quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

SMS 393. O problema está no próximo

30 dezembro 2010

É que, quanto a mensagens, o país não tem razão de queixa – somos um povo rico em mensagens. É do chefe de estado, é do primeiro-ministro e de alguns ministros e, em tática antecipação de todos eles é a mensagem do titular do governo civil, é a mensagem do cardeal antes do bispo ou do arcebispo antes daquele, é do presidente da câmara, é do regedor, é do líder de oposição (desta vez, como nos velhos tempos das conversas em família – lembram-se? -, com lareira atrás), é mensagem lustrosa do homem da empresa pública impressa em papel couché, por certo com motivos para se sentir num estado dentro do estado, enfim, as mensagens partem de onde menos se espera, do chefe do futebol que lê mal o que outro lhe escreve, ao chefe de escuteiros. Ainda não agora, mas pelo andar da carruagem, pouco falta para o arguido célebre ir com todas as honras à televisão comunicar a sua mensagem, ou até mesmo para o delinquente que escapou por um triz nos entrar casa adentro com cara do próximo santo feito pelo papa pois neste país basta não ter sido condenado para um algum camelo artista passar pelo fundo da agulha com uma tremenda e esmagadora lição de nora. Portanto, estamos ricos em mensagens, embora de toda essa montanha de prosa do final do ano, a rigor apenas interessam duas: a do Presidente da República que é escolhido, e a do Primeiro-Ministro que é eleito – daí, as maiúsculas que se lhes destinam.

É claro que as mensagens do Chefe do Estado e do Chefe do Governo – continuamos com maiúsculas – tiveram a sua piada. A do primeiro porque é escolhido; a do segundo porque é eleito. Não está aí o problema. Quanto ao primeiro que é escolhido, ele sabe que não pode falar de Natal sem ter em conta o denominador comum e que também não pode falar do Ano Novo alheio ao máximo divisor comum – é uma questão de fazer bem as contas. Quanto ao segundo que é eleito, também não há grande problema sabendo ele que cada mensagem tanto pode equivaler a queimar os últimos cartuchos como também a preparar o próximo foguetório – é uma questão de jogo.

Então onde está o problema? O problema, voltando às minúsculas, está no próximo chefe de estado que não deve estar longe do escolhido e do próximo chefe de governo que, em democracia, está sempre perto de ser eleito. Pelo que ouvimos e sabemos, resumindo e concluindo, para pior já basta assim. Estamos feitos.

Carlos Albino

    Flagrante momento de serenidade: O do concerto do Ano Novo da Orquestra do Algarve, desta vez no Casino de Vilamoura. Obrigado ao maestro Osvaldo Ferreira e obrigado a todos os músicos, do primeiro violino até aos da percussão, lá atrás, que nós, os espetadores, estamos fartos de ser os bombos da festa.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

SMS 392. Anónimos e cobardes

23 dezembro 2010

Deus não foi totalmente previdente na escolha do local e do momento para o seu filho humano nascer – escolheu um estábulo e não esperou pelo século XXI, fez mal. Assim, deixou que o diabo faça nascer não apenas um mas os seus milhares de milhares de filhos nesse local que onde tudo o que apareça fica aparentemente eterno – a internet. E aí temos os diabos à solta, sob anonimato e cientes da impunidade, atacando sem fundamento seja quem for. Insultam, caluniam e mentem sem consequências. Sabem que a justiça não lhes pode bater à porta, ou que, quando pode, demora dez anos a subir o degrau da soleira; sabem que a delinquência impera tornando os delinquentes solidários entre si por questão de sobrevivência, e sabem que a cobardia já quase tornou num valor moral, tanto que é pela cobardia que exibem que a maior parte desses diabos chega a usufruir de consideração pública e até de prestígio.

Bem vistas as coisas, esses pobres diabos não fizeram mais nada na vida do que roubar, aldrabar e fugir em algum momento em que prevejam acerto de contas. Mas agora que a internet proporciona a qualquer ladrão arvorar-se em figura proba e que faculta a qualquer delinquente fazer de juiz aparentemente imparcial, aí temos esses filhos do diabo a vingar o facto de algum bem ter nascido num estábulo e sobre palhas.

Sem que a gente proba disso se tenha dado conta, esses diabos instalaram já um clima de guerra civil, matando à queima-roupa quem lhes descubra o rabo-queimado de mafarrico. O que tais diabos conseguem fazer já está a ultrapassar as marcas, mas é o que querem: fazer da vida dos outros: um inferno.

Carlos Albino

    Flagrante postal de festas: Bom Natal para todos os leitores

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

SMS 391. O escaravelho da palmeira


16 dezembro 2010

Os estragos deste bicho estão à vista, o leitor sabe do que se trata. Por mais antiga que seja a árvore, por mais robusta que pareça e por mais amores que tenha coberto no jardim público ou confrontos que tenha testemunhado sem olhos na avenida da terra, aquele animalzinho ataca, mina num mundo que ele constrói no meio de um barulho arrepiante para nós, os humanos, mas que para ele é a sua música clássica.

Por regra, esse bicho adota a designação de dinâmico, veste como qualquer pessoa que se preze, percebe das causas e dos efeitos da crise pátria, entra nos cafés quase sempre sorridente com bom dia para a direita e boa tarde para a esquerda, enfim, é um senhor, mesmo que em criança, mexido como sempre foi, sentisse o tom pejorativo do que o pai ou mãe, vendo-o desmedidamente irrequieto, lhe dizia – “Moço! Até pareces um escaravelho!”.

Quando a idade lhe dá carapaça retirando-lhe o líquido viscoso de larva, é então que ele se dedica à sua principal missão e que foi sempre a mesma: roer o tronco onde se encontra alojado.

Se está num partido, rói para ocupar o espaço dos outros e sugar a melhor seiva porque a estratégia do escaravelho não é o bem comum e muito menos o interesse público. A sua estratégia é alimentar-se o melhor possível e saltar sobre qualquer outro escaravelho que lhe apareça, julgando-se nisso genial e imensamente protegido. Pois se rouba, mesmo que o assalto seja contra o colega do tronco, ele sabe que isso fica no segredo da palmeira, tão certo que está que nenhum veneno lhe interrompe a existência, seja esse veneno administrado pela calda da justiça ou pela desinfestação do voto. Contra ele, o escaravelho sabe que todos os esforços são inúteis, além de dispendiosos e que ninguém o pode enxotar.

Mas, desmiolado como esse bicho é, ele não se apercebe que as ramadas da palmeira secam, a árvore morre e com ela também fina os seus dias de escaravelho e a sua missão de roer. Tanto barulho no tronco para nada.

Carlos Albino
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    Flagrante post it: Agora que os partidos, mais ou menos, já se preparam para abrir caminho aos candidatos que vão ocupar o lugar dos presidentes de câmara em último mandato legal, será aconselhável que escolham gente com mãos limpas e sem passado confuso . O povo pode não ter ou perder a memória mas tem lembrança.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

SMS 390. O que mais choca nisto tudo

9 dezembro 2010

Sim, por entre tantas dívidas, e depois de tantas receitas, o que mais choca é a dívida de diálogo, a dívida de explicação, a dívida de consideração. Dívida política do eleito para com o eleitor, dívida cívica do nomeado para com o administrado, dívida anímica do que vive dos dinheiros públicos para com o contribuinte, dívida usurária do poder central para com cada um dos deveres regionais ou locais, como se queira. Nenhuma destas dívidas se justifica com a dívida pública. E isto que se diz não se aplica apenas às portagens – aplica-se à segurança, à saúde, ao ensino, à política ambiental, à cultura, à defesa das atividades económicas da região, por aí afora, com a sobranceria a servir de pesponto e alinhavo em muita casaca ou vestido de carapau de corrida que se intrometeu nesta democracia que devia ser estimada e não é.

É chocante que perante os argumentos da região quanto à Via do Infante e quanto à estrada 125, o ministro das Obras Públicas não tenha vindo ao Algarve assumir, explicar, ouvir, debater, rebater. Choca que um eleito para ser responsável e para representar, tenha chegado a firmar em comunicado para efeitos de Lisboa, que as portagens são apenas contestadas “por uns quantos insatisfeitos”. Choca que face à situação dramática da segurança, o ministro da Administração Interna só venha ao Algarve para inaugurar uma pen drive, cumprimentar a governadora civil e meia dúzia de graduados, pois quanto ao resto cada um que se governe e que as forças de segurança, sem meios, sem recursos e sem ancoragem, se amanhem no balcão de atendimento a que cada vez menos as vítimas recorrem. E por aí fora.

A metáfora que ocorre para descrever este dia a dia de sobranceria que mina a democracia julgando-se eterna e auto-suficiente, tem muito a ver com o escaravelho da palmeira ou com a formiga branca, esses bichos que, depois da distração vital de comerem tudo, acabam vítimas de si próprios. Fica para a semana o apontamento precisamente intitulado “Os Escaravelhos da Palmeira”...

