quinta-feira, 30 de outubro de 2008

SMS 286. A entrevista do primeiro-ministro

30 Outubro 2008

José Sócrates falou de regionalização, na ciclópica entrevista para o DN/TSF e referiu-se a uma coisa chamada «maturidade» como condição para um governo seu avançar nesse processo. Com «maturidade» sim, sem «maturidade» não. E se em 2005, ele remeteu o assunto para depois de 2009, agora expressa a vontade e intenção de apostar na regionalização, mas sem se comprometer com datas – apenas com a «maturidade».

Mas «maturidade de quem? Do estado? Do governo? De cada uma das regiões? E se uma região que seja se revelar imatura, as restantes maduras terão que deixar a maturidade a fermentar? Sócrates não descreve o que, neste caso, deva ser a «maturidade indispensável» mas deixa sugerido que ela terá a ver muito com a desconcentração e que uma desconcentração perfeita ou razoável possa ser sinónimo da tal maturidade. E é nessa desconcentração administrativa do País que disse e reiterou estar empenhado neste mandato perto do fim.

Bem! Quanto à desconcentração, de acordo. Sempre aqui dissemos que se é a meta da regionalização que se marca como ponto de chegada, aí a natureza também não dá saltos, havendo degraus a cumprir por todos – pela administração e pelos administrados. Primeiro, desconcentrar serviços públicos; segundo, descentralizar comandos, e, por fim, a tal «maturidade» para a regionalização com o uso dos instrumentos democráticos do sufrágio para escolha de quem vai usar dos poderes regionais – problema que, por ora, não se coloca. Por ora, o problema é apenas o da «maturidade» do Estado na desconcentração e nos esboços de descentralização que está a fazer e como a faz.

Todavia, se a meta e a intenção é a da tal regionalização com maturidade, não há desconcentração nenhuma com o Estado a nomear pretores para as regiões, gente desligada ou gente que apenas está ligada por dois ou três negócios, por uma ou duas mordomias ou por uma sinecura, portanto gente que está por aqui mas continua com alma fora, que não pode dizer que o Algarve é «a minha terra» para o que não é condição ter berço aqui, enfim gente que à falta de poiso no Norte ou no Centro encontra um bom sítio no Algarve, não por opção mas por emprego político ou alguma conveniência pessoal que é antípoda da «maturidade» que Sócrates coloca como condição para a regionalização.

Pelo que clamorosamente se verifica no Algarve, o Estado está a revelar-se imaturo na desconcentração que diz fazer – nomeia gente como no quartel que em Tavira havia, se nomeava o oficial de dia e por turnos. No Algarve, é o Estado que tem sido imaturo.

Carlos Albino

      Flagrante prova dos nove: Seria um debate público, directo, cara a cara, entre Mendes Bota e Miguel Freitas sobre o Orçamento de Estado e implicações para o Algarve. Com tais figuras, teríamos o Teatro das Figuras repleto e possivelmente ficaria gente de fora.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

SMS 285. A fase do deixa-andar

23 Outubro 2008

Parece que vingou a regra do deixa-andar. Como se viu a propósito da RTA, apenas os nomes é que estiveram em causa, o 31 contra o 27, ninguém ficou a perceber bem que projecto, que ideia a fundamentar o projecto, que visão a fundamentar a ideia, que desígnio a justificar a ideia, no fundo, o que é que se quer ou se pretende para estas tristes quatrocentas e tal mil pessoas, para além das afirmações triviais, gastas e sabidas – ficaram portanto nomes em confronto e uns ressaibos para animar a cena, o que é muito pouco.

E não admira que assim seja. A política algarvia dá o tom – pobre de ideias, avessa ao debate, sem desígnio, sem projecto, sem ideias, sem visão que não seja a do feudo. Apenas nomes, dois três quando muito, cada um fugindo do outro mas à espera da roda da sorte eleitoral, é que parece sugerir que ainda há política, política algarvia. Se um defende com generosidade e até acutilância algo que se aproxime de um desígnio, o outro diz que defende o mesmo, se não melhor, sem explicitar bem o que defende, e o debate esvai-se, ficando um a falar sozinho e o outro a fingir que continua a falar na companhia de reservados. É o deixa-andar.

