quinta-feira, 27 de março de 2014

SMS 557. As Escolas e a Sociedade

27 março 2014

Sou dos que entendem que as Escolas, do ensino superior ao básico, são ou devem ser os centros de cidadania por excelência. Não por rótulo, mas na prática. Não as vejo cercadas de muros confinando alunos e professores, com umas aberturas de fronteira por onde entram pais ou encarregados de educação, e circunscrevendo um espaço de misteriosa concentração humana por onde circulam uns seres dos quais as famílias se vêem livres por uma horas, cruzando-se com outros que eventualmente se julgam livres da Sociedade em idêntico horário. Ninguém, por certo, quer isso ou declara, mas sem darem bem por isso, os grupos movediços que entram e saem pelos postos fronteiriços das escolas vão construindo os seus muros. Cada qual, por ocultada conveniência própria.

E o problema é tanto maior e mais grave, quando a política educativa geral, em vez de estimular e apoiar ativamente a inserção das escolas na Sociedade, as leva, num primeiro passo, para o isolamento, num segundo passo, para a segregação triunfante, e, finalmente, para a afirmação de quartel. Ou seja, a escola, estando tão perto, torna-se num lugar longínquo. Sabemos que há professores, conscientes deste perigo, que estão contra isso, que há pais que não olham apenas para os interesses diretos dos seus próprios filhos mas para todos os filhos de todos. Sabemos que há escola que se esforçam o mais possível para evitar esse rumo. Mas as circunstâncias inevitavelmente reduzem a pó a consciência de uns e os esforços de outros, acrescendo que o desenraizamento e a sociofobia é uma situação conveniente para alguns outros (pais, professores e, pela natureza das coisas, alunos).

A burocracia asfixiante e a competição acéfala que se instalou nas escolas, em doses próprias do controleirismo de regime autoritário, está a cortar pela raiz a árvore educativa. Não me refiro à burocracia razoável das organizações, mas à burocracia que impede a criatividade, a inovação e a construção da avenida larga entre Escola e Sociedade. Não me refiro à competição conjugada com a solidariedade que é a sua irmã gémea, mas à competição que conduz a uma espécie de canibalismo escolar por via do qual, todos (professores e alunos) acabam por se comer uns aos outros. E intra-muros, o que é anda pior.

Não peçam exemplos de onde e como, porque que os sinais estão à vista.

Carlos Albino
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Flagrante europeísmo: Vai ser interessante saber quais os algarvios que os partidos apresentarão como elegíveis, já que dos inelegíveis não reza a história.

quinta-feira, 20 de março de 2014

SMS 556. O que une os portugueses

20 março 2014

Mais um estudo, por aí lançado e apresentado, sobre o que une os portugueses. Pelo que foi apresentado nas ideias mais fortes, parece que aquilo que une os portugueses é o fado, o futebol e Fátima, com alguns acrescentos. Confesso que não sei para quê estudar-se tanto. Com as televisões, designadamente a do “serviço público”, a desconstruírem na mira de audiências, dia a dia, noite a noite, aquilo que as Escolas tentam construir, reservando, por sua vez, para canais fechados aquilo que uma minoria da sociedade entende, não admira absolutamente em nada que os portugueses se julguem unidos pelo preço certo, não porque o mereçam, mas porque os produtos “à venda” são praticamente aqueles e apenas aqueles.

É claro que o estudo não refere algo mais evidente que une os portugueses, talvez porque não tenha sido referido nos inquéritos. Por exemplo, o oxigénio ou o ar que se respira. A omissão é lamentável num estudo desses, porquanto, à partida, o oxigénio une os vivos e certifica os mortos. Há outras realidades e factos que unem os portugueses, mas não nos compete completar o estudo. Fiquemos pelo oxigénio que já vai faltando à grande parte se não à maioria dos portugueses.

