quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

SMS 146. O milagre da multiplicação

23 Fevereiro 2006

É um problema a que não consigo dar resposta. Possivelmente esse problema corresponde a uma daquelas condenações a que o ser humano está sujeito e que é a de, permanentemente, ter de se sujeitar ao dilema da escolha entre o grande e o pequeno, sendo que aquilo que é grande tem tanto direito e até legitimidade como aquilo que é pequeno. Isto a propósito do Carnaval ou dos carnavais – há um grande, os outros são pequenos, alguns pequenos já maiores do que eram, outros ainda mais pequenos, mas cada terra quer ter o seu Carnaval, convencendo-se cada uma que o seu Carnaval é o maior, o mais animado, o mais genuíno, o mais popular, por aí fora. E quanto mais carnavais, cada um deles mais freguesia tira ao outro, porque o Algarve tem a população que tem, os forasteiros são com o número que são e ninguém é omnipresente – ou se está num lado, ou noutro. É certo que todas as terras têm direito ao seu carnaval, nenhuma terra, grande ou pequena, pode reclamar um decreto que proíba o carnaval da outra, sendo também certo que, esta e outra terra, tal como na Política, também no Carnaval e nas mascaradas, ficam mais fechadas sobre si mesmas, a rirem-se de si próprias ou para si próprias, ou seja, se a festa do carnaval fosse procissão, fica cada terra a atirar os foguetes e a apanhar as canas. Acaba por não ter piada este milagre da multiplicação dos carnavais.

É claro que, para um optimista como eu que prevê sempre um fim trágico para tudo (permitam-me esta brincadeira de carnaval...), o caso até poderia significar vitalidade, força anímica e não apenas um estado de alma próprio dos macacos de imitação. Só que receio bem que tenha que ser, neste caso, excepcionalmente pessimista prevendo um fim alegre para tudo (novamente desculpas por repetir de outra forma a brincadeira...). E porquê? Suspeito que a pandemia da imitação – fenómeno que se transmite também das aves para os humanos – é já quase uma pose cultural. À falta de imaginação imita-se, copia-se.

Pois o que se passa com os carnavais do Algarve acontece com o resto das festas – da Política à Comezaina, da Cultura aos Cultos da Personalidade. Querença inventou, e bem, a festa das chouriças – pois há já chouriças por todo o lado. Silves, julgo que foi Silves, inventou a das cervejas – há já cerveja por todo o lado. Não vou ser exaustivo, mas há festas da sardinha por todo o lado, do marisco por todo o lado e dentro do marisco a festa do camarão, há feiras do livro por todo o lado, festivais internacionais por todo o lado, e, claro mas noutro plano que é aí que quero chegar, também a festa das marinas e das construções mafarricas por todo o lado – se Vilamoura tem, porque motivo Albufeira não tem, e se esta tem porque não Faro, e Tavira, e Castro Marim, e Lagos, e Aljezur, e Olhão? E já agora porque não se faz também uma marina ou um edifício de 18 andares neste preciso espaço deste mesmo apontamento, facilitando assim o trabalho de Lídia Palma que me atura todas as semanas no envio da prosa sobre a linha de risco do fecho do jornal?

Carlos Albino

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

SMS 145. Ministros e secretários absolutistas...

16 Fevereiro 2006

É evidente que o Presidente de São Brás de Alportel tem toda a razão, neste assunto do novo mapa das freguesias, ao questionar os procedimentos e métodos do secretário de Estado Eduardo Cabrita. A forma como este governo – não é só o secretário Eduardo Cabrita, há pior – , está a avaliar o Algarve, e sobretudo a maneira como pondera o Algarve Interior que é a maior parte do Algarve e também a mais pobre, com algumas áreas que são mesmo as mais pobres do País, é um erro. Um erro que corresponde ao desapontamento de muitos – o meu caso, para atalhar conversa – , e que certamente não dará regozijo a ninguém mesmo àqueles que nunca acreditaram e por isso não votaram na gente deste governo, porque o erro não é mais do que o prolongamento dos erros dos governos anteriores. Temos vindo a engolir, à vez.

O governo, melhor, alguns membros deste governo ainda não perceberam (perceberam, fingem é que estão despercebidos) que o facto de governarem suportados por maioria absoluta, não lhes dá legitimidade para serem absolutistas... Sim, para governarem como se fossem pequenos reis iluminados, cheios de algum direito divino, prescindindo pois da audiência pedida e da obrigatoriedade democrática da audição. Numa democracia, nada pior do que isto, sendo isto pior do que a arruaça – a arruaça ouve-se mas o absolutismo de gabinete é silencioso e quase sempre mata sem ai nem ui como espetar sabre no rim. Fazer isto é desvirtuar a democracia. É fugir ao escrutínio público por mais que se simule aparecer em público por via da televisão que se converteu na mais recente escrava da corte, ao mesmo tempo bôba da corte.

Eduardo Cabrita quer extinguir a freguesia de São Brás de Alportel? Então porque não consultou previamente a Câmara, porque não ouviu as populações? Também engoliu o garfo?

Mexer na indefesa organização administrativa do pobre Algarve Interior terá que ser feito assim, a traço de esquadro sobre o mapa das conveniências orçamentais, tal como a Conferência de Berlim desenhou a África?

