quinta-feira, 27 de março de 2008

SMS 255. Autoridades cheias de vento

27 Março 2008

O título deste apontamento, que também só poderia ficar pelo título se fosse entendido à primeira vista, resume a perplexidade e a impotência dos cidadãos que assistem, dia a dia, anos a fio, à forma como funcionários autárquicos se julgam imunes à lei e impunes às infracções. Entre outros de vária ordem (desde o atendimento à prestação de serviços) damos um exemplo que denota a mentalidade: um pouco por todo o lado estacionam as suas viaturas privadas em locais interditos para esse fim, colocam no vidro dianteiro o cartão autárquico, desafiando polícia de giro ou guardas de ronda, e desafiando de tal modo que chegam a discutir em directo com comandantes de posto desautorizando polícias e guardas, como se tais funcionários infractores fossem autoridades acima das autoridades. Já me certifiquei dessas situações que são de pasmar, tratando-se afinal de autoridades cheias de vento.

Compete aos presidentes de câmara e às próprias câmaras, é claro, cortar cerce os abusos destes funcionários que logo à partida põem em crise os códigos de conduta que, presumo, juram cumprir no contrato de função pública. Tais actos de excepção sediciosa contra regulamentos gerais ou locais, a serem tolerados, põem em cause, num primeiro passo, as autoridades de vigilância e num passo seguinte a própria autoridade política.

Mas se o caso fosse apenas o do estacionamento de viaturas, tudo ficaria resumido a essa afirmação espúria de território, que, como se sabe, faz parte dos instintos primários. Só que o caso não fica por aí, chega à própria relação com o cidadão que muitas vezes fica sem palavra, ou pela vizinhança com o infractor (no Algarve, todos os mundos são pequenos…), ou, mais grave, pelo receio de represálias que para serem eficazes são discretas (no Algarve, chama-se a isto navalhada nas costas).

Ora, muita gente teme a regionalização precisamente por admitir, por essa via, a multiplicação das autoridades cheias de vento, dada a experiência já colhida nas autarquias onde o poder político manifesta lassidão e permissividade – em parte porque porção de tais funcionários até formam ou condicionam a clientela eleitoral, pelo que se julgam, também eles, investidos de maiorias, sendo pior nos casos das maiorias serem absolutas.

Há que pôr travão nisto. Aliás, os presidentes de câmaras têm a obrigação de pôr travão nisto.

Carlos Albino

Flagrante Positivo & Negativo: Positivo - o relançamento do Festival Internacional de Música do Algarve. Negativo – a teimosia em designar-se por Allgarve um programa de animação que até é aceitável para Colónia de férias.

quinta-feira, 20 de março de 2008

SMS 254. Sete pequenos desabafos

20 Março 2008

  1. À falta de melhor, leio diariamente El Mundo e El País, para ficar a saber dos dois lados. E sobretudo, pelo que vou lendo da Andaluzia, vou também sabendo do que não se diz nem possivelmente se poderá dizer do Algarve.

  2. Muito divertida a crescente institucionalização do provincianismo no Algarve, com alguns políticos a fazerem do Algarve o seu quintal. Pelo menos, na Andaluzia não há disto.

  3. Todavia, muito mais divertida é esta história da atrasadíssima requalificação da Estrada N.º 125 quando já se devia era estar a pensar na requalificação da Via do Infante…

  4. Metaforicamente, o conceito de complexo de Édipo, é visto como amor à mãe e ódio ao pai, até porque o mundo infantil resume-se a essas figuras parentais ou aos seus representantes. Também há o complexo de Electra, para o outro género. Para alguns dos nossos provincianos e complexados protagonistas, esses dois conceitos têm uma nova e única designação: portagens.

  5. Perante o mapa dos postos de comando do Algarve, que à evidência contraditam qualquer agenda para a regionalização, sem dúvida há que concluir que o Algarve não passa de uma colónia de férias e oportunidades. Aqui, o rei não vai nu, anda em férias. Não falemos das cunhas.

  6. É deveras uma cena medieval quando se vê um delegado popular, um representante pelo voto, um deputado eleito em sufrágio transformar-se em arauto do poder, montado em seu corcel.

  7. Ainda bem que o Vaticano esclareceu – aquilo que foi anunciado como sendo os novos pecados do século XXI, afinal não são pecados e muito menos mortais. Se fossem, 99% de arautos e 83% dos provincianos não se livrariam do inferno; a 125, mesmo requalificada, seria uma mera estrada dos diabos, e a Via do Infante seria mera ligação entre inferno e purgatório com portagens, porque já não passa disso mesmo sem elas.

Carlos Albino


Flagrante decisão: Numa clara imitação de práticas presidenciais, de governos e agora do governo civil de Faro, vamos promover as «SMS abertas».

quinta-feira, 13 de março de 2008

SMS 253. A técnica do erro

13 Março 2008

Ninguém se livra de fazer erros ou cometer erros, voluntária ou involuntariamente. O ser humano, por natureza, é uma máquina de fazer erros, mas o que o faz elevar-se dessa natureza, é precisamente tomar consciência do erro e analisar as causas que estiveram na base da decisão errada. E então quando se tem poder e uma decisão errada afecta os cidadãos que delegaram esse poder, essa responsabilidade de análise do erro torna-se em dever de quem erra – dever público, e em direito de quem delega o poder – direito a que, nas sociedades democráticas e sem os tiques do autoritarismo, se chama escrutínio no interesse público. Infelizmente, entre nós, acontece o contrário – teme-se o escrutínio, diaboliza-se o escrutínio.

