quinta-feira, 29 de agosto de 2013

SMS 528. O que é demais não presta

29 agosto 2013

Ainda me recordo de eleições autárquicas em que a publicidade partidária até usava avionetas com longos panos a esvoaçavam sobre aldeias, vilas e cidades apelando ao voto, numa manifestação de poder, força e dinheiro. Na inteira propriedade do termo, tais avionetas pagas sobretudo por empreiteiros e ofícios liberais correlativos, voavam acima das nossas possibilidades. Entretanto cá em baixo, aquilo é que eram montanhas de esferográficas, cachecóis, bonés, medalhas e medalhões, tudo para lançar o “nome”, para afirmar a suposta autoridade moral do candidato e fundamentalmente para caçar o voto, como um período eleitoral fosse uma época de caça. Muito pobre diabo assim se transformou, apenas por via do slogan lá em cima e dos bonés cá em baixo, em luminar e em génio da política local, embora pouca luz irradiassem e raros pensamentos próprios fossem capaz de apresentar sem o papel de auxílio escrito por terceiros. Depois, os “caçados” foram vendo o comportamento dessa gente, uns atrás de outros, nas jogadas de interesses, na ginástica de fazer legal o ilegal, lícito o ilícito e na arte de dar um ar sério às brincadeiras com o interesse geral e às trafulhices com o bem comum. Alguns casos pontuais transformaram-se em escândalos, mas, de modo geral, tudo o que não chegou a escândalo contribuiu para a abstenção dos eleitores, para o desapontamento dos contribuintes e para a descrença dos cidadãos.

Agora, os partidos fazem questão em não fazer espavento financeiro com as propagandas eleitorais, como dizem, devido à crise, mas também, como deixam sugerido, porque numa sociedade com gente à fome, desempregada, indefesa, com a maior parte das pessoas a não saberem como será o dia de amanhã e até como vencerão o dia de hoje, o dinheiro gasto a rodos com a propaganda produziria o efeito contrário ao desejado. Mas ainda assim há bastante espavento. Aqui e ali, há sementeiras de cartazes que são uma agressão e uma ofensa a quem conta os cêntimos para enfrentar o dia a dia, e que já aprendeu na pele que o bom candidato não depende do cartaz mas das suas ideias, do seu programa, das suas propostas, da sua visão da sociedade e das garantias ou provas que o seu passado pessoal dá.

Só que a força do marketing político de fatela e o desespero de alguns em caçar votos, levam ainda alguns a continuar os velhos métodos que contribuíram para pôr nódoas nesta Democracia. Não resisto a observar que alguns desses cartazes mais me parecem cartazes de aiatolas do Irão, caras enormíssimas semelhantes às dos aldrabões sorridentes, supostamente dominadoras das opiniões públicas locais, mas que espremidas dão em cabeças de alfinete.

Carlos Albino
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Flagrantes desperdício: Surgem por aí uns livros editados com apoios autárquicos, que são desperdício de dinheiro, massacres para quem tenha o mínimo de cultura, inutilidades para a instrução pública, alguns verdadeiras peças pimba, embora sejam monumentos de vaidades pessoais de gente que apenas sonha com os seus nomes numa travessa local. Enfim, com papas e bolos…

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

SMS 527. Terra de ninguém

22 agosto 2013

O primeiro-ministro esteve a banhos na Manta Rota, dias calmos, e ainda bem, porque a democracia exige serenidade na manifestação pública e respeito pela vida privada. No final da semana passada, foi a rentrée política no Calçadão de Quarteira, com o que se convencionou chamar Festa do Pontal, onde não faltaram ministros por conveniência, dirigentes no seu direito ao palanque e comentadores que nos restantes dias do ano pintam a cara de semi-independentes e se reclama de estar “fora da política ativa”. Enfim, foi o Pontal. Mas o curioso é que Pedro Passos Coelho, tendo estado uma semanita no Algarve e discursando no Algarve, sobre o Algarve nada disse, e para o Algarve não disse nada. É como se tivesse falado numa terra de ninguém, onde não está ninguém, ou onde se alguém está, é de passagem pelo Pontal. Sendo a região do País mais fustigada pelo desemprego, com gente mais do que assolada pela fome às claras, e das mais atingidas no seu coração económico pela crise financeira, com a construção civil parada, as autarquias nas lonas, o comércio a fechar e os serviços a fazerem das tripas coração, pois em cima do vulcão social, o primeiro-ministro nem uma palavra dirigiu ao alvo, entretendo-se em esperanças gerais e com alfinetadas retóricas.

