na região inverteram posições relativamente a 2011, mas de forma agora relativamente atenuada: o PS que, em 2011, obtivera 22,95%, subiu agora para 32,77% (4 deputados), e o PSD desceu dos seus 37.03% de 20011 para agora, em coligação com o CDS, se fixar nos 31.47% menos que isolado (o CDS em 2011 obtivera 12,71%. A osmose/endosmose destes partidos em coligação resultou num tombo, e só o casamento salvou a comunhão geral de bens e de adquiridos que fica nas mãos de 3 deputados. Depois, BE e PCP/PEV que, em 2011, ficaram quase ombro a ombro, também agora inverteram posições com o ombro do PCP descaído (de 8,57% para 7,19%) e o do BE bastante levantado (de 8,16% para 13,88%). Para isto, cada um dos eleitores terá a sua explicação desde o voto de castigo, ao voto de cansaço, ao voto de descrença, mas seja qual for a explicação é como que procurar uma agulha no palheiro, sendo que muita palha parecerá agulha.

3 – As conjecturas. De modo geral, se é lícito admitir que umas eleições autárquicas podem equivaler a uma avaliação do Governo central a meio mandato, também umas eleições legislativas a determinar novo governo, podem ser entendidas como avaliação das políticas locais ou autárquicas, neste momento a meios mandatos, não havendo, como se sabe, “política regional”. E analisando-se, no Algarve, os resultados de concelho a concelho deste 4 de outubro, cruzando-os com os resultados locais das legislativas de 2011 e os das autárquicas de 2013, da abstenção aos votos expressos, só quem não queira ver é que não encontrará motivos de reflexão. E no caso, aquele bicho que enterra a cabeça na areia, é o pior dos conselheiros. Partidos que obtiveram maiorias absolutas concelhias, sendo expectável que as mantivessem agora, mas as perderam, manda o bom senso que pensem a sério os seus futuros. E partidos que ganharam governanças locais identificadas com a linha maioritária no País, mas agora se viram ultrapassados por ventos contrários, também locais, manda a boa lógica que pensem a sério os seus passados. É que pior que enterrar a cabeça em areia, apesar de tudo firme se é molhada, é enterrar o corpo em areia movediça. Falo de política e de políticos. Falo dos que defendem a cidadania, a participação e a abertura à crítica de planos e projetos que implicam a sociedade ou as sociedades locais. Defendem isso, sim, mas apenas até à chegada ao poder. Depois esquecem-se, e tal esquecimento, num primeiro momento, vitima os seus próprios partidos, num segundo momento vitima os próprios esquecidos. Assim sendo, confiaria mais nas conclusões a extrair destas eleições de 4 de outubro, do que na força da propaganda futura, seja esta local em 2017, seja novamente geral, sabe Deus quando.

Carlos Albino
 _________________________
Flagrante engano: Bastante gente, muita e alguma influente, por aí disse à boca cheia que não iria votar, que iria abster-se por isto ou por aquilo. Nada disso: não votaram porque não podiam votar – não estão inscritos nos cadernos eleitorais de onde residem e trabalham. Não são abstencionistas, são desenraizados por opção.

SMS 634. Faro 2027, é quase começar do zero


1 outubro 2015

Ninguém desejará que Faro não venha a ser designada Capital Europeia da Cultura, mas terá que ter a humildade de reconhecer que tem que partir do zero. É verdade que tem algum património de valia, tem em excelente museu (obrigado, Dr.ª Dália Paulo!), mas sem livrarias, sem grande teatro, sem vida cultural de referência, com uma população genericamente desmotivada para tais fins, sem jornais próprios, sem centros de rádio e televisão que não sejam meras estâncias, e, nestas circunstâncias, com uma tradição mais hegemónica que agregadora, além da extrema dificuldade económica e financeira que explicará as lassidões e os males mas não todos, Faro terá 12 anos para recuperar muito tempo perdido mas também tempo mal administrado ou administrado longe do horizonte cultural, que é o que está em questão. Mas, convenhamos, partir do zero, por vezes é melhor.

Segundo uma ordem prevista para cada ano até 2033, cabe a Portugal e à Letónia, apresentarem candidaturas para “Capitais da Cultura”, em 2027. Pelos procedimentos estabelecidos, os programas das cidades designadas para o mesmo ano deverão ter alguma relação entre si e a decisão final em muito dependerá de um júri composto por sete altas individualidades independentes, especializadas no setor cultural (duas designadas pelo Parlamento Europeu, duas pelo Conselho, duas pela Comissão e uma pelo Comité das Regiões). O júri elabora um relatório que transmite posteriormente à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e ao Conselho.