Carlos Albino

    Flagrante imaginação: Essa, a do convite ao príncipe britânico para uma lua-de-mel no Algarve. Ao menos houvesse a certeza prévia da aceitação, como mandam as regras para quem não quer fazer papel de ingénuo. É que um príncipe daqueles fazer uma lua de mel com tais efeitos não é propriamente o mesmo que entrar num concurso da TVI...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

SMS 389. Eles perdem a razão esta noite

2 dezembro 2010

Quando a anterior ministra da Educação humilhou os Professores, fui dos que se insurgiram contra essa perversão política, sem deixar de reconhecer aí pelo meio alguns (poucos) pretextos da governante em algumas (também poucas) situações de manifesto abandalhamento – também não era por via da humilhação que tal mal se curava. Continuo a pensar da mesma forma quer perante a perversão política quer face ao abandalhamento, pois é sempre abandalhamento qualquer divórcio da Sociedade.

Naturalmente que aos intelectuais ou aos que fizeram dos livros a vida, e do ensino uma missão como numerador e profissão como denominador, não se exige que encham o Estádio Algarve e gritem contra o árbitro num afamado Benfica-Cachopo, como também ninguém esperará que sejam os magalas recrutados à força em Albufeira, os nómadas da Andaluzia, ou ainda os calceteiros marítimos de offshore e os canalizadores aeronáuticos que dão em gestores públicos quando falhada eleição os subtrai de emprego político, ninguém espera que essa gente do subterfúgio componha a sala algarvia, qualquer sala onde se ouça alguém que seja referência do pensamento, da arte, da história, da economia ou da ciência. Aí, nessa sala, seria de encontrar e até se exigiria encontrar como mancha predominante da assistência, não os putativos assessores mentais da ex-ministra mas, sim, os Professores, sobretudo os da terra e arredores. Infelizmente, ocorra isso na sala nobre de Portimão e as presenças são quinze exceções e já é bom; em Lagos são onze dos cinquenta que deveriam estar; em Tavira, sempre a meia-dúzia; em Lagoa, ficam no Carvoeiro; em Silves, os sete da simpatia circunstancial e, com sorte, mais sete arrastados; em Olhão, quem não vai descarta-se sempre com a tal desculpa que os caixeiros-viajantes de outrora usavam para a noite fora de casa; e até em Faro, santo deus, se não há convite personalizado e confirmado, as altas importâncias ficam nas pantufas, pois na sala, dos cento e vinte e quatro aguardados, é o quarteirão do costume.

Dir-me-ão uns que isto acontece por efeito do “desenraizamento”. Outros, que foi falta de “comunicação”. Outros ainda, que os “bilhetes” são caros. E poucos, lá confidenciam num assomo de sinceridade que o “evento” coincidiu ou com o Benfica-Cachopo, o Cachopo-Sporting ou o Porto-Coiro da Burra.

Não vale a pena bater mais no ceguinho: a ausência dos Professores dos atos culturais públicos, por mais piedosas que sejam as desculpas, é a prova de que não há Vida Cultural, pois não há vida cultural e cultura viva com os Professores divorciados da Sociedade e à margem de tudo o que aconteça fora das escolas – ou seja, que não sirva para curriculum e prejudique o conforto da pantufa.

Sejamos claros: se alguma coisa cultural de importante ocorrer esta noite, seja em Lagos, no Coiro da Burra, em Tavira, no Cachopo que é prova dos nove, ou nessa prova real que é Faro, e os Professores em peso lá não estiverem, eles perdem razão esta noite.

Carlos Albino

    Flagrante México in Algarve: O México não tem culpa, mas três encapuzados, nesta segunda-feira, entraram pelo snack-bar em zona rural, raptaram um homem, obrigaram-no a entrar para o seu furgão de distribuição de cigarros que roubaram, abandonando o infeliz em sítio ermo. Dois soldados da GNR à paisana presenciaram a ação mexicana e ninguém levantou um braço, e para quê se a justiça existe? Voltámos ao Remexido do século XIX, já nem é necessário recriação teatral.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

SMS 388. Uma enorme desconfiança


25 novembro 2010

A comunicação social está cheia de assaltos, crimes violentos e relatos da ladroagem à solta mas o que se escreve, filma e descreve está longe de transmitir a imagem real do que as pessoas sentem e temem. Na verdade, por cada casa que ainda não foi assaltada, há cinco ou seis à volta que foram – há zonas do Algarve onde isso já entrou na rotina e onde novidade será não ter havido assalto a vivenda ontem ou anteontem, seja casa de rico, de pessoa modesta ou manifestamente pobre. Não há escolha, em certas ondas de assaltos que pela frequência, métodos e seleção de alvos, tudo leva a crer que partam de bandos organizados, sem que polícias e tribunais dêem sinais de capacidade e eficácia de combate.

E, sobretudo nas zonas rurais que são também as mais indefesas, há um crescendo de pessoas que cada vez mais estão convencidas de que as forças da ordem são inoperacionais e que haverá uma razão para que assim se pense. É verdade que os agentes até podem estar no terreno e acorrem com rapidez à chamada, mas o resultado é zero – passada uma semana ou mesmo um ou dois dias, lá vem outro assalto mais à frente ou mais ao lado.

A desconfiança aumenta sobretudo quando a lei parece estar a proteger mais os criminosos do que as vítimas e quando a máquina da justiça parece estar vocacionada para descobrir as escapatórias que ilibam aqueles a quem uma sociedade normal exige que sejam alvo de castigo e sujeitos de recuperação ou reinserção. E maior é a desconfiança quando os processos ilibatórios até beneficiam agentes da autoridade apanhados em falso, como por estes dias foi noticiado a propósito de um caso de droga. A desconfiança é enorme, não vale a pena pintar a manta e, segundo parece, há falta de voz de comando, falta essa que a sobranceria não compensa nem resolve.

Carlos Albino

    Flagrante escaravelho: Continuem a deitar abaixo as alfarrobeiras plantando palmeiras e outras asneiras que os escaravelhos agradecem...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

SMS 387. Sim, deputados. Ponto final.


18 novembro 2010

Todos assistimos com estupefacção ao caso do despedimento dos 336 trabalhadores da Groundforce no aeroporto de Faro, alegadamente responsáveis por metade do défice de exploração da empresa que vai na ordem dos 20 milhões de euros. De um dia para o outro, muita gente no Algarve passou a conviver com a inquietação do que pode acontecer também de um dia para o outro, inquietação essa que, numa economia regional frágil e sem variedade nas dependências, facilmente pode resvalar para o pânico, sabida como é a situação nas pequenas empresas de comércio e serviços.

Era de esperar que os deputados que se instalaram em S. Bento com os votos dos algarvios e para os representar, acorressem ao local desse sinal de desastre social e se movimentassem, se informassem, questionassem, explicassem, enfim, representassem. E o que aconteceu? Posso estar enganado mas parece-me a mim e a muito mais gente que a apenas Mendes Bota e Cecília Honório se dirigiram ao local das preocupações, com o número dois da lista de eleitos pelo PSD a dirigir um requerimento ao ministro das Obras Públicas, além de posição pública. Não se exigindo a João Soares ou a Bacelar Gouveia tal incómodo, se Miguel Freitas fez alguma coisa não se notou nada e não é para ações discretas que um deputado é eleito – para isso é-se ministro, pelo menos, ou então deputado do CDS.

Dirão alguns que possivelmente, caso estivesse o PSD no governo, os passos dados por Mendes Bota seriam protagonizados por Miguel Freitas, mas o tempo que passa não se compadece com este tipo de jogos florais ou de conjeturas perversas. Não é por se pertencer à cor do governo que não se vai ao local das preocupações nem por se estar na oposição que tal local é politicamente atraente. Um deputado é para representar quem o elege e os que o elegem sabem desde há muito e não é por calculismo político que é nas horas más que se conhecem os amigos e que os amigos se provam.

Custa-me constatar e ter de dizer que os deputados eleitos pelo Algarve, na hora que passa, não têm feito o que deles se esperaria, sobretudo os do PS.

Carlos Albino
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    Flagrante originalidade: Essa, a da oferta de 60 gravatas de cortiça à cimeira da NATO pela Pelcor de São Brás, já que, quanto a cortiça, muitos dos chefes de estado e de governo só a conhecem das rolhas que usam nos ouvidos...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

SMS 386. Deputados. Quantos e quais


11 novembro 2010

Volta e meia, aí vem a polémica do número de deputados e do formato das listas. Até agora todos temos votado confiadamente em função do sagrado princípio da proporcionalidade entre listas partidárias enquanto os diretórios partidários, grandes e pequenos, têm afastado a hipótese de experiência dos círculos uninominais que a maior parte dos eleitores nem sabe o que são.

E por efeito desta rotina, os resultados estão à vista – os candidatos a deputados são aqueles que os diretórios centrais dos partidos querem por conveniência do momento, porquanto cada vez com mais custo aceitam as propostas das bases partidárias, estas, por sua vez também, cada vez mais acríticas e gradualmente com menor expressão qualitativa. E é assim que um círculo como o de Faro tanto faz que tenha seis, sete, nove ou vinte deputados, pois na verdade não se dá por eles a não ser por alguma passeata ou jantarada e muito menos se dá por aqueles cabeças de lista impostos pelos diretórios e que além de não serem da região nem a conhecerem, também não se interessam por ela nem têm que se interessar já que a função de deputado se converteu em emprego político de carreira, o que, julgam muitos, seria impensável numa eleição uninominal.