Mas, com ou sem ar para respirar como factor de união e como condição para articular palavras, os portugueses que citam o fado, o futebol e Fátima como instrumentos de coesão, não o fazem por medo. Fazem-no por pavor. O medo, até se expressa. O pavor, não. O pavor engole-se, torna-nos mudos, torna a sociedade muda e, paradoxalmente, até se transforma em factor de união.

O pavor do desemprego, o pavor dos salários baixos aceites pelo medo de nem isso se ter, o pavor por quem contrata livre de condições, o pavor do fisco do qual ninguém tem medo mas pavor, a que se acrescenta para muitos e para cada vez mais, não o medo mas o pavor da fome. Para não se falar do pavor do isolamento e da exclusão, o pavor da saúde se transformar num produto de mercado deixando de ser direito, o mesmo podendo acontecer com a educação, por aí fora, salvando-se apenas o fado, o futebol e Fátima. Não é preciso estudar muito, nem fazer-se grande esforço para os portugueses, na sua longa História, não por medo mas por pavor, mais uma vez se declararem muito agradecidos ao Clero, à Nobreza e ao Povo, por aquilo que os une. Obrigado.

Carlos Albino
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Flagrante capacho: Para as televisões do Porto e de Lisboa (não há outras), o Algarve é um capacho.

quinta-feira, 13 de março de 2014

SMS 555. As empresas, as pessoas e o Algarve

13 março 2014

No terreno, sejamos claros, as empresas que operam no Algarve, colocam-se completamente à margem do Algarve e à margem das pessoas do Algarve, ou seja, à margem da sociedade. Há pequenas exceções, que são pequenas, muito pequenas. E porquê? Porque vêem o Algarve como um bom balcão e nada mais do que balcão para venda dos seus produtos, sejam estes produtos uma dormida, uma garrafa de vinho, uma entrada para o golfe, um bilhete de avião, um aluguer de carro, um saco de plástico. O Alentejo vende aqui vinhos, queijos e artesanato (muito deste, fatela), como se o Algarve fosse apenas o seu balcão; os dois ou três homens mais ricos de Portugal e mais dois da Alemanha aqui têm os seus hipermercados, supermercados, fóruns e shopings, tratando o Algarve como seu balcão; os casinos, enfim, lá têm que deixar alguma “generosidade” mas por imposição legal, não é convicção por quanto a convicções elas ficam todas lá no Norte do País; as cadeias de hotéis têm os seus centros decisão longe do Algarve e para tais centros a “sociedade algarvia” diz-lhes tanto como uma caravana de camelos estafados indo da Argélia para a Mauritânia; a gente vê e ouve os aviões e sabe que aterram no aeroporto de Faro, mas fora o IVA, os aviões passam por cima da sociedade e o aeroporto é um ducado sem duque; a gente também sabe que há uns quantos cartões gold que por aqui se instalaram mas a quem a sociedade algarvia não lhes respeito, como se isto aqui fosse mera extensão da pata descalça da Índia e da China; para os dos golfes, também, a mesma sociedade algarvia é apenas mais um buraco.

Claro que quando há “projeto” para mais balcão e quando há plano “calculado” a pôr em crise o ordenamento, todos, desde os das grandes superfícies até aos dos buracos, passando pelos dos hotéis, aproximam-se visivelmente da sociedade, ou do que da sociedade lhes interessa, não pela porta da frente mas pela porta de trás. Daí que alguns até nem tenham hesitação em dar a cara ou fazer pressão nos pleitos eleitorais locais, para que o apoiado lhes facilite o projeto de balcão e o plano calculado. Estes são os chamados “artistas”. Fora isso, a sociedade algarvia e as pessoas, não lhes diz respeito, porque para esses o Algarve é um balcão e estar no Algarve ou operar no Algarve pouco mais será do que estar ao balcão e venha a clientela.