Com dois anos de antecedência, Faro já divulgou que a sua candidatura que, como todas, deverá ter como base um projeto cultural de dimensão europeia e assente fundamentalmente na cooperação cultural, vai ser apresentada oficialmente daqui a dois anos (2017), devendo o resultado ser conhecido em 2019.

Pormenor importante, a União Europeia contribui financeiramente para a "Capital Europeia da Cultura". Até 2010, esse financiamento era de 1,5 milhões de euros por capital europeia, mas, desde então, passou a ser atribuído um prémio em vez de um subsídio. Este prémio, em honra de Melina Mercouri, é atribuído o mais tardar três meses antes do início da realização das iniciativas. Além disso, podem ainda subsidiar esta realização, os fundos estruturais (através dos acordos de parceria entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros) e os programas europeus como Erasmus+, Europa Criativa ou Europa para os Cidadãos. Este pormenor não é desprezível, desconhecendo-se, neste momento, se Faro tem concorrência nacional.

Só que, Faro, partindo do zero, tem que fazer muito até 2017, muito mais até 2019 e muitíssimo mais ainda até três meses antes de 2027, para ser deveras uma capital, além disso, europeia e, fórmula máxima, da cultura. E por mais acordos de parceria que surjam para obviar, não há cultura sem gente culta, como não a há deixando-se morrer à míngua a gente culta.

Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino

_________________________
Flagrante inquérito: Quais seriam os resultados caso se perguntasse em Faro e arredores, que cidades são neste 2015 capitais europeias da cultura? Possivelmente só os deputados a serem eleiotos no dia 4, responderiam certo: Mons (Bélgica) e  Plzeň (República Checa).

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

SMS 633. Os dados da questão


24 setembro 2015

Escusa de se agredirem com facas de cana na algibeira tal como o homem nu de Albufeira e não vale a pena ameaçar com um disparo como antigamente na lota de Faro. Indo à melhor fonte que é o Boletim Estatístico do Banco de Portugal, os dados da evolução da dívida pública portuguesa, são os seguintes:

  1. Em março de 2015, Portugal possuía uma dívida de 226,276 mil milhões de euros, representando uma taxa de 130.3% do PIB;
  2. Em 2011, esse valor situava-se em 175 mil milhões de euros, em 2012 em 195 mil milhões de euros e em 2013 em cerca de 205 mil milhões de euros;
  3. Se contabilizarmos o montante de 2012 e o de 2015 (início), o valor situa-se em cerca de 30 mil milhões de euros de aumento;
  4. Estes 30.000 milhões de euros são relativos a três anos, reportados desde o início de 2012 até  início de 2015. Aquele valor será ultrapassado com a evolução deste ano;
  5. Mais: não é difícil e será irrecusável constatar uma evolução de crescimento da dívida nestes recentes meses de 2015, provavelmente derivado ao doping político que os corredores ingerem sempre antes das corridas eleitorais e ao impacto de todas as medidas lançadas pelo Governo, incluindo medidas de emprego-formação; 
  6. Por último, diga-se que o Novo Banco poderá ter impactos significativos também na dívida - segundo o Jornal de Negócios já foram despendidos cerca de 17 milhões de euros só em consultadorias financeiras e jurídicas. Este caso é em tudo semelhante ao do BPN - é uma nacionalização, mas através de um Fundo Público, podendo configurar mais um caso de polícia, e ter o desfecho de uma venda tal como no desfecho do BPN, em que houve também uma separação dos ativos "tóxicos", mas não em dois bancos.
Portanto, como se dizia e bem em Quarteira, escusa mais paleio de feira.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante convicção: Quem se abstém de eleger um Governo perde a legitimidade para contestar o Governo eleito e só por oportunismo dirá que o apoia. O arco-íris tem todas as cores, incluindo a cor branca que é a sobreposição de todas as cores primárias (verde, azul e vermelho) e a coisa preta só por lapso é cor... 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

SMS 632. Como Toledo no século XVI

17 setembro 2015

Ocorreu-me, há dias, pensar na sorte de Toledo, antiga capital de Castela a par de Saragoça, capital de Aragão, resultando desta bicefalia a emergência de Valladolid como capital antes de Sevilha, até que Madrid capital ficou. Os de Toledo assistiram a esses saltos da corte espanhola e, conformados, aceitavam e diziam no século XVI que a sua cidade era “ um lugar com um passado ilustre, um próspero presente e um futuro incerto"...

