quinta-feira, 26 de novembro de 2015

SMS 642. Todos aprendemos muito

26 novembro 2015

Desde 4 de outubro, todo o País assistiu a uma enorme aula de ciência política e de direito constitucional como nunca aconteceu. Todos aprendemos muito, independentemente das opiniões de cada um e das convicções mais ou menos generalizadas. Sobretudo aprendemos que escolher representantes para o parlamento não pode nem deve ser um ato de ligeireza. Do conjunto dos deputados e da sua diversidade, depende a condução do destino do País e a afirmação do poder na sua raiz central. Aprendemos que o voto tem consequências mas que também produz surpresas, aprendemos que há regras que acima dos interesses de cada um movimentam as instituições, aprendemos que o sufrágio não é uma aritmética de caras simpáticas ou antipáticas, que não é ou não deve ser mero efeito de encantamento por vozes canoras ou repulsa de vozes fanhosas. Aprendemos que o voto deve ser exercido em função de ideias, de um projeto, de um programa. Aprendemos também muito quanto ao valor da participação e sobre a absoluta inutilidade da fuga, da abstenção e do desligamento da decisão coletiva na sua hora certa e livre. Aprendemos igualmente que o exercício do poder não é coisa da propriedade privada seja de quem for e que seja quem for que exerça o poder não pode fugir ao escrutínio dos seus atos, das suas omissões e das suas palavras. É esta aprendizagem que traça a fronteira entre uma democracia e uma ditadura, entre o que resulta da livre escolha de opções e da imposição de ordens dadas como indiscutíveis. E se continuarmos a aprender, também descobriremos que aquilo que vamos aprendendo como válido a nível nacional e das instituições do País, é igualmente válido a nível local e das instituições a que bem chamamos autárquicas.

Também os partidos, como coletivos organizados de eleitores, todos aprenderam muito ou deviam ter aprendido. De pouco já lhes vale a excessiva confiança no marketing político e o apagamento das ideias em benefício da propaganda por todos os meios e expedientes. Isto teve o seu tempo – o marketing político e a propaganda como fins em si, cansaram a sociedade que já se apercebeu de ser a primeira a ser enganada mas sempre a última a pagar decisivamente os erros, designadamente os erros evitáveis. Mais do que nunca, a sociedade aprendeu a questionar o que pode ou não ser erro.

Julgo que a sociedade algarvia, particularmente castigada por uma colonização partidária que faz dos eleitores algarvios uma espécie de imobiliária política do compra-e-vende através dos offshores do poder, também aprendeu, embora não tenha voz para o dizer até porque muitos dos que deviam ser eleitores ativos, não só caíram de pára-quedas, como aqui estão como poderiam estar na Mauritânia.  Mas é também uma fase que vai passar.

Carlos Albino
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Flagrante pensamento: Tomando, no Calcinha, um café com um amigo, saltou-me esta: “A manha, manha do manhoso, é o rascunho do déspota na sua versão original”. E isto porque há muita honestidade invocada por aí, que não passa de manha.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

SMS 641. Paris e as mesquitas do Algarve

19 novembro 2015

Vai para seis anos, aqui, na SMS 294 (O respeito pelas religiões, março,2009), observámos como, por exemplo nas agendas municipais, se discriminavam as religiões beneficiando uma só, em matéria de locais e horários de cultos. Ou todas, ou nenhuma, defendemos, independentemente da respetiva grandeza ou da proximidade da crença de cada um. Entre as diversas religiões praticadas no Algarve, nessa altura, contava-se já, a islâmica, ou muçulmana, como queiram. Verifiquei, entretanto que, algumas câmaras começaram a contemplar o princípio da não exclusão, colocando nas suas agendas, endereços, horários e até responsáveis de cultos. Julgava eu que as religiões assim publicamente consideradas, se inseriam mais nas sociedades locais que as acolhem, não discriminando ninguém. Mas em diversas circunstâncias, comprovei que assim não acontecia. Telefones disponibilizados geralmente não respondem e, quando num caso ou outro se chegou à fala com interlocutor, as respostas ficaram aquém do benefício da inserção. Claro que não me arrependo da sugestão de há seis anos, na esperança de que as atitudes mudem.

Em Portugal, há 52 mesquitas, três das quais no Algarve (Portimão, Albufeira e Armação de Pêra), a que se somam dois designados lugares ou salas de culto islâmico (Faro e Quarteira). Portanto, uma religião já com alguma expressão, designadamente da parte de imigrantes, muitos deles há muito radicados na região, acolhidos e, além de bastantes serem lusófonos, com provas dadas em matéria de participação cívica. Derivas à parte, o islão é uma religião pacífica e os seus seguidores, se seguem, pugnam pela paz, pela concórdia e pela harmonia social.

