quinta-feira, 26 de agosto de 2010

SMS 377. Há demasiado jogo


26 agosto 2010

Já nem se percebe. Num dia, o turismo anda bem, ocupa as camas, enche os aviões, são as percentagens risonhas, um movimento prestes a apagar maus sinais, fora com os ventos da desgraça e da crise nem se fala. No outro dia ou no mesmo dia, isso é aparências, muita parra pouca uva, há muita gente vinda de fora mas que vem de bolsos vazios ou com os euros bem contados, os lucros vão por aí abaixo, enfim que “o setor” não recuperou. E fora do turismo? Num dia, as águas estão como nunca, o ambiente um primor, as medidas foram tomadas por responsáveis cheios de zelo, tudo muito cuidado e vigiado. No outro dia, basta um protesto de pescadores, fica-se a saber que, por exemplo, a Ria Formosa está cheia de lixo, que falta fiscalização da poluição e que as margens daquele paraíso estão aqui e li pejadas de frigoríficos, sapatos e plásticos de todo o género, além de descargas de águas poluídas, o que diga-se de passagem, é magnífico para o setor. Num dia, também por exemplo, não há presidente de câmara que garanta a requalificação urbanística, a limpeza das ruas, a iluminação com que nem Deus sonhou quando pronunciou aquele fiat lux, que não garanta o controlo da poluição sonora e o controlo de todas as poluições. No outro dia, é o que se vê: ruas conspurcadas, cada um na velocidade com o escape que entende gozando da libertinagem, novas e extensas urbanizações de casinhotos uns iguais aos outros sem qualquer bom gosto ao lado de novas estradas já entaladas entre altas placas de absorção de ruídos em fileiras tão extensas quanto as filas dos casinhotos e substituindo a paisagem pelos grafitis, o que é bom para o setor. Num dia, a saúde está num primor para efeitos dos turistas de luxo que, afinal, não abundam por aí além. No outro dia, mal de quem precisa para se certificar da falta de meios e condições, das demoras impensáveis, se não houver recurso a “uma pessoa conhecida”. Num dia, os assaltos diminuíram, a segurança está a voltar, pelo número de queixas registadas “no período homólogo”, a GNR anda em bicicleta. No outro dia, sabe-se que ali houve assalto à mão armada por 400 € e que até houve tiros por sorte ao lado do alvo humano, que houve mais vários roubos de alfarrobas – mas o que é isto para o turista de luxo? Nada - , que houve assalto à tal moradia, à outra e outra cujos dono não estavam nem foram avisados, nem serão ou que nem se queixaram suspeitando do gang mais que sabido e das represálias do gang, o que é bom para o setor, porque situações destas são mais que muitas, no dia a dia. E quanto a incêndios, agora que disso tem havido pouco no Algarve, num dia há autarcas que se apresentam como advogados em causa própria no indisfarçável propósito de capitalizarem dividendos políticos, mas nem no outro dia, por exemplo, reconhecem que o êxito contra os incêndios foi devido ao esforço político da governadora civil em promover a coordenação entre os agentes da Protecção Civil como coisa fundamental e que deve ter suado bastante em apelos para que os autarcas da se coordenassem entre si e assinassem o compromisso, justiça lhe seja feita. Mas já nem se percebe como alguns se esquecem tão depressa de um dia para o outro – há demasiado jogo.

Carlos Albino

    Flagrante esquecimento: O de Sagres. Há políticos que deveriam fazer mais do que tirar fotografias à maravilha.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SMS 376. E o que fica depois disto?


19 agosto 2010

Volto à vaca fria. Sim, senhor, por via do Programa das Experiências que Marcam, tem havido e vai haver coisas “clássicas”, mais ou menos “jazz”, também “pop”, bastante “arte”, igualmente “desporto”, aqui e ali “gastronomia”, ainda a saia larga da “animação”, coisas a que se chama “arte de rua” e também “novo circo”, para não se citar as milhentas “feiras” e os milhentos “festivais” quase todos internacionais. Muito disto em parceria com municípios que podem, com patrocínios de empresas ou organizações que devem se é que não precisam, mas também porque muito disso tinha que acontecer em algum lado, de preferência para dar uso a elefantes brancos.

