quinta-feira, 24 de junho de 2010

SMS 368. Os maus da fita


24 junho 2010

E como estamos em época de crise e de forçada poupança, lá vem outra vez a história dos governadores civis como se fosse com a extinção deste cargo (18 titulares) que alguma salvação viria para as finanças públicas. Quem reclama a extinção sabe, lá bem no fundo, que a poupança é irrelevante e que manter ou não o cargo de governador civil é coisa meramente simbólica, primeiro porque o cargo é simbólico e segundo porque cada figura que o exerce simbólica é. O cargo é simbólico do centralismo (que é o sistema, haja ou não governo civil) e as figuras simbólicas são da mordomia política acrescida de alguma relevância protocolar que, além das polícias, pouca gente sente e, se sente, é por deferência civilizada. Na dependência hierárquica do ministro da Administração Interna e com equiparação a secretários de estado, os governadores civis obviamente que não obstáculos à regionalização, embora sejam os braços mais emblemáticos do centralismo, como de resto emblemáticas são desse mesmo centralismo as dezenas de direcções, delegações e agências regionais que mascaram uma descentralização que não há e dissimulam uma desconcentração faz de conta, cada uma delas apresentando-se por sua vez como governozinho civil gozando a vida à custa do mau da fita que é esse governo civil assumido. E por aí sim, seria pelas direcções e delegações regionais que de regionais nada têm que a poupança deveria ser feita, até porque se suspeita que no seu conjunto esteja já a ser mais dispendiosa do que uma efetiva regionalização. No Algarve, por exemplo, o que se ganha com a extinção do governo civil, mantendo uns 40 governozinhos civis (parece que João Soares contou 48...) que, não raras vezes, são mais intratáveis que o simbólico e intratável Terreiro do Paço? Até porque, também não raramente, o governo civil é a única defesa de proximidade perante as 40 prepotências que nos cercam e que, algumas, em termos de mordomia, fazem elevar o governo civil aos céus.

Carlos Albino

    Flagrante promoção: Se chamam a isto promoção do Algarve, cá dentro e lá fora, é uma grande promoção a juntar à animação que é um provincianismo que soma e segue.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

SMS 367. Assim se vê a força de você


17 junho 2010

Olhando para as atividades dos deputados eleitos pelos eleitores algarvios, o panorama é confrangedor. As iniciativas respeitantes cá à terra, são escassas; os requerimentos, salvo um ou outro, são como lã para encher almofadas e por vezes não passam de pretextos oferecidos ao requerido; as perguntas, em grande parte, parecem ser do âmbito de assembleias municipais ou menos do que isso – de assembleias de freguesia; quanto a nomeações de relatores, contam-se pelos dedos os de assunto com peso e interesse direto e útil para a região; quanto ao trabalho em comissões, parlamentares, é o cumprir de agenda e pouco ou nada mais; quanto a intervenções em plenário, pouco há a registar, mesmo nas matérias que à partida estariam talhadas para galvanizar o debate público na região (público, e não meramente o que serve ao jogo partidário); sobre atividade em delegações permanentes ou eventuais, há por aí bastante turismo político lá fora e cá dentro mas que também pouco ou nada tem a ver com o Algarve; quanto a audições e audiências, é uma pobreza de agenda; quando a deslocações, não levem a mal, mas as que ao Algarve dizem respeito, parecem missões de escuteiros. É claro que há deputados com muito mais parra que outros e outros alguma uva, independentemente da parra. Mas o panorama é confrangedor e, com algum tempo e paciência (mais paciência que o tempo), iremos apreciar cada um dos eleitos que estão em funções, pois a cada um eles poderemos dizer: «Assim se vê a força de você...”

Carlos Albino

    Flagrante convicção: A de que, em matéria de publicidade na imprensa regional, há por aí suficientes indícios de favorecimento resvés a tocar no ilícito ou a pôr em crise as boas regras da livre concorrência. Nota-se à vista desarmada e pode vir a dar muito mau resultado.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

