quinta-feira, 26 de maio de 2016

SMS 668. Petróleo? Agora fia mais fino

26 maio 2016

Thomas Friedman é o autor do polémico livro O Mundo é Plano, título que só por si constitui um programa  pró globalização. Uma vez lido, faz muita gente ficar com os cabelos em pé pela forma épica como o autor, em 2006, achatava a Terra à medida de uma tigelada. Na verdade, estes dez anos vieram encarregar-se de demonstrar que o seu triunfalismo militante não correspondia à aurora dourada que previa estar a caminho. Mas o importante é que nem tudo o que escrevia está fora da calha, e muito do que diz, sobretudo nas crónicas do The New York Times, tocam a realidade dos factos. E se me lembro do seu nome, neste momento, é porque foi sua a afirmação de que se se queria descobrir os caminhos do crime dever-se-ia seguir os rastros do petróleo.

A propósito da tentativa de extracção de petróleo e gás natural no Algarve, eu não vou tão longe. Não vou dizer que, no rasto deste propósito, se está a descobrir o fio de um crime, mas que se está no rasto de um acto de sedição, isso parece óbvio que sim. Bastaria ter assistido ao último debate de Prós & Contras para se perceber que na falta de clareza, contradições, sobreposição de funções, omissões e prepotência dita científica, está em marcha uma sublevação branca da ordem pública. Uma sublevação pacata, manhosa, feita com as delongas de quem sabe esperar, e as poucas palavras de quem há muito sabe que pela boca morre o peixe. Aquilo a que se assistiu, da parte da bancada dos prós-produção, foi tudo isso, e em certos momentos quase se esteve a dar plena razão à apreciação de Thomas Freidman.

Deixando, no entanto, o caso do fracking de lado -  a jornalista não deixou de dar a palavra em abundância, a quem o pôde descrever -  este confronto,  que resulta de uma acção lamentável,  que infringe todos os limites da cidadania, no entanto apresenta um lado muito positivo.  O Algarve acordou em peso para a indiferença com que tratam a região, para o desprezo e a prepotência com que se age sobre os algarvios e os outros seus residentes. E nós, apodados de moles, desunidos, indiferentes e egoístas, eis que de repente mostramos uma faceta contrária. Duros, unidos, altruístas, e com vontade firme de derrubar uma estratégia, que se não é criminosa nas intenções, acabará por constituir um crime económico, social e ecológico, se acaso for adiante. Vítor Neto de sábio dedo estendido, avisou – “Isto não acontecerá”.

Assim esperamos, pois o que nos leva à revolta e ao movimento, neste acaso, não é a mudança ridícula de Algarve para Allgarve. Agora fia mais fino, e o motivo escreve-se com outras letras porque elas servem para manter intacto o nosso chão.

Carlos Albino
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Flagrantes vozes do Algarve: Muito bem, Jorge Botelho; muito bem, José Amarelinho; muito bem, Vítor Aleixo.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

SMS 667. Áreas de fábrica da inteligência

19 maio 2016

Estive para colocar no título “Bibliotecas Públicas, lugares de cura”, desisti que cheirava a centro de saúde. Depois redigi “Bibliotecas Públicas, para a primeira, segunda, terceira e todas as idades”, ficou de lado – era extenso e uma misturada. A seguir, surgiu-me “Proibido brincar às Bibliotecas Públicas”, ficou de lado por poder ser acintoso e injusto para quem não brinca. Ainda fui tentado para mais uns seis ou sete títulos corrosivos mas cada um poderia sugerir que é geral, aquilo que deveras é local e excecional. Optei por “Áreas de fábrica da inteligência” e, com isto, relevar que, ao lado das autarquias e das escolas, as bibliotecas públicas tanto podem ser um degrau próximo dos pés de cada um para o futuro, como meros cemitérios de livros geridos por cangalheiros da cultura ou por acompanhantes da defunta eventualmente com muitos “eventos” mas tudo espremido, R.I.P.. Assim mesmo. E entremos, mais uma vez, na questão, e não será a última.