Mas depois disto o que fica? Fica a memória, por certo, e também alguma recordação, sendo que a memória é curta e a recordação esvai-se. Além de que muito disso é parte de tournées, anda por todo o país e a descida ao Algarve é mera circunstância, em alguns casos bem aproveitada, noutros casos perfeitamente dispensável. No entanto, é a animação que não se contesta por ser animação mas porque, a esse propósito, se chama indevidamente cultura. Contesta-se pois que numa folha A4 se alinhem os eventos, que de eventos se trata, e, dando à cara a aparentemente extensa lista, se chame a isso cultura, se queira dizer que com isso se inunda o Algarve com cultura, e levando o sofisma às consequências pretendidas, com isso, se teime em dizer que o Algarve tem uma política cultural… Claro que não tem nem, nas presentes circunstâncias pode ter. E não pode ter, primeiro porque quem a devia delinear ou teoricamente a poderia delinear, não pode ir além do chinelo; segundo porque os municípios não mostram grande vontade em construir uma agenda cultural do Algarve que ponha em crise autonomias em grande parte provincianas e prerrogativas populistas; terceiro porque nada custa falar horas sobre as indústrias culturais e criativas, mas é já mais difícil convocar os que comprovada e reconhecidamente industriam na cultura e na criatividade, coisas que não são propriamente os jogos florais do Cachopo. E é difícil convocar porque temos alguns mortos e poucos vivos, e os vivos transportam uma crítica que os primeiros, os segundos e os terceiros não suportariam e dela militantemente suspeitam, enquanto há algum dinheirinho.

Vamos bem, caros senhores.

Carlos Albino

    Flagrante antologia: A das colunas cativas dos autarcas. Não perco uma, porque cada uma vem mesmo a propósito, e, em cada uma, não é a comunicação social que “deturpa o que eu disse”…

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SMS 375. O Cine-Teatro que esteve por um fio


12 agosto 2010

E nisto, de repente, lembrei-me de José Mendes Bota. Depois das obras, a fachada está a descoberto, nem interessa ater-me por uns pormenores desinteressantes mas dizem-me, e acredito, que o interior está mesmo muito bem. Em boa hora a câmara de Loulé tomou a iniciativa de remodelar e adaptar ao tempo que corre, o Cine-Teatro que é um dos símbolos da terra e já com longa vida – desde 1930. Mas em diversos momentos esteve por um fio, sobretudo quando a restauração das liberdades públicas faziam crer que não haveria desculpa para ali não haver bom cinema, bom teatro, boas conferências, boas sessões de poesia, boa música, boas óperas até, enfim, um foco de irradiação cultural com audiências interessadas e que nivelasse por cima e não por baixo. E eis que, olhando para a fachada, lembrei-me de José Mendes Bota, mesmo sem saber se no futuro próximo aquela casa vai ser Casa de Cultura ou mero estabelecimento de enchidos como tantos há. Mas porquê José Mendes Bota? Vou contar.

Já lá vão uns anos, ele era candidato à câmara em eleições renhidas. E por acaso, coube-me escrever sobre autárquicas com todo o espaço, naquele tempo em que as páginas dos diários nacionais eram verdadeiros lençóis. E a José Mendes Bota destinei um verdadeiro lençol, com crítica cortante e prosa daquela que os prosélitos numa primeira leitura legitimamente pensaram que era para derrubar. O certo é José Mendes Bota ganhou, foi marcado o dia de posse e tudo fiz para vir de Lisboa propositada e unicamente para assistir ao ato No final da sessão solene, os habituais cumprimentos, a habitual fila por regra composta por ganhadores e caras de vitória fresca com um ou outro com ar de bom perder pelo meio, mas sempre ar estranho em dia de tais festas. Meti-me na fila sem me importar com as caras de mau ganhar ou de bom perder, também com um único propósito – formular um pedido ao presidente empossado. Cheguei ao pé dele e percebi que ele ficou mais perturbado do que eu pelo encontro. Abri o diálogo com o normal e óbvio “venho cumprimentá-lo” e eis que ele, de pronto: “Então você, depois daquele lençol, aqui?” Olhou-me olhos nos olhos e eu olhos nos olhos o olhei, retorquindo: “Foi eleito presidente dos louletanos, acabou a liça eleitoral e venho fazer-lhe um pedido – salve o Cine-Teatro!” Depois de breves momentos de silêncio perscrutante, ele: “Acredite, tudo farei para isso.” Despedi-me com o normal e óbvio “acredito na sua palavra, vamos ver”.

É claro que sabia eu das congeminações ou projetos ou ideias primas-irmãs daquela vitória, para pura e simplesmente derrubar-se o Cine-Teatro para dar lugar a amplo acrescento do mamarracho de 10 ou 12 andares contíguo, ou a outro mamarracho ainda pior, e com isso dando-se uma machadada não só na memória de Loulé mas sobretudo no que de mais apaziguador pode haver na vida coletiva de uma terra – um lugar de Cultura com história, com alguma história pequena que seja, porque sem história não é lugar, é sítio.