Salvas as devidas proporções, o Algarve está nessas condições de um passado ilustre (embora tenha perdido 85 por cento da sua memória), um próspero presente (embora 65 por cento não esteja nas suas mãos, 20 por cento nas mãos de filipes e 15 por cento ao deus dará das disputas de hegemonias locais que se anulam).

O Algarve parece ter essa sorte traçada. Vê as cortes andarem de um lado para o outro, e conforma-se com o passado ilustre. Assiste ao despejo de números redondos e convence-se de que o presente é próspero. Mas do que fica do nomadismo das cortes e do despejo dos números, é rigorosamente um futuro incerto. Incerto para o Algarve como Algarve, do Algarve como cidade imensa que é mas que filipes, esquecidos, e gestores do acaso apenas vêem como somatório de aldeamentos, cada qual até se esgotar, valendo cada vez menos nas trocas sucessivas.

Neste cenário, do qual está ausente escrutínio sério, objetivo e rigoroso, mas entulhado de promessas, descrições de projetos ornados de linguagem técnica e sugestões políticas, de planos e siglas que apontam geralmente para um século de ouro, é evidente que cada vez mais há mais pobres, há mais precariedade, há mais alheamento da população, deixando porta aberta aos profissionais da caridade que assim cortejam o Estado onde o défice de Algarve é também cada vez mais notório, com os de Toledo igualmente cada vez mais conformados e com temor.

Tenho observado que todos são “algarvios” até ao momento em que tomam as rédeas do poder local exacerbado, e que o “bom político” é o que nesse localismo que não leva a lado nenhum consegue ainda assim pintar a manta. Claro que há exceções e até boas exceções. Mas a regra é a de Toledo: futuro incerto.

Substituiu-se a voz do Algarve pela voz da corte, e paradoxalmente nunca o centralismo foi tão forte, o que não é um mal em si, convenhamos, apenas é um mal quando se torna desdenhoso e implanta o pior do centralismo, imitando-o à escala.

Carlos Albino
_________________________
Flagrante acompanhamento: Para os chamados Incentivos do Estado aos Meios de Comunicação Social Regionais e Locais (prorrogado o  prazo das candidaturas sem que, publica e claramente, se indique até quando e para quando) foi nomeada uma “comissão de acompanhamento”. Para a indicação de representantes, não se discute os critérios da Associação Portuguesa de Imprensa, nem os da inclusão confessional da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã. Mas o que é estranho é que, pela Associação Portuguesa de Radiodifusão, para coisa do Algarve e para o Algarve, tenha sido designado um elemento da rádio Diana de Évora… Será que a Total FM, a Solar, a RUA, etc., alguma rádio algarvia, vai ser nomeada para o Alentejo?

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

SMS 631. Honoris causa

10 setembro 2015

É um dever, senão mesmo uma obrigação, dizer-se em voz alta que a Universidade do Algarve acaba de dar à Região com idêntico genitivo (do Algarve), um grande conforto, um enormíssimo estímulo e uma parcela de crença. Além disso, dá ao País um sinal – o sinal de que o Sul tem um pólo indelével, credível e esperançoso. Não é uma vitória sobre outros, é uma afirmação entre todos. E, no contexto do Algarve, intra muros, é uma mensagem – para autarquias com cultura regional, para empresas com raiz e não esses aglomerados adventícios, e para as entidades do Estado que por aqui dirigem ou delegam, infelizmente, por vezes, com presunçoso exaquatur de consulado.

E porquê? A Universidade do Algarve regista o maior aumento do número de candidatos 1.ª opção (+ 28% - de 724 em 2014 para 930 em 2015), indicador que acompanha o aumento do número de candidatos colocados, (aumento de 19% na 1ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, apresentando o crescimento mais elevado no conjunto das universidades portuguesas. Isto, quando alguns de fora da região ditavam à Universidade o agoiro da integração noutra instituição universitária, senão mesmo a dissolução, e quando alguns de dentro da região, lhe espetaram uma navalhada nas costas, por exemplo com o caso da negação das bolsas do programa “+ Superior”.