É claro que deste deixa-andar, as primeiras vítimas serão os próprios profissionais da política. Nas autarquias, porque os decisores eleitos estão atados pelos decisores efectivos que não são eleitos e que, em nome de critérios sobejamente técnicos, mais não fazem do que decidir em função de interesses que fogem da política e que vergam a decisão política. No parlamento, porque o eleitor, o cidadão comum, cada vez percebe menos porque é que há um círculo eleitoral pois quem representa, de facto exerce a política, mas não faz política apesar das aparências da actividade que o dever de oposição determina. E das instâncias delegadas, desconcentradas ou «regionalizadas» como para bom-tom se diz, nem se fale, porque, aí, a sobrevivência nos cargos pia mais fino – apenas candidatos a mártires arriscam, e até os mártires estão a desaparecer, porque não há mártires no deixa-andar.

E perante isto, até talvez seja melhor escrever sobre os passarinhos, coitadinhos, que fazem seus ninhos nos beirais, criando os filhinhos e fazendo enxovais no seu deixa-voar, etc, etc… Até se escreve melhor, é menos incómodo e proporcionará que cada político que encontre o autor, lhe dê uma palmada de júbilo nas costas e diga, aí sim, alto e bom som: «Grande prosa! A democracia precisa é disso!».

Carlos Albino

      Flagrante descoberta: Essa, a de que os comboios no Algarve dão prejuízo. Sem ligação a Espanha e sem perceber que um Algarve sui generis cresceu para outros lados, o que é que o dono dos combiois queria?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

SMS 284. Invocar a crise…

16 Outubro 2008

E anda bastante gente a invocar por aí a crise para o que lhe convém. É verdade que há crise, embora a crise de cada um dos portugueses, no seu dia a dia, seja hoje praticamente igual à de cinco, dez, vinte anos atrás… Dos portugueses, na sua maioria. Porque há, de facto, uma minoria de portugueses que, ao invés dessa maioria, apenas entra em crise quando lhe convém – e que boa oportunidade não é esta, para essa conveniência de atemorizar e tanto mais enquanto é tempo. Esta gente invoca a crise como os crentes hipócritas invocam deus – invocam o santo nome da crise em vão.

Crise no Algarve haveria e de que maneira, se de Londres ou de Zurique fossem dadas ordens para encerrar hotéis da cadeia (poucos há fora da cadeia); se não fosse anunciado novo e ainda maior hipermercado depois de inaugurado um outro tido maior do que o da véspera embora todos eles se designem por «grandes superfícies»; se o golfe deixasse de ser ouro, como diz Manuel Pinho; se os casinos deixassem de alimentar o vício do jogo ruinoso para alguns calados da tal minoria que no dia seguinte se queixam da crise perante trabalhadores e credores; se as câmaras deixassem de fazer o inadmissível mas fazem porque vêm aí as eleições (a crise, para algumas câmaras gastadoras até dizer basta, só virá depois das eleições, vão ver); enfim, crise grave haveria se a Política (letra maiúscula, a das ideias e a do debate crítico, não confundir com a política minúscula, a dos cálculos e empregos) não continuasse à espera do dono, na secção de perdidos e achados da PSP de Faro, e por aí fora.

Naturalmente que a crise, a crise financeira internacional provocada por uns tantos anónimos internacionais que não deveriam ficar impunes por terem procedido na floresta do sistema como os predadores na Amazónia, é um facto e que era esperado – seria difícil admitir a vigência das leis da selva no centro da civilização. Mas uma coisa é a crise desses índios e os seus reflexos em Wall Street e nas praças de Londres, Zurique e Frankfurt (o resto é paisagem) e outra é o pretexto da crise usado com desfaçatez no Cachopo ou em Marmeleite. Não chega lá.

Carlos Albino

      Flagrante constatação: Isto a propósito - o pior dos paganismos, o paganismo repulsivo, é o que entra pela igreja adentro.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

