quinta-feira, 27 de abril de 2006

SMS 155. Palavra de general

27 Abril 2006

É claro que o general Mateus da Silva ao afirmar que o Algarve precisa de «um Alberto João Jardim» não estava a dizer que o Algarve precisa de Alberto João Jardim. Nada disso. Precisa de um, não precisa de. E é verdade – o Alberto João Jardim não faz aqui nenhuma falta, mas um faz. O que o Alberto João Jardim é, todos sabemos – homem inconsequente e que desafia a civilidade por todos os poros, provocador consoante as conveniências e figura do mais recuado provincianismo, o Alberto João Jardim está para a Maria da Fonte assim como o Remexido estava para o Ali Babá e seus 40 ladrões. Mas quando se fala da necessidade de um Alberto João Jardim o que se pretende dizer é que o Algarve precisa de líder, de projecto de afirmação, de ideia que reconduza à identidade, que foi exactamente o que um Alberto João Jardim conseguiu dar à Madeira, porquanto quem por certo se lhe seguirá, já não poderá fazer recuar a Madeira para o estado de estagnação e de descaracterização em que se encontrava. E é por esta ordem de ideias que poderemos afirmar que até os Açores tiveram até agora não um mas dois Albertos – Mota Amaral e Carlos César. O Algarve não teve nenhum.

Alguns homens, em certo momento, até tiveram condições para liderar o Algarve, mas faltou-lhes ideia, projecto, discurso e sapatada nas mordomias. Assim aconteceu com Luís Filipe Madeira que tem discursado muito mas feito pouco ou mesmo nada (será quando muito um líder provinciano em que a manha oculta ideias) e em certa medida assim aconteceu com José Mendes Bota que é um CD regravado. A Júlio Carrapato faltou aquele acessório do brilhantismo e sobraram-lhe as navalhadas nas costas, algumas tão discretas quanto fatais. A José Vitorino faltou sobretudo a Enciclopédia Luso-Brasileira, da letra A até à letra Z. A Cabrita Neto faltou perceber que a política não é uma empresa e, quanto a figuras, poucas mais saltam dos registos destes 32 anos de democracia não havendo portanto azo para pedir desculpas para eventuais omissões, até porque Macário Correia ainda não deixou de ser apenas o presidente da Câmara de Tavira. Bem, vem aí a geração mais jovem de políticos que ainda não provaram nem tiveram tempo, muito embora alguns não deixem de ser meros afilhados de vícios antigos e quanto à quota de mulheres, obviamente que não chegam lá apenas por via de convocação de conferências de imprensa e comunicados provincianos para jornais que tomam igualmente por provincianos. Por exemplo para Miguel Freitas a prova de ter ou não ter chama, apenas agora começa, aguardemos.

Assim, as declarações do general Mateus da Silva, algarvio confesso e espírito inquieto com o que se passa na Terra, são uma verdadeira e inesperada pedrada no charco. A política algarvia está reduzida às coisinhas de indivíduos contra individuozinhos das coisas, está confinada à disputa de lugares para listas mais ou menos futuras de deputados, empregos políticos e comissões partidárias e está bloqueada por gente que tem da democracia uma ideia de proveito próprio. O Algarve precisa de um, de dois, de três Albertos que não se transformem no Alberto João Jardim. Mas que precisa pelo menos de um, lá isso precisa. A palavra do general foi um tiro certeiro e não foi um tiro curvo.

Carlos Albino

Nota: As ilustrações escolhidas para este apontamento reproduzem os, até agora, mais credíveis símbolos do Algarve. Em cima, o brasão de armas, e, em baixo, a bandeira, conforme nos descreve o reconhecido perito em hieráldica, Simas Alves de Azevedo. Coisas a ter em conta pelo Governo Civil e pela Junta Metropolitana.

quinta-feira, 20 de abril de 2006

SMS 154. Uma questão de puro civismo

20 Abril 2006

É difícil encontrar região do país pior que o Algarve, em matéria de estacionamento, de ruído e de asseio. O que verifico em Loulé, não encontro em Bragança nem em Castelo Branco e muito menos na Feira; o que se passa em Faro, é difícil em Viseu; o que há em Portimão, seguramente não se vê em Aveiro; as bandas de Albufeira não se comparam às bandas da Figueira da Foz, andar por Silves não se compara a andar por Évora; e o que se avista em Lagos nem por um canudo se enxerga em Braga. Não é que as terras da comparação sejam paraísos, mas não são tão infernos onde o civismo arde e pena. E como eu gostaria que o Algarve fosse uma Terra de Civismo!