Escrever estas palavras, aqui, no Jornal do Algarve, é também, não digo um consolo, mas, além de um ato de coerência, é sentir-se que por vezes a memória ajuda à construção crítica do entendimento que se possa fazer sobre isso “de Algarve”. Foi aqui, neste jornal, que em 1968, o objetivo da Universidade foi lançado no exato sentido e alcance do termo. Contrariamente, alguns mas de peso, defendiam apenas um instituto politécnico, nunca uma Universidade. Este jornal insistiu, promoveu um inquérito ao ensino na região e a criação da universidade foi uma causa assumidamente sua, até que em 1979, já em plena democracia, o objetivo foi tardiamente conseguido, mas conseguido (mérito, reconheça-se, a José Vitorino e seus movimentos nas bancadas parlamentares).

Este passado, que já não move moinhos, só interessa para mais estas palavras: o mesmo argumentário de outrora por apenas um instituto politécnico em desfavor da universidade, foi do mesmo tipo de argumentário dos que hoje tentam anavalhar a universidade com os cálculos oportunistas da sua integração ou dissolução.  Só que, se outrora se poderia desculpar os da não-universidade, ou pela ingenuidade, ou pelo temor dos tentáculos da ditadura, hoje, o caso é outro – é perversão por impedimento de escrutínio, é incompetência própria dos que só vêem ao perto e não ao longe, e é rendição a objetivos não confessados mas seguramente contrários aos interesses gerais da região e ao seu bem-comum. Estes, se a Universidade do Algarve, hoje, em vez de crescimento tivesse registado afundamento, se em vez de mais procura tivesse havido repulsão, se em vez de ter ascendido ao primeiro lugar por entre as universidade portugueses tivesse ficado abaixo do instituto dos pepinos jurídicos do Freixoso de Cima, estes tais, já estariam aí, na praça, cheios de gáudio.

Mas não, a Universidade do Algarve, a nossa universidade é felizmente como se mostra e prova, honoris causa. Oxalá assim continue e que o Reitor António Branco e suas equipas (reitoral, conselho geral, etc…) prossigam na linha certa – a da excelência, da credibilidade, da probidade e da sabedoria (não tenhamos medo desta palavra, que só por esta palavra é se cativam alunos como eu…)

Carlos Albino
_________________________
Flagrante decisão coordenadora: A Fundação António Aleixo vai destinar uma quota de bolsas a estudantes do Concelho de Loulé com destino à Universidade do Algarve. Faz o que uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve devia ter feito.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

SMS 630. Uma carta recebida

3 setembro 2015

Caro Carlos Albino

O ano tem trezentos e cinquenta e seis dias, cinquenta e duas semanas. Semana após semana, leio as suas crónicas. Cinquenta e duas por ano. Leio-as porque as subscrevo numa percentagem de noventa e cinco por cento. Política, costumes, vivências, desesperos, esperanças. Ano após ano, o que se prevê acontece, quando acontece, então já toda a gente previu. Aposto que na próxima semana, você vai previr o que eu estou a prever. Mas, desta vez, peço-lhe que preveja sozinho, que eu sozinho prevejo também. Esqueça previsões, e faça como eu. Umas férias, e vá ao mar. Bem o merecemos.

Tome um calção, uma toalha e dirija-se para um areal amplo, como aquele que eu frequento. Agora que as praias começam a despovoar-se é altura de os locais falarem com as areias brancas. Em tempos você escreveu poesia? Pois fale com elas, as areias mais lindas do mundo. Fale com a água azul, a água quente do mês de Setembro. Fale com as aves que de madrugada pisaram a areia e lá deixaram as impressões digitais das patas em forma de mãos quase humanas. Milhares de pegadas de aves. E fale com as ondas mansas. Deixe-se ficar. Sem pensar em mais nada. Fale com os barcos que passam carregados de “marinheiros” por umas horas, coisa de ir ao final do Barlavento e voltar. Faça-lhes adeus, de forma pueril, que não faz mal. E mergulhe na água, e nade para longe, e venha para fora cuspindo água, para se deitar ao sol. Desfrute do sol do seu Sul. Você está no seu Sul.

