quinta-feira, 29 de novembro de 2012

SMS 489. Deputados, mais uma vez

29 novembro 2012

Vamos em 38 anos de democracia, já elegemos deputados vezes sem conta, pelo que seria quase ridículo lembrar que um deputado é, antes de tudo, porta-voz da população na Assembleia da República, que deve responder e dar corpo aos anseios e necessidades dos seus eleitores e que por isso mesmo compete-lhe procurar respostas legislativas para os problemas deste mundo e não do outro mundo. Seria ridículo lembrar isto se os deputados, a começar pelos cá da casa, assim tivessem procedido e não, como tem sucedido, assumirem posição inversa, ou seja, a de porta-vozes do governo se são do partido no poder ou do diretório central da oposição se são da oposição. Um deputado do poder não tem que explicar à população medidas do governo, tem que ouvir a população, e um deputado da oposição não tem que espicaçar os eleitores para a luta superior do seu partido, tem, sim, é que ouvir os mesmos eleitores para que a oposição seja coerente, idónea e, já agora, alternativa credível e não mero fruto das circunstâncias. Portanto, ser deputado não é uma profissão de carreira, é um serviço que deve ser prestado por um contrato solene com os eleitores. Ser deputado não é ir para Lisboa e iniciar uma carreira que pode dar em ministro, em secretário de Estado, outro grande cargo, ou, nessa impossibilidade, viver uma vidinha de funcionário de corte política cumprindo disciplinarmente os deveres partidários a troco de privilégios e de um razoável salário de lealdade. E por isso mesmo, um dos seis deveres que decorrem do seu estatuto é precisamente o de “assegurar o indispensável contacto com os eleitores”. Para tanto, o regimento parlamentar reserva-lhe as segundas-feiras, todas as segundas-feiras que, para cada deputado não são portanto “dias livres” mas dias a preencher com o trabalho de ouvir e registar aquilo que as populações têm a dizer.

Vem isto a propósito dos deputados do PSD cá da casa terem anunciado a promoção de “nova ronda de atendimento de eleitores” em três sábados deste mês de dezembro – dia 8, Elsa Cordeiro em Tavira e Pedro Roque (Portimão), a 15, Cristóvão Norte em Faro, e a 22, Mendes Bota em Loulé.  Dos dois do PS e dos outros dois do BE, do PCP e do CDS, não se sabe se fazem também alguma nova ronda nuns sábadozinhos, é possível que sim, é possível que não. Não está em causa que os deputados troquem a segunda-feira pelo sábado para atenderem eleitores, o que releva é que parece ser um ato excecional aquilo que devia ser normal e rotina, seja ao sábado por conveniência de deputados e eleitores, seja às segundas-feiras, todas as segundas-feiras por força do dever indeclinável e regimental dos deputados, de cada um dos deputados. Vamos em 38 anos de democracia e só não é ridículo lembrar que esse dever devia ser uma rotina, porque passam as semanas, os meses, anos e anos e o que mais se tem visto e observado não é o cumprimento do dever de ouvir o que populações têm a dizer ao governo, mas, volta e meia, uma espécie de direito dos deputados a juntar eleitores para lhes explicar ações do governo ou espicaçá-los para os cálculos de oposição – o contrário do que devia ser e daquilo para que uma democracia é feita. Em todo o caso, mais valem três sábados que nenhuma segunda-feira.

Carlos Albino
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     Flagrante cheiro: A inevitáveis eleições se não houver emenda ou remendo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

SMS 488. Não é para inglês ver

22 novembro 2012

A insegurança do dia de amanhã está a tornar Portugal um país nada confiável para os portugueses. O que foi ontem prometido não é cumprido hoje, discursos de esperança para arrebanhar circunstanciais aplausos esbarram pouco depois com fracassos em grande parte evitáveis, previsões de melhoria são desmentidas com os números feitos à mesma hora em que tais previsões foram feitas, anúncios de dinâmica nova para a economia portuguesa cedo se revelam dependentes dos humores económicos que nem são assim tão mundiais mas residem cá na casa, garantias de um governo menos pesado de ser carregado pelos cidadãos acabam por se transformar em aumento de prosperidade apenas para alguns, as reformas de contenção de gastos do Estado não se traduzem no reforço da potencialidade do Estado mas em mais impostos e em mais entraves burocráticos e legais que impedem o integral desenvolvimento das forças produtivas do país, o implante de modelos que não foram referendados estão a quebrar ou quebraram já o que até há pouco era um franco entusiasmo com as conquistas do país na consolidação da democracia e da estabilidade económica, enfim, a instabilidade tornou-se um património da sociedade e isso é amplamente percebido.