As bibliotecas públicas, como é sabido, formam uma rede no País, um projeto iniciado em 1987, promovido pelo Ministério da Cultura, através da Direcção de Serviços de Bibliotecas do Instituto Português do Livro, e visando parcerias com os municípios. A construção desta rede que envolve 261 dos 308 concelhos do País foi sem dúvida o mais importante passo dado até hoje em matéria de política cultural. Os objetivos gerais são cativantes – animação cultural com promoção da inclusão social e da cidadania, gosto pela leitura e conhecimento do mundo, igualdade de acesso à informação e ao conhecimento, acesso a fontes de informação externas às próprias bibliotecas. Mas, na prática, o êxito destas depende de cada responsável ou diretor, da sua criatividade, nível cultural, competência e sageza. E com a importância decisiva das Tecnologias da Informação e da Comunicação, com um desenvolvimento impensável em 1987, se o responsável não for criativo e competente, a biblioteca falhará no seu objetivo de ser uma fábrica de inteligência. Basta lembrar que há bem pouco tempo, quando se queria ler um livro, era suficiente “ir à biblioteca”. Hoje, estamos perto de que caibam num portátil todos os livros produzidos na história da humanidade (estimativas entre os 42 e 130 milhões) e não tardará que caibam num telemóvel. A Wikipédia, o Google, as versões digitais da Amazon colocam já, com um clique, informações e livros à frente dos olhos. As bibliotecas como meros depósitos de livros e lugares de culto para vaidades pessoais, estão condenadas, não sobreviverão.

Então, qual o futuro das bibliotecas em que o País e autarquias tanto investiram? O futuro é o de serem, cada vez mais, lugares de reflexão, de discussão de ideias, de exploração intelectual. Em suma, fábricas de inteligência.

A primeira e gigantesca biblioteca conhecida no mundo foi, como se sabe, a Biblioteca de Alexandria. Além de livros, ela tinha jardins, nela havia concertos e exposições de arte, e sobretudo discutia-se. Na expressão de um contemporâneo milenar dessa biblioteca matriz, “era um lugar para curar a alma”. Hoje as bibliotecas devem retomar essa fórmula inicial. E assim muito rapidamente, no que toca ao Algarve, há por aí bibliotecas que só estragam a alma, razão porque voltaremos ao assunto.

Carlos Albino
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Flagrante biombo: Em matéria de subsídios designadamente com marca d’água da Europa, a transparência de uma instituição pública local ou regional, começa por informar, com rigor e atempadamente, quanto se dá, a quem se dá, com que condições se dá, quem avalia e quando se avalia… Foi pela arte de fazer pela calada, que Caim matou Abel.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

SMS 666. Dois apelos irrevogáveis de Dália Paulo

12 maio 2016

Dois textos por acaso me chegaram aos olhos, entre o muito que o online efemeramente nos proporciona. Dois textos de Dália Paulo. Um, sobre a premência de um Observatório Cultural, abrangente; outro, sobre o financiamento por via do IRS, de associações, fundações e cooperativas de interesse cultural e com atividade cultural. Relativamente ao observatório, lembra Dália Paulo a boa experiência anterior colhida com o Observatório das Atividades Culturais, criado em 1996 e extinto ingloriamente em 2013 pela lógica de demolição que passou por algumas cabecinhas. Quanto à reversão agora possível do IRS para entidades culturais, Dália Paulo insiste na necessidade de divulgação da medida, observando com justeza que não se trata tanto de uma desresponsabilização do Estado no apoio à Cultura sendo mais um comprometimento dos contribuintes com a mesma cultura. São dois apelos irrevogáveis, usando alguma ironia.

Sobre o Observatório Cultural, além de envolver minimamente, por hipótese, o Ministério da Cultura, o Instituto de Nacional de Estatística, uma estrutura universitária competente e uma equipa de projeto, é uma necessidade premente num país onde o voluntarismo, a improvisação e os lóbis atropelam o essencial e fazem esquecer o fundamental.