Fui acompanhando o caso e pude verificar que José Mendes Bota cumpriu o que prometera e nisso foi determinante, com engenho, remetendo para as calendas a consumação da avidez imobiliária, num tempo em que as câmaras estavam longe de possuir a instrumentação jurídica e política para acautelar interesses públicos. Primeiro com um aluguer de longa duração abrindo caminho à posterior aquisição do edifício, o Cine-Tetro de Loulé aí está, não sem que tenha de dizer um normal e óbvio “obrigado, José Mendes Bota”. Oxalá esse Cine-Teatro seja lugar e não sítio.

Carlos Albino

    Flagrante estupefação: Que outra coisa não pode haver quando um casal que reside em Albufeira me diz que teve de alugar um apartamentozinho em Quarteira para poder ir à praia e ter socego...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SMS 374. Fartos, fartos de escrever e dizer que…

5 agosto 2010

que ali em Sagres, aquilo não é nem pode ser uma rosa-dos-ventos mas um relógio solar de dois quadrantes e que urgiria estudar com cuidado e rigor, dando sequência ao trabalho mais sério feito até hoje feito nos anos 60 pelo astrónomo José António Madeira.

que mais do que suspeitas, indícios de que a cataplana foi introduzida no Algarve pelos soldados polacos do tempo das invasões napoleónicas e que desertaram – as suas armas estão a ser descobertas, uma hoje, outra anteontem na serra onde terão sido escondidas pelos desertores e vendidas por tuta e meia a colecionadores particulares ou negociantes por vezes sem escrúpulos.

que corridinho e acordeão terão sido introduzidos por essa via ou sobretudo por essa via. O meu saudoso amigo de Alte, José Vieira, chegou a testemunhar-me a sua estupefacção quando, numa ida do seu rancho à Polónia, os polacos cantaram a Tia Anica na sua língua sem prévio ensaio ou aviso.

que a chaminé algarvia a que em crónica aqui no JÁ, vai para 42 anos chamei “estranha arma de ira”, é um belo e inestimável elemento persistente da arquitetura romana e que nada tem a ver com essas visões dos que vêem vestígios árabes em tudo. Chaminé romana proveniente do culto dos deuses Lares que eram de três ordens tantas quanto os orifícios da genuína chaminé algarvia (e não as da Mealhada) feita para servir a lareira por cima da qual outrora existia a “boneca”, sim, vestígio da deusa da casa. Aliás, Carminda Cavaco provou, e bem, a traça romana da casa rural algarvia, mas os estudos deveriam ter ido já mais além para não ficarmos na intuição. A chaminé de quatro águas, secundária e normalmente para servir o forno, essa sim é árabe e encontra-se aí por todo o lado nas adjacências do Mediterâneo, desde o Alentejo à Andaluzia, Marrocos Argélia, por aí fora.

que os castelos do Algarve nada têm a ver com a conquista mas com o casamento de Afonso III, em segundas núpcias, com Beatriz de Castela cuja heráldica incorporou, seguindo os costumes. Nada dessas patranhas das publicações da antiga Mocidade Portuguesa, havendo autarcas que não passaram a leitura daí.

que a população algarvia, em grande parte, tem mais a ver com transmontanos do que com árabes, pois pelo menos ao longo de três séculos, XVI a XVIII como bem responde Romero Magalhães, foram os transmontanos transportados por galegos (que aqui tinham as suas póvoas na costa) que colonizaram e recolonizaram o Algarve, deixando para a posteridade os seus jantares, advérbios, cantares e, sobretudo, os romances, como de resto Teófilo Braga se encarregou de recolher, com pequenas variantes. A natureza não dá saltos e então a natureza cultural não daria um salto sobre Beiras e Alentejo.

que não há meio nem vontade de política para recolocar em Faro pelo menos parte da Biblioteca do Bispado roubada em pilhagem inacreditável mas que orna Oxford como inquestionável acervo humanista onde figura o primeiro livro impresso em Portugal, o Pentateuco impresso por Samuel Gaucon na oficina que possuía na capital algarvia e que, disso, apenas tem uma fotocópia.

muito mais, muito mais, para não chegarmos aos caíques, pois é aqui que devia estar um Museu Marítimo e das Descobertas . Para não dizerem que o Algarve não tem nada. Foi perdendo tudo, o que é diferente e bem pior.

Carlos Albino

    Flagrante engano: Foi inaugurado, em Loulé, um troço de uma variante que é rigorosamente uma auto-estrada de uns cinco ou seis quilómetros mas que parte de um certo sítio que não se sabe bem que sítio é e chega a outro sítio que não se sabe para onde vai.