Ora, desde governantes a chefes políticos do beija-mão ou da contra-mão, passando pela enorme fila de líderes que por aí há – eles são líderes partidários, líderes de balneário, líderes empresariais, líderes associativos, líderes de pacotilha, líderes de gangs, líderes religiosos, líderes da noite, líderes locais, sei lá!, até há quem me diga que já há líderes de opinião! – toda esta gente é levada a julgar que os parentes caiem na lama, ou que ficam diminuídos no poder, se reconhecerem o erro que sabem ter cometido na decisão. Toda essa gente até fomentou – com êxito, diga-se - uma espécie de cultura de imunidade no erro, como se líder fosse apenas aquele que nunca dá o braço a torcer. Por isso, não se dão ao trabalho de verificar se há equívocos na teoria utilizada, se quem aconselha não usa raciocínio errado e com água no bico, se os dados usados não estão errados ou não foram recolhidos com pressupostos errados, pelo que não admitem quando erram e instalam a patética regra do Eu tenho poder, estou aberto a todas as críticas, mas não estou errado. Que patética abertura!

Parafraseando aquela conhecida sabedoria chinesa, é caso para se dizer que quando se aponta para o erro, o idiota olha para o dedo.

Vem isto a propósito de educação, saúde, analfabetismo iluminado, segurança, regionalização, provincianismo autárquico, e, enfim, vem a propósito de muita governança que se mantém à custa das sabidas clientelas que, essas sim, conhecem as técnicas do erro melhor que os seus líderes, e tantos são estes que inviabilizam a formação de um escol que é aquilo de que o Algarve mais precisa. Sim senhor, precisa de escol, escol que não há. E não há porque os líderes que nunca erram e as clientelas que dominam a técnica do erro, inviabilizam esse escol, vendo nele o inimigo público.

Carlos Albino

Flagrante insistência: Nos postos de comando do Algarve, devem estar por princípio algarvios. Há limites até para os empregos políticos e aquele «sentir-se algarvio» não basta, pelo menos enquanto cheira a desculpa de funções.

quinta-feira, 6 de março de 2008

SMS 252. Mau serviço cívico

06 Março 2008

Li agora afirmações de Miguel Freitas (na revista Algarve Mais) sobre o movimento cívico Regiões Sim e noto também agora o grande reboliço noutro movimento cívico que se intula Não Apagem a Memória mas que começa logo como se chamasse Liquidem a Inteligência Rapidamente. Afirmações do líder regional do PS e reboliço, têm um traço comum.

Peguemos no que está mais perto do que é importante, as afirmações de Miguel Freitas, que lança a seguinte pergunta cuja resposta é obviamente uma insinuação: «Digam-me uma coisa que o PSD tenha feito na região em 2007, a não ser que o movimento Regiões Sim agora tenha substituído o PSD/Algarve». E logo a seguir, Miguel Freitas afirmou, segundo o entrevistador, com voz firme: «É verdade que 90 por cento dos associados do movimento são militantes do PSD, mas isso é outra questão. Se é por aí que medimos o trabalho do PSD, então tudo bem. E dos outros, nem vale a pena conversarmos».

Não vou gastar dois segundos sequer sobre o que significa a referência a esses tais outros (os 10 por cento, certamente) a quem Miguel Freitas não concede conversa, nem um segundo sequer sobre como é que ele conseguiu ter a trabalhadeira de verificar a ficha política de cada cidadão que aderiu a esse movimento cívico (independentemente de cada cidadão aderente ter ou não partido, ou de saber se o outro aderente tem ou não) para, com voz firme, o líder do PS/Algarve declarar aquela sua verdade atemorizadora, e que é atemorizadora pelo manifesto exercício de diabolização inquisitorial que eu esperava de muita gente mas não de Miguel Freitas, com esta ligeireza.

Vamos ao que importa.

Conforme o calendário, queixam-se os partidos políticos de que a sociedade civil não se organiza ou não sente necessidade de impulsionar movimentos de intervenção cívica, transversais e plurais. Ora, pelos exemplos que temos vindo a registar e onde o de Miguel Freitas enfileira, os responsáveis por esta situação são os próprios partidos, porquanto mal surja um movimento cívico transversal e plural, os partidos, cada um por si, tentam capturar tais movimentos para o seu controlo. E quando não conseguem capturar, insultam o movimento argumentando que este foi capturado pelo outro.

Quando, à evidência, o movimento cívico é plural e transversal, cada partido cria uma suspeita de que existem forças espúrias no movimento, e a sociedade civil que já está amarfanhada pelo estado (estado que não é o governo, como na confusão lançada pelo regime autoritário), fica atónita e por certo incapaz de impor aos partidos que recolham à sua dimensão.

A não ser que se volte a pensar que um movimento cívico não deve ir além dos chás de caridade, de debates sobre o sexo dos anjos ou de marchas de cidadãos civicamente fardados atrás de bandeiras irracionais, obviamente que um movimento cívico tem na base uma intervenção política de qualquer matiz e aos aderentes não se lhes deve exigir que sejam quimicamente puros de partidos ou que devam respeitar quotas libertas da impureza partidária.

Miguel Freitas prestou um mau serviço cívico, e sobre os 10 por cento da sua boa consciência nem vale a pena conversarmos. Os outros 90 por cento, é outra questão.

Carlos Albino


Flagrante palavra: Revivalismo, o dos avozinhos do regime autoritário que por aí circulam como teóricos da democracia.