quinta-feira, 29 de abril de 2004

SMS 51: A Mãe Soberana fez um milagre em Loulé!

29 Abril 2004

A festa louletana da Mãe Soberana é uma festa mais que milenar e facilmente se identifica como sequência de uma velhíssima tradição anterior – está documentado que Diana era venerada em Loulé nos tempos romanos (as lupercalia…) e os devotos de há dois milénios designavam aquela entidade como a «Sancta» ou também como a «Mater Soberana», curiosamente as mesmíssimas palavras que os louletanos de hoje empregam. O Município de Loulé faz mal em embarcar nesse fundamentalismo redutor dos 450 anos que é mais uma manifestação secundária do Concílio de Trento, e a Igreja Católica mal faz em não aceitar ou não assumir que é a herdeira de tradições místicas dos tempos do paganismo aos quais ninguém deseja voltar mas que não podem ser alvo de inquisições inúteis. Aliás, os louletanos são «louletanos» e não louleeiros ou louleenses porque aquele «t» fatal terá a haver alguma coisa com a antecessora de Diana… Um dia falaremos disto aqui, mas vamos ao que interessa e o que interessa é que a Mãe Soberana fez, no Domingo passado, comprovadamente um grande milagre em Loulé, pois milagre foi: pela primeira vez, a Santa uniu na sua corrida triunfal pela ladeira acima, o Poder, a Oposição e a Independência! Confesso que nunca pensei que o deputado do PSD e presidente da Assembleia Municipal, Patinha Antão tivesse força nas pernas para chegar lá ao alto, pois também sempre comprovei que o Luís Filipe Madeira só conseguiria subir aquilo a cavalo, a pé jamais; nunca tinha visto o presidente da Câmara, Seruca Emídio, também do PSD, de braço dado fosse com quem fosse, a «empurrar» a Santa ao passo marcado pela ímpar marcha dos Artistas de Minerva (sempre, em anos anteriores, o tinha notado a ver a banda passar); também não faltarei à verdade se disser que o líder da oposição local e anterior presidente Vítor Aleixo (PS) há anos que sobe com a Mãe Soberana ao meu lado, sendo ele um convertido mais tardio que André Magrinho que foi uma das melhores inteligências económicas do primeiro-ministro Guterres e que também sobe todos os anos - o que não é milagre, uma vez que a gente da minha geração sobe porque «a Santa está na alma» que é o que se acaba sempre por dizer aos sacerdotes católicos lá em cima, quando agnósticos inquietos, ateus serenos e crentes convictos, todos estão juntos, parecendo aquilo o concílio mais ecuménico do Mundo! Rimo-nos, abraçamo-nos, respeitamo-nos, enfim nada temos a ver com aqueles que dividem e se rebentam, rebentando o Mundo. Ora aqui está o valor da grande festa de Loulé que, obviamente, sendo coisa também para turistas admirarem, não é uma festa turística. É sobretudo uma festa da convicção humana e do Humanismo. É claro que na subida deste ano só faltou ainda Cavaco Silva mas suspeito que para o ano ele lá se decidirá a ir, suspeito… Ora eu creio que tendo o andor da Santa arrastado este ano, à frente ou atrás, não interessa, Seruca Emídio, Vítor Aleixo, Patinha Antão e André Magrinho e, para mais – para maior perfeição do milagre - acabando todos por se reunir lá em cima para escutarem o bispo louletano D. António Carrilho, foi milagre deveras, muito embora, sendo festa, tudo terminou em festa que também se desarma. Mas foi um milagre que eu, com a independência que reclamo sem qualquer suspeição, peço que se repita em 2005. Seruca Emídio e Vítor Aleixo só fazem bem mesmo que o armistício seja breve. A Santa registou porque os armistícios breves estimulam a serenidade da crítica e da democracia para os dias seguintes, mesmo que a democracia louletana continue a ser uma promessa a pagar à Mãe Soberana…