Se fosse regra não falar dos dramas locais, com certeza, seriam critérios discutíveis, mas critérios. Mas não tem sido assim noutros lados. Por exemplo, noutra festa, a Festa do Bodo no Pombal, dias antes de vir para a Monta Rota, Pedro Passos Coelho, segundo os anais, andou um quilómetro a pé numa volta às obras de recuperação urbana. E uns dias antes, noutra festa, a Festa das Romanas, nas Pedras Salgadas, também andou por lá, falou de lá e para lá. Mas em Quarteira, e naquele Calçadão que é a capital do Algarve em estado puro, foi como que falar do nunca em terra de ninguém.

Ele não fez sequer 20 metros a pé, perante as câmaras de televisão, para se inteirar das obras de requalificação do muro de Berlim que é a estrada 125; não fez uns 15 metros que fossem para comprovar o abandono de Faro; dois metros para indagar as consequências para as populações do regabofe financeiro das câmaras de sua simpatia ou de algumas outras de sua antipatia; ou, o que seria quase um milagre, um passo para lançar a segunda pedra no Hospital Central do Algarve. Nem fez isso, nem falou disso, como passou ao lado das dramáticas questões de segurança da população residente e visitante, da bela obra dos mega-agrupamentos escolares que espatifaram com o que melhor havia no sistema de ensino numa população dispersa mas coesa, não perdeu cinco minutos para ouvir os pequenos comerciantes, os pequenos empreiteiros, os pequenos agricultores, todos os pequenos que são o tecido do Algarve. Mas se não escutou, não foi ver, ou não lançou uma segunda pedra, também isso se compreende em função da agenda. O que não se compreende é que venha ao Calçadão de Quarteira, faça a sua rentrée política no Algarve com todo o bronze e trate esta terra como terra de ninguém. E assim sendo, para os algarvios, foi a Festa de Ninguém.

Carlos Albino
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Flagrantes jogos informáticos: Ou muito nos enganamos, há por aí uma candidatura autárquica cujos jogos informáticos não são caso jornalístico, são caso de polícia, de procurador e de tribunal.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

SMS 526. A questão ética dos mandatos

15 agosto 2013

A 45 dias das eleições autárquicas, os tribunais pronunciaram-se pela inelegibilidade de dois candidatos no Algarve (Francisco Amaral em Castro Marim, após cinco mandatos em Alcoutim, e José Estevens em Tavira, depois de quatro mandatos em Castro Marim). Nos restantes nove casos de impugnação no resto do País, os tribunais dividem-se. Como é sabido, as sentenças de inelegibilidade não são pedra sobre o assunto, porquanto há a hipótese de reclamação e ainda a de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo ser colocado um ponto final apenas a 9 de setembro, ou seja, escassas três semanas antes do sufrágio.

Está fora de questão que Francisco Amaral e José Estevens não mereçam prosseguir para um sexto ou quinto mandato noutra terra paredes-meias com as terras onde esgotaram o número legal de mandatos, como fora de questão está que outros autarcas, alguns bons e com provas dadas, não tenham mérito para andar com a casa às costas num singular nomadismo autárquico. Sabemos todos que alguns bons autarcas viram impedido mais um fôlego à frente dos “destinos da terra”, não por demérito ou punição mas porque a lei é a lei. Mas não é só a lei.

A questão é de ética, de ética política. Prende-se com o espírito da lei, com a intenção da lei, com o pressuposto ético que informa a lei. Está muito para além da questão do “de” ou “da” que a Presidência da República descobriu, num daqueles momentos de minudência que não tem, quando contrações de preposições com vogais surgem avantajadas à frente dos olhos, como no caso do BPN.

A lei foi confecionada para tolher uma excessiva permanência de autarcas no poder local (presidentes de câmara e de juntas) e fixou o limite em três mandatos sucessivos. Para voltarem ao cargo, só depois de um quadriénio de interrupção. Já se chama a isto quebra-cabeças, que assim é num ponto de vista pura e simplesmente legal, compreendendo-se dessa forma as interpretações contraditórias dos tribunais. Já  de um ponto de vista ético ou de ética política, ou seja, indo ao encontro da intenção ética que subjaz na lei, não se vê onde haja quebra-cabeças. De um ponto de vista estritamente ético, a limitação de mandatos não humilha os autarcas inconformados, reduzindo-os à situação de caracóis com casa às costas. A lei diz-lhes – “interrompam a renovação sucessiva de mandatos” e assim se titula, independentemente do onde, com quem, para onde.