Sim, todos sabemos que você pertence ao grupo daqueles que desfazem do novo conceito administrativo de um Sul, feito a régua e folha de Excel. Pertenço ao seu team. Essa nova concepção de Sul é uma extensão que em vez de unir duas regiões as põe em desconfiança e guerreia, porque se quer unificar o que por natureza e geologia, a Terra, nos deu distintas. Mas, durante esta semana, esqueça. Pense que está deitado numa praia virada a Sul, que fala com o coração da sua terra, sua e minha. Você porque nasceu nela, e eu porque a adoptei aos trinta anos. Durante uma semana, você pode fazer as pazes com a beleza do ar, da água, dos pássaros da nossa Terra ao Sul, e eu, seu leitor, também.

[Concordo e assino a rogo: Carlos Albino]
_________________________
Flagrante obediência: Tomei um calção, uma toalha e nadei para longe.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

SMS 629. Influência em Lisboa

27 agosto 2015

Em 1957, no seu primeiro número, o Jornal do Algarve arrancava com este título à cabeça da primeira página: “A influência da Província em Lisboa”, para deixar claro há 58 anos que “mais de setenta por cento dos habitantes de Lisboa são naturais de terras de província”, além de que provincianos eram os comandos políticos de então, das secções, divisões e departamentos de ministérios à chefia do governo. Nesses tempos, sem o escrutínio parlamentar que hoje está disponível e sem a liberdade de expressão e opinião que hoje pelo menos em teoria é regra, os “provincianos” influenciavam a bem dos seus interesses e das suas terras ou regiões de origem, o mais possível e por todos os meios, designadamente os ilegítimos e até os perversos. Era a estrada, era o edifício, era a escola, era a facilidade para fábrica, fosse o que fosse, cada provinciano puxava para si e para a sua terra o mais possível, e tanto mais possível quanto maior era a simpatia captada ou raptada do ditador.

Pensou muita gente que, com a democracia, com o livre escrutínio dos atos e decisões públicas, e sobretudo com o sistema de eleição dos representantes, a defesa da província não ficaria entregue ao arbítrio dos provincianos instalados em Lisboa, ou ao dos seus cônsules destacados para, supostamente, imporem a ordem, a competência, a civilidade e a civilização nesses territórios bárbaros. Ou seja, que a província seria gerida pelos próprios provincianos competentes, civilizados e ordenados; que a luta perversa e clandestina entre os lóbis provincianos de há meio-século seria substituída pela representação parlamentar em coerência com a definição dos círculos eleitorais; e que os benefícios para as províncias não dependeriam em nada das influências em Lisboa, mas sim da forma e dos procedimentos responsáveis das províncias como províncias e não como bantustões. Vê-se que assim não aconteceu.

Eram províncias, mas injetou-se o conceito de regiões e, hoje, não se sabe onde há região na província e onde há província na região, até porque o conceito de região, no ponto de vista de política administrativa, foi chumbado em referendo perverso. Além disso, o municipalismo foi estimulado, até por via legislativa, para entrar pelos caminhos do localismo exacerbado e de autonomia em muitos casos irreal, enquanto que a organismos governamentais e a quase tudo que não seja mais que secções de expediente do poder central se dá a designação “da região”. Para mais, os tais representantes de círculo, ou são já de si filtrações dos aparelhos partidários ou, pior ainda, apuramento de pára-quedistas de conveniência da política partidária – os primeiros, de longe, ainda terão alguma coisa a ver com a “região”, os segundos, esses é que nada têm a ver com a província. E voltamos paradoxalmente à pecha de há 58 anos – quem manda na província é um cônsul de Lisboa (modo de dizer) e quem representa a região em Lisboa é mais patrício do aparelho que da província.

Vendo bem o mapa, mapa político, claro, o Algarve é o que sai e está mais prejudicado. Primeiro, porque é a província mais miscigenada do País, perdendo a memória de si própria; segundo, é a região mais tolerante, aberta e também permissiva à entrada de cavalos de tróia; terceiro, é uma não-região e cada vez menos província que, defraudada com as impotências dos D. Sebastiões, e à falta de verdadeira dinastia eleitoral e sufragada, rende-se facilmente perante qualquer Filipe tratando-o por Algarvio. Ah! Sim! Também há umas duquesas de Mântua, tratadas por Algarvias.

