quinta-feira, 19 de setembro de 2013

SMS 531. Os nomes das coisas

19 setembro 2013

Dar nomes a ruas, praças, escolas ou edifícios públicos, é um ato que, para além de simbólico, é marcante. Traduz, ou deveria traduzir, os valores em que a sociedade acredita e quer deixar vivos para a posteridade, ou põe em letra de forma, por princípio, gente de bem que a sociedade não quer que se esqueça. E é assim que os nomes das coisas, da travessa e avenida à praça de referência, passam a fazer parte do quotidiano de quem aí habita ou passa.

E nisto de nomes, também há modas. Houve tempo em que a moda foi dos reis da simpatia ou dos presidentes da República, ou por terem nascido na localidade ou por amizade com o regedor da circunstância. Noutro tempo, foram os navegadores e figuras emblemáticas da expansão marítima. Há muito Vasco da Gama, muito Afonso de Albuquerque, bastante Pedro Álvares Cabral e uma coleção de marinheiros mesmo em terras onde ninguém sabe nadar. Houve também a moda de heróis, uns heróis a sério, outros por dá cá aquela palha, sendo essa a razão de, por aí, quase não haver terra que não tenha a sua Rua Tenente Valadim, embora ninguém saiba quem foi, o que fez e porque consta. Também houve a moda dos ideais, com as ruas da Liberdade, do 5 de Outubro e do 25 de Abril a substituírem, por vezes, anteriores nomes que tão depressa foram impostos como expediente de idolatria, como rapidamente caíram em desgraça, passando a figurar na lista dos detestáveis. E o que se passou ou passa com nomes de ruas, passou-se e passa-se com escolas e demais edifícios públicos a que se queira dar bilhete de identidade.

Mas independente de modas, o que interessa é avaliar os critérios. E nem sempre os critérios são suportáveis. Porque uma coisa é dar a uma rua o nome do Poeta Aleixo, outra é perpetuar numa travessa alguém que publicou dois ou três livrecos de quadras onde coração rima sempre com feijão e não passam da cepa torta. Uma coisa é dar nome de rua a uma figura pública nacional ou local que tenha deixado obra de excelência, pensamento e exemplo estimável na sociedade, outra é usar a rua para tornar em figura pública quem foi figura normal e por vezes pouco exemplar. Até por vezes os nomes são dados “porque não há mais ninguém”. Neste caso, rendo-me à sageza de uma terra do Alentejo que, à falta de personalidade local de relevo e com direito à consideração pública, resolveu o problema atribuindo à rua o nome de “Rua de Ninguém”. Ou, outro caso, também se encontra em Palmela a Rua de Nenhures. Na verdade, dar a uma escola o nome de alguém que não produziu uma linha pedagógica ou científica, que nunca foi professor ou investigador a sério, e que jamais se revelou um lutador da instrução pública com nome para ficar, não lembra a ninguém. Pensem nisto e dêem uma volta pela vossa cidade.

Carlos Albino
________________
Flagrante autarca sem limitação de mandatos: André Jordan.

Sem comentários: