quinta-feira, 30 de novembro de 2006

SMS 186. Reforma de miscelânea para miscelânea

30 Novembro 2006

No sentido de conjunto confuso de coisas diferentes, as regiões de turismo têm sido miscelâneas. E, em um ou outro caso que o Algarve até conhece, a miscelânea até recuperou o significado inicial da palavra latina – alimentação dos gladiadores.

Ora, quando este governo anunciou uma reforma dessas estruturas anómalas, esperava-se, no mínimo, que se desse coerência ao sistema e se acautelasse, de uma vez por todas, esquemas nada claros e jogos de poder desenvolvidos a coberto da aparentemente cândida parceria entre Estado, municípios, patrões, empregados e mais gente que nem é uma coisa nem outra mas que aparece na parceria apenas porque há turismo que é a alimentação dos gladiadores. Mas não – pelo que se sabe, a reforma da miscelânea resulta noutra miscelânea a que se chamará agência, será tudo menos inequívoca descentralização (descentralização, de resto que chegou a ser anunciada, para as associações de municípios), e tudo menos o acabar com a alimentação dos gladiadores.

Naturalmente, isto não é reforma – é baralhar e dar de novo, e, pelo que se sabe, é lícito admitir que as cartas estejam marcadas com sinais do conhecimento de apenas algumas das dez futuras agências. E o Algarve, sem força e sem peso no Estado embora com enormíssima presença de receitas, perderá, quase de certeza, neste jogo desleal em que a descentralização não o trunfo, parecendo que, já se fugindo da regionalização como o diabo da cruz, até se começa a fugir da própria descentralização. Mas também é verdade que o Algarve político não tem feito nada para que assim não aconteça.

Carlos Albino

Flagrante contraste: Tanta chuva com as hidroeléctricas a rebentar e Castro Guerra não se ter baixado o preço da electricidade

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

SMS 185. A ponte e sem medo

23 Outubro 2006

Toda gente ficou a saber que Hugo Nunes (a emergir no PS, irá lá mas tem que ter cuidado), Jovita Ladeira (que está a ser agradável surpresa como especializada em especialidades), Mendes Bota (com mais ponderação no PSD, a idade vai obrigando a isso) e Miguel Tiago (que até parece pseudónimo do PCP no contexto das lideranças regionais), pois toda a gente sabe que os nossos deputados, do poder e da oposição, se uniram por causa da malfadada ponte Alcoutim-San Lúcar.

Exigem saber a «quem ficou incumbida a realização dos estudos e projectos preparatórios do projecto» que se arrasta desde a década de 90 e se o tema figura na agenda da próxima cimeira luso-espanhola. Não sabemos se uma pergunta destas deve ser feita a Lisboa que já nos habitou a poses reverenciais, ou a Madrid que já se acostumou a impor as regras.

Os nossos deputados (nunca com tanta propriedade se pode dizer nossos) deram, em todo o caso, um inédito exemplo de conjugação na defesa de um inequívoco interesse regional, tão inédito que, para efeitos da ponte, foi uma verdadeira união nacional – no bom sentido, há o mau. Só que o Ministro das Obras Públicas, Mário Lino, não há meio de ver as coisas com adequação e rigor. Numa intervenção na Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola (18 de Outubro), Mário Lino referiu-se à ponte de Alcoutim como exemplo, um mero exemplo para contribuir para «a redução do isolamento de algumas zonas transfronteiriças». O ministro ainda não percebeu que essa ponte é estratégica para o desenvolvimento da região, de toda a região, e não apenas para reduzir o isolamento de uma zona, enfim de uma coitadinha zona. Ora, a resistência de Portugal à Espanha e da Espanha a Portugal, hoje, não se faz com fortes e fortalezas com o medo fortificado lá dentro – faz-se com ligações. O ministro, pois, não deveria referir-se a Alcoutim receosa e vagamente como «um exemplo», mas sim como uma prioridade estratégica a inscrever na agenda luso-espanhola, com princípio, meio e fim, porque o Algarve precisa daquela porta de Alcoutim como outrora precisou daquele forte. O receio, o medo – coisa que os espanhóis perderam - isso, sim, o medo é que é mau iberismo, péssimo iberismo porque o iberismo é próprio de quem tem medo.