SMS 283. Apenas da maior importância

9 Outubro 2008

Há conferência em Faro, dia 18. Não é para bajulices, para atribuição de medalha, para encómio de governante ou escárnio de opositor. «A Ferrovia, o Algarve e a Europa», chama-se. É o PSD a organizá-la, podia ser outro, nem interessa porque o que interessa é o tema. E com os protagonistas certos – o ministro que acordou com os espanhóis, em 2003, o calendário do TGV português, onde o Algarve contava (Carmona Rodrigues), o coordenador da CP no Algarve (Luís Alho), o coordenador do Grupo Técnico para o Estudo da Mobilidade (Pinheiro Henriques), o presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento do Transporte Ferroviário (Arménio Matias) e, compreensivelmente, as vozes que o PSD, sendo anfitrião, tem para o caso - para além do líder regional do partido, Mendes Bota, o deputado Jorge Costa e o presidente da AMAL, Macário Correia, e com isto lá se vai já metade do espaço para este apontamento. Mas que o tema é da maior importância, é, num tempo em que o ministro Mário Lino fala 17 horas e meia para compensar o Oeste de um aeroporto que nunca existiu, e reserva para o Algarve quatro minutos e dois segundos, sendo dois desses minutos para falar no Algarve sobre o Oeste. Metáfora, claro.

É verdade que para o Algarve nunca esteve previsto um TGV mas apenas um comboio de alta velocidade entre Faro e Huelva (nem toda a alta velocidade é TGV), programado para 2018. Por acaso, estive nessa cimeira da Figueira da Foz e as circunstâncias proporcionam que, logo na ocasião, dissesse a Durão Barroso e a José Maria Aznar, primeiro a um, depois a outro também por circunstância, ter dúvidas e mesmo descrença que algum dia houvesse alta velocidade entre Huelva e Faro, mas que se isso acontecesse, mesmo uns dez, vinte anos depois em 2018, seria uma excepção no histórico da visão de Lisboa relativamente ao Algarve. Que não, disseram ambos, e quase chegaram ao Pare, Escute e Olhe. E está-se a ver, a escutar e a ouvir.

Em todo o caso, honra lhe seja feita, Mendes Bota mobilizou em alta velocidade a sua área política para falar do caso e é de ouvir e registar o que vai ser dito na conferência. Porque quem não fala no caso como devia e podia, está a perder não só o pendular mas também o intercidades.

Carlos Albino

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

SMS 282. Linhas de água

2 Outubro 2008

Para que não restem dúvidas e, sobretudo, para que se eliminem suspeitas, deveria ser feito um levantamento do que no Algarve se tem construído e como se tem construído nas linhas de água e nas áreas de previsível influência do mar. A olho nu, nota-se que muito está mal, ou por decisões apressadas, ou por interesses cuja decifração corre em surdina mas que ninguém assume. Assim a olho nu, quem observe o que se construiu e como se construiu na costa e o que já vai invadindo o interior com indisfarçável voracidade, não é difícil chegar à conclusão de que muito está mal. A tal ponto que, hoje, «o que se fez no Algarve» ou «a tragédia urbanística do Algarve» já é uma bitola pelo País afora para avaliar o mau grau do que parece estar mal pelo mesmo País afora, com alguma chuvada inesperada a dar fundamento às impressões, pareceres intuitivos ou mesmo suspeitosos de cada um. Será bom acabar com isto através de um estudo sério, rigoroso e célere que desse azo à elaboração de um livro branco sobre a construção civil e obras públicas no Algarve, porque nem tudo o que aconteceu com as últimas chuvadas se explica por falta de limpeza de colectores, caixas e sarjetas de rua ou por atulhamento de ribeiras, algumas já esquecidas como ribeiras que a natureza cavou sem inteligência imobiliária. Como nem tudo o que pode vir a acontecer – oxalá que não – se poderá explicar com o desnorte dos anos 60-80, nem com as excepções de correcção do PROTAL.

Parece que há estudos ou avaliações sobre quanto o mar poderá subir ou quando e em que circunstâncias subirá, também parece que há avaliações sobre as águas subterrâneas e outras águas de que cada projecto ou plano de golfe carece, mas desconhece-se alguma reflexão segura sobre as águas que podem cair do céu, para onde ou por onde elas têm que escorrer e se muita construção por aí feita não briga com a força natural das coisas. Naturalmente que o problema não é o da manilha mais larga ou menos larga, mas sim o das linhas de água em todo o mapa do Algarve.

Carlos Albino

      Flagrante mau filme: O da direcção-geral das Artes, acusada pela associação DeVIR de se esquecer de orçamentar verba para financiar o 11ª edição do Festival Internacional de Dança Contemporânea «a sul» envolvendo cinco autarquias algarvias e 13 companhias de dança convidadas (oito do continente africano).