Portugal tem, pela primeira vez desde há muitos anos, perceção de risco, com uma classe política dirigente que se contradiz amiúde, sem uma ideia ou um pensamento claro e amigo, mas que sobrevive pela ameaça e sobretudo com essa acusação falaciosa feita a todos os portugueses segundo a qual vivemos muito acima das nossas possibilidades, quando a verdade é que os dirigentes que temos tido ou fomos elegendo, esses sim, revelaram-se ou acabam por se revelar como muito abaixo das potencialidades que se esperava terem. Há a suspeita geral de que grandes escândalos que à evidência estiveram e estão na base do desvario das contas públicas e do erário público, são esbatidos ou abafados como que por milagre divino, em função do poder de influência dos seus autores, coniventes ou beneficiários. O Estado não se descentralizou, nem sequer onde lhe seria fácil como no caso do Algarve, comprometendo os administrados nas decisões que lhes pertencem, tudo isso a pretexto de se insuflar um municipalismo que, na hora de fazer contas, agora quase é colocado no banco dos réus ou de castigo, tanto que não temos Ministério das Finanças mas apenas Ministério do Orçamento e não temos Ministério da Economia mas Ministério dos Remendos. Para um país que há bem pouco tempo era visto como um país de futuro, é bom saber que esse futuro está mais longe e não é para inglês ver.

Carlos Albino
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     Flagrante apelo: Aos leitores assinantes do Jornal do Algarve dos quais depende a continuação desta obra de que o Algarve não pode nem deve prescindir. Juntamo-nos ao apelo bem lembrado de João Leal: “Salvem o Times”.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

SMS 487. A Universidade e a paisagem

15 novembro 2012

Funcionou como um murro no estômago, a notícia sobre a eventualidade da Universidade do Algarve ter que encerrar como consequência das restrições orçamentais. Como murro no estômago em alguns, não em todos pelo que não se viu um forte cerrar de fileiras dos que, aqui ou ali, nomeados ou eleitos, estão investidos em funções de zelo pelos chamados interesses algarvios. Ora, deve ser dito em alto e bom som que não é possível admitir o encerramento da Universidade, e muito menos aceitar a sua absorção por Évora (fusão iria dar nisso). A sul de Lisboa, a Universidade do Algarve é a que melhor oferece um quadro de internacionalização e de contactos internacionais designadamente no quadro lusófono e em parcerias com o Norte de África e Médio Oriente, além de oferecer áreas de atuação por excelência (caso do mar e o turismo) e sugerir outras por explorar devidamente (caso das línguas). Destruir o que a Universidade do Algarve conseguiu e representa, seria um recuo de décadas e equivaleria a mais um passo para o Algarve voltar ao estado semi-colonial e de indigenato que o marcou secularmente. É inadmissível o encerramento da Universidade pelo que a região deveria ter já feito uma barragem de voz única ao cutelo, se há cutelo, quer face aos ministros das Finanças e da Educação, quer ao próprio primeiro-ministro.

É evidente que há falhas. É evidente que a falta de ambição cultural da população algarvia (há que reconhecer isso com verdade e humildade) não está a ser alterada pela presença da Universidade. É evidente também que a Universidade carece de dinamismo e de entrosamento com a sociedade algarvia em patamar de excelência e sem cedências a nivelamentos por baixo. E é também evidente que, não existindo um escol na sociedade algarvia, a Universidade não provocou ainda o aparecimento de tal escol com domicílio na região e sem interesses difusos. Mas isso são contas nossas – nossas, da Universidade e da paisagem que a cerca. Todavia as deficiências ou aparentes pontos fracos não permitem ao Estado varrer a região como se varre um capacho, depois do mesmo Estado ter escondido a enormidade que durante décadas recebeu do Algarve e por causa do Algarve comparada com a ninharia de investimento público feito na região da qual a Universidade é ou deveria ser o motor, um motor de que não se pode prescindir.

Carlos Albino
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    Flagrante pobreza: Pobreza mental, a de Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares em que o Banco Alimentar do Algarve se integra. Ouvimos bem o que disse, e em seis minutos com uma má ideia pode-se estragar um bom ideal.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

SMS 486. Próximas autárquicas

8 novembro 2012

Ainda há pouco tempo, antevia-se as próximas eleições autárquicas como mais um ritual de um presidente dar lugar a outro seu rival ou seu correligionário, ou mais uma quinzena de propaganda rotineira, de comícios que nenhuma novidade introduzem a não ser rouquidão nos oradores menos prevenidos, e sobretudo de jogadas que só cinco ou seis em cada terra percebem e mesmo assim ficando tudo dentro dos partidos que são como as lapas – só se mexem quando se lhes toca. Parecia, pois, que as autárquicas iriam despertar o menor interesse na história da democracia, até porque com a profunda crise em que o País mergulhou, gerir uma câmara e conduzir um município não dá a pompa que recentemente dava. E sendo assim só um grande santo disposto a enorme sacrifício ou então algum diabo com grande e estranho interesse atado ao rabo escondido, poderiam concorrer a presidências de câmaras deficitárias, algumas quase falidas, outras na corda bamba mas dissimulando tudo isso para salvar o prestígio do poder local, sem que alguém se importe minimamente com o facto de ter sido o somatório destes poderes que esvaziou, para gáudio do Estado centralista e centralizador, o que poderia ser hoje um poder regional.