Na verdade, ao deputado eleito por lista partidária basta-lhe saber “gerir bem o posto”, bastando para isso uns comunicadozitos a tempo que não incomodem muito Lisboa mas que também acalmem os do burgo, uns retiros calculados e intervalados com umas cronicazitas, uns telefonemas aos chefes locais e o controlo das bases que também nada custa controlar quando se tem poder e se pode marchar majestaticamente com essa efémera unção eleitoral.

Todavia, parece que o prazo de validade deste esquema – esquema que deveras mina e corrói a democracia – está a terminar, desconhecendo-se que esquema que lhe possa suceder ou se cada vez a mais eleitores lhes interessará sequer debater que esquema suceda. Tal esquema de representatividade adulterada se é que não é mesmo traída, não pode durar muito e caso sobreviva demasiado tempo isso será sinal de que a democracia está ligada à máquina, o que não augura nada de bom. E neste âmbito, o Algarve tem aguentado de tudo mas não é difícil constatar que está deveras estragado, não digo que não tenha remendo. Sendo assim, que enorme saudade de Almeida Carrapato.

Carlos Albino
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Flagrante verdade: Faro é Faro.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

SMS 385. Gente nossa lá fora


28 outubro 2010

Temos pouca gente lá fora, mas não nos devemos esquecer dela. Claro que há muita, muitíssima gente nossa lá fora, mas a gente a que me refiro é a que ascendeu a cargos internacionais ou de representação do estado, por carreira e mérito, e não pelo jogo político que nas mais das vezes é pura combinata.

Acaba agora de ser eleito presidente do conselho consultivo dos procuradores-gerais do Conselho da Europa, João da Silva Miguel, ali de Querença, e que é o representante de Portugal no Eurojust. À gente que temos lá fora em postos, cargos ou funções de alto nível, junta-se assim ao embaixador Américo Madeira Bárbara, representante permanente de Portugal junto do Conselho da Europa, em Estrasburgo, diplomata de carreira nascido naquele país aparte que fica entre Messines e Alte que também pode ser Silves. O embaixador Madeira Bárbara, antes de Estrasburgo, chefiou a missão diplomática portuguesa em São Tomé e Príncipe, e foi cônsul-geral em Boston, encarregado de missão para a CPLP, representante permanente adjunto na FAO e diretor dos serviços jurídicos do MNE. Além disso, o até agora homem discreto de Querença, na lista da nossa gente junta-se também ao embaixador Luís Filipe Castro Mendes, ainda embaixador de Portugal em Nova Deli e que em breve vai assumir a chefia da missão de Portugal junto da UNESCO, em Paris, mas que apesar de nascido em Idanha a Nova e depois andado pelos Açores, Chaves e Leiria, se considera algarvio pela direta ascendência e sobretudo pelo estado de alma – é filho do saudoso magistrado Afonso de Castro Mendes que colaborou neste mesmo jornal em anos que já lá vão. Além disso os que associam o nome do embaixador Luís Castro Mendes a títulos de livros de poemas como O Jogo de Fazer Versos, Os Dias Inventados, Correspondência Secreta, Outras Canções, Viagem de Inverno, Seis Elegias e Outros Poemas, Recados, Modos de Música... não se enganam. Luís Filipe Castro Mendes pertence à fina-flor da poesia portuguesa contemporânea, na qual ele inscreve sem dúvida aquela inconfundível meridionalidade que igualmente perpassa nas obras de Nuno Júdice e Gastão Cruz. Serve isto para dizer que Luís Castro Mendes é nosso.

Chegou a hora de ouvirmos mais cá na terra, esta nossa gente que sabe. Porque quanto a vê-los, só não os vê quem não é de cá ou está de passagem mesmo que naquelas “passagens definitvas”...
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Flagrante certificado: Mas José Sócrates e Passos Coelho precisam de explicadores sobre o Algarve? Mas que ideia é essa, Miguel Freitas?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

SMS 384. Por favor, não brinquem


21 outubro 2010

O momento que passa é grave e o mínimo que se pode esperar dos políticos responsáveis (sobretudo os eleitos e os nomeados) é que não brinquem às escondidas. Responsáveis de partidos, deputados e decisores, todos têm, nas presentes circunstâncias, o dever e a obrigação de serem claros e de irem diretos ao assunto, com seriedade perante quem os elegeu e com respeito pelos administrados. Portanto, se é do Orçamento de Estado que se fala, não falem da fé, da esperança e da caridade como nos sermões morais; e se é do PIDDACC, não falem dos vinhos de areias. Não elegemos folgazões, elegemos deputados. Julgo que todos ganharemos com o fim das brincadeiras e do andar-se às curvas no discurso e no debate político faz de conta. E se quem deve não pode ter voz, diga que está rouco ou que pura e simplesmente não quer ter voz, mas não se ande a fingir por aí que se fala como se a suposta assembleia dos que ouvem fosse uma assembleia de pacientes papalvos.

Deploravelmente, o debate das implicações do Orçamento para o Algarve e o escrutínio sobre se a região está a ser ou não tratada com exceção sediciosa, está aquém do que se poderia esperar. Pelo menos até agora, dois ou três comunicados e duas ou três crónicas em jornais parece que arrumaram o assunto, os deputados eleitos pelo Algarve obviamente que vão votar com toda a disciplina pela qual os respetivos estados-maiores os vinculam, enquanto no terreno os da oposição fazem o seu esperado papel e os afetos ao poder se baixam na trincheira tal como os soldados mentalmente reservados que não querem entrar na guerra em que têm que estar, nem perder a próxima – sobretudo não perder a próxima.

Os do poder, encolhem-se, vão para as metáforas e apelos morais que já poucos suportam, e, longe da realidade ou apenas enfronhados na realidade que é a sua realidade pessoal, esquecem-se de que o Algarve precisa de ter voz não lhe bastando ter boca e que os militantes de um partidos não são deputados dos eleitores da área. Por sua vez, os das oposições obviamente que cumprem o seu papel com a vida muito mais facilitada do que quando eram poder antes de serem revezados ou porque, se nunca estiveram no poder, também nada têm a perder com a boca a fugir para a facilidade. É claro que aqueles que sabem que uma democracia, nestas circunstâncias, perde qualidade, têm a obrigação cívica de advertir antes que seja tarde - «Por favor, não brinquem». E sobretudo, para os que não são, não brinquem aos algarvios.

Carlos Albino
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Flagrante ironia do destino: No cartaz que acompanhou a construção do Estádio Algarve, bem se podia ler: «Construímos vitórias”. Nem se conseguiu o empate.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

SMS 383. Os carris do czar…


7 outubro 2010

Conta-se que os bolcheviques, nos calores da revolução russa de 1917, arrancaram os carris construídos pelo czar apenas porque, por isso, seriam caminhos-de-ferro czaristas, e que, com o mesmo ferro refundido e no mesmo traçado, reconstruíram caminhos-de-ferro então sim caminhos-de-ferro revolucionários… Vem isto como exemplo de quanto a irracionalidade pode ir longe e até ao inimaginável, não sendo coisa própria ou exclusiva de ditaduras – nas democracias também há indícios ou mesmo práticas próximas do ridículo dos bolcheviques. Sim, é à Via do Infante que nos queremos referir.

Pelo noticiário quotidiano mais recente, por aí surgiu uma associação de utentes com certidão de nascimento contra as portagens e porque algum dos promotores, como consta, é do Bloco de Esquerda, logo todos os membros presentes de tal associação e todos os futuros até à quinta geração serão forçosamente dos carris desse partido. Depois, foi o PSD da região a demarcar-se da respetiva direção nacional que impôs ao governo do PS a condição de “ou todos ou ninguém”, e em protesto claro contra as portagens, insurgiu-se contra aproveitamentos partidários mas apoiando os protestos, pelo que remeteu o ferro para a “sociedade civil” que é aquela coisa onde a política não tem código postal e, como se sabe, é tão nómada como uma tribo cigana. E estava a desenhar-se esse quadro, quando o PS da região que nos últimos dois anos tem tido pesadelos com a questão, surge a dizer, por um dali, que o partido não pode ir a reboque do PSD, mas acolá a ter de considerar como "legítimo" o protesto mas que "não alinha num protesto do BE", que, segundo o mesmo PS está a "instrumentalizar" a insatisfação de alguns…

Afinal qual é o problema? O problema da Via do Infante será apenas o de que o PSD não quer que o BE proteste ou se intrometa no protesto que deve ser da “sociedade civil”? Consistirá esse problema apenas em que o PS não sabe como protestar sem que o faça ao lado do PSD, ou seja em “sociedade civil”, ou se deve ter o seu próprio protesto não alinhando em outro qualquer protesto, fazendo excursões às obras da 125 a norte de Faro como se o resto fosse paisagem para a “sociedade civil”? E será assim tão grande problema para a Via do Infante, o BE não perder a ocasião para mobilizar apartidariamente contra o PS e contra o PSD, já que o PCP disse em junho, e parece que mantém, que os protestos devem chegar exatamente “ao PS e ao PSD”? Ou seja, o problema dos algarvios quanto a portagens na Via do Infante será o de que todos têm de protestar como que uma obrigação e para não ficarem mal no filme, e portanto cada um arrancando os protestos dos outros para reconstruir o mesmo protesto, com o mesmo ferro e no mesmo traçado dos carris do czar?

