7 Outubro 2004
Patifes outrora, deuses depois. Na vida em sociedade, neste nosso dia a dia em que todos nos suportamos, tem que ser, deve ser: a presunção de inocência é um valor a acautelar e a respeitar integralmente – ninguém deve ser apontado como autor de um crime, de qualquer ilícito e ou de qualquer ilegalidade sem que seja condenado em tribunal, pelo que, haja paciência, temos de confiar na justiça. Mas na vida política não será bem assim: o tribunal, aqui, não é dos juízes mas sim do eleitor, dos cidadãos e tem prazos marcados para as «audiências» que são as eleições. No entanto, não só o factor tempo e a consequente perda de memória das coisas, mas também as técnicas de comunicação, de imagem e de publicidade política, subvertem as regras, admitindo-se que um patife político de outrora, esquecidas as suas actuações publicamente recriminadas, surja tempos depois e após estratégica travessia no deserto, como um santo, um salvador público. O Algarve não tem muita gente deste género, mas tem.
Experiência autárquica. E claro, quando alguém ousa rememorar o passado, ele, o patife invoca que nunca foi condenado em tribunal. E será verdade. Primeiro porque ninguém apelou ou denunciou à Justiça, segundo porque, de política se trata, os partidos abafam e finalmente, os poderes públicos que fazem as leis não fiscalizam suficiente e eficazmente a aplicação das mesmas leis. Há sempre um compadre a interferir na fiscalização, um amigo bem colocado a obstruir o processo, um burocrata conivente a deixar andar as coisas até à prescrição ou arquivamento. A doutrina que se pode extrair da experiência autárquica no Algarve vai nesse sentido que é, afinal, um sentido de frustração do eleitor quando é confrontado com a ressurreição do patife de outrora. Chamemos-lhe o Senhor X. Sim, o Senhor X que não foi condenado mas toda a gente sabe... E porque é que ninguém denunciou? Bem as provas da corrupção activa normalmente ficam nas mãos do corruptor passivo. Ambos são coniventes e assim se estraga a política.
Carlos Albino
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