quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SMS 538. Crise de representação

7 novenbro 2013

Quando se sente que há um problema, soluções há muitas, não há ninguém que não tenha a melhor solução. Nisto de salvadores somos especialistas. E então mesmo sem se identificar o problema, aí temos montanhas de soluções. Solução para a educação e ensino, para as empresas, para o emprego, para a cultura, para a política local, para as instituições. Nadamos em soluções mesmo que se desconheça ou não se queira mesmo conhecer o problema. No entanto, o importante e o fundamental seria começarmos por responder a uma simples pergunta e que é esta – Qual é o problema?

Não é difícil perceber que o Algarve tem um problema que, em traço comum, passa por todas as terras, da maior cidade à mais recôndita aldeia, problema esse que infeta  as poucas organizações e organismos regionais, infeta cargos desde os de grande influência aos de mero impacto local, infeta a política, infeta a sociedade se é que se pode falar de uma “sociedade algarvia”, porquanto ela está esquartejada por esse mesmo problema, como num talho, em pequenas sociedades locais fechadas e sempre nas mãos de pequenos grupos também estes fechados, alguns antropófilos, outros antropófagos.

O Algarve tem um problema de representação. Não está representado verdadeiramente por ninguém, e os poucos cargos de representação efetiva e legítima prefiguram interesses nisto ou por aquilo, ou seja, controlam o bolo sempre que há bolo ou enquanto há bolo. É um campo aberto para os populistas e para os sortudos, mais para os sortudos do que para os populistas porque o populismo não tem grande futuro perante uma multidão de gente que, nas melhores horas do dia e que de Aljezur a Alcoutim, não prescinde do sofá em frente da televisão convertida em deusa do lar, de gente que não lê absolutamente nada ou se lê é a notícia da facada ou do amor anavalhado, que não sente a falta de jornais locais e muito menos dos regionais, de gente que se abstém nas eleições porque antes e depois destas se abstém em tudo o que esteja para além do humor egocêntrico. É abstenção das bibliotecas que, salvo exceções pontuais, não se converteram em centros de ideias, de escrutínio e de criatividade; é a abstenção das associações que sem subsídios morreriam; é a abstenção do teatro, da música e do livro; é a abstenção da convivência não se confundindo esta com ajuntamento do camarão e da cerveja; é a abstenção dos sindicatos desde que não haja problema com o salário ou com a regalia; é a abstenção de uma sociedade em que se mistura gente desenraizada com gente que perdeu as raízes e nem se esforça por, conhecendo as raízes, conhecer a terra onde vive.

O abstencionismo, no Algarve, não é um abstencionismo político, mas sim um abstencionismo cultural. E um Algarve assim e a caminhar assim, só por milagre não mergulharia num problema de representação, numa grave crise de representação que normalmente resulta numa crise de identidade. E este é o problema. Problema que afeta e infeta as nossas escolas e a nossa universidade, os nossos jornais, as nossas assembleias municipais e as nossas assembleias de freguesia, a nossa chamada “comunidade intermunicipal” em cuja bandeira parece já não constar o rei mouro e o rei cristão mas sim os dinheiros do QREN em função dos quintais pouco comunitários e que, nas cabeças dos que não querem saber do problema, são a solução.

Carlos Albino
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Flagrantes reservas naturais: As tertúlias, muitas, que por esse Algarve há. Algumas são já escolas de convivência.

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