Mas porque é que um protesto, se é protesto legítimo, não há-de ter gente do PS, do BE, do PCP, do PS ou seja de quem for que não esteja seja militante de partidos ou tenha sido e já não é? E o que é isso de “sociedade civil”, como se esta fosse a da gente pura e não contaminada pelos partidos? Haverá? E será conveniente que volte a haver uniões nacionais dessas entre anónimos de trazer por casa, consoante as conveniências, já que não somos assim tantos e os que somos, mais ou menos conhecemo-nos todos uns aos outros?

Os partidos da região, mais uma vez, estão a falhar. O PS da região parece que não aprendeu com as últimas eleições, com os seus poucos deputados eleitos ou repescados a atirarem os foguetes e a apanharem as canas, com a demonização do “aproveitamento partidário”; o PSD da região parece que não percebeu que não tem peso específico nos órgãos nacionais decisores do partido, fazendo-se ouvir sem receio do sotaque sulista; o BE parece que também não percebeu que as boleias na A 22 não resultam; o PCP e o CDS pouco podem fazer, a não ser comunicados. E essa falha dos partidos será dramática se o protesto, qualquer protesto, for por acaso inorgânico, espontâneo e incontrolável – o que é sempre lícito admitir sobretudo quando os partidos não formulam com rigor, isenção e seriedade o problema, antes de pregarem a solução ou, mais grave ainda, antes de cada um, arremedo de czar ou bolchevique apalhaçado, impor a sua solução com a exclusão das soluções dos outros.

Carlos Albino
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Flagrante emoção: A de ouvir os Artista de Minerva a executar o hino nacional, em Loulé, em uníssono com as bandas de todo o país.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

SMS 382. Região-piloto?


30 setembro 2010

Volta a falar-se da região-piloto que naturalmente será o Algarve, pensam uns tantos. Já esteve na constituição, de lá foi retirada sem grandes protestos dos deputados pelo Algarve de então, agora pretendem alguns que isso volte a ser colocado na lei fundamental, embora não se saiba se os decisores do Norte vão tratar das regiões como trataram das portagens: ou há regiões para todos, ou não há para ninguém... Falar da reintrodução da região-piloto na constituição, é pouco, para não dizer que não é nada. Já lá esteve e viu-se no que resultou. Com que objetivos, alcance e meios? Qual o calendário? Será “piloto” de quê? Sobre tudo isto, há por aí umas declarações vagas que não dão para se perceber bem as intenções políticas para se regressar à bandeira da região-piloto. Mas que convicções são essas que assim de um momento para o outro levaram a retomar um projeto com que se enganou o Algarve, há uma vintena de anos, quando o Algarve por acaso até tinha ainda alguns algarvios e não apenas gente que vem para aqui para fazer carreira que noutras paragens lhe estaria vedada?

Na verdade, com a crise que para aí estalou, é difícil admitir que o estado proceda à regionalização, ou que a queira mesmo. Primeiro, por falta de vontade, e segundo por falta de recursos. À falta de vontade do estado soma-se a corda que se foi dando aos municípios, com cada câmara a considerar-se “governo local” sem nada pelo meio antes do governo central, e com os representantes que fazem as assembleias municipais a graduarem-se em deputados... Daí que muitas câmaras e assembleias pensem que a regionalização já está feita com os municípios, sobretudo nas áreas de controvérsia geográfica que é a única coisa que o Algarve não conhece. E quanto a recursos, não vale a pena espalhar ilusões porque é preciso dinheiro, bastante dinheiro, para manter as instituições necessárias para uma regionalização a sério, dinheiro que não cai do céu – o problema não é fazê-la, é mantê-la, e a Madeira e os Açores fazem o que fazem, esticando a corda, porque estão rodeados de mar por todos os lados e por vezes não têm a consciência de que aquilo não é bem o Kosovo, mas que são duas excelentes regiões-piloto, lá isso são.

Sendo assim, é lícito admitir que a nova revoada da região-piloto é mais uma vez, um expediente para aqueles que em última análise partilham a decisão política, fugirem à questão, evitarem o problema e contornarem airosamente a solução, mantendo tudo como está mas com outro nome “salvador” para a região que fizer de “piloto”... Ora se uma região-piloto do Algarve for para legitimar as mordomias que já conhecemos com a atual desconcentração de serviços e que não é mas do que desconcentração (subserviente lá para cima e prepotente para os cá de baixo), então – não, obrigado.

Carlos Albino

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Flagrante divertimento: Muito divertimento com as ideias de André Jordan...


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

SMS 381. Instalada a confusão


23 setembro 2010

Com as portagens na Via do Infante, obviamente. Vai ser a grande confusão. Prevejo e oxalá me engane, porque o Algarve evita sempre levantar ondas, e, como está provado, mesmo quando lhe dói, come e cala, o que também não é nada bom. A solução encontrada foi do género daquela que, para curar a dor de cotovelo a uns quantos, se tivesse de criar uma dor de cotovelos geral, para todos mesmo para quem não andou ou não quis andar à cotovelada. Tem sido dito, e com verdade, que a Via do Infante não tem comparação possível com as auto-estradas do Norte e do Centro e que, em algumas áreas são um enxame. Além disso, também foi já dito que a velha EN 125 não tem possibilidades de “requalificação” e se nesta se insistiu levando-a avante, foi no interesse exclusivo de empresas projetistas e construtoras, para ganharem algum com umas rotundas aqui, umas voltas ou reviravoltas acolá, mais uns troços que destroçam além ainda mais o que destroçado está. A 125 está praticamente toda urbanizada e ocupada, como estrada só existe no mapa pois no terreno é uma grande rua com travessas, alguns becos e milhentos enfiamentos inomináveis para urbanizações de casinhotos. É certo que a 125 liga terra a terra ou localidade a localidade, mas a cada ligação dessas corresponde uma ratoeira à entrada e outra à saída, além das armadilhas pelo meio, e tanto assim é que já tiveram que colocar em extensas áreas, separadores que nem nas auto-estradas existem, verdadeiramente uns muros de Berlim separando populações, interesses, vizinhanças e serviços e que nem acessos novos em redor e na proximidade evitaram e evitam... Requalificar a 125 como estrada é deitar dinheiro à rua, como estão a deitar, e o resto se verá – cada câmara isoladamente agradece tal requalificação (sempre é mais uma obra) mas numa perspetiva de região, a requalificação é um desastre. A Via do Infante, além de ter sido construída e em grande parte paga como toda a gente sabe e como o estado parece não se recordar, é de facto a única estrada longitudinal de que o Algarve dispõe, e tanto assim é que não é apenas uma nem duas mas várias são a localidades algarvias cujos acessos foram planeados e construídos em função dessa única via, como se a 125 não existisse, porque deveras já não existe como estrada longitudinal da região – não é alternativa.

E assim sendo, parece que vamos ter confusão.

Carlos Albino
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Flagrante sorte: Na verdade foi uma sorte não termos sido literalmente passados a ferro, em Lagoa, por uma Toyota Hiace em alta velocidade, sob a arcada do Convento de São José, eram 20 e 45...


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

SMS 380. O Luar de Quarteira


16 setembro 2010

Com certeza que é um monumento efémero mas tem dia marcado em agosto, aquela Lua Cheia de Quarteira que risca o mar, suaviza o espírito e irmana os olhares. Não há luar como esse, o de Quarteira. Não há. Ver aquela mesma lua mais a um lado à esquerda é como um crente ir a Meca e ficar desapontado, e vê-la mais a outro lado à direita é como um descrente regressar de Roma ficando na mesma – Quarteira é o local exato para se nascer e morrer por uns instantes com aquela luz atravessando o mar e o corpo. Há uns anos, nesse dia previsto, pedi ao poeta Nuno Júdice que me transmitisse o que lhe ia na alma e o que por lá ia está gravado em pedra na Praça do Mar – belo poema que até a Lua por certo já leu. Pois todos os anos, nessa noite que o calendário confirma, lá estou e se a Lua der voltas certas e a Terra não desacertar, em 2011 lá voltarei a estar. Habituei-me a esse monumento efémero desde que aprendi a soletrar, e todos os anos, por essa noite, lá vai mais um papel para a arca sobre essa dádiva de luz que vem oferecida em silêncio do outro lado da terra. Este ano, aconteceu uma espécie de oração que não pede nada e que não resisti a ler em voz alta, no extremo de um molhe, mas foi assim:

Avé Lua Cheia de prata,
que o penhor é connosco,
manuscrita pareceis vós
com todos os caracteres
e manuscrito é o fruto
do Vosso ventre, essa Luz.

Canta Lua, nesse apogeu,
cantai por nós, observadores,
agora e antes que, sem sorte,
uma nuvem Vos corte.
Além.

Carlos Albino

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Flagrantes demissões & exonerações: Recordam-se? Ainda há pouco tempo toda a gente se demitiria e exonerava e que faria isto e mais aquilo, se houvesse portagens na Via do Infante. Chegou a hora e dão o dito pelo não dito. Fazem-me lembrar o tal herói que prometia vencer batalhas com uma faca de cana…


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

SMS 379. Em escassos três dias...