Acontece porém que nestas próximas eleições autárquicas não vão ser tanto os candidatos que vão estar à prova mas sim os eleitores. É que, depois das promessas, incongruências e trocas de pés pelas mãos que o eleitorado verificou e sente na pele como resultado das recentes legislativas, é muito provável que, nas próximas autárquicas, já sejam muito menos os que comem gato por lebre ou que vão exclusivamente atrás da propaganda. Numa democracia adulta, o eleitor é altamente exigente para consigo mesmo; numa democracia de fatela, o eleitor vai atrás do compadre, vota na mira de um favor e por vezes chega a dar um contributo decisivo para uma eleição apenas para corresponder a um aperto de mão do candidato. E é por saberes disto que alguns candidatos, sobretudo nos poderes locais, imitam campanhas só admissíveis em clubes desportivos mesclados com negócios – grandes jantares e passeatas como se fossem mini-Presidentes da República.

Pelos indícios já dados nos últimos meses, parece que nas próximas autárquicas serão em número muito mais reduzido que em eleições anteriores, os eleitores que vão dar voto fiado. E se assim não for, será caso para se dizer que pior que a democracia só a ditadura, quando se preferiria dizer que melhor que a democracia só uma melhor democracia.  E quanto a isto não decretos que determinem – depende dos eleitores que temos e somos.

Carlos Albino
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    Flagrante pena: Guimarães que não pediu desculpa ao Algarve pelo tal cartaz, está com dívidas, tem que importar criadores de todo o lado e apesar de ter esvaziado as nossas praias, não tem gente. É uma pena só  encher o castelo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SMS 485. Divórcio com o eleitorado

1 novembro 2012

A palavra divórcio é adequada ao caso, embora deputados e eleitorado nunca tenham casado. Não é todos os anos que um país inteiro toma conhecimento de um Orçamento de Estado de desfazer os ossos, como não é coisa rotineira que uma região ou círculo com seus eleitores pode ver desmoronar-se programas e projectos em que se empenhou e e que acreditou. É verdade que o debate foi nacional, ou seja, foi um debate entre os diretórios partidários, com avanços ou recuos em função das fatias do bolo da democracia (caso do acordo para as autárquicas entre dois desses partidos), mas nada justifica que os deputados se tenham refugiado na toca ou se tenham tornado anónimos, portanto sem nome e sem cara.

No caso do Algarve, é para todos, sejam quatro ou três mais um, dois apenas ou um. Não basta um comunicado apaziguador dos militantes, ou de resposta a facção interna, ou ainda para mostrar serviço a Lisboa. Muito menos basta uma croniqueta, dessas que mal começam, sabe-se logo como acabam. Os deputados do círculo, todos por um ou um por todos, deveriam ter tomado posição pública sobre assunto da mais elevada importância para indivíduos, empresas e instituições da região. O normal é que cada um desse a cara, mostrasse a boca e olhasse olhos nos olhos os eleitores que o elegeram, muitas vezes sem hesitações, outras por arrasto da figura de proa.

Nunca escondi que sou crítico deste Orçamento – pela sua filosofia, pela garotice na condução do processo, pelas intenções escondidas e pelas omissões graves sobre a causa da crise e desta emergência com impunidade para os reponsáveis. Isso não quer dizer que apenas seja bom ou correto quem partilhar da mesma opinião. Nada disso! E no caso dos deputados do Algarve, esperava, sempre esperei que tivessem ido a Lagos, a Tavira, a Silves, a Portimão ou a Faro que apenas fosse, explicar o sim ou o não. Não basta Lisboa dizer que não, para isentar os deputados regionais da explicação, como não basta Lisboa decretar a disciplina de voto para os dispensar da prova pública de que têm um voto de consciência. Não o fizeram, ficaram-se pelo comunicadozito ou por um textozito com fotografiazita, e assim deixaram provado que o divórcio com o eleitorado ainda lhes dá o que resta do casamento: o ordenadozito.

Carlos Albino 
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    Flagrantes monumentos: Sobretudo igrejas, é verdade que abertas para glória dos turistas que estão lá nas alturas tais como santos e anjinhos, mas perante as quais os vivos dão com os narizes nas portas.