Qualquer um, no Algarve, estaciona o carro onde quer desde que descubra uma nesga, qualquer um faz o barulho que lhe apetece e qualquer um atira para o chão o que muito bem entende. Estaciona-se em cima de passadeiras de peões, de calçadas acabadas de fazer, em segunda e terceira fila, onde quer que seja, para não se andar a pé uns metros até à cama ou até à sala; motas e motoretas por aí andam de escape aberto num festival de ruído e em afirmações de poder pelo estrondo do escape; e, quanto à noção de asseio público, nem vale a pena descrever o espectáculo de imundície com cães ou sem cães porque a imundície é sempre de raça apurada. E o curioso é que pouca gente protesta abertamente, que raros são os municípios que levantam o dedo contra este estado de coisas, e que raramente se nota a autoridade a pôr ordem nisto e a zelar pela aplicação da lei, cada um à sua maneira assim contribuindo para a deterioração do ambiente público, da paz urbana e do bem-estar nas ruas onde todos e cada um de nós passamos, afinal, grande parte da vida ou mesmo o melhor da vida.

Por princípio, sou contra a repressão, como sou, também por princípio, a favor de campanhas de instrução pública (sim, digo instrução, não tenho medo da palavra), a favor de campanhas de sensibilização, de acções que previnam tudo aquilo que a repressão não cura nem pode curar – a repressão, apenas em último caso e como último recurso, quando apenas a autoridade pode evitar o confronto directo ou a impunidade continuada e desafiadora dos que fingem não saber viver em sociedade ou, pior, querem mesmo provocar os mais sensíveis alicerces da vida em sociedade.

E como em tudo, há terras piores e terras melhores, e mesmo dentro das melhores há zonas de evidente decoro imposto e outras zonas completamente ao deus-dará – não vou, por agora, citar casos concretos, para que não se diga que torço pelos de Aljezur contra os de Alcoutim ou que enxerto carrapatos em Ferragudo esquecendo-me das pulgas dizimadas em Moncarapacho. Não vou por aí. Mas em todas as terras, os municípios podem e devem fazer mais do que fazem através de posturas e de acções de sensibilização; em todas as terras, as forças com funções de polícia podem e devem actuar mais do que actuam, por vezes abrindo mais os olhos que convenientemente fecham; e todos nós, os cidadãos para quem a palavra civismo foi inventada, podemos e devemos reivindicar, em todas as terras, o bom jogo dos deveres e dos direitos. Mesmo que os deveres sejam difusos, não é sr. Cabrita?

Carlos Albino

quinta-feira, 13 de abril de 2006

SMS 153. As nossas Marbellas de trazer por casa.

13 Abril 2006

Mesmo que não vá, e até peço para não me forçarem a uma tourada, é nisto que gosto dos espanhóis: quando querem matar o touro, matam mesmo e não andam com rodeios a fingir que não se mata para depois matar às escondidas ou fora das vistas despudoradas. E os espanhóis são assim, tanto na fiesta como na política. A ditadura franquista matou sem esconder muito ou mesmo nada, julgando com isso perpetuar-se; e também a democracia espanhola, pelo que se acaba de ver com Marbella mas para perpetuar a democracia, igualmente não hesita em dar a estocada à vista de todos e para que todos saibam, acabando assim com fiesta a mais. E quanto aos portugueses? Pois quanto aos portugueses, o nosso antigo regime autoritário, supostamente homólogo do franquismo, quando quis ou lhe convinha matar, fê-lo sempre com aquela morte que não se vê, a morte discreta, na sombra, atrás de biombos ou pela calada da noite num monturo, pelo que tal morte, por isso, jamais poderia ser descrita como acto praticado por autores assumidos ou provados. E mesmo quando esporadicamente a morte se viu ou foi vista, como no caso do assassinato do general Delgado, ou mais remotamente no “acidente” que vitimou Duarte Pacheco, a nossa branda ditadura providenciou sempre para que se chegasse à seguinte conclusão bem portuguesa: ninguém foi, não se apurou, a investigação foi inconclusiva e os tribunais declararam-se sem provas concludentes…

Vem isto a propósito de Marbella, da Marbella espanhola. O governo central de Madrid, em sintonia, como se viu, com a autonomia andaluza, o que fez quando a fiesta da corrupção tinha que acabar em final de espectáculo? Pura e simplesmente, o governo dissolveu a câmara, fechou a casa municipal para obras, deu a estocada. E nós, salvo seja? Pois em Portugal, com as nossas Marbellas de trazer por casa, imita-se na praça a estocada mortal para não se faltar à “verdade” do toureio, mas apenas se imita, imitando-se arrastadamente no tempo, até que algum dia, se consiga induzir a conclusão de que ninguém foi, não se apurou, a investigação foi inconclusiva e os tribunais declararam-se sem provas concludentes…