Carlos Albino
_________________________
Flagrantes felicitações: A III Feira da Dieta Mediterrânica, em Tavira (4, 5 e 6 de setembro), parece que promete. Poderia e deveria comprometer institucionalmente os 16 concelhos do Algarve, tal como, também instiotucionalmente, os restantes seis Estados parceiros (além de Portugal que foi o último, como sempre, Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Itália e Marrocos). Além disso, mais uma vez o Cante Alentejano, aí, é como beber leite com sardinha assada. Todavia, felicitações. Mas programar-se em Faro (4 e 5) outro festival a coincidir com o de Tavira, é um disparate e uma falta de “coordenação regional”. É uma descoordenação provinciana. Se fosse em Paderne, ainda se desculparia.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SMS 628. Os sites do poder local

20 agosto 2015

No Algarve, todos os municípios têm os seus sites e assim acontece com a maior parte das autarquias inferiores a concelho. Percorrendo tais sites, verifica-se que, na generalidade, os sites dos municípios são praticamente sites “das câmaras” e que os sites das freguesias não passam de sites das juntas. O curioso é que, também na generalidade, os presidentes de câmaras e de juntas, nas suas solenes mensagens muito ao estilo de sermão redigido para o Cachopo mas pregado na Sé de Faro, justificam os sites porque estamos na era da informação, dos novos meios tecnológicos, e, claro, na era da “aproximação dos políticos” aos cidadãos, como se os políticos não fossem cidadãos que devem antes de tudo aproximar-se de si próprios, e os cidadãos não fossem políticos mesmo que percam a consciência de cidadãos. Mas, enfim, este é apenas um pormenor de personalidade e de carácter de uns e doutros, muito embora a coisa comece cá em baixo e acabe lá em cima, como nas árvores dos frutos secos.

O que está em causa? Apenas isto: quer municípios quer autarquias inferiores a concelhos têm dois órgãos – à cabeça, as assembleias que são os órgãos deliberativos e fiscalizadores, e depois (só depois, protocolar e politicamente) as câmaras e juntas que são os órgãos executivos. Nos sites, a coisa parece ser inversa: as assembleias, na maior parte dos mostruários, surgem como que um departamento da câmara, uma espécie de gabinete de apoio do executivo, algo como que uma divisão da mesma categoria da do saneamento básico, ou até mesmo como que uma secção que foi outrora empresa municipal mas já extinta. A começar pelo nome, de modo geral os sites apresentam-se como sendo desta ou daquela câmara, desta ou daquela junta, e não do Município X ou da Freguesia Y.

Qual informação e quais recursos tecnológicos? As convocatórias das assembleias estão nos confins, além dos papéis colados “nos lugares do costume” mas que ninguém lê porque as aldeias deixaram de ser aldeias e não se resumem ao largo do fim de missa, e porque nos municípios, o placar municipal é uma bolha no meio dos placares das agências funerárias, anúncios dos touros de Albufeira, e papelada da histeria de eventos dos quais, eventualmente, apenas um será acontecimento.

Na prática, que é o que interessa pelos efeitos que provoca na “ideia geral”, retirou-se a dignidade de órgão autárquico N.º 1, deliberativo e fiscalizador, como é a Assembleia seja de município ou de freguesia, apresentando-o como mero apêndice da câmara ou junta… E, embora não haja tal intenção, apresenta-se a câmara ou a junta, órgãos executivos que executam depois da deliberação e que podem deixar de executar se a fiscalização da assembleia rumar para esse cenário, como se a câmara ou a junta não fossem de uma autarquia mas sim de uma autocracia.

Não se venha com esse argumento de que “a coisa foi encomendada a uma competente empresa de comunicação”, como se fosse legítima tal delegação de competências para o analfabetismo organizado, e como se isto de sites autárquicos fosse… mais um evento.

Carlos Albino
_________________________________________
Flagrante artimanha: Estas inaugurações de estradas, de escolas e de obras acabadas à pressa depois de paradas há um ror de tempo, assim a mês e picos das eleições, é um excelente elemento para avaliação do quociente político de quem inaugura e justifica a inauguração. Nem há consciência de que uma artimanha nunca se inaugura…

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

SMS 627. Petróleo de quem e para quê?

13 agosto 2015

Há duas petições relativas a essa questão do petróleo, questão no mínimo esquisita e estranhamente silenciada, envolvendo interesses de larga escala, ou não se trate de petróleo e gás natural. As petições são dirigidas à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, não sei o que darão e duvido que dêem. Mas como isto ainda não é a Guiné Equatorial, embora já pareça, impõe-se que, lendo os textos das petições, nos interroguemos, e para as perguntas não ficarem no ar, haja respostas.

