quinta-feira, 31 de julho de 2003

SMS 12 - A Justiça de Loulé tem saia de 7.032 Kms!

31 Julho 203

Num processo dito «urgente» fui, com muita honra, testemunha de um cidadão íntegro porque fora vilmente ofendido e infamemente prejudicado (crime de imprensa por atentado ao bom nome e imagem pública). Por força da lei, o processo deveria ter decorrido em metade dos prazos, mas levou cinco anos. Depois do arrastamento do caso por três anos, por grave erro de apreciação dos factos por parte do juiz de Loulé, começou enfim a saga do julgamento. E fui sendo notificado em Lisboa para comparecer, como testemunha, naquele tribunal judicial, com desmedidas ameaças caso faltasse injustificadamente: ora era a multa até aos velhos 160 contos, ora era a ordem da minha comparência sob custódia... Foi assim que andei em bolamas de Lisboa para Loulé, por treze vezes, para julgamentos falhados, em cada um deles com horas e horas à espera que o juiz chegasse do pequeno almoço, que o juiz comunicasse depois do almoço, que o juiz mostrasse que era meretissimo afinal simultaneamente em Ourique e em Loulé com as respectivas ajudas para o jantar. Por treze vezes, fiz o trajecto para nada e passaram mais dois anos, num processo a que a lei impõe celeridade. Em 17 de Maio de 2000 fui remetido para 6 de Junho, deste dia o julgamento saltou para 29 de Novembro, depois para 11 de Janeiro de 2001, seguiu-se 21 de Fevereiro, tudo então remetido para 20 de Setembro, foi marcada nova data para 13 de Novembro, aqui aprazou-se 3 de Dezembro que, em cima da hora, «ficou sem efeito» remarcando-se 7 de Dezembro que, também no próprio dia, voltou a ficar «sem efeito» para valer 10 de Dezembro que igualmente não valeu, pois virou a página do calendário para 2002 e lá fui eu de novo a caminho da Justiça de Loulé em 18 de Janeiro, sem adivinhar que lá teria de voltar a 28 para então ouvir uma rapariga, verde em leis mas com cara de pelourinho, a instar-me para ser rápido porque tinha que ir almoçar… Foi então que me interroguei sobre se teria valido a pena vencer os 293 quilómetros entre a minha residência em Lisboa e o digno tribunal para colaborar com a Justiça. Feitas as contas, com as treze idas e vindas, a saia da justiça de Loulé ficou com medida registada: 7.032 quilómetros. Quem acredita numa justiça destas com saia tão larga? Ninguém. Há pouco, um amigo meu que integra o Conselho Superior de Magistratura disse-me, a propósito: «O problema é que há justiça que é caso de judiciária e judiciária que é caso de justiça». Dá que pensar.

Carlos Albino

quinta-feira, 24 de julho de 2003

SMS 11 - Jardim das tabuletas

24 Julho 2003

Tudo serve. É uma tira de papelão (com mais garatujas que letras) atado a um semáforo do cruzamento de estradas, é um pedaço de tábua (que fora antes tampo de uma mesa) atado a uma árvore com arames, é um metro de plástico (desses, do lixo) armado em faixa... Tudo serve. E até há quem vá directo às paredes, aí escrevendo, às esconsas da noite, o que de dia surpreendentemente todos têm que ler. As tabuletas, desde a «çardinhada» no tal restaurante até à «noite expectacular» no dito bar com a «selebrada artista acurdeonista» enchem estradas e ruas a cada esquina. A somar a isto, há coisas mais elaboradas, saídas de tipografias, com ar de bem feitinho e que se colam labregamente umas sobre as outras em tudo o que seja sítio. Para cúmulo, ainda há as agências funerárias que por aí andam a pôr fotocópias pelas paredes com os mortos e até missas de sétimo dia, não tanto por atenção à dignidade dos mortos mas para reforçar o negócio dos enterros por entre a forte competição em matéria de funerais. Tudo isto se faz sem regras, cada um faz o que lhe apetece, numa espécie de civilização do feio, do sujo, do abjecto e da indignidade. Tenho andado por muitos lados, nunca vi igual. Nem no México, nem em Marrocos, nem no Irão, muito menos em Malta. E que tentem fazer isso em Espanha, em França, na Alemanha ou na Itália... Por todo o lado civilizado, quem queira fazer propaganda tem lugares certos: os jornais e as rádios locais ou regionais, onde a publicidade tem regras. Câmaras Municipais e Juntas de Freguesias têm culpa, enormissima culpa por este Algarve estar convertido num sórdido jardim de tabuletas. Há muita postura que não se aplica não pelo receio de perder votos mas pelo favor ao compadre. É um regabofe. Quando terminará? Será bom que termine.