Carlos Albino

Flagrante contraste: Uma doação de 10 mil dólares por emigrantes a algo no Algarve e o cheque ter sido levantado em Espanha.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

SMS 184. Passar de uma fase a outra

16 Novembro 2006

Apenas por masoquismo ou por estranha punição, é que, ano após ano, década após década, uma eternidade, se aguentará andar sempre à volta da mesma coisa e nunca se passar desta fase. E a «coisa» para o Algarve está naquele discurso de que Lisboa não olha para nós, que o poder se esquece dos algarvios, que o Algarve caiu na injusta desconsideração do Estado, e que, portanto, todos os males e incapacidades de Algarvios não só se explicam pela alegada repulsa que o centralismo do Estado manifesta para o Algarve, como também as culpas próprias ficarão perdoadas.

Naturalmente que o Estado se esquece do Algarve, sempre se esqueceu ainda era Reino. E que o Governo esquecido está, na hora do Orçamento, dos grandes projecto e dos grandes planos, da infra-estrutura à cultura e pela ciência e ensino. E não apenas o Governo, é tudo por aí abaixo, por vezes escandalosamente e em pormenores que quase roçam a provocação, porque mal roçam, aí vem por aí abaixo um secretário de Estado ou até mesmo um Ministro com a missão de ressuscitar o entusiasmo dos enteados. E se não ressuscita, pelo menos cala e silencia. Esta do plano ferroviário foi a última, havendo mais antes, para não recordar o folhetim da auto-estrada e da célebre secretaria de Estado apresentada como bandeira da descentralização do poder e foi o que se viu – continuou a tradição do quartel onde se instalou: o regimento não ganhou uma única batalha e até se fardava mal.

Só que não se pode morrer nisto, andando à volta, partindo de um ponto e voltar ao mesmo lugar. Será talvez aconselhável passar de uma fase a outra, começando por identificar o que o Algarve pode fazer sozinho por si próprio, em conjunto. Por outras palavras, que se passe de uma fase à outra. Que fase? Bom tema.

Carlos Albino

Dois flagrantes contrastes: 1 - Vale do Lobo e petróleo. 2 - Vilamoura e co-icineração.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Sobre o estado do Algarve. Para breve, novo espaço

Em breve, além destas SMS que, desde há três anos (Maio de 2003) temos mantido com objectivo e limites claros - a exposição dos breves apontamentos semanais publicados no Jornal do Algarve -, vamos abrir novo espaço para intervenção diária, e, deste modo, mais próxima de acontecimentos, de factos e de decisões políticas com relação directa e útil para o Algarve. Mas também sobre as omissões. Dentro daquele princípio traçado por António Sérgio - abrir as avenidas largas da Crítica. Quanto às SMS, estas continuarão o seu caminho próprio de apontamentos, meros apontamentos, mas, para nós e para muitos leitores, importantes apontamentos.

Carlos Albino

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

SMS 183. Paciência de burro…

9 Novembro 2006

Bem queria ter-me enganado! Quando, em 2003, na cimeira da Figueira da Foz, Durão Barroso e Aznar puxaram do calendário salvador dos comboios, para que os circunstantes acreditassem que o futuro viria sobre carris, eu estava presente, mas confesso que não acreditei e disse-lhes não acreditar. E quando seguidamente me entregaram uma cópia do mapa de traçados com meio-metro de riscos bem coloridos para encher o olho e datas mais ou menos apelativas, mais para o Norte e menos para o Sul como sempre, tornou-se-me evidente que o Algarve estava a ser tratado como tradicionalmente – refugo. Além disso, senti alguma areia nos olhos, com a cultivada confusão entre TGV e Alta Velocidade, cultivada para efeitos mediáticos, sabendo-se que nem toda a Alta Velocidade é TGV. No Algarve funcionou – toda a gente falou então em TGV sem se aperceber das diferenças, ou então aperceberam-se e, por serventia política, ampliaram a confusão.