Carlos Albino

quinta-feira, 22 de abril de 2004

SMS 50:Bodas de Ouro! Honra lhe seja feita

22 Abril 2004

E assim chegamos ao Número 50 destes modestos apontamentos semanais – são as Bodas de Ouro pois, para muitos leitores, esperar uma semana continua a ser um ano. Justifica-se o balanço:

• As Câmaras do Algarve continuam com obras fundamentais adiadas e o poder central (todos os poderes centrais) continuam a ter pelo Algarve o maior desprezo. Correios, florestas e o mais que se avizinha… tudo a mudar para os alentejanos de Évora que pensam devagar mas dominam o Terreiro do Paço.

• E o Presidente Sampaio? Nem uma palavra. Entendeu não visitar o pobre nordeste algarvio e muito menos as terras queimadas de Monchique e Silves.

• Estádio Algarve ou Estádio Louletano? Tenho pena de José Vitorino que há tantos e tantos meses anda a dar 25% do seu ordenado para o Farense…

• Droga, álcool e barulho continuam. Portimão não teve a gentileza de convidar o presidente do parlamento argelino, Karin Younss. O ano de 2004 está longe de ser um ano de clarificação para o Algarve, por mais que José Apolinário, como bom homem do Pechão, pergunte, requeira, reúna, se desloque, se insurja, aponte, enumere, difunda…

Maestro Álvaro Cassuto? Agora somos nós que estamos em falta. Um grande maestro a que não hesitamos chamar já Algarvio.

• Eurodeputados «do Algarve»? O que é isso? Mendes Bota ainda tem que esperar algum tempo pela resposta à interrogação. Tenha paciência como paciente será a oligarquia de Alte, honra lhe seja feita.

• Descentralização. Aí temos a Grande Área Metropolitana. A questão marginal ou acessória está resolvida e o resto, como diz o meu amigo do Cachopo, são «pormenores fundamentais».

• O secretário de Estado do Turismo, Correia da Silva continua a não pedir desculpas à Universidade do Algarve como se fosse alentejano de Évora. E se calhar é.

• E, já agora, se faz favor Luís Villas-Boas, continue a resistir.

• Continuo a aguardar que o presidente da RTA, Hélder Martins, apresente o seu curriculum profissional por dever de resposta, tal como continuo a aguardar que Paulo Neves seja acusado de qualquer coisa como até agora não foi – antes pelo contrário viu a sua gestão aprovada na íntegra e sem reparos. Foi uma coisa suja e há por aí aprendizes de jornalismo que não perceberam que antes de escrutinarem os perseguidos por um polícia, devem e têm que, por imperativo ético e deontológico, escrutinar o perseguidor.

