31 outubro 2013
Porque as
palavras no Facebook não só voam mas
evaporam, aqui fica impresso. Tenham a paciência de ler.
Eram umas
quatro da manhã, encontrava-me no
auditório principal do CCB. Inexplicavelmente, um homem já falecido, que fora
meu amigo durante anos e anos mas que, depois de umas navalhadas nas costas,
lhe mudei o nome para Aldrabão Sorridente, fez-me chegar o convite para um
anunciado concerto clássico. O convite era já de si estranho. Na tarja em diagonal,
lia-se “Lugar reservado no palco”. E assim era. Chegado ao CCB fui encaminhado
para o estrado onde, no lugar tradicionalmente ocupado pela orquestra, estavam
uns sessenta outros convidados, entre os quais não foi difícil identificar uma
dúzia de sem-abrigos, quatro frades franciscanos descalços, dúzia e meia de
caras amareladas típicas de desempregados sem qualquer apoio, alguns reformados
com casacos engelhados e camisas coçadas, e bastantes jovens com face de
desalento. Fiquei sentado entre uma professora despedida e um moldavo que me
confidenciou não ter dinheiro para regressar à terra depois de dez anos de
clandestino ao serviço de um empreiteiro. Ainda não estava eu refeito desta
surpresa com os convidados para o palco do CCB, quando, olhando para sala
apinhada, notei que todos os espetadores na enorme plateia e nos balcões, cada
um tinha o seu instrumento, das cordas e metais à percussão. Ou seja, o convite
do Aldrabão Sorridente para o concerto clássico colocou-me numa sala ao
contrário: sessenta espetadores em palco no lugar da orquestra, e uma orquestra
de oitocentos e tal elementos vestidos com impecáveis roupas de marca, homens
agitando os pulsos com relógios de pulso inegavelmente de ouro, e mulheres,
sobretudo as dos violinos, exibindo paraísos fiscais nos decotes, enchendo por
completo plateia e balcões, num cenário dantesco de uma gigantesca orquestra
possidente e feliz, pronta a tocar para regalo de sessenta desgraçados. Foi
então que olhei para o folheto explicativo do espetáculo. Aí se lia tratar-se
da “estreia mundial” de uma orquestra formada exclusivamente pelos portugueses
com uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares (815 mil euros)
escolhidos criteriosamente por entre um total de 11 mil milionários lusitanos
registados com tais condições segundo estudo certificado do «World Wealth
Report 2012», o que, feitas as contas com os que ficaram de fora da orquestra
nacional do CCB, daria para mais doze orquestras regionais. Mas quando li
também que o maestro residente da orquestra era aquele mesmo Aldrabão
Sorridente que me convidou, então aí, acordei. Foi um pesadelo.
Carlos Albino
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Flagrantes
previsões estatísticas: Para que se meça a saúde do
turismo, há quem sugira que se conte não tanto as dormidas (tão do agrado e
proveito dos operadores com sede no estrangeiro) mas o número de dias em que os
visitantes andam acordados, comprem, circulem, transacionem...
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