Em todo o caso, foi dito e assinado que a Alta Velocidade Porto/Vigo se concretizaria até 2009 (com Lisboa/Porto a ser da exclusiva responsabilidade doméstica, até 2013); Aveiro/Salamanca até 2015; Lisboa/Madrid (por Évora/Badajoz, com Elvas a sair do mapa) até 2010, e se Faro/Évora iria para as calendas domésticas, já Faro/Huelva teria concretização até 2018... E neste remate de negociações que Portugal foi forçado a aceitar, ficou mais uma lembrança da tibieza ou lassidão diplomática de Guterres que, enquanto foi tempo, decididamente não teve pulso – Barroso viu-se confrontado com a inevitabilidade das conveniências espanholas. O traçado por Badajoz foi de facto uma derrota negocial portuguesa.

E quanto ao Algarve, ficou o sonho de 2018 – que para coisa destas não é já amanhã mas depois de amanhã – o troço Faro/Huelva, melhor dito Huelva/Faro, nem mais um quilómetro à frente, muito menos Albufeira, fora da hipótese Portimão, e então Lagos!, que fique nos confins do mundo, o troço é uma metáfora que, sem polidez, põe à prova a paciência de burro que o Algarve revela. E sendo 2018 tão próximo para estes efeitos, o que espanta é que com tanto plano de ordenamento, plano de protecção, plano para a orla e plano para a borla, o que espanta é que mesmo esse pequeno troço, que não pode ser construído nas nuvens mas em terra sólida, não esteja à cabeça da discussão, da política e do interesse geral que, sublinho, deve ser sinónimo do bem-comum.

Carlos Albino

Flagrante contraste: A política que se auto-reclama do Algarve ou algarvia, e o que se sente ou o que a gente sente no dia-a-dia…

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

SMS 182. Que bando de passarinhos!

2 Novembro 2006

Sabem os leitores, e disso dei conta há precisamente 182 semanas – bastante tempo já para ainda haver distraídos – que estes apontamentos, meros apontamentos, se destinam a verter a inquietação, as inquietações de quem sente o Algarve e não pactua para fingir. A inquietação não é obviamente angústia. Aqui não há angústias, há apenas o desafio de, dentro do possível ser claro, e dentro do civilizado ser frontal, naquele fio da navalha que por vezes corta por verdade e outras por erro. Digamos que, ao longo destas 182 semanas, e porque de apontamentos, meros apontamentos se trata, temos seguido à risca aquela regra segundo a qual para bons entendedores, meia-palavra basta… É que não sejamos ingénuos - quem estragou, quem está a estragar e infelizmente quem vai continuar a estragar o Algarve, sabe o que está ou vai fazer, é um bom entendedor, aliás se não entendesse e bem, não estragava, embora se faça desentendido - o fingimento e não o segredo, para essa gente, é a alma do negócio. E então como essa gente gostaria que estes apontamentos fossem assim, deste género: «Os passarinhos de Aljezur a Alcoutim, coitadinhos, fazem os seus ninhos com mil cuidados. Arrancam as penas para aquecer os filhinhos nos beirais dos telhados, coitadinhos dos passarinhos, tão lindos são que comovem qualquer coração…» E por aí fora. Seria a melhor forma de não incomodar os que fizeram, fazem e farão o estrago. Por outras palavras – desejariam estragar à vontade. Mas pior do que aqueles que estragam, são os que, passando por desentendidos, beneficiam do estrago e passam por passarinhos, coitadinhos, nos seus beirais… São os oportunistas, tais avezinhas – grande bando!

Carlos Albino

Flagrante contraste: Alcoutim e Albufeira.