quinta-feira, 15 de abril de 2004

SMS 49: A qualidade de vida da minha rua…

15 Abril 2004

Esclareço, antes de tudo: a minha rua não entrou e possivelmente jamais entrará na história mundial, embora não fique a destoar de muitas ruas já célebres do Afeganistão, do Iraque e mesmo da Somália famosas por aquela selvajaria que é a irmã gémea da poeira suja, do ruído agressor e da falta de decoro. E sendo uma rua de Loulé, não foi certamente por causa da minha rua que Loulé se tornou cidade. No entanto, para os que vivem nesses cento e vinte, talvez cento e cinquenta metros e para os que aí nasceram conservando o lugar do berço como dever sagrado - pelo que legitimamente continuam a dizer «a minha rua» - trata-se de uma rua inacreditável. Os veículos, entre abandonados, à venda por oitocentos euros ou mesmo os de gama impante, além de num exercício de anti-civismo escroque ocuparem em absoluto os passeios assim tornados intransitáveis, também estacionam em segunda e em terceira fila até ao traço central que os homens camarários, há duas semanas, andaram a pintar no alcatrão num louvável assomo de modernidade, pelo que esse traço acaba por ser útil como guia único para as centenas de crianças saídas das aulas, para os velhotes de bengala e para as mães com carrinhos de bebé que se afoitam às curvas para evitar o carro furioso que vem de baixo e as grandes motas de escape aberto que vêm de cima como nos espectáculos do poço da morte. E ali estão dezenas de motos sobre a calçada com lavagens oficinais para a valeta pública onde poeiras e óleo fazem pasta. Além, há bilhas de gás, e mais além, bilhas de gás há que não estoiram porque não há acidente nem acasos e os bombeiros estão perto. Naquele espaço público de recanto, dezenas de grades vermelhas de vasilhame seguem a rigor a opção estética habitual em Casablanca. E por aí se aproxima o dia em que pessoa particular pede ao presidente da Câmara uma ingénua licença de ruído, mas como vem acontecendo há anos com a maior das impunidades, no que uma simples licença de ruído resulta? Pois chega a resultar no corte da via pública e na transformação da rua em grande esplanada de frango assado e sardinhada, com palco de origem municipal armado e ligação da energia à rede de distribuição pública – tudo isto, imagine-se, para celebrar um exótico santo popular que ninguém conhece naquelas paragens mas que corresponde ao nome geral dos donos do estabelecimento comercial assim favorecido e que consegue a proeza e os genitivos da proeza – está lá o poste metálico, inclinado já a quinze graus, à espera da função e do regabofe dos favores administrativos. Não falarei já dos ruídos de um pequeno bar feito discoteca por sua vez feito sala de espectáculos com música ao vivo aleatoriamente nos mais elevados decibéis até às três, quatro, cinco e seis da madrugada que já outro dia; não falarei dos donos dos cães e do que estes fazem por aqueles, ambos sumindo-se no que imaginam deixar para trás invisível; não falarei do facto de se ter perdido já a memória da pressão da água de uma agulheta a limpar os dejectos, as lamas, os óleos e os ossos dos cães que se acumulam nas rodas dos carros abandonados e não falarei dos ralis inglórios que o rapaz camarário faz com seu carrinho varredor que nada pode varrer onde deveria varrer; não falarei do lugar onde houve um grande chafariz, derrubado para aí surgir um chafariz pequeno mas onde até os burros iam beber sozinhos aprendendo o caminho de cor e que acabou por ser igualmente derrubado para dar lugar a uma sebe com um poste ao meio, como acontece em todas as ruas famosas do terceiro mundo. No entanto, apesar desta evidente qualidade de vida que a minha rua oferece, lá vou acarretando para aquela casa onde nasci, os meus livros e documentos que certamente doarei a sítio público de Loulé. Não tenho é coragem de convidar ninguém para lá ficar um dia ou pernoitar uma noite que seja – a «qualidade de vida» da minha rua de Loulé equivaleria a um castigo que os meus amigos não merecem.