9 setembro 2010

Referiu, e bem, o diretor do Jornal do Algarve, Fernando Reis, a perda de urbanidade dos algarvios ou, como disse, a arte de bem receber como era tradição e lhes era próprio. É verdade. Não é este o sítio mais indicado para identificar as causas dos destemperos de trato, nem a correção desse mal que é público e notório deve ser feita apenas em função do turismo que, queiramos ou não, é a bitola da sociedade algarvia. Mas não é desapropriado testemunhar o que me aconteceu no domingo, segunda e terça, escassos três dias:

1 – Uma rapariga que, saída de garagem à berma da estrada, deixou o carro atravancando metade de estrada municipal a seguir a uma curva apertada, forçando-me a travagem brusca, perante reparo delicado meu, enxotou-me como se enxota um cão e fez-me aquele gesto que apenas alguns desculpam a Carlos Queirós ou a bêbados de circunstância…

2 – A mulher que passeava dois cães atrelados deixou que estes fizessem à minha porta aquilo que nem Satanás permite à porta do inferno, e perante delicado reparo meu, deitou de imediato pela boca palavras equivalentes ao que os cães deitaram…

3 – Na esplanada de praia, a meio da manhã, e ainda quase tão deserta como Guimarães, confrontado com batuque de se ouvir na linha do mar alto, a rapaz tatuado aos botões, perante delicado reparo meu, respondeu simplesmente: “Tás incomodado, pá? Põe rolhas nos ouvidos, oh meu!”…

4 – Num café, pedi a substituição de um copo sujo à vista desarmada, veio outro copo sujo e que voltou para trás, veio outro como os anteriores, e perante um delicado reparo meu, o empregado de mesa não esteve por menos: “Se voceia quer melhor, olhe!, beba pela garrafa”

5 – Um jeep conduzido por rapariga de óculos escuros presos aos cabelos, por pouco que não me ia passado a ferro numa passadeira de peões devidamente assinalada. Notando pelo retrovisor um delicado sinal meu apontando para a sinalética, nem mais nem menos, lá adiante ela fez aquilo que apenas se aprende com o ex-ministro Pinho…

6 – Na avenida principal da cidade, um homem trintão de fato imobiliário escuro e pasta de causídico formado em Beja, talvez inadvertidamente ao cruzar-se comigo, debitou para o chão aqueles quesitos de valente escarradela. Perante um delicado reparo meu, ele sorri e diz-me: “Caro senhor, dê-se por feliz não ser atingido”. E seguiu, empertigado e a badalar a pasta tal como os imperadores impotentes badalam o que simulam não lhes faltar…

7 – Numa tabacaria em zona de “turistas de luxo” – não é assim que se diz? – procurava eu um jornal que me interessava. A rapariga do balcão apontou, voltou a apontar e eu não conseguia descortinar. Ao quarto pedido de apoio, a rapariga solta intempestivamente aquele “Ali! Ali, homem! Não vê, ou quer que lhe empreste os meus óculos?” e após sorriso de desdém para este português continuou a atender um cliente alemão por gestos.

Em escassos três dias, é demais. E não cabe aqui contar o que terceiros me narraram ter-lhes acontecido numa junta de freguesia, na segurança social em Faro e nuns serviços camarários. Não cabe e um desses casos é até inacreditável. Vamos bem.

Carlos Albino
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Flagrante obrigado à GNR: Em curva perigosa, o meu carro teve uma avaria simples mas suficiente para o imobilizar. Surgiu-me uma patrulha de trânsito da GNR e foram inexcedíveis – um deles até foi colocar o sinal de aviso de perigo, outro ajudou-me a colocar o colete. Solícitos em tudo, ates da retirada perguntaram-me se queria algum apoio. Fiquei sem saber os seus nomes e eles sem saber o meu. Obrigado.


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

SMS 378. Guimarães desnorteou-se

Aqui fica esse cartaz, para que conste...


2 setembro 2010

Pois Guimarães desnorteou-se ou desonrou-se, como queiram. E não precisava disso. Para quê promover-se Guimarães como Capital da Cultura de 2012 com o slogan “Guimarães: é onde tudo acontece” sobre a foto contrastiva de uma praia do Algarve deserta e camas de areia arrumadas junto dos toldos fechados? Se isso é cultura, Guimarães começa por acontecer mal e com o rei na barriga. Mas, mais grave do que essa promoção de basbaques, foi a explicação dada pela responsável local dessa cruzada. Disse ela que a intenção “era surpreender, com ironia, o espetador que está habituado a ver as praias cheias de gente”. Ironia? Ou afronta decorrente de sarcasmo presunçoso gritado de ameias que parecem necessitar de inimigos como pão para a boca? É reles e próprio de pessoas reles. Se o objetivo era o da eficácia, porque não escolher-se para o cartaz uma foto de Nova Iorque, Paris ou Londres vazia para reforçar essa peregrina ideia de que “em 2012 todos os caminhos vão dar a Guimarães” substituindo-se assim até a Roma? Uma imagem de Nova Iorque vazia para promover Guimarães, isso é que seria comparação surpreendente, diria qualquer psicanalista que se desse ao trabalho de deitar no divã quem dá pública nota de manifestações tardias de adolescência provinciana.

É que ai temos, naquela explicação, um juízo que anda atrás de muita afirmação “regional”, juízo esse que atemoriza, sim atemoriza e de que maneira!, que se façam regiões com provincianos tardiamente adolescentes. Não é a promoção de Guimarães que causa temor, é sim a mentalidade que por ela se revela, como se para se promover uma região ou a cidade de uma região, se precisasse de esvaziar as outras regiões e as cidades de outras regiões, a começar por alguma coisa simbólica, uma praia, por exemplo, a sul desse desnorte. E chamar-se a este exercício um exercício de ironia, naturalmente que é desfaçatez ao usar-se acintosamente um símbolo de promoção de outra região, achincalhando-o, ao mesmo tempo que se omite algum símbolo próprio. É o mesmo que fazer e servir-se de outra região como capacho para limpar os pés e os complexos.

Males desses não se curam com a mera substituição de cartazes. Curam-se com a substituição de mentalidades e, sem dúvida dos responsáveis que pensam que todas as outras mentalidades vão dar à sua própria mentalidade. É verdade que os cartazes da nova Roma cultural minhota começaram a ser retirados por essa ou outra razão, mas é duvidoso que a mentalidade irónica de Guimarães não continue na senda de que todos os caminhos tenham que ir dar até ela, apesar de saber ou de fingir ignorar que muito do dinheiro arrecado no Algarve para os cofres do estado não retornem ao mesmo Algarve, mas sejam usados, de alguma forma por alguma via, para financiar ironias provincianas. Aliás, o Allgarve é uma dessas ironias, pois em casa de ferreiro, espeto de pau.

Carlos Albino

    Flagrante fracasso: O de D. Afonso Henriques, ao não ter conseguido chegar às praias algarvias para que pelo menos isso tivesse acontecido fora de Guimarães.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

SMS 377. Há demasiado jogo


26 agosto 2010

Já nem se percebe. Num dia, o turismo anda bem, ocupa as camas, enche os aviões, são as percentagens risonhas, um movimento prestes a apagar maus sinais, fora com os ventos da desgraça e da crise nem se fala. No outro dia ou no mesmo dia, isso é aparências, muita parra pouca uva, há muita gente vinda de fora mas que vem de bolsos vazios ou com os euros bem contados, os lucros vão por aí abaixo, enfim que “o setor” não recuperou. E fora do turismo? Num dia, as águas estão como nunca, o ambiente um primor, as medidas foram tomadas por responsáveis cheios de zelo, tudo muito cuidado e vigiado. No outro dia, basta um protesto de pescadores, fica-se a saber que, por exemplo, a Ria Formosa está cheia de lixo, que falta fiscalização da poluição e que as margens daquele paraíso estão aqui e li pejadas de frigoríficos, sapatos e plásticos de todo o género, além de descargas de águas poluídas, o que diga-se de passagem, é magnífico para o setor. Num dia, também por exemplo, não há presidente de câmara que garanta a requalificação urbanística, a limpeza das ruas, a iluminação com que nem Deus sonhou quando pronunciou aquele fiat lux, que não garanta o controlo da poluição sonora e o controlo de todas as poluições. No outro dia, é o que se vê: ruas conspurcadas, cada um na velocidade com o escape que entende gozando da libertinagem, novas e extensas urbanizações de casinhotos uns iguais aos outros sem qualquer bom gosto ao lado de novas estradas já entaladas entre altas placas de absorção de ruídos em fileiras tão extensas quanto as filas dos casinhotos e substituindo a paisagem pelos grafitis, o que é bom para o setor. Num dia, a saúde está num primor para efeitos dos turistas de luxo que, afinal, não abundam por aí além. No outro dia, mal de quem precisa para se certificar da falta de meios e condições, das demoras impensáveis, se não houver recurso a “uma pessoa conhecida”. Num dia, os assaltos diminuíram, a segurança está a voltar, pelo número de queixas registadas “no período homólogo”, a GNR anda em bicicleta. No outro dia, sabe-se que ali houve assalto à mão armada por 400 € e que até houve tiros por sorte ao lado do alvo humano, que houve mais vários roubos de alfarrobas – mas o que é isto para o turista de luxo? Nada - , que houve assalto à tal moradia, à outra e outra cujos dono não estavam nem foram avisados, nem serão ou que nem se queixaram suspeitando do gang mais que sabido e das represálias do gang, o que é bom para o setor, porque situações destas são mais que muitas, no dia a dia. E quanto a incêndios, agora que disso tem havido pouco no Algarve, num dia há autarcas que se apresentam como advogados em causa própria no indisfarçável propósito de capitalizarem dividendos políticos, mas nem no outro dia, por exemplo, reconhecem que o êxito contra os incêndios foi devido ao esforço político da governadora civil em promover a coordenação entre os agentes da Protecção Civil como coisa fundamental e que deve ter suado bastante em apelos para que os autarcas da se coordenassem entre si e assinassem o compromisso, justiça lhe seja feita. Mas já nem se percebe como alguns se esquecem tão depressa de um dia para o outro – há demasiado jogo.

