Muito admirados
andam os estrangeiros com a brandura do povo português.
Ao inteirarem-se da
dieta rigorosa, quando não mortífera, que nos está a ser aplicada,
admiram-se de que não se verifiquem motins nas praças de Lisboa e noutras,
cenas que encham os telejornais europeus de imagens de violência, admiram-se que
as ruas se mantenham calmas, e até mesmo vazias das antigas enchentes de há
dois anos, quando fomos notícia no mundo inteiro por que nos manifestávamos, ao
contrário dos outros, com flores e cantando. Admiram-se da nossa brandura, da
nossa capacidade de espera, da nossa desiludida ilusão, da nossa emigração forçada,
sem um pio, sem um ai. Admiram-se do nosso temperamento submisso, da nossa
forma de ser sumida, mas e apesar de nos elogiarem em público, à volta das
mesas, em privado, riem-se de nós. É que um dia, quando a mudança se der, ela
será feita entre nós a reboque dos outros, e não por nós. De novo, nós
seguiremos os outros.
Explicações para a
nossa conduta? Há muitas. Desde a explicação pelo medo à explicação pelo
bom senso, até à explicação da rendição temporária e tática. Mas por vezes, as
explicações vêm de longe e encontram no olhar dos estrangeiros, os argumentos
que nós não temos, ou que a proximidade não nos deixa vislumbrar. Foi assim que
em 1994 Doris Lessing deu uma ajuda antecipada para uma outra interpretação do
nosso temperamento. Escreveu no primeiro volume da sua autobiografia, publicada
em 1997, recordando a sua festa de casamento em África – “No baile para os jogadores de râguebi, sentei-me ao lado de uma jovem
portuguesa e, para encetar conversa, elogiei a sua bolsa de noite, de
lantejoulas vermelhas e douradas. Na mesma hora, ela me ofereceu a bolsa.
Fiquei aborrecida porque sabia que eram pobres. Porém, não adiantava
argumentar. Explicaram-me que havia sociedades em que um elogio era
inevitavelmente seguido por um presente e em que era preciso tomar cuidado com
o que se admirava. Portugal fora colonizado pelos mouros, os portugueses
aprenderam os modos cavalheirescos da civilização árabe. Guardei a bolsa
durante anos, como um talismã, e toda a vez que dava com ela no fundo de alguma
gaveta, lembrava-me de que havia alguns lugares no mundo onde reinava a graça
do coração.”
Doris Lessing ganhou
o Prémio Nobel em 2007. Uma pena que não possa, hoje em dia, escrever sobre o
temperamento do nosso povo. Em face do que está a acontecer, talvez a sua
explicação fosse diferente.
Carlos Albino
Carlos Albino
________________
Flagrante cabeça no ar: Ouvimos e vimos uma jovem do Algarve, ou em nome de estudantes do Algarve, a falar das praxe numa da televisões, botando meia dúzia de baboseiras, designadamente a desconhecida praxe dos “jornalistas” com absinto… Era melhor que estivesse calada.
Sem comentários:
Enviar um comentário