quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

SMS 551. Portugueses, a  graça  do coração

13 fevereiro 2014

Muito admirados andam os estrangeiros com a brandura do povo português.

Ao inteirarem-se da dieta rigorosa, quando não mortífera, que nos está a ser aplicada, admiram-se de que não se verifiquem motins nas praças de Lisboa e noutras, cenas que encham os telejornais europeus de imagens de violência, admiram-se que as ruas se mantenham calmas, e até mesmo vazias das antigas enchentes de há dois anos, quando fomos notícia no mundo inteiro por que nos manifestávamos, ao contrário dos outros, com flores e cantando. Admiram-se da nossa brandura, da nossa capacidade de espera, da nossa desiludida ilusão, da nossa emigração forçada, sem um pio, sem um ai. Admiram-se do nosso temperamento submisso, da nossa forma de ser sumida, mas e apesar de nos elogiarem em público, à volta das mesas, em privado, riem-se de nós. É que um dia, quando a mudança se der, ela será feita entre nós a reboque dos outros, e não por nós. De novo, nós seguiremos os outros.

Explicações para a nossa conduta? Há muitas. Desde a explicação pelo medo à explicação pelo bom senso, até à explicação da rendição temporária e tática. Mas por vezes, as explicações vêm de longe e encontram no olhar dos estrangeiros, os argumentos que nós não temos, ou que a proximidade não nos deixa vislumbrar. Foi assim que em 1994 Doris Lessing deu uma ajuda antecipada para uma outra interpretação do nosso temperamento. Escreveu no primeiro volume da sua autobiografia, publicada em 1997, recordando a sua festa de casamento em África – “No baile para os jogadores de râguebi, sentei-me ao lado de uma jovem portuguesa e, para encetar conversa, elogiei a sua bolsa de noite, de lantejoulas vermelhas e douradas. Na mesma hora, ela me ofereceu a bolsa. Fiquei aborrecida porque sabia que eram pobres. Porém, não adiantava argumentar. Explicaram-me que havia sociedades em que um elogio era inevitavelmente seguido por um presente e em que era preciso tomar cuidado com o que se admirava. Portugal fora colonizado pelos mouros, os portugueses aprenderam os modos cavalheirescos da civilização árabe. Guardei a bolsa durante anos, como um talismã, e toda a vez que dava com ela no fundo de alguma gaveta, lembrava-me de que havia alguns lugares no mundo onde reinava a graça do coração.”

Doris Lessing ganhou o Prémio Nobel em 2007. Uma pena que não possa, hoje em dia, escrever sobre o temperamento do nosso povo. Em face do que está a acontecer, talvez a sua explicação fosse diferente.

Carlos Albino
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Flagrante cabeça no ar: Ouvimos e vimos uma jovem do Algarve, ou em nome de estudantes do Algarve, a falar das praxe numa da televisões, botando meia dúzia de baboseiras, designadamente a desconhecida praxe dos “jornalistas” com absinto… Era melhor que estivesse calada.

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