Quanto ao financiamento das entidades culturais por via do IRS, há que acrescentar que esse é um dos bons caminhos no combate que está por fazer à subsídio-dependência que, como regra, prática e conveniência, eterniza tantas associações sem associativismo, fundações que nada fundam e cooperativas que nada cooperam. Os subsídios justificam-se e são defensáveis quando se faz o que o Estado não pode ou não quer fazer, mas quando o subsídio cultural se transforma em doença social ou se converte em mero salário de prestígio social para os dependentes, aí a porca torce o rabo. Digamos que a canalização voluntária dos contribuintes de uma percentagem dos impostos para associações, fundações e cooperativas culturais, até é, de certa forma, a irrefutável prova de vida destas e prova de como são aceites e reconhecidas pela sociedade. Mas Dália Paulo tem razão ao reclamar que a medida e seus benefícios tem que ser divulgada. Divulgada pelas associações culturais nas suas áreas de influência, e também pelas entidades públicas (estatais e autárquicas), o que não tem acontecido.

Carlos Albino
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Flagrante insulto: No fundo, ao chamar os algarvios de índios e ao raciocinar que com o petróleo deixariam de ser índios (foi isso que deveras pretendeu dizer, julgando falar para parolos), o ex-ministro Moreira da Silva modificou plasticamente a proeminência dos ossos temporais, e autodecorou-se com a espessura dos lábios, a indigência da barba, os cantos dos olhos convergindo para o nariz chato, o amplo horizonte do nariz com uma argola pendurada no ambiente carnudo, umas penas amarelas na penteadura, e um colar de dentes ao pescoço colecionados uns 15 dias antes das eleições. Uma figura, assim, insulta qualquer índio a sério que um algarvio encontre a oito quilómetros da costa ou dançando sobre xisto.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

SMS 665. A “mexicanização” da política local

5 maio 2016

Em consciência, tenho que o dizer: há fortes sinais, aqui e ali no Algarve, da “mexicanização” da política local pelo que a haver nos próximos tempos alguma política regional se a regionalização avançar, da mesma mexicanização não nos livraremos. Que me desculpem os mexicanos, mas não há palavra diferente de mexicanização para caracterizar uma democracia faz de conta e em que todos os meios se justificam para manter o poder ou ganhar mais poder, numa sábia administração da legalidade com ocultação da ética e numa sábia gestão da ética com ocultação da legalidade. Ou seja, o poder pessoal a tender para o poder arbitrário, com exercício discreto do favorecimento. E a coisa exige naturalmente sabedoria, sobretudo a que leva à procura obsessiva de instrumentos de legitimação pública e de credibilização moral de atuações que contendem com a moral política e que sem colocarem em crise a legalidade fragilizam a legitimidade. Para tal forçada credibilização, a Cultura, os criadores e agentes culturais servem às mil maravilhas.

Numa região com grave problema de comunicação, com baixíssimo índice de leitura (está na cauda do País), forte infoexclusão, e com o acesso à informação de proximidade confinado a uma estreita e elitizada faixa da população além de que a mesma informação é diminuta e tardia, a referida mexicanização da política e dos políticos germina como morangos. E se a plantação desta política se amplia e se os seus frutos apetitosos se multiplicam, é inútil falar-se dos valores da Política, da representação e da participação, do escrutínio e do confronto de ideias para o bem comum. A mexicanização do poder que, por definição, leva à formação de um bloco político que, pela eliminação ou neutralização dos adversários, humilhação da crítica e estigmatização do voto, se transforma em única alternativa do mesmo poder, é a negação do que temos entendido como sendo a Democracia. A nível de Estado, por enquanto, tais sinais de mexicanização são obviamente um escândalo; a nível local, os sinais começam por ser despercebidos, vão definindo pouco a pouco as burocracias montadas e quando menos se espera no lugar do homem ou mulher eleita surge a figura do déspota e seus acólitos de carreira. Já temos experiência disto em Portugal.

Creio que o Algarve está entorpecido por esses sinais de doença política que não mora em exclusivo num dado partido, mas é transversal. Todos têm disso. E se me perguntarem qual é o grande inimigo da região, eis a resposta que em consciência dou: É a manha. A mexicanização tem a manha como ponto de partida, manha essa que tardiamente em Lisboa é identificada mas sem consequências – o manhoso já subiu.

Carlos Albino
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Flagrante lógica: Estás na oposição? Então deves defender a regionalização. É um incómodo que acabará quando chegares ao poder.