SMS 366. Três Presidentes


10 junho 2010

Do nosso sítio, até hoje, saíram três algarvios para a Chefia do Estado. Um, o País conhece mais ou menos bem – Teixeira Gomes. Outro, foi esquecido ou pelo veneno do costume ou pela intriga que já é hábito – Mendes Cabeçadas. O terceiro, ainda está sob escrutínio mas já deixou suficiente rasto – Cavaco Silva. O primeiro, Teixeira Gomes, renunciou porque não quis ser o "senhor da cana verde", como ironicamente descreveu a situação em que as elites republicanas o colocaram. O segundo, figura-chave da implantação da Repú¬blica, é verdade que esteve na Presidência escassos 26 dias, mas essa brevidade foi um mero pormenor – ele podia ter estado ou tentado estar por muito mais tempo se, com abnegação, não tivesse querido evitar uma guerra civil sem precedentes, sendo esta a sua opção a troco de um negociado Carmona. O terceiro, cumpriu praticamente um mandato e, pelo já se viu, também não estará muito afim a que o transformem em "senhor da cana verde" ou presidente ao serviço de uma qualquer facção, e pode ou não vir a submeter-se a sufrágio para um segundo mandato, mas apesar dos altos e baixos, o País já lhe reconhece contributos para alguma serenidade e equidistância entre gregos e troianos. Quanto ao primeiro, Teixeira Gomes, Portimão encabeça um programa de evocação nacional, sem grande espalhafato mas com dignidade e até estímulo ao estudo da figura e da obra, pois teve obra - no entender de muitos, e estamos aí, foi um dos grandes estilistas da língua pois a forma como descrevia fosse o que fosse, cativa com perenidade. Quanto aos dois restantes, Loulé expôs as biografias no que uma biografia pode sugerir ou ter de espectáculo da história, muito embora Cavaco Silva possa falar de si e Mendes Cabeçadas já não. É claro que a renúncia de Teixeira Gomes, hoje, pode pôr o País a pensar duas vezes sobre se deseja ou se será aconselhável que a história se repita. Sobre o mandato de Cavaco Silva, sem dúvida que todos – os que o publicamente o apoiaram ou não, como foi o meu caso – gostariam de usar a máquina do tempo e dando um salto artificial de 50 ou mais anos, apreciá-lo num passado longínquo, mas não temos esse dom pelo que temos que avaliar a atualidade na atualidade. E quanto a Mendes Cabeça¬das que pertenceu ao grupo que romanticamente acreditou numa "regeneração democrática" e onde estavam figuras cimeiras da intelectualidade portuguesa da década de 20, tão cedo dela se desiludiu com o galopar do regime autoritário, como logo se transformou em figura cimeira e de referência incontornável da oposição democrática, pelo que o próprio regime autoritário o sacrificou tanto a ele, Mendes Cabeçadas, como a todos os que acreditaram por uns momentos breves na "regeneração de¬mocrática", tais como Fidelino Figueiredo, António Sérgio e Fernando Pessoa, para se citar alguns.

Carlos Albino

    Flagrante vazio: Não é? Cada um à sua maneira finge mas há um enorme vazio, com responsáveis públicos, por aí, a não se darem conta da sua superficialidade. O que até confrange.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

SMS 365. Há elites, não há escol


3 junho 2010

A propósito do apontamento da semana passada, fizeram-me várias observações, algumas em tom de reparo, por aqui se ter insistido nessa evidência de que o Algarve não tem uma liderança regional, sem que se tivesse adiantado um linha sobre o que será uma «liderança regional», as condições para que seja isso e as características dessa entidade... Limitámo-nos a referir não basta liderar a fração regional de um partido para automaticamente se ascender a esse patamar de liderança política regional, mesmo que tal fração partidária seja eleitoralmente esmagadora. É claro que toda a gente sabe isto, mas é sempre bom recordar isso porque dessa confusão tem resultado o erro político do Algarve, por certo erro incontornável porque a confusão é também círculo vicioso.

Numa ditadura, ou, em palavras mais amenas, num regime autoritário, não é coisa muito difícil que uma elite coloque um líder na praça da consideração pública, seja essa a mera praça regional, envolvendo-o com a fama de liderança – basta que ele tenha um bengalim na mão ou coisa que isso finja (uma simples esferográfica pode resultar...), bigode a dar ares amedrontadores ao lábio superior, uns óculos escuros se o olhar for ralo, e, naturalmente, uma dúzia de capatazes à volta aptos a desdobrar ordens e a negociar perdões.

Numa democracia, não é assim, nem pode ser assim – aí, um líder tem que necessariamente sair de um escol (não de uma elite...) e de um escol gerado e alimentado pelo confronto de ideias, de projetos de sociedade, de programas políticos e propostas de atuação. O líder, em democracia, sai daí, desse escol, e, se de facto é líder, sai com um golpe asa quanto a ideias para a região, com um projeto para a região, um programa para a região, propostas para a região, e com provas de denodada generosidade para com a região. Não é a oratória que se lhe exige, embora a oratória seja muleta, é a ideia, o programa, o plano, a proposta e, naturalmente, é a definição de valores que identifica um rosto de líder à légua pela sua credibilidade. E só depois disto tudo é que, se for o caso, vai a votos, ganhando ou tendo que dar lugar a outro, pelo que, já agora se acrescente que não é o cargo que faz um líder, podendo haver líder sem que seja algum cargo a sugerir tal função.

Desiludamo-nos, não é a regionalização do Algarve que por si só vai criar líderes algarvios ou uma liderança algarvia suportada com serenidade pelas alternativas dos partidos. Por palavras mais precisas, será melhor que não haja regionalização se não houver escol, pois o escol (e não a elite...) é a condição para a formação de líderes e lideranças sufragadas.

Ora, no Algarve, elites temos muitas, o que não falta por aí são elites – mas não temos escol, com bilhete de identidade. E tem o Algarve tido também chefes, muitos chefes, cada qual com uma montanha de interesses sobre os ombros mas sem um grama daquele peso pelo qual um escol apenas poderá certificar um espírito como tendo golpe de asa.

Carlos Albino

    Flagrante inevitabilidade: Cortes a doer nos municípios, e se não se começar pelas mordomias será mau, muito mau. Mau e feio. Feio e perigoso.