Fora dos tempos de crise, a atuação destes artistas e o tipo ou grau de consciência que revelam, até passa ou passou despercebida porque Estado e Autarquias, designadamente por via da chamada “animação”, compensam ou compensavam generosamente o divórcio das empresas para as quais o Algarve não tem pessoas, muito menos Sociedade, mas apenas clientes. Em plena crise, o retrato dessas mesmas empresas de costas voltadas para a terra onde operam mas da qual não dependem está bem revelado a preto e branco, e mesmo a cores. Qual apoio à cultura! Qual apoio social! Qual apoio à educação! Qual inserção na Sociedade! Nada. Os algarvios, para essa gente, e gente ao balcão que começa logo aqui ao pé da porta, no Alentejo, são uma espécie de condenados a cumprir pena domiciliária com pulseira eletrónica. Por mais que digam que não, é assim que vêem.

Carlos Albino
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Flagrante aparelho fonador: Ouvi dizer que Jorge Botelho disse que a AMAL vai ser a voz dos algarvios. O problema é que a voz depende do aparelho fonador, a saber – pulmões, traqueia, laringe (cordas vocais e glote, lábios, dentes, alvéolos, palato duro, palato mole (véu palatino e úvula), parede rinofaríngea, ápice da língua, raiz da língua e ainda o nariz. Está tudo dito.

quinta-feira, 6 de março de 2014

SMS 554. Maldita censura

6 março 2014

Nos ecrãs do Multibanco, pelo que veio a público, foi censurada a publicidade do Carnaval de Loulé, por conter uma caricatura de Cavaco Silva constante no cartaz desse carnaval. A empresa que explora esse espaço publicitário, Spectacolor, justificou o ato, alegando que a imagem constituía um “atentado contra a dignidade da pessoa constante da caricatura” e invocou a aplicação do Código de Publicidade. Na verdade, este código proíbe a publicidade que “se socorra, depreciativamente, de instituições, símbolos nacionais ou religiosos ou personagens históricas”. Mas vendo bem o cartaz, não é depreciativo, em nada toca em pormenores da vida privada ou apreciações de probidade ou moralidade da figura em questão, trata-se de mera e inofensiva sátira comum em todos os carnavais, muito menos “um atentado” contra a instituição da Presidência da República ou contra um símbolo nacional. E tratando-se da circunstância do carnaval, longe também de ser um ato de exceção sediciosa, aquilo mais não é que brincadeira folgazã perfeitamente banal e tolerável num quadro de liberdade de expressão. E assim sendo, a empresa, não atendendo às circunstâncias, pôs em crise esse princípio de liberdade de expressão e entrou no terreno da prática de um ato censório por livre arbítrio, não se livrando de ser mais papista que o papa, pois sendo Cavaco Silva da terra e conhecendo desde miúdo o carnaval, ele, se tivesse sido consultado, seria o primeiro a menosprezar a alegada gravidade da caricatura. E se foi eventualmente consultado, pior a emenda que o soneto.

O Código de Publicidade, em nenhum lugar institui uma comissão de exame prévio ou de censura, apenas põe em ação um Conselho Consultivo da Atividade Publicitária a quem compete “dar parecer técnico consultivo” sobre a aplicação do Código de Publicidade. Aparentemente, a empresa não recorreu a esse parecer, como devia fazer em caso de dúvida, procedeu a uma interpretação exacerbada da lei, sem atender às circunstâncias e se, com zelo evidente, quis proteger a instituição do Presidente da República, acabou por prejudicá-la. A proibição de uma caricatura inofensiva acabou por ser mais ridícula que uma caricatura que fosse ofensiva.

E é assim que, se este for um indício do surgimento de censores à paisana, seja caso para se dizer: “Maldita Censura”.

Carlos Albino
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Flagrante constatação: E se não fossem as Câmaras Municipais enquanto podem, e, aqui e ali, a Juntas de Freguesia enquanto conseguem, isto seria muito pior. Oxalá continuem a poder e a conseguir.