Como a questão é ética, de ética política, é no mínimo estranho que se pretenda que sejam os tribunais a decidirem uma questão ética, empurrando-se tudo até ao Tribunal Constitucional como se este fosse um supremo tribunal ético ou suprema instância de gramática caso o assunto ainda esteja no “de” ou no “da”. E a questão é ética porque como toda a gente sabe embora alguns finjam não entender, a limitação de mandatos apenas visa impedir que a corrupção e o tráfico de influências entrem pelos municípios e juntas adentro com falinhas mansas e ofertas tentadoras como a cobra do paraíso. O escrutínio público não está nos três mandatos, está na interrupção. É uma interrupção cautelar e que, por sinal, até deveria ser entendida e assumida como protetora dos bons autarcas.

Carlos Albino
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Flagrante Pontal: Agora que o tempo passou e permite comparações, saudades do Pontal de Sá Carneiro, aberto, sem medos, corajoso, convivial, sem necessidade de cordões de polícia, enfim, festa democrática diferente de outras festas porque a democracia é isso – pluralismo, e o sinal de saúde da democracia também é isso – ausência de receio e de medo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

SMS 525. Publicidade política enganosa

8 agosto 2013

Vai para quase século e meio, Bismark observou que “Nunca se mentiu tanto como em vésperas de eleições, durante a guerra e depois da caça”… A questão não é que isso não pudesse acontecer no final do século XIX, quando as democracias saíam de sistemas obsoletos e quando grande parte das sociedades estava mergulhada no analfabetismo e organizada em compartimentos estanques, sendo que os mais pobres, desprovidos de haveres, sem acesso à cultura, a postos de decisão e ao próprio voto, eram mesmo estanques. O problema é que, passados cento e tal anos, a frase de Bismark continua a ter atualidade, com a mentira a aparecer mais sofisticada ou disfarçada, com subtilezas e ardis.

É claro que numa sociedade evoluída, a publicidade ou propaganda política enganosa acabará sempre por provocar o efeito de boomerang sobre a cabeça dos candidatos que a tais métodos recorram. O cartaz pode ser um primor de marketing e o slogan poderá parecer uma mensagem caçadora do voto, mas quem se apercebe do logro, do ardil e do procedimento enganoso, acaba por punir o seu autor ainda que fotografado na pose mais majestática, civilizada e aparentemente séria. Como no século XIX, sentido por Bismark, isso apenas funciona junto dos que, sem culpa, foram condenados ao atraso, mas que são os alvos preferenciais de quem não olha a meios para atingir os fins. Aqui e além, vê-se isso, nota-se isso, expõe-se isso à vista de todos. Cada um que conclua.

Muito gostaria que neste Algarve democrático do século XXI, os partidos (todos) não mentissem em vésperas de eleições, não mentissem como se escolher ideias, programas e gente séria, fosse andar na guerra, e não mentissem como se a conquista do poder (no caso, o poder local) fosse como contar perdizes dadas como prova de tiro certeiro mas que, em verdade, foram adquiridas no supermercado e penduradas à cintura pelo farsante caçador.

Não há lei nem decreto possível que impeça a mentira depois da caça, durante a guerra e em vésperas de eleições. Há apenas leis e decretos para a caça ilegal, para a guerra que viola a protecção de dados pessoais e para a compra de votos em vésperas de sufrágio. A frase de Bismark, vinda desses confins de 1890, dirige-se apenas à consciência de cada um – à consciência dos candidatos e à consciência dos eleitores. O outdoor, esse, não tem consciência, mas quanto mais uma sociedade é culta, mais boomerang se torna, sendo conveniente até saber o que é boomerang – arma de arremesso que cai sobre a própria cabeça de quem o atira.