1 - A prospecção e pesquisa tem sido realizada sem qualquer tipo de avaliação ambiental, que seja do conhecimento público, e todo o processo tem sido conduzido de forma que não se afigura transparente? É verdade. Não há avaliação ambiental que se conheça nem o processo tem sido transparente. Como se Faro fosse Conakri.

2 – É de ver com muita apreensão o futuro do Algarve tendo em conta os possíveis impactos que uma medida destas pode ter numa região com uma elevada dependência do turismo e do mar, com uma elevadíssima biodiversidade, sendo mais de 35% do seu território protegido por convenções e legislação da União Europeia e de Portugal? Com muita apreensão mesmo. Mesmo que o futuro da região esteja entregue a um Obiang de trazer por casa.

3 – Haverá impactos nocivos resultantes de um aumento da intensidade e frequência da actividade sísmica numa região onde não se pode ignorar o elevado risco sísmico e a possibilidade de ser atingida por um tsunami? É muito possível que no Algarve já se estude menos história que na Guiné Equatorial, mas as tragédias sísmicas do passado na Região são advertências de um Deus que não é espanhol.

4 - E um possível acidente tanto na fase de prospecção, como na fase de exploração ou no transporte de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), não originará graves problemas ambientais e sociais, com as perdas de recursos que um derrame acidental de petróleo e/ou gás traria para as actividades dependentes do mar? Um simples barco partido no mar da Galiza ensina isso…

5 – Os projetos de prospeção e exploração de petróleo e gás natural não correspondem já a um modelo energético ultrapassado, que agrava as alterações climáticas e enfrenta cada vez mais soluções alternativas? Claro que sim, por isso a OPEP ficou reduzida a um barril que não vale um xisto dos EUA. A Venezuela e Angola que digam se a pirataria aproveita a alguém.

6 – Este projeto, além de nada transparente e muito submarino, será defensável num ponto de vista económico, já que as contrapartidas financeiras para o Estado Português são ostensivamente irrisórias e nulas para a Região Algarvia? Sim, é verdade – contrapartidas irrisórias para o Estado, nulas para a Região, embora os intermediários (bastantes) tirem partido - os Francis Drakes chegam sempre disfarçados. Apenas os reconhecemos depois da pilhagem, como se diz correntemente na Guiné Equatorial.

Carlos Albino_________________________________________
Flagrante problema: A questão não é de os presidentes de câmara engolirem um garfo a meio do mandato; o problema é quando os subalternos sortudos querem provar que têm valor, engolindo uma colher e uma faca... E assim desaparece o que poderia ser um grande talher político. Mais não digo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

SMS 626. O senhor Simões

6 agosto 2015

Primeiro foi o senhor Pátio que encerrou, toda a gente já esquecida, também porque não se lembrou a tempo e pouco fez para viabilizar a memória. Um livreco vendido ao dia, era uma sorte, numa cidade com elite tão extensa e autoconvencida, enfim a nobreza de hoje, e não será o clero e o povo a substituir a nobreza. Agora a loja do senhor Simões, dos livros antigos aos recentes, já que as editoras parece tudo fazerem para que um livro do ano passado, por melhor que seja e com prova, seja antigo, ou seja “fora do mercado.

Naturalmente que me choca a lassidão (lassidão é a palavra) da Câmara Municipal de Faro. Só que uma livraria, um alfarrabista, ou uma simples banca de livros, não se aguenta sem… vender livros. E não se vende livros se ninguém quiser ser leitor. Por aquilo que falei com responsáveis, das centenas de professores (do universitário ao básico), engenheiros, arquitetos, advogados e demais gente curricularmente culta , apenas um ou outro entrava no Pátio para comprar, como um ou outro recorria ao Simões para se ilustrar. Não dava para a caixa e fecharam.

É claro que algum problema existe e certamente por ausência de política cultural supletiva da Câmara (e não só), mas fundamentalmente é um problema da Sociedade. Mas também da câmara, das câmaras onde “a última livraria” fecha, pois quando uma cidade fica sem qualquer Livraria (letra grande), é como uma freguesia ficar sem farmácia ou uma região inteira ficar sem água nas torneiras.