Carlos Albino

    Flagrante esquecimento: O de Sagres. Há políticos que deveriam fazer mais do que tirar fotografias à maravilha.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SMS 376. E o que fica depois disto?


19 agosto 2010

Volto à vaca fria. Sim, senhor, por via do Programa das Experiências que Marcam, tem havido e vai haver coisas “clássicas”, mais ou menos “jazz”, também “pop”, bastante “arte”, igualmente “desporto”, aqui e ali “gastronomia”, ainda a saia larga da “animação”, coisas a que se chama “arte de rua” e também “novo circo”, para não se citar as milhentas “feiras” e os milhentos “festivais” quase todos internacionais. Muito disto em parceria com municípios que podem, com patrocínios de empresas ou organizações que devem se é que não precisam, mas também porque muito disso tinha que acontecer em algum lado, de preferência para dar uso a elefantes brancos.

Mas depois disto o que fica? Fica a memória, por certo, e também alguma recordação, sendo que a memória é curta e a recordação esvai-se. Além de que muito disso é parte de tournées, anda por todo o país e a descida ao Algarve é mera circunstância, em alguns casos bem aproveitada, noutros casos perfeitamente dispensável. No entanto, é a animação que não se contesta por ser animação mas porque, a esse propósito, se chama indevidamente cultura. Contesta-se pois que numa folha A4 se alinhem os eventos, que de eventos se trata, e, dando à cara a aparentemente extensa lista, se chame a isso cultura, se queira dizer que com isso se inunda o Algarve com cultura, e levando o sofisma às consequências pretendidas, com isso, se teime em dizer que o Algarve tem uma política cultural… Claro que não tem nem, nas presentes circunstâncias pode ter. E não pode ter, primeiro porque quem a devia delinear ou teoricamente a poderia delinear, não pode ir além do chinelo; segundo porque os municípios não mostram grande vontade em construir uma agenda cultural do Algarve que ponha em crise autonomias em grande parte provincianas e prerrogativas populistas; terceiro porque nada custa falar horas sobre as indústrias culturais e criativas, mas é já mais difícil convocar os que comprovada e reconhecidamente industriam na cultura e na criatividade, coisas que não são propriamente os jogos florais do Cachopo. E é difícil convocar porque temos alguns mortos e poucos vivos, e os vivos transportam uma crítica que os primeiros, os segundos e os terceiros não suportariam e dela militantemente suspeitam, enquanto há algum dinheirinho.

Vamos bem, caros senhores.

Carlos Albino

    Flagrante antologia: A das colunas cativas dos autarcas. Não perco uma, porque cada uma vem mesmo a propósito, e, em cada uma, não é a comunicação social que “deturpa o que eu disse”…

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SMS 375. O Cine-Teatro que esteve por um fio


12 agosto 2010

E nisto, de repente, lembrei-me de José Mendes Bota. Depois das obras, a fachada está a descoberto, nem interessa ater-me por uns pormenores desinteressantes mas dizem-me, e acredito, que o interior está mesmo muito bem. Em boa hora a câmara de Loulé tomou a iniciativa de remodelar e adaptar ao tempo que corre, o Cine-Teatro que é um dos símbolos da terra e já com longa vida – desde 1930. Mas em diversos momentos esteve por um fio, sobretudo quando a restauração das liberdades públicas faziam crer que não haveria desculpa para ali não haver bom cinema, bom teatro, boas conferências, boas sessões de poesia, boa música, boas óperas até, enfim, um foco de irradiação cultural com audiências interessadas e que nivelasse por cima e não por baixo. E eis que, olhando para a fachada, lembrei-me de José Mendes Bota, mesmo sem saber se no futuro próximo aquela casa vai ser Casa de Cultura ou mero estabelecimento de enchidos como tantos há. Mas porquê José Mendes Bota? Vou contar.

Já lá vão uns anos, ele era candidato à câmara em eleições renhidas. E por acaso, coube-me escrever sobre autárquicas com todo o espaço, naquele tempo em que as páginas dos diários nacionais eram verdadeiros lençóis. E a José Mendes Bota destinei um verdadeiro lençol, com crítica cortante e prosa daquela que os prosélitos numa primeira leitura legitimamente pensaram que era para derrubar. O certo é José Mendes Bota ganhou, foi marcado o dia de posse e tudo fiz para vir de Lisboa propositada e unicamente para assistir ao ato No final da sessão solene, os habituais cumprimentos, a habitual fila por regra composta por ganhadores e caras de vitória fresca com um ou outro com ar de bom perder pelo meio, mas sempre ar estranho em dia de tais festas. Meti-me na fila sem me importar com as caras de mau ganhar ou de bom perder, também com um único propósito – formular um pedido ao presidente empossado. Cheguei ao pé dele e percebi que ele ficou mais perturbado do que eu pelo encontro. Abri o diálogo com o normal e óbvio “venho cumprimentá-lo” e eis que ele, de pronto: “Então você, depois daquele lençol, aqui?” Olhou-me olhos nos olhos e eu olhos nos olhos o olhei, retorquindo: “Foi eleito presidente dos louletanos, acabou a liça eleitoral e venho fazer-lhe um pedido – salve o Cine-Teatro!” Depois de breves momentos de silêncio perscrutante, ele: “Acredite, tudo farei para isso.” Despedi-me com o normal e óbvio “acredito na sua palavra, vamos ver”.

É claro que sabia eu das congeminações ou projetos ou ideias primas-irmãs daquela vitória, para pura e simplesmente derrubar-se o Cine-Teatro para dar lugar a amplo acrescento do mamarracho de 10 ou 12 andares contíguo, ou a outro mamarracho ainda pior, e com isso dando-se uma machadada não só na memória de Loulé mas sobretudo no que de mais apaziguador pode haver na vida coletiva de uma terra – um lugar de Cultura com história, com alguma história pequena que seja, porque sem história não é lugar, é sítio.

Fui acompanhando o caso e pude verificar que José Mendes Bota cumpriu o que prometera e nisso foi determinante, com engenho, remetendo para as calendas a consumação da avidez imobiliária, num tempo em que as câmaras estavam longe de possuir a instrumentação jurídica e política para acautelar interesses públicos. Primeiro com um aluguer de longa duração abrindo caminho à posterior aquisição do edifício, o Cine-Tetro de Loulé aí está, não sem que tenha de dizer um normal e óbvio “obrigado, José Mendes Bota”. Oxalá esse Cine-Teatro seja lugar e não sítio.

Carlos Albino

    Flagrante estupefação: Que outra coisa não pode haver quando um casal que reside em Albufeira me diz que teve de alugar um apartamentozinho em Quarteira para poder ir à praia e ter socego...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SMS 374. Fartos, fartos de escrever e dizer que…

5 agosto 2010

que ali em Sagres, aquilo não é nem pode ser uma rosa-dos-ventos mas um relógio solar de dois quadrantes e que urgiria estudar com cuidado e rigor, dando sequência ao trabalho mais sério feito até hoje feito nos anos 60 pelo astrónomo José António Madeira.

que mais do que suspeitas, indícios de que a cataplana foi introduzida no Algarve pelos soldados polacos do tempo das invasões napoleónicas e que desertaram – as suas armas estão a ser descobertas, uma hoje, outra anteontem na serra onde terão sido escondidas pelos desertores e vendidas por tuta e meia a colecionadores particulares ou negociantes por vezes sem escrúpulos.

que corridinho e acordeão terão sido introduzidos por essa via ou sobretudo por essa via. O meu saudoso amigo de Alte, José Vieira, chegou a testemunhar-me a sua estupefacção quando, numa ida do seu rancho à Polónia, os polacos cantaram a Tia Anica na sua língua sem prévio ensaio ou aviso.

que a chaminé algarvia a que em crónica aqui no JÁ, vai para 42 anos chamei “estranha arma de ira”, é um belo e inestimável elemento persistente da arquitetura romana e que nada tem a ver com essas visões dos que vêem vestígios árabes em tudo. Chaminé romana proveniente do culto dos deuses Lares que eram de três ordens tantas quanto os orifícios da genuína chaminé algarvia (e não as da Mealhada) feita para servir a lareira por cima da qual outrora existia a “boneca”, sim, vestígio da deusa da casa. Aliás, Carminda Cavaco provou, e bem, a traça romana da casa rural algarvia, mas os estudos deveriam ter ido já mais além para não ficarmos na intuição. A chaminé de quatro águas, secundária e normalmente para servir o forno, essa sim é árabe e encontra-se aí por todo o lado nas adjacências do Mediterâneo, desde o Alentejo à Andaluzia, Marrocos Argélia, por aí fora.