Por isto mesmo, esperava-se já da parte dos responsáveis de mesquitas e lugares de culto islâmico, uma posição pedagógica, firme e probatória de bons propósitos, não só antes mas sobretudo a partir dos trágicos acontecimentos de Paris. O silêncio não é a resposta, e as palavras para dentro ou para uso interno, não movem moinhos, num momento em que aqueles acontecimentos são suscetíveis de provocar um amplo receio público e aproveitamentos por certo injustos e descabidos face a uma comunidade que se instalou pacificamente e para fins pacíficos. Sheikhs, bhais e imãs já deviam ter dito alguma palavra que suscitasse serenidade a uma sociedade que, independentemente de crenças, se une esmagadoramente na crença da Paz. Já deviam ter dado um sinal agregador ou, até mesmo, apaziguador por bons motivos. Sinal este que mais vale tarde que nunca.

 Carlos Albino
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Flagrantes meios-mandatos: Por aí, muito balanço a meio-mandato autárquico, quando tantas vezes basta um dia, uma hora ou até mesmo um minuto, para se estragar tudo e irreversivelmente… Não seria melhor optar-se pelo balanço constante?

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

SMS 640. Efeitos disto para o Algarve

12 novembro 2015

Claro que vai ter efeitos. A queda do Governo é apenas um episódio – foi toda uma política, uma pose, um estilo e um rumo que desandou. No que diz respeito ao Algarve, a principal consequência é a do caminho aberto, da expetativa e da esperança de que o comando dessa estrutura vital para a região – a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve – seja de algum modo corolário ou consequência do mapa dos votos na região e não de nomeação do poder central. E haverá mais consequências, a começar por um aperto no escrutínio do poder local, esteja este nas mãos deste ou daquele, mas com mais forte incidência no poder local que tenha agora sido surpreendido pela mudança nacional de rumo. O que é benéfico, pois alguns se modificaram mal entraram numa câmara ou numa junta, mas também algumas câmaras e juntas se modificaram com a entrada de alguns. O escrutínio, seja pelas assembleias municipais ou pelas assembleias de freguesia, vai ser mais rigoroso e atempado. Ninguém pode falhar, e ninguém, como se costuma dizer, pode deixar uma perna de fora.

Além disso, foi posto um enorme travão à diabolização  de qualquer força política organizada, por certo gerando-se um mais vasto capital político de cooperação e de colaboração adulta. Aliás, ou é agora ou nem tão cedo haverá condições para que as decisões políticas e respetivos debates percam de vista o bem comum e o interesse público, em vez de ficarem atolados no funcionamento das chamadas correias de transmissão. Isto afeta todos – os que perderam tendo insuficientemente vencido e os que ganharam tendo aparentemente perdido. Não será já amanhã ou daqui a uma semana, mas todos vão ser diferentes pela lógica da sobrevivência ou da recuperação política. PSD e PCP vão ser “outros”, PS vai ser “outro”, BE “outro” vai ser, o CDS dificilmente vai poder contar com barriga de aluguer pelo que terá de contar ou reconstruir a sua própria realidade e raiz, porque facções, seitas e grupos de pressão que minam o que de melhor uma Democracia possa ter, aprenderam todos uma grande lição – a de que as coisas dependentes do voto não são favas contadas e que há uma inteligência coletiva que funciona, embora sem corpo.

Nas autarquias, tudo está na fase do meio-mandato, o calendário para as eleições locais galopa e estas, mais uma vez, irão funcionar como avaliação do desempenho do poder central, se este não sofrer sismos do grau 8.  E no quadro atual, sobretudo num Algarve que não tem lobbies em Lisboa, as autarquias, no seu conjunto, são tudo ou quase tudo o que uma região pode dispor, com responsabilidade acrescida se a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional vestir fato novo, e não andar por aí em pijama a fingir de fato. Por outras palavras, se vier a ser uma comissão que, para além de coordenar e desenvolver, emane de escolha legítima e sob escrutínio apurado.

Também por tudo o que de dramático ou trágico aconteceu ao longo da última década, o Governo central já não pode voltar a ser uma espécie de organização de mordomias, com montagem mais ou menos sábia ou sofisticada. Esse tempo acabou, precisamente nesta semana. O Algarve, que também nunca teve grande posição na corrida às mordomias, antes pelo contrário, pode ficar beneficiado por critérios mais justos e compensatórios do que aqueles que, até agora, na prática, o têm punido, sem poder levantar a voz, até porque não tem voz. Por isso é muito provável que possa ter voz, porta-voz e voz à medida da sua garganta e dos seus pulmões, fazendo-se ouvir para além do Caldeirão. E, como agora também é moda dizer, voz positiva, e não negativa, sendo certo que as águias não geram pombas.