É claro que fazemos votos para que, no Algarve, Deus nos livre de Marbellas, embora indícios de fiesta não faltem, ou não tenham faltado ao longo destas décadas de democracia – apesar das nossas festas serem todas menores, temos várias Marbellas de trazer por casa, algumas até a nível de freguesia onde tenha havido mais um andar a troco de qualquer coisa impossível de apurar e sem azo de prova. E compreendamos: nestas coisas de fiesta ou de toureio da transparência, os toureiros autárquicos de Marbella cometeram um erro fatal: deram nas vistas. Aquilo foi avião, foi helicóptero e foram tantas e tão vistosas as manuelinas com o capote da legitimidade política, que estas culminaram na quarta fortuna de Espanha, o que era de dar nas vistas. Pois, aqui, em Portugal, também nesse mundo de faenas em que o enriquecimento sem justa causa dá espectáculo à nossa escala (sem helicóptero, claro), a discrição ou o não dar nas vistas é a regra que vai de encontro ao que somos tanto na política como nos negócios esdrúxulos. E é assim que quando se tenta indagar as razões que estão por detrás dos maiores atropelos que estão aos olhos de todos como factos consumados (você, caro leitor, não conhece factos consumados?) eis que, quanto a responsáveis, a conclusão é e será sempre a de que ninguém foi, não se apurou, a investigação foi inconclusiva e os tribunais declararam-se sem provas concludentes…

Moral da história: os da Marbella real, comparados com os das nossas Marbellas de trazer por casa, são uns aprendizes de feiticeiros, não é sr. Cabrita?

Carlos Albino

quinta-feira, 6 de abril de 2006

SMS 152. João Guerreiro, peço deferimento!

6 Abril 2006

O novo reitor da Universidade do Algarve, João Guerreiro (bom trabalho, amigo!) anunciou intenções e medidas logo no primeiro minuto das suas funções. Para já, foi algum abanão nas consciências instaladas e nas inteligências estaladas quando João Guerreiro disse, alto e bom som, que a ligação da universidade à Sociedade não se faz apenas com contratos, com protocolos. Muito bem, João Guerreiro – contratos e protocolos são naturalmente importantes mas não são tudo, estão longe de ser tudo e mal de uma universidade se invoca contratos e protocolos (com municípios, empresas, estruturas regionais…) fundamentalmente para descargo de consciência. e como meio para relativamente sustentar consciências instaladas e inteligências estaladas.

O papel de uma universidade e de cada universidade é o que considerandos como os de João Guerreiro nos levam a questionar. Não cabe, obviamente, neste modesto apontamento (as SMS são mera tentativa de reposição de um velho género jornalístico que é precisamente o apontamento e não mais do que isso) pois não cabe aqui fazer lição, muito menos dar lição e, claro, ensinar a lição ao padre-cura. Mas cabe aqui, sim, observar, assinalar. Então assinalemos, no que toca a uma Universidade do Algarve que não se quer ficar pelos contratos e pelos protocolos.

E haverá falhas, haverá lacunas na Universidade do Algarve? Até pela definição de universidade, há. – um centro de saber tem que permanentemente identificar as zonas de saber que lhe escapam e onde o saber deve e tem que entrar se pretende uma ligação constante, profícua e facilitadora para coma Sociedade onde se insere e que serve. Por exemplo, na sua tarefa de observatório em que nenhuma outra instituição a pode substituir com total rigor – pode mas não será com todo o rigor. Já o dissemos alguma coisa sobre isto a propósito da triste novela do observatório do turismo. Mas há mais casos, citando-se, sem que se veja nisto puxar a brasa à sardinha, por exemplo a área da Comunicação Social que é uma área-chave e que é uma área onde, ou muitos nos enganamos ou dentro em breve vai acontecer no Algarve o mesmo que na imobiliária sucedeu – iniciativas construídas e pensadas apenas na mira do lucro a qualquer preço, ao serviço do lucro como finalidade última, senão até como braços branqueados de lucros difusos.

A Universidade do Algarve tem nesta área da Comunicação Social uma tarefa-chave na sua ligação à Sociedade e que obviamente não se esgota com contratos, com protocolos. É até uma tarefa obrigatória, pelo que, chamando os nomes às coisas, caberá à Universidade do Algarve erguer um Observatório da Comunicação Social do Algarve não para fazer história dos anos 20 do século passado mas para produzir relatórios anuais para este Século XXI, relatórios que sejam guião crítico da Sociedade e para consulta obrigatória das consciências não instaladas e das inteligências coesas. A «nossa» universidade tem, neste domínio especialistas (bons), peritos (estudiosos e abnegados) e até animadores aguerridos que por serem aguerridos merecem a minha particular estima mesmo quando a animação se vira contra mim. Então, reitor João Guerreiro, requeiro a VEXA a constituição de um Observatório da Comunicação Social do Algarve, feito com a prata da sua casa (que é boa) e que produza relatórios anuais sobre o estado das coisas, doa a quem doer, mas sempre ligando esta área-chave da Sociedade à Universidade. Peço deferimento.

Carlos Albino