que os castelos do Algarve nada têm a ver com a conquista mas com o casamento de Afonso III, em segundas núpcias, com Beatriz de Castela cuja heráldica incorporou, seguindo os costumes. Nada dessas patranhas das publicações da antiga Mocidade Portuguesa, havendo autarcas que não passaram a leitura daí.

que a população algarvia, em grande parte, tem mais a ver com transmontanos do que com árabes, pois pelo menos ao longo de três séculos, XVI a XVIII como bem responde Romero Magalhães, foram os transmontanos transportados por galegos (que aqui tinham as suas póvoas na costa) que colonizaram e recolonizaram o Algarve, deixando para a posteridade os seus jantares, advérbios, cantares e, sobretudo, os romances, como de resto Teófilo Braga se encarregou de recolher, com pequenas variantes. A natureza não dá saltos e então a natureza cultural não daria um salto sobre Beiras e Alentejo.

que não há meio nem vontade de política para recolocar em Faro pelo menos parte da Biblioteca do Bispado roubada em pilhagem inacreditável mas que orna Oxford como inquestionável acervo humanista onde figura o primeiro livro impresso em Portugal, o Pentateuco impresso por Samuel Gaucon na oficina que possuía na capital algarvia e que, disso, apenas tem uma fotocópia.

muito mais, muito mais, para não chegarmos aos caíques, pois é aqui que devia estar um Museu Marítimo e das Descobertas . Para não dizerem que o Algarve não tem nada. Foi perdendo tudo, o que é diferente e bem pior.

Carlos Albino

    Flagrante engano: Foi inaugurado, em Loulé, um troço de uma variante que é rigorosamente uma auto-estrada de uns cinco ou seis quilómetros mas que parte de um certo sítio que não se sabe bem que sítio é e chega a outro sítio que não se sabe para onde vai.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

SMS 373. Estrelas a rodos


29 julho 2010

Independentemente das ações judiciais e de quem tem ou não razão, se os promitentes-compradores britânicos se a empresa às portas da Quinta do Lago, o caso é chocante. E é chocante não pelos milhões dos apartamentos em causa, muito menos pelo apresentador José Mourinho, mesmo nada por ser PIN a fazer recordar aqueles discursos entusiasmantes de Manuel Pinho, também em nada chocando que a administração reitere, como acaba de o fazer, que o empreendimento “é claramente um produto acima do Hilton”. É chocante pelo número de estrelas.

Na verdade, o anúncio do empreendimento surpreendeu o país: não era quatro, nem cinco mas de seis estrelas! Com tanta estrela, as televisões noticiaram, os jornais repicaram e aquela parte do Algarve que continua provinciana mesmo que dela já façam parte britânicos que, alguns, vão para onde forem, também arrastam o seu próprio provincianismo crédulo porque não são exceção à globalização do provincianismo, regozijou-se com a nova constelação caída dos céus para uma zona classificada como florestal no PDM de Loulé. E então dizia um que pouco daquilo haveria em toda a Europa, ao que outro emendava – qual Europa? A nível mundial! E como tudo isso, é claro, que todos tivemos de acreditar nas seis estrelas, pois hoje já nada se faz sem estudos prévios, sem estudos previsionais, sem pareceres jurídicos ao pormenor para a lei não ficar em crise nuns casos, ou noutros para que legalmente se contorne a lei pelas veredas das lacunas, omissões e doutrinas difusas emanadas de instâncias interpretativas, havendo recurso, nas horas tristes e se a coisa dá para o torto, à invocada crise conjuntural que era coisa apenas imprevisível para quem, na origem das estrelas, já escondia a cabeça na areia.

Sabe-se agora que as referências às seis estrelas foram apagadas da obra e que, pelos vistos, só agora se percebeu que o número de estrelas não é por livre arbítrio, havendo um quadro legal. É claro que não se sabe muito bem porque é que as estrelas foram mal contadas ou se até o próprio ex-ministro Manuel Pinho por lapso contou seis onde estavam cinco, devendo nós ressalvar que, se não houvesse lei para o caso, até concordaríamos em dar sete, nove ou - porque não? - dez estrelas, ou até mais mesmo sem contrapartidas, formais ou informais. Aliás, como o governo, na altura, também ressalvou ao decretar a suspensão do PDM apenas na área do empreendimento, possivelmente fiado nas estrelas…

Carlos Albino

    Flagrante merecimento: Claro que esta homenagem não é autárquica ou, por outras palavras, a levar água no bico, mas 21 anos a fazer um jornal – Carteia - assumidamente local e que sempre resistiu a fazer de capacho autárquico, é obra. Vaz dos Santos, continue com brio.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

SMS 372. Aproveitemos estes dois meses e picos


15 julho 2010

Sim, aproveitem alguns este agosto e setembro que julho vai para o fim para passear pela fresquinha nos areais junto da arrebentação das ondas, para fotografar arribas agora que nenhuma delas se desmorona sem estudo prévio, para refrescar memórias a meio da tarde com os dedos cruzados em alguma esplanada que sirva café que não saiba a cardos, para percorrer nas noites sem ventania algum chão calcetado perto do mar se possível lambendo um gelado que é a melhor forma de evitar brigas nas famílias desavindas, para sonhar de janelas abertas aqueles sonhos que repelem até os mosquitos quanto mais os lobisomens, vampiros e outros títeres voadores que não perdem uma greta para saborear o sangue alheio à falta de sangue próprio, enfim aproveitem alguns estes tempinhos para perceber um monumento que ninguém explica se é que a porta esteja aberta. E que outros também aproveitem estes meses e picos para vender brindes, servir sardinha assada, lucrar alguma coisita com chapéus de palhinha e óculos de sol, compensar dezembro com baldinhos de plástico que calem crianças berradoras, equilibrar janeiro com uns quilitos de camarão assado junto de quem parece querer tirar a barriga da miséria mas a teve sempre farta, fazer esquecer fevereiro com umas camas paralelas mas tão paralelas como todas as outras pois dormir em camas verticais deve ser muito incómodo, enfim, justificar março convencendo que é artesanato o que à pressa se acabou anteontem para ir de feira em feira, e saldar algumas contas de abril com essa laranja toda à beira das estradas grande parte com aquela casca grossa que apenas engana papalvos. Ah! É claro que muitos não podem evitar o sofrimento nestes dois meses e picos, sobretudo perante as palmeiras comidas até ao tutano pelos bezouros, ou, depois do milagre de não ter sido passado a ferro por aquele carro conduzido por um cara de pau a 140 à hora na rua mais digna de civilização da localidade, ou ainda após ter engolido o habitual impropério da tal rapariga de óculos escuros com ar de ministra da Palestina mas que mais não é que rapariga das limpezas da agência bancária. Aproveitemos todos e o melhor possível estes dois meses e picos porque já estamos habituados, e, além disso, as próximas eleições legislativas ainda vão longe, muitos autarcas já não poderão ser reeleitos mas é agora que, sem abrirem demasiado o jogo, devem preparar o salto para outra, embora alguns, à evidência, melhor fariam se aproveitassem este tempinho que falta inscrevendo-se nalgum curso das novas oportunidades – e há um desses cursos, o da cultura geral, que forma excelentes especialistas.

Carlos Albino

    Flagrante advertência: Com provincianos, uma região nunca vai lá e mal de quem adverte pois o provincianismo jamais perdoa quem faz o diagnóstico, tal como o doente que prefere morrer na ignorância da causa.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sete anos de SMS

Poucos deram por isso mas passaram sete anos sobre o dia em que as SMS começaram neste mesmo espaço que é também tempo e vestígio. Foi a 15 de maio de 2003. Obrigado a todos os que desde então ou de ainda agora nos acompanham.