Carlos Albino

quinta-feira, 8 de abril de 2004

SMS 48: CTT, uma lástima

08 Abril 2004

Os Correios de Portugal, S.A. ou CTT, S.A. são uma pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. No fundo, o privado é por enquanto uma redundância a encobrir certamente intenções que estão longe de ser públicas. Em todo o caso, o presidente dos Correios, Carlos Horta e Costa que, na fotografia hieratizada para os portugueses on line, surge em mangas de camisa apoiando o queixo em mão de pensador perscutante - como agora parece ser obrigatório na imitação serôdia dos empresários norte-americanos dos idos anos 70 – garante-nos que «a reformulação levada a cabo (nos CTT) tornará a empresa mais ágil, eficiente e inovadora». E naturalmente, como os CTT são, por enquanto, de capitais exclusivamente públicos, Horta e Costa acrescenta o óbvio descargo de consciência: «queremos que os nossos clientes nos sintam como um parceiro de negócio com a preocupação central de oferecer as melhores soluções e elevar a qualidade de serviço». Não se questiona que os CTT de Horta e Costa tenham que preparar-se para enfrentar novos desafios, embora ele destaque o da «liberalização de mercado» - objectivo que, como se sabe e à falta, por enquanto, da mão espanhola no nosso sistema de serviço postal universal, em todo o terceiro mundo se consegue através de protocolos com juntas de freguesia… Mas não é de Espanha (que tem a distribuição postal numa lástima, tal como a Alemanha, a Suécia…) que importa falar aqui. Falemos do Algarve que, até sob o ponto de vista postal e dos serviços financeiros postais, é uma região caracterizada. Pois o que fez Horta e Costa para tornar a sua empresa de capitais exclusivamente públicos numa empresa supostamente «eficiente e competitiva, rentável e com qualidade» no Algarve? Bem, Horta e Costa fez isto: acabou com a direcção regional dos CTT e mudou-a para Évora, sem escrutinar a decisão com os «parceiros do negócio». Foi uma desastrosa decisão e as consequências estão à vista. Os CTT que já mentiam na sigla (o primeiro T de Telégrafos falta à verdade e ao segundo T de Telefones até os dentes lhe caiem) também passaram a não ser confiáveis no C de Correios. Na verdade, ao mudar o quartel para Évora, Horta e Costa acabou com os Correios no Algarve, além de, segundo parece, ter falhado nessa ideia peregrina de fazer converter os presidentes de junta em parceiros de balcão. Digamos que, no que diz respeito ao Algarve, Horta e Costa brincou em demasia com capitais exclusivamente públicos. Voltaremos ao assunto.

Carlos Albino

sexta-feira, 2 de abril de 2004

SMS 47: Luís Villas-Boas, se faz favor, resista!

01 Abril 2004

Sim, Faro é uma planura mas, nas imediações do Refúgio Aboim Ascensão, surgiu um enorme monte. Um monte de inveja, cobiças, ressaibo e perversões ali mesmo a cair sobre o Centro de Emergência Infantil e, claro, sobre o bom, abnegado e, na matéria de apoio a crianças, o sábio homem que é Luís Villas-Boas. Primeiro, foram umas contas mal interpretadas pelo jornalismo de trazer por casa a tentar fazer a cama da montanha, sem êxito, diga-se. Depois, há mês e tal, foi a questão da adopção de crianças por «casais» de homossexuais. E sendo esta uma questão que lança as maiores dúvidas e até os mais sérios debates na generalidade dos países, aqui, em Portugal, foi a aberrante sanha de uns tantos que querem impor a excepção tolerada como regra, a margem compreensível da natureza como normalidade e a sublimação questionável da apetência como instinto consagrado. E finalmente, na semana passada, foi o ataque descabelado a propósito dos cuidados especiais que as crianças seropositivas requerem e que o Refúgio não está preparado para prestar mas que afinal nunca recusou. Ora havendo mais de 600 instituições em Portugal que se dedicam a apoiar nos primeiros anos de vida as crianças atiradas ao lixo - por entre elas a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com cerca de 3.500 funcionários! - e todas procedendo de igual forma como o Refúgio, porque razão essa campanha contra Villas-Boas? Porquê a actividade vulcânica desse estranho sindicato que emite não menos estranhos pseudópodes em televisões e jornais de primeira, atirando-se exclusivamente contra o Refúgio e vendo-se nitidamente que, a qualquer pretexto, visa perfidamente um homem – Luís Villas-Boas? Pois essa minoria de gente que de inquirida passou rapidamente a inquisidora, o que faz, em vez de avaliar serenamente a experiência de um homem que, quase a partir do zero, construiu uma instituição modelar no País - melhor dito e sem hesitação, modelar na Europa, conhecida e reconhecida pelo mundo afora – o que faz? Faz aquela montanha que já cheira mal. Daí que tenha de dizer: Luís Villas-Boas, resista se faz favor! Neste momento tem 98 crianças para cuidar, as duas últimas abandonadas no último sábado, e você estava ao pé delas já a noite entrava adentro, quando por certo os seus algozes improvisados estariam distendidamente a alegrar-se com o balanço da refrega. Resista, se faz favor, porque não está sozinho.

Carlos Albino