5 Agosto 2004
1 - Foi uma cena dantesca para as populações algarvias da Serra e um espectáculo miserável os que do fogo de alguma forma falaram. As televisões, em vez de darem números, extensões que iam sendo afectadas pelos incêndios, quantidade e qualidade os meios de combate às chamas e volumes de prejuízos imediatos e a prazo, entretiveram-se ou entretiveram o País com circunstanciais imagens da Idade Média apanhadas intencionalmente aqui e ali, com os repórteres de voz escalfada como que a darem a ideia de estarem numa frente da guerra do Iraque e em risco de vida permanente – eles e não os bombeiros. E os responsáveis, então, cada um sempre que abria a boca era um chorrilho de palavras liofilizadas, assépticas, sem sentimento e pseudo-técnicas, como que de altos gestores ou por imitação do tipo de discurso saloio que os ministros e secretários de Estado de há uns tempos a esta parte praticam certamente a conselho dos respectivos «gabinetes de imagem».
2 – Depois do que no ano passado aconteceu em Monchique e em Silves, se não se previa para quando, o fogo era previsível no Caldeirão. O Algarve ficou de fora da Carta Nacional de Risco como uma das zonas potencialmente de maior gravidade e ninguém mexeu uma palha. E compreende-se que assim aconteça pois o Algarve já não conta como um todo, contando apenas a área da moradia à beira-mar, a piscina atrás ou à frente da moradia e o campo de golfe ali ao lado. Nada mais conta. E tanto assim é que nos mais importantes centros noticiosos do País não se sabia onde ficava Alportel, o Barranco do Velho e Salir, havendo muita gente admirada até de nesta vasta área algarvia haver... floresta! Para essa gente o Algarve seria tão somente a faixa de sete a oito quilómetros da praia onde vão molhar os pés, o que também se compreende porque as políticas dos governos sobretudo desde Cavaco Silva e sem excepção transformaram o Algarve numa nova Costa da Caparica de que Lisboa e as gentes do Norte precisavam e nada mais.
3 – Erros de previsão política, erros de planeamento no terreno, erros de observação e erros de informação, mais do que vento, mais do que a onda de calor e mais do que a acção de potenciais criminosos, resultaram assim numa situação de calamidade pois de calamidade se trata, pelo que Seruca Emídio (Loulé), António Eusébio (São Brás) e Macário Correia (Presidente da Junta Metropolitana) têm carradas de razão ao terem reclamado a declaração de calamidade pública.
4 – No ano passado, alvitrou-se aqui a Jorge Sampaio para fazer uma «presidência aberta» nesta mesma serra que ardeu. Mas segundo parece para o Presidente da República, também para ele, o Algarve fica-se pelos campos de golfe e pelos sabichóes das imobiliárias envolventes. Nem respondeu, nem fez. Deveria ter respondido e feito.
5 – Para terminar, recordam-se da cena de 1994, quando com o fogo de Silves à vista, os de Albufeira enchiam os olhos de gáudio com o seu fogo de artifício? Essa foi uma prova mais do que evidente de que o Algarve não está a ser visto e pensado como um todo. Comos e cada um,k responsável e irresponsável, estabelecesse como regra isto: «Desde que o meu quintal não arda para eu estar na piscina do meu quintal, o meu Algarve está bem e é o melhor do mundo...» Ora é para esta mentalidade, meu caro Macário Correia, que deve ser declarado o estado de calamidade pública e com a máxima urgência porque essa mentalidade, no Algarve, é a mãe de todos os incêndios.
Carlos Albino
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