18 Março 2004
Não é que pensar nisto provoque um cansaço cerebral, mas vale a pena pensar nisso de vez em quando. O que, ao longo dos séculos - arriscar-me-ia a escrever mesmo milénios - caracteriza esta Querida Terra, é ser ela uma plataforma de gente que entra e de gente que sai, ficando naturalmente alguma gente parente de todas as outras gentes. Não somos algarvios pelo sangue, mas pelo território aberto. O Algarvio é, pois, aquele «que está aqui», se identifica com a Terra onde está, e que em algum momento, começou a amar a Claridade e a Nitidez, quer na natureza, quer nas relações humanas. Coisa simples e universal. Por isso, o Algarvio é simples e é universal. É anti-fundamentalista, assim mesmo: anti-fundamentalista. De corpo e de espírito. Noutras paragens, a coisa é diferente e, entre outros exemplos, se me permitem dou um testemunho pessoal. Há já alguns anos, o homem que ficou como carismático director do Jornal do Fundão que é de pura matriz beirã, precisamente o saudoso António Paulouro, pediu-me para, na prática, salvar-lhe o jornal. Aquilo estava num imbróglio técnico, numa grande confusão em termos de organização jornalística. Por alguns meses fiz o trabalho que foi levado a bom porto e a imagem, estilo e cunho que inculquei no jornal perdura até hoje em laivos identificáveis. Só que houve uma barreira, uma fronteira intransponível: o que, para além do «fazer o jornal» eu escrevesse, não tinha a «sensibilidade beirã» porque não era da Beira, era Algarvio… E como para deixar de ser «algarvio» para passar a ser «outra coisa» não vale a pena fazer muito esforço, retirei-me pela esquerda alta, salvando a amizade e o respeito recíproco, ficando eu sem perceber - diga-se, até hoje - o que é «ser Beirão»! Ora vejam como no Algarve as coisas são completamente diferentes, e nos exemplos do mesmo campo. Repugna a alguém que um transmontano escreva sobre Aljezur? E que uma minhota escreva sobre Albufeira? E que um ribatejano escreva sobre Faro? E que todos passem por Algarvios? Desde que pensem como seres liberais e, sobretudo amem a Terra, ninguém vai questionar o transmontano, a minhota ou o ribatejano… Sempre assim foi. Os desertores polacos da tropa napoleónica ocupante do Algarve não nos deixaram o acordeão, o corridinho sem letra e a cataplana? Deixaram, e hoje são coisas «algarvias». Os transmontanos que, transportados por galegos, para aqui emigraram nos séculos XVI, XVII e XVIII não nos deixaram os romances e o cancioneiro da serra que o Teófilo Braga em boa hora recolheu assinalando as variantes da origem do extremo norte? Também deixaram. Não vejo nenhum mal em que o Algarve continue a ser a plataforma milenarmente movimentada, uma Terra de chegada para uns, de partida para outros e de permanência para os que por aqui ficaram adoptados como liberais, de espírito aberto e universal. Os bandidos é que estão a mais, como outrora os piratas de costa, fossem eles mouros ou britânicos… O bandido é que jamais poderá ser Algarvio mesmo que as estatísticas o mostrem como tal e se apresente vestido de médico, de jornalista ou de trolha. E basta por hoje.
Carlos Albino
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