Mas quando uma Sociedade gera no dia a dia um problema destes, também é um problema de política, de Política Cultural e de Comunicação Cultural, as duas coisas. Na verdade, temos uma política de salamaleques e também uma sociedade de salamaleques, com importâncias a acorrer à Importância em filas de elites pífias nos atos de fingimento cultural, ou, se não são pífias e o ato não é fingimento, são “sempre os mesmos”.

E então, o que interessa discutir no Lethes política cultural, na mesmíssima situação do tal casal de bombeiros que dorme no 2.º andar com o 1.º andar em chamas? Uma câmara lassa, aliás, faz parte da sociedade lassa, e disso, a instituição e a sua base não se livram pelas regras da lassidão. Sim, a lassidão tem regras, as tais regras pelas quais vamos desta para melhor.

Enquanto isto, há que ajudar o senhor Simões.

Carlos Albino
_________________________________________
Flagrante sinal: Vamos ter 60 dias de reflexão eleitoral, em silêncio, como nem a lei prevê.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

SMS 625. CCDR: de “autarquia” a autocracia?

30 julho 2015

Posso estar enganado, mas essa questão das bolsas de mobilidade parece ser uma grande trapalhada. E caso assim seja, aumenta o receio de que a CCDR, que já mais parece uma difusa “autarquia regional”, se vá transformando numa autocracia igualmente difusa. O que é mau, quer para o conjunto das autarquias deveras, quer para os aspirantes a autocratas, seja qual for a espécie de governo que lhes dê chapéu, seja qual for o chapéu com que defendam a calvície do poder central. Mas, como disse, posso estar enganado.

O caso é este, pelo que subiu ao noticiário quotidiano: para o programa “+ Superior” que visa a concessão de 1020 bolsas com o valor de 1500 euros anuais a estudantes que se inscrevam em instituições localizadas fora dos grandes centros, a Universidade do Algarve foi, pelo segundo ano consecutivo, excluída. De entre 14 universidades e politécnicos, a Universidade de Trás-os-Montes é a instituição com mais bolsas atribuídas, e a região Centro concentra os benefícios distribuídos pelas universidades da Beira Interior, Évora e Vila Real, e pelos politécnicos de Beja, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Portalegre, Santarém, Tomar, Viana do Castelo, Viseu, Oliveira do Hospital e Coimbra. O Algarve de fora e postergado, com uma seta cravada no coração da sua bela e prestigiada universidade.

Sabendo-se que entre as universidades e politécnicos há uma guerra surda para captação de alunos, e com isto, luta pela sobrevivência, à primeira vista pensou-se que era mais um ato hostil ou de displicência do Ministério da Educação contra esse inútil rincão nacional que se chama por acaso Algarve. Mas não. Ao que se sabe, o Ministério, depois de sublinhar que a CCDR é “autarquia” no assunto, apressou-se a esclarecer: “a CCDR do Algarve optou por não mobilizar essa prioridade de investimento no seu programa regional, alegando que tinha necessidade de concentração dos recursos nos maiores constrangimentos da região e que a mesma não se encontra em perda demográfica”.

Estou em crer que todos os que sentem e vivem o Algarve como o seu chão, registaram com lhaneza e tolerância a notória evolução do pensamento de David Santos, presidente da CCDR do rincão postergado, porquanto em 2014, afirmou dar prioridade “às pessoas e às empresas” e neste ano de 2015, no seu mais recente pronunciamento seletivo, já não falou em pessoas mas apenas em empresas como se estas não fossem constituídas por pessoas, não dependessem de pessoas, mais, da qualidade e do enraizamento das pessoas.

A CCRD ouviu alguém? Ouviu a universidade, principal interessada? Ouviu as autarquias deveras? Promoveu alguma auscultação?

Se não o fez e transmitiu ao Ministério algo que o Ministério sacudiu do capote, então, é lícito que haja receios de que a CCDR, como quem não quer a coisa, se sinta já a navegar nas águas da autocracia, porque a procissão ainda vai no adro.

E se assim for, é mau. Pela boca morre o peixe.

Carlos Albino
_______________
Flagrante deferência: Afirmou António Eusébio que Miguel Freitas “é um quadro valioso do PS, que pode ser encaixado noutros desafios maiores que ser deputado”. Não há qualquer problema em indagar se alguns nomes de candidatos a deputado não poderiam ser “encaixados” em desafios menores, o problema é o uso do verbo “encaixar”…