Carlos Albino
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Flagrante oferta: Vítor Neto enviou-me o seu “Portugal Turismo – Relatório Urgente / Onde Estamos e Para Onde Queremos Ir”, que apenas conhecia de episódica recensão. Vou na pág. 58 (são 181) e vai de certeza dar azo a um apontamento. Pelas 58 páginas já lidas, precisamos muito de Vítor Neto.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

SMS 524. Património do Algarve

Guilherne d''Oliveira Martins no jantar-debate em Querença
1 agosto 2013

Pergunta simples mas importante foi dirigida a Guilherme d’Oliveira Martins no final de uma palestra sobre bens culturais, em Querença, na noite de sexta-feira passada: (fotos em cima e no final deste texto). Em resumo, a pergunta foi esta: A atenção deve ser dada com primazia para o património imaterial ou para o património material? A resposta não se fez esperar: para os dois em simultâneo porque um está intimamente ligado ao outro. Homenageava-se na ocasião Manuel Viegas Guerreiro, filho de Querença, um dos mais notáveis operários do património imaterial que lhe passou pela vista ou pelas mãos, e que deu nome a fundação exemplar encastoada na magnífica falda inicial da serra algarvia. Resposta certa, porquanto quer seja a poesia popular, sejam provérbios, sejam cantares, sejam quaisquer manifestações depuradas artisticamente da tradição e das gerações, das mais eruditas às mais espontâneas, todo o património imaterial não se desliga das pedras de construções históricas ou de qualquer marco que testemunhe a ocupação humana, a vontade humana e o significado mais ou menos vasto, mais ou menos emblemático para a humanidade, desde a humanidade que faz fronteira com cada um de nós até àquela humanidade que julgamos longínqua mas que cada vez mais tem vindo a visitar a nossa casa e só a volta a visitar se a dermos a conhecer, conhecendo-a.

Mas, dada a resposta, acabado o debate e feitos todos os cumprimentos devidos, vindo de regresso naquelas curvas da estrada, fui acrescentando algumas observações naquele debate íntimo que a gente faz sempre quando se acaba de participar numa “sessão em cheio”, como se diz. E o que acrescentei? Acrescentei que tão importante como a simultaneidade de primazia para patrimónios imateriais e materiais, é o seu escrutínio e que se o escrutínio do que se recebe do passado (material ou imaterial) pertence ou deve pertencer, numa primeira linha, a toda uma legião de especialistas intelectualmente sérios e escrupulosos, e, numa segunda linha, aos curiosos de valores e amantes de identidade cultural, já o escrutínio do património que se vai construindo ou modificando sob os nossos olhos, pertence não apenas a especialistas mas a todos os que ocupam esta terra chamando-lhe “nossa”, no momento da construção ou da modificação.

Puxando pela memória do que mais recentemente se tem construído no Algarve e que vamos deixar para os vindouros precisamente como “património construído”, há de tudo, do excelente ao péssimo. É excelente o que se integra na paisagem, o que se integra sem violência na arquitetura algarvia (temos uma arquitetura), o que entretece o moderno com o adquirido histórico. É péssimo o que não passa de enxertia do exótico, de transposição de outras culturas para a nossa cultura e para a nossa paisagem, e sobretudo em aldeamentos e urbanizações turísticas o que não passa de colonialismo abancado infantilmente por imposição do investimento ou do investimento desprovido de tato, de vista, de olfato, de sabor e de audição. Não admira que muito deste património que se vai construindo seja votado ao fracasso e tenha já mergulhado no fracasso.

Um exemplo? Pois que êxito pode ter na paisagem e na história algarvia (o presente rapidamente é passado) uma urbanização apenas concebível e aceitável em Marraquexe ou na periferia de Casablanca? Podem fazer isso com golfe, mas o único êxito ficará confinado ao golfe.

Portanto, primazia concomitante para o património material e património imaterial, mas nenhuma primazia para o fracasso. Este é que deve ser riscado da história presente, da paisagem a que desejamos que tenha futuro, além de que, certamente, não fará parte da poesia popular nem constará em nenhum provérbio que prove sabedoria. E pelo fracasso somos todos responsáveis, a começar pelos que não escrutinaram e deviam ter escrutinado.

Carlos Albino
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Flagrante proximidade: É que, nesta quinta-feira, faltam apenas já 58 dias para as eleições autárquicas. Muito pouco tempo para trocar as voltas.
Edifício da Fundação Manuel Viegas Guerreiro (em Querença), quando da inauguração
registando-se a presença do presidente da instituição, eng. Luís Guerreiro
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