A 45 dias das eleições autárquicas, os tribunais pronunciaram-se pela inelegibilidade de dois candidatos no Algarve (Francisco Amaral em Castro Marim, após cinco mandatos em Alcoutim, e José Estevens em Tavira, depois de quatro mandatos em Castro Marim). Nos restantes nove casos de impugnação no resto do País, os tribunais dividem-se. Como é sabido, as sentenças de inelegibilidade não são pedra sobre o assunto, porquanto há a hipótese de reclamação e ainda a de recurso para o Tribunal Constitucional, devendo ser colocado um ponto final apenas a 9 de setembro, ou seja, escassas três semanas antes do sufrágio.
Está fora de questão que Francisco Amaral e José Estevens não mereçam
prosseguir para um sexto ou quinto mandato noutra terra paredes-meias com as
terras onde esgotaram o número legal de mandatos, como fora de questão está que
outros autarcas, alguns bons e com provas dadas, não tenham mérito para andar
com a casa às costas num singular nomadismo autárquico. Sabemos todos que
alguns bons autarcas viram impedido mais um fôlego à frente dos “destinos da
terra”, não por demérito ou punição mas porque a lei é a lei. Mas não é só a
lei.
A questão é de ética, de ética política. Prende-se com o espírito da lei, com a intenção da lei,
com o pressuposto ético que informa a lei. Está muito para além da questão do
“de” ou “da” que a Presidência da República descobriu, num daqueles momentos de
minudência que não tem, quando contrações de preposições com vogais surgem
avantajadas à frente dos olhos, como no caso do BPN.
A lei foi confecionada para tolher uma excessiva permanência de autarcas no poder
local (presidentes de câmara e de juntas) e fixou o limite em três mandatos
sucessivos. Para voltarem ao cargo, só depois de um quadriénio de interrupção.
Já se chama a isto quebra-cabeças, que assim é num ponto de vista pura e
simplesmente legal, compreendendo-se dessa forma as interpretações contraditórias
dos tribunais. Já de um ponto de vista
ético ou de ética política, ou seja, indo ao encontro da intenção ética que
subjaz na lei, não se vê onde haja quebra-cabeças. De um ponto de vista
estritamente ético, a limitação de mandatos não humilha os autarcas
inconformados, reduzindo-os à situação de caracóis com casa às costas. A lei
diz-lhes – “interrompam a renovação sucessiva de mandatos” e assim se titula,
independentemente do onde, com quem, para onde.
Como a questão é ética, de ética política, é no mínimo estranho que se pretenda
que sejam os tribunais a decidirem uma questão ética, empurrando-se tudo até ao
Tribunal Constitucional como se este fosse um supremo tribunal ético ou suprema
instância de gramática caso o assunto ainda esteja no “de” ou no “da”. E a
questão é ética porque como toda a gente sabe embora alguns finjam não entender,
a limitação de mandatos apenas visa impedir que a corrupção e o tráfico de
influências entrem pelos municípios e juntas adentro com falinhas mansas e
ofertas tentadoras como a cobra do paraíso. O escrutínio público não está nos
três mandatos, está na interrupção. É uma interrupção cautelar e que, por
sinal, até deveria ser entendida e assumida como protetora dos bons autarcas.
Carlos Albino
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Flagrante Pontal: Agora que o tempo passou e permite comparações, saudades do Pontal de Sá Carneiro, aberto, sem medos, corajoso, convivial, sem necessidade de cordões de polícia, enfim, festa democrática diferente de outras festas porque a democracia é isso – pluralismo, e o sinal de saúde da democracia também é isso – ausência de receio e de medo.
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