quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

SMS 646. Natal de Lutgarda Guimarães de Caires

24 dezembro 2015

Não estranhem. Embora toda a gente tenha uma ideia, muitos saibam mas poucos se recordem, ocorre-nos evocar Lutgarda Guimarães de Caires, mais pela sua marcante figura de humanista e filantropa do que pela sua poesia que teve a sua época e moda. Lutgarda é filha de Vila Real de Santo António, homenagens oficiais e iniciativas tendentes a colocá-la na memória dos vivos, embora não muitas, não têm faltado. Em 2007, a sua obra poética foi reeditada; em 2005, foi erigida uma estátua de corpo inteiro, da autoria do escultor também vila-realense Nuno Rufino; antes, em 1966, um busto seu foi apresentado na margem do Guadiana que depois voou para sítio esconso; mais longinquamente, em 1937 (dois anos após a sua morte) o nome de Lutgarda foi dado a espaço público na sua terra natal; e, quando o corpo ainda estava quente, o Governo português agraciou-a com a Ordem de Benemerência e a Ordem Santiago da Espada, a primeira pela dedicação de Lutgarda às crianças. Com tudo isto, ficou para toda a gente a ideia da poetisa, embora muito saibam que Lutgarda foi mais do que isso, e poucos se recordem da humanista e da filantropa, o principal da sua vida.
            
Vem a propósito. Lutgarda foi a fundadora e impulsionadora do Natal das Crianças dos Hospitais, que, como toda a gente sabe, hoje se chama apenas Natal dos Hospitais, alargado que foi a todas as idades, uma festa que ano após anos atingiu uma dimensão jamais esperada. Popularizada pela rádio e depois pela televisão, a festa hoje perdeu de vista o nome da criadora da iniciativa, mas o sonho, a vontade e a obra pertencem a Lutgarda.

Mas a filantropia e o humanismo de Lutgarda não se restringiu à sua atenção pelas crianças doentes. Convidada em 1911, pelo então ministro da Justiça Diogo Leote para um estudo sobre a situação dos presos, principalmente das mulheres, Lutgarda conseguiu a abolição da máscara penitenciária e do regime de silêncio, instrumentos que colocavam as prisões portuguesas nos tempos medievais. O regime de silêncio, aliás, era um castigo tipicamente medieval que, no seguimento dos nossos brandos costumes e das conveniências da justiça politizada, vigoraria até 25 de Abril de 1974…

Neste Natal de 2015, aqui fazemos modesta homenagem a Lutgarda, pelo seu Natal das Crianças dos Hospitais. E como a 30 de março de 2016, passam 80 anos sobre o dia da morte de Lutgarda, cabe a Vila Real de Santo António homenagear quem tudo fez para que as prisões portuguesas saíssem da barbárie, sobretudo com a abolição da máscara penitenciária que fazia de seres humanos, alguns arbitrariamente condenados, bichos numerados na jaula, sem direito ao rosto e cujos nomes eram substituídos por números. Lutgarda, se fosses viva, oferecia-te neste Natal uma flor de esteva da serra algarvia, ainda que em botão, deve haver algum. Mereces.

Carlos Albino
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Flagrantes eventos: Neste Natal, aí pelo Algarve, alguns eventos que, sem tirar nem pôr, fazem do Natal o mesmo que Carnaval, Dia das Bruxas, Animação de Verão, Palhaçadas… Tudo igual, até o Pai Natal com ar de pateta no meio de ursos de Entrudo. Parece que o Presépio perdeu as eleições e que o menino Jesus, a Mãe e o Pai adotivo José nem sequer passaram à oposição – entraram na clandestinidade. “São os eventos!” – dirá o burro e até a vaca.

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