Carlos Albino
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Flagrante palpite: Quando António Costa voltar ao Algarve, certamente não vai estar tão isolado como por vezes pareceu. Não faltará companhia.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

SMS 639. Albufeira, o dedo na ferida

5 novembro 2015

Com o tempo, a realidade torna-se lenda. No cemitério de Boliqueime está sepultado um juiz de Albufeira que, a seu pedido, não quis ser enterrado na sua terra. Pelos finais dos anos quarenta do século que passou, insurgiu-se contra intervenções e construções nas linhas de água, ficando isolado na sua opinião inabalável. Pouco tempo depois das suas advertências, ocorreria uma das várias tragédias que têm enlutado Albufeira, cada qual não servindo de emenda. Como resposta aos que não o ouviram, o juiz deliberou descansar para a eternidade numa campa em terra longe da sua e dos surdos. E ali estão os seus restos que, a cada tragédia tanto mais grave quanto maior é o disparate, se fazem lendários. Voltou a acontecer.

A febre imobiliária, com sua teia intrincada de interesses que implica várias profissões de interesse público e várias entidades que em vez de darem cobertura ao interesse público colocam a céu aberto o contrário, leva a que não se possa ver um centímetro quadrado livre para a Natureza, para a sua lógica imparável e que não se mede pelo diâmetro de caneiros, sendo imprevisível em cima dos estiradores e dentro dos gabinetes dos despachos técnicos. Traçar avenidas e erguer enorme massa de edifícios onde as ribeiras deviam continuar ribeiras disponíveis para o previsível e para o previsto, é brincar com o acaso da Natureza e com o destino de quem não sabe se a sua cama pode ser a sua campa, e se os seus bens podem ser a sua perdição. Não há seguro que compense os efeitos de um erro que lesa o interesse público desacautelado, de nada valendo ocultar as causas pelos efeitos.

Tal erro não existe apenas em Albufeira, está espalhado por todo o litoral algarvio. O sonho efémero de fazer grandes cidades onde a doutrina da Natureza aconselha a que se façam apenas as cidades possíveis e com os seus elementos na dimensão e localização, naturalmente que forçará qualquer juiz das coisas a sentenciar que a sua campa fique longe, tornando-se tragicamente em lenda. Hoje as águas, amanhã um sismo, oxalá que não, e fora do registo da nossa memória curta, os próprios movimentos isostáticos da Terra – por aí temos cidades de outrora sepultadas no mar ou mostrando seus vestígios nas arribas muito acima das nossas cabeças.

Mas se a coisa é grave quando o imprevisível acontece, mais grave é quando não se tem em conta o previsto. Um perito em metereologia que comigo se corresponde, bastante, muito antes da entidade competente ter disparado um alerta colorido, enviou-me um email a dizer isto: “Infelizmente receio o pior e na minha humilde opinião de profissional na área, as nossas autoridades já deveriam de ter lançado Alerta Vermelho para o Baixo Alentejo e sobretudo o Algarve, dada a situação, para as pessoas salvaguardarem bens e mesmo por segurança pessoal, atempadamente!”. Depois de alertar para a possibilidade de inundações relâmpago para o SE de Portugal, “onde poderão ocorrer acumulações de precipitação acima dos 100 mm em 9/12h e, dado o tipo de fluxo, suas características, coberto vegetal e tipo de solos da região, poderão ocorrer problemas”,  advertia que “temos de acompanhar a situação entre as 00h. e 18h dia 01 Novembro 2015, em especial no Sotavento algarvio mas podem ser mais abrangentes nesta parte do território”. Terminava assim: “Espero estar enganado... mas se ocorrerem, vai dar problemas sérios”. Creio que não vale a pena discutir comportas, diâmetro de caneiros, seguros, e muito menos olhar para as nuvens ou enterrar a cabeça na areia escavada a repor o leito natural para o curso das águas. O mal está feito. Mal cujas causas é que devem ser sanadas e discutidas à cabeça.

Carlos Albino
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Flagrante quadratura do círculo: Disse o Ministro da Administração Interna, Calvão da Silva, no seu terceiro dia de exercício, a propósito da tragédia de Albufeira, que “Deus nem sempre é amigo”. Pelos registos bíblicos, só o diabo diz uma coisa destas.