Carlos Albino

PS: Já agora, fiz umas contas que as Estatísticas da Europa devem ponderar muito a sério – se o Algarve tivesse apenas dois habitantes, o Senhor André Jordan e eu, o rendimento per capite seria o que nem imaginam nem eu sei, mas que o Senhor Jordan sabe.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

SMS 144. «Discurso Algarve» praticamente nulo

9 Fevereiro 2006

Naturalmente que não podemos estar à espera de um decreto para que haja um «discurso Algarve» ou se ouça, mesmo ao longe, algum Algarve político no discurso político. Pela certa, esse decreto jamais virá de Lisboa. Não haverá decreto nesse sentido, nem esse discurso pode ser imposto entre nós, pela vontade de uns sobre a vontade dos outros. Resta-nos a constatação: politicamente o «discurso Algarve» é nulo. E porquê? Primeiramente, as iniciativas, poucas que sejam, visando a regionalização, pouca que esta também seja, tais iniciativas não têm consistência política e não ganharam a opinião pública algarvia que, de resto, cada vez existe menos, tão dividida e retalhada tem vindo a estar em função das autarquias cada vez mais fechadas sobre si e dentro de si, e em função de uma comunicação social que anda entre a sobrevivência e meia dúzia de ávidas considerações pessoais pois nada há a esperar da comunicação social de raiz administrativa (a pública ou, seja como for, a dependente do Estado, obviamente). Não há «discurso Algarve» - a Junta Metropolitana não assume nem deixam que ela assuma, a associação de municípios tem a unidade própria dos casais desavindos que em comum mantêm apenas a discussão pelo que recusam ao mesmo tempo a separação para que a discussão se prolongue como a única coisa que têm em comum, e, além disto, sobressaindo como causa também castrante de um discurso político próprio, acresce o jogo de manutenção ou disputa fratricida dos empregos políticos, supostamente bem pagos e que dependem meramente das políticas locais que, como se sabe, não brilham pelo escrutínio – muitas empresas tuteladas pelos municípios são exemplo desta falta de crivo ou de avaliação, responsáveis que são pelo aparecimento de uma nova classe de funcionários apolíticos, paradoxalmente os filhos mais legítimos ou legittimados da política. Ninguém, há escassos anos atrás, pensaria que o Algarve chegaria a 2006 sem lideranças (líder e alternativas a líder), sem uma ideia política discutida na avenida larga da crítica e, sobretudo, sem discurso. Ao Algarve chamam-lhe região mas não é, deram-lhe o título de metrópole mas não cheira a nada. Um caranguejo não pode passar por sapateira.

Carlos Albino

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

SMS 143. Terceiro Presidente

2 Fevereiro 2006

Cavaco Silva é o terceiro Presidente da República que teve o Algarve como berço, não interessando por agora se o Algarve ficou nos olhos em cada um desses três com a mesma intensidade – interessa o berço, a ligação inicial a algum destes 16 ladrilhos de barro autárquico, interessa aquela cor da terra nítida e do mar profundo que se grava nos olhos de criança e que faz com uma criança seja algarvia deixando para adulto o que queira ser em adulto. Estão neste caso Teixeira Gomes, Mendes Cabeçadas e agora Cavaco Silva – o “nosso” terceiro Presidente.

Teixeira Gomes, mesmo com o labéu da resignação em 1925 na sequência de um mandato marcado por gigantesca instabilidade política e social e passados escassos dois anos apenas após ter sido eleito no Congresso, obviamente tem um lugar na História mais pelo sulco que, como exímio estilista da língua, deixou nas Letras.

Para Cavaco Silva, a História começa em 9 de Março e porque se trata de História as adivinhações não têm legitimidade. Mas suspeita-se que fará História e aguardemos que seja boa História ou pelo menos História que reponha nitidez nesta terra e profundidade no mar – perdemos muita nitidez e muito mar.

Mas, lamentavelmente, apenas Mendes Cabeçadas está mal colocado na História. Mal e injustamente. Louletano, tal como Cavaco Silva, Mendes Cabeçadas nesse já longínquo ano de 1926 e com o golpe de 28 de Maio como cenário, recebeu do Presidente Bernardino Machado a chefia do Governo e com a posterior renúncia de Bernardino à chefia do Estado, Cabeçadas passou a exercer a Presidência da República por escasso tempo, escassíssimo, mas o suficiente para ficar com o ferrete de homem da Ditadura – o que não era, nem foi verdade. Mendes Cabeçadas, tal como outros grandes homens da época – Fernando Pessoa, António Sérgio... para não enumerar mais – aderiu ao golpe do 28 de Maio pensando que o essencial do regime constitucional ficaria acautelado e que a purga da corrupção e do tráfico de influências que então grassava e afundava o País seria uma purga transitória, breve e sem endereços para regime autoritário e de partido único. Mendes Cabeçadas, o homem a quem se deve o sinal de arranque da implantação da República, renunciou à chefia do Estado porque bastaram-lhe poucos dias para perceber onde estava metido e até à morte foi opositor da Ditadura.

Não é justo que Loulé, por exemplo, ainda não tenha promovido Mendes Cabeçadas ao seu posto de almirante (ainda o trata num largo de sub-mundo como tenente!) e os que o não têm em conta como o segundo Presidente algarvio, se calhar nem viram ainda quem a galeria presidencial do Palácio de Belém abre com o relógio pelo qual Mendes Cabeçada viu as horas em 1910... Por acaso Sampaio foi o primeiro em Belém a fazer a primeira justiça a este marinheiro sonhador que, sendo louletano, sempre esteve muito acima dos marinheiros de água doce que Loulé tem. Voltaremos a este assunto de Mendes Cabeçadas porque a anterior câmara local de Vítor Aleixo tem culpas no cartório apesar da santa paciência. Ainda bem que foi Sampaio a fazer alguma justiça porque se fosse Cavaco a fazer isso agora, poderia ser entendido como puxar a brasa à sua sardinha.

Carlos Albino