Para agradarem ao chefe ou porque receberam indicações de intermediários do chefe (possivelmente o chefe não se presta a isso), aí temos uma falange de gente que, segundo parece, anda a brincar com coisas sérias. Gente que pensa estar isenta do escrutínio público ou que, pior ainda, dá um estalido com os dedos no chumaço do casaco quando alguém lhe fala dos factos e do escrutínio público. São os novos Bordas d’Águas cujo estilo, como se sabe, corresponde à arte de adivinhar o futuro por qualquer coisa e seu contrário, de emitir vaticínios para agradar a gregos e troianos (sobretudo a troianos enganados ou desenganados), enfim, à arte da trapalhice sorridente.
Turismo? Vai ser um
ano em grande, apesar dos hotéis andarem a cobrar já 20 euros por noite,
pressionarem trabalhadores a rescindir contratos por 60 por cento (contratando
depois pelo valor dos sobrantes 25 por cento, restando ainda 15 por cento para
o bolo das aplicações). Vai ser um ano em grande. Cultura? Vai ser um mar de
cultura, apesar do pouco e ainda resistente teatro que o Algarve tem estar nas
lonas, apesar das poucas ações culturais relevantes viverem dos carolas a que
se junta a carolice a custo zero de alguns protagonistas de boa vontade.
Economia? De vento em popa, apesar das empresas de monta não terem sede
financeira no Algarve e bastantes das mais relevantes nem sequer a têm no País,
pouco mais deixando na terra onde operam e que transformaram em mero balcão de
vendas, pouco mais que os salários para quem limpa o pó; apesar das empresas de
serviços não saberem na generalidade como vai ser o dia de amanhã; e apesar do
desalento profundo na agricultura e do desânimo de alguma indústria
transformadora que também na generalidade quer ver se algum espanhol a compra.
Área social? Santo Deus, porque não também ano em grande, apesar da fome
envergonhada ser cada mais um facto não envergonhado (as escolas que o digam e
que o digam quem surpreende gente até há pouco da classe média, às tantas da
madrugada, à procura de restos de comida nos contendores das imediações dos
restaurantes, como comovidamente tenho verificado nestes dias em que
circunstancialmente tenho deambulado pelo Algarve). E o desemprego (a mais elevada taxa do País) já não é de
gente que “não quer trabalhar” como era do argumentário até há pouco usado por
empresários hoje também na generalidade falidos e entalados – o desemprego é de
quem quer trabalhar e sabe trabalhar mas não encontra trabalho nesta economia
que os Bordas d’Água, nos seus vaticínios, dizem que vai ser de sucesso nos
próximos meses. E a saúde? Um sucesso, um completo sucesso em Faro e em
Portimão, um sucesso sucessivamente sem cessar nos centros e extensões de saúde
pública onde não faltam médicos falando espanhol a diagnosticarem diabetes
apenas por um calo na sola do pé, enquanto os médicos competentes são
marginalizados e tratados com os pés. A segurança? Outro sucesso sobre o qual,
paradoxalmente, assaltantes e assaltados estão de acordo, porquanto nem os
primeiros relatam para eficácia e sucesso da profissão, nem os segundos
reportam confiados em que o silêncio sobre o sucesso de um assalto evita um
segundo e terceiro ataque à propriedade, como poupa trabalho desnecessário às
autoridades tão envolvidas que estão com o farolim da frente, o selo dos
seguros, o 55 à hora na zona de 50.
Isto são só sucessos,
e o curioso é que os Bordas d’Águas (uns três ou quatro no Algarve) não se
apercebem de como caiem no ridículo por, em cada um dois 365 discursos que
fazem por ano para meros e obsessivos efeitos mediáticos, julgarem que estão a
fazer o “Discurso do Ano”, proeza que só o homem da cartola, fraque e monóculo,
o autêntico, pode fazer.
Carlos Albino
Carlos Albino
________________
Flagrante conselho deixado por D. Afonso III: “Mal do Algarve se não for o Algarve a cuidar de si próprio, pois o conde Barcelos não distingue duas alfarrobas de três marmelos”.
Sem comentários:
Enviar um comentário