14 Outubro 2004
Ouvi, observei e comprovei. O extenso barrocal algarvio foi palco da perfeita pirataria. Hordas de ciganos pilharam alfarrobas, milhares e milhares de arrobas de alfarrobas, devassando propriedades, ameaçando donos de terras – na maioria já velhos mas resistentes e sabedores do que representa ou deveria representar o verdadeiro ouro negro do Algarve. Uns, pelo que ouvi, impantes como piratas vieram em verdadeiros raids pela Via do Infante do outro lado da fronteira, cobertos pelos «primos» abancados deste lado – aliás abancam onde lhes apetece. Outros, pelo que observei e comprovei, são os próprios «primos». Roubaram tudo pelos campos, foi um verdadeiro saque a que as populações assistiram indefesas e apavoradas.
Brutos piratas aliados a finos piratas. Também me disseram que os intermediários terão feito um pacto – o de não comprarem um quilo que fosse de alfarrobas a tais piratas e à evidência produto do saque. Mas qual pacto! Alguns intermediários de frutos secos não ficam atrás dessa horda e aí temos os milhares e milhares de arrobas de alfarrobas roubadas a engordar os cofres da pilhagem mais fina mas não menos pirata pela avidez bruta do proveito. Tudo pago informalmente, sem papéis e à margem das leis que regem as transacções comerciais mas também tudo depois dissimulado com tosca engenharia contabilística que caba por ser eficaz num Estado sem fiscalização ou em que os fiscais poderão fazer parte do «esquema». Muita gente não sabe nem calcula, mas estamos a falar de um negócio de milhões de que dezenas de indústrias tecnologicamente sofisticadas (como a suíça) necessitam.
Desmotivados. Os donos de terras, abandonam as árvores. O que é que a GNR pode fazer? Nada. Nem tem meios, nem tem treino e muitas vezes também não tem motivação porque a nossa Justiça, para além de já de si infantil, tem os tribunais cada vez mais infantilizados. Os piratas riem-se da GNR e dos juízes, porquanto agem e têm a pose de soldados que se acham com direito ao saque. Aliás agiram sem qualquer interposição das forças da ordem.
Já. Ora o mês de Julho de 2005, quando começa nova época da alfarroba, começa agora, hoje mesmo. As polícias, sobretudo a judiciária, levaram anos e anos para acabarem com o tristemente célebre «casino do figo» que a pirataria fina manteve para especular preços e, tal como máfia organizada, esvaziar os bolsos dos lavradores. Não ficou ninguém preso nem nenhum nome ficou manchado, mas enfim, isso acabou pelo menos à vista desarmada. Como Guterres outrora dizia, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres como se dizer isto bastasse. Não andarei longe da verdade se disser que a pirataria de 2004 já está a preparar a de 2005. As autoridades têm que agir, já.
É claro. Isto que acabo de escrever não deve dizer nem incomodar muito aqueles para quem o Algarve começa nas pirosas leoazinhas da portada da sua vivenda à beira-mar e termina no campo de golfe, por entre celebridades. Mas já deve dizer alguma coisa aos que sabem o que a alfarrobeira representa ou deveria representar na economia regional. O que este ano aconteceu foi demais. A paciência de muitos esgotou-se e não digo o que muitos pensam fazer se o caso se repetir em 2005.
Carlos Albino
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