Carlos Albino

terça-feira, 22 de julho de 2003

SMS 10 - Cinco liras na avançada...

17 Julho 2003

Ter ou não ter «cinco violinos» parece ser o problema número um daquela cultura nacional confinada à bola que não deixa de ser a cabeça mais redonda que anda pelo chão... A fórmula vem de longe, dos anos 50 do século passado, impondo-se como sinónimo do melhor que há para atacar com êxito e, sem desprimor, com os pés. Ora o Algarve que não tem «violinos», felizmente tem liras - instrumentos obviamente mais divinos, muito embora não dêem para os grandes negócios imobiliários da música de violino para certas autarquias. Como não se sabe qual das liras é melhor a outra, serve a ordem alfabética: António Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Gastão Cruz, Nuno Júdice e Teresa Rita Lopes. Desafio seja quem for a provar-me se Portugal tem noutro sítio melhor avançada de Poetas Vivos do que esta. Não tem.

Carlos Albino

segunda-feira, 14 de julho de 2003

SMS 09 - A detestável balcanização do Algarve

10 Julho 2003

Nos termos e pelos processos usados pelos que reivindicam novos concelhos neste Sul a que chamamos Região não sendo, é lícito perguntar a quem interessa uma balcanização do Algarve. Até é de menor importância, no caso em que a polémica mais se agudiza, se os de Loulé estarão mais próximos de serem bósnios ou se os de Quarteira são parentes dos sérvios, sendo eles, afinal, todos desta nossa paradoxal Croácia: rica no Litoral, remediada no Barrocal e paupérrima sem dúvida na Serra. A noção de cidadania envolve, por definição, a noção de solidariedade e é isso que não se detecta. Foi um erro crasso, ter-se impedido a criação da Região do Algarve - o único Concelho que verdadeiramente nos interessaria - tal como tem sido crasso erro manter-se a instituição das Freguesias no estatuto de menoridade ou secundarização política, sem competências e, em certos aspectos, sem a dignidade da representação que têm. A ambição de ser concelho surge assim como que querer ser balcânicamente um «Estado independente», supostamente livre de qualquer canga e sobranceria. Só que a balcanização do Algarve apenas será conseguida pelo preço de muitas e óbvias subserviências. O custo da não-Região, está à vista. O Algarve perde. Pensem bem.

Carlos Albino

quinta-feira, 3 de julho de 2003

SMS 08 - Estradas sem história

3 Julho 2003

É claro que não deixa de ser comovente que se escreva «Via do Infante» com caracteres góticos (nem a 20 à hora se decifram) e que por lá se meta a martelo um astrolábio, mas não haja lugar para o perfil daqueles barquinhos (os caíques) que tanto jeito fizeram ao D. Henrique, ou mesmo para um figo torrado que, como se sabe, foi fundamental para a aventura marítima. Todavia, é inacreditável que quer a Via do Infante quer o troço (ou entorse) que vem lá de cima, atravessem o Algarve como se o Algarve não tivesse história, sabendo-se que a referência à História é um dos poucos expedientes que, no espírito que viaja à velocidade legal, pode travar a velocidade dos loucos da frente e dos loucos que vêm de trás. Há o desvio para Silves, mas nem uma placa que assinale monumentos nacionais ou património classificado. Para Loulé, Faro, Olhão, Tavira e por aí adiante, nada também. Para o outro lado que é Lagos e dá rumo para Sagres, também nada de história... Inacreditável a cultura do betão.

Carlos Albino