SMS 371. Olhando, medindo e comparando


15 julho 2010

Não é de agora, nem de há pouco mas há muito tempo que a caixa de correio se me enche desmedidamente às quintas e sextas. Não, não é pela publicidade gratuita mas pelos jornais locais e regionais um pouco de todo o país. Alguns mesmo, são os principais ou os mais vivos, intervenientes e, portanto de referência, independentemente do número de páginas ou da roupagem. A maior parte desses jornais vêm-me parar às mãos por deferência, bastantes por mediáticas cumplicidades antigas, alguns deveras por gratidão em função de ajudas, colaborações esporádicas ou, caso mais frequente, por ensinança, coisas que de modo geral para a imprensa loca ou regional fui fazendo ao longo da vida sem qualquer contrapartida e ainda assim é hoje. Mas porquê esta conversa? É que dei por mim não tanto a folhear e a ler na diagonal cada um desses jornais de toda a semana passada acumulados na caixa do correio, mas a compará-los uns com os outros, em três áreas de interesse, não quanto à forma mas quanto ao conteúdo: editoriais, noticiário próprio e publicidade. E sobretudo nesta área da publicidade ocorreu-me comparar, com mais pormenor, o grosso dos jornais lá de cima com os do Algarve. Rapidamente cheguei a uma conclusão para qual não é preciso grandes dotes, enorme esforço e muito menos correr-se o risco de cansaço cerebral: a publicidade dos jornais locais e regionais lá de cima, sobretudo os oito ou nove principais e que não vivem adventiciamente de ou para esquemas esquisitos, refletem a sociedade onde se inserem e servem, desde a publicidade colocada diretamente pelas autarquais e empresas locais, até aquela mesma publicidade colocada pelo cidadão comum, seja a da oferta ou da procura de serviços, seja a da mera prestação de informação social como é o caso da necrologia. E, para comparar melhor o fenómeno, medi com mais atenção dois desses jornais, um do Oeste (a Gazeta das Caldas) e outro da Beira (o Jornal do Fundão) comparando-os com os dois melhores jornais regionais do Algarve que não andam em barrigas de aluguer, não porque me repugnem as barrigas mas apenas porque as barrigas desvirtuam a avaliação própria do jornal alojado, sobretudo em matéria de publicidade que nunca se sabe. Mas que diferença lá em cima com aqui em baixo! Lá em cima, autarquias, empresas e serviços marcam presença nos jornais como que por necessidade e para eficácia; cá em baixo, não levem mal e aceitem mil desculpas se estamos em erro, a publicidade é colocada, pelo que parece, ou por favor e caridade patrocinadora, ou à espera de encómio adequado nem sempre discreto, ou como contrapartida para campanha sem convicção e por vezes para fogachos pessoais. E interrogo-me: como é que os jornais no Algarve podem sobreviver? Melhor: como é que o Algarve e os algarvios querem ter jornais? É que medindo e comparando bem, autarquias, empresas e cidadãos cá em baixo, na sua relação com os jornais cá de baixo, imitam e fazem o mesmo que as agências funerárias, no género – «Morreu alguém? Para que isso se saiba, basta colar fotocópias do morto em cada esquina e em placards sem taxas e sem IVA, que a família do morto paga!» Pois tenho que dizer: no Algarve, quer o Jornal do Fundão quer a Gazeta das Caldas, seriam jornais impossíveis, não por falta de apoios e ajudas mas por diferenças nas mentalidades e procedimentos entre lá em cima e cá em baixo, como se verifica logo folheando as agendas municipais cá de baixo. Isto da sociedade algarvia não se refletir nos seus jornais, dói.

Carlos Albino

    Flagrante interpelação: O Algarve tem deputados a mais ou deputados a menos?

quinta-feira, 8 de julho de 2010

SMS 370. A 125? Há seis anos ninguém ligou


8 julho 2010

Foi em 16 de dezembro de 2004 que a nossa mensagem curta n.º 84 trazia este título: Uma Avenida Metropolitana para todo o Algarve… Vai para seis anos, portanto. Confesso que tive a esperança de que a ideia fosse aproveitada por algum amante do Algarve mas sobretudo decisor ou influenciador, e secundada pelos amadores. Confesso que tive a vaga esperança de que os autarcas se mobilizassem, de que os dirigentes políticos assumissem a ideia, e de que, enfim, o Algarve se mexesse em vez se ficar à espera do trem e do sábado que vem. Mas não, ninguém ligou, e nem mesmo quando o governo avançou com a ideia da requalificação da 125, ninguém levantou um dedo, sabendo-se que tal requalificação não é da estrada mas sim requalificação de gabinetes de arquitetos, de engenheiros e de construtoras. Julgo que ninguém levantou um dedo porque toda a gente se acomodou na ideia de que a Via do Infante sem portagens era um dado adquirido e de que a Via do Infante continuaria até todo o sempre como a via rápida e única de travessia do Algarve, e até porque não houve político que tenha sido eleito ou nomeado para mordomia que não tenha feito essa promessa que alguns até entoaram como profissão de fé.

Justifica-se repetir esse apontamento de 2004, para que o leitor conclua:

Boa ideia, a que ouvi de Horácio Neves, o editor e director da Brasilturis (para quem não sabe, a maior publicação de turismo do Brasil). Estávamos a evocar José Barão e eis que ele salta com a proposta de se transformar a Estrada 125 que atravessa a Província Algarvia, numa avenida – precisamente a Avenida Metropolitana do Algarve. Na verdade, em muitos pontos, a 125 e derivados (os apêndices da 125 vão de 1 a 9) já não é mais nem menos do que ruas de comércio, trabalho e residência, movimentadas ruas às quais é crime chamar estrada. A ideia de Horácio Neves vem a matar e julgo que é uma daquelas ideias galvanizadoras, um projecto integrador de que o Algarve precisa como de pão para a boca e pelo qual vale a pena terçar armas. Os Municípios envolvidos – 12 dos 16 que integram a Área Metropolitana – se quiserem, podem concretizar a ideia não porque essa avenida venha a ser a maior da Europa mas porque retiraria o Algarve do beco onde possivelmente já está ou para onde caminha se não houver uma ideia salvadora. A transformação da 125 em Avenida pode ser um daqueles desígnios muito mais significativos do que D. Afonso III ter conquistado castelos aos mouros… Portanto, Macário Correia deve anotar isto na agenda. Deixemo-nos disso que caiu em folclorada do «Não às Portagens» e tratemos é desta boa ideia que, por tão boa, é a melhor resposta ao ministro António Mexia e ao senhor que se segue que não deve ser muito diferente do que o antecedeu. Está nas nossas mãos.

Recusar uma ideia destas tem perdão? Não tem. Ponham a mão na consciência.

Carlos Albino

    Flagrante refúgio dos bandidos: Reconhece-se agora abertamente que parte apreciável dos bandidos que assaltam, roubam e atacam, vêm de Espanha e que, depois de cada façanha, ao refúgio de Espanha retornam. As autoridades de um e do outro lado, sabendo disto, não agem? Ou será que as queixas de um lado não comovem o outro lado?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

SMS 369. A única Via que o Algarve tem


1 julho 2010

Vamos por pontos:

1 – A Via do Infante, em grande parte, não custou um cêntimo ao estado e a pequena parte que custou mais não é do que o retorno de uma décima milionésima parte do lucro que o Algarve tem dado ao mesmo estado. Além disso, ficou barata: absorveu as montanhas de escórias de Sines tornando-se por isso, em largos troços, na via mais barulhenta da Europa.
2 – Estrada de 3 vias esticada com engenho para 4, a Via do Infante foi uma solução para a EN 125 pois esta 125 não foi planeada para a região mas feita para ligar terra a terra, aos ziguezagues, na época da mula e das duas camionetas da EVA, quatro automóveis de Faro para Portimão, duas cucciolos de Olhão, duas de Sachs para Loulé e o resto a pedal quer no Parchal quer do Patacão. E com tanto turismo, foi um crime ter-se deixado que a 125 se transformasse na Estrada da Morte, após décadas de fino lucro do estado com o mesmo turismo.
3 – Largos trajetos da Estada da Morte foram sendo anulados consoante os bochechos da Via do Infante, transformando-se praticamente em ruas com restaurantes de grelhados e casas de toldos à esquerda, vendedores de automóveis e de materiais da construção civil à direita, separadores de arame ao centro com casas de móveis de um lado e outro, rotundas volta e meia com setas para paraísos da imobiliária, tudo menos uma estrada de ligação longitudinal do Algarve que nunca foi mas isso fazia de conta. Entusiasmadas pelo progresso, as câmaras concederam licenças atrás de licenças, os clandestinos legalizaram-se, as finanças do estado agradeceram (e de que maneira!) e a estrada, hoje, é uma feira de quilómetros e quilómetros. É verdade que a 125 deixou de ser a Estrada da Morte mas isso aconteceu apenas porque a Via do Infante passou a ser a única estrada de travessia do Algarve, sem alternativas e nada tendo a ver com a lógica da rede de auto-estradas do Minho, do Douro e das Beiras, também não tendo comparação com os descampados do Alentejo – a Via do infante, na hora que passa, é a única via possível, a única utilizável e a única que serve e o próprio conceito de SCUT que se lhe aplicou foi um erro político de entendimento. E aqui é que bate o ponto.
4 – A anunciada mas muito atrasada requalificação da EN 125 mais não será do que a requalificação da Estrada da Morte – requalificará mais a morte que a estrada pois a 125, tal como nasceu e para o que serviu, não tem emenda. Talvez até ficasse mais barato uma estrada nova, embora esta tenha ficado inviabilizada pelos erros de traçado da Via do Infante por efeito daquela pressão de meia dúzia de fundamentalistas do ambiente que são os que mais conspurcam às escondidas o ambiente humano.
5 – Mesmo com a promessa da morte requalificada, a 125 deixou de ser estrada, e se voltarem a empurrar o trânsito para aí, por mais rotundas e traçados de emenda que arquitetos e construtoras adoram, a mesma 125 será, sim, a Estrada do Genocídio com palmeiras e rotundas. É só esperar pela pancada.
6 – Introduzir portagens na Via do Infante é, além de injusto, uma violência e um abuso, porque essa estrada numerada como A 22 não é uma entre outras auto-estradas que o Algarve tem, é única via de que a região dispõe – é uma via que o estado tardiamente construiu com dinheiros dados ou repostos com maus modos e ainda assim aos bochechos (é 22 mas terminou depois da 48). E, além disso, é auto-estrada por acaso porque foi pensada para estrada de três vias por gente dos gabinetes em Lisboa a justificar que “O Algarve não precisa mais do que isso”.
7 – É preciso dizer Não a isso.

Carlos Albino

    Flagrante falta de zelo: Diz a Câmara de Loulé que atuou no património da Praia do Trafal “por falta de resposta das entidades com responsabilidade direta nesta área”. Mas que novidade! O Algarve não é local para sinecuras?