quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

SMS 502. A questão dos mandatos



28 fevereiro 2013

Se houve lei com intenção declaradamente moralizadora do exercício de cargos públicos foi esta, a da limitação de mandatos de presidentes de câmaras e juntas. Independentemente de com tal lei se penalizarem bons presidentes, ela foi bem acolhida como um sinal claro e balizador de que o exercício do poder a que se ascenda por via do voto não é um eterno emprego de carreira mas um transitório serviço público e sem apegos. Na verdade, um mandato obtido por eleição não é propriedade privada de quem é eleito, e a lei em referência foi feita, assim se entendeu, para dissipar dúvidas, travar carreirismo político e colocar um obstáculo a que os eleitos não fiquem prisioneiros de lóbis ou que os lóbis não usem os eleitos como marionetas de interesses não esclarecidos. A possível prevenção moralizadora, portanto, incidindo nas pessoas titulares e não nas autarquias porque o objetivo foi ou será o de impedir o carreirismo, seja este sempre na mesma autarquia ou ali ao lado que é o mesmo, pois os lóbis não têm as fronteiras que os cadernos eleitorais traçam.


Não se entende assim o expediente de contornar a lei explorando alguma indefinição desta ou mesmo lacuna, sendo o propósito moralizador, e muito embora sejam poucos os casos em que se tenta forçar esse propósito, não é de excluir que em muitas situações de presidentes reconhecidamente bons mas inibidos de novo mandato e agora remetidos ao hiato, se possa dizer que afinal eram tão maus presidentes que nenhuma autarquia ao lado os aceitou para encabeçar listas para um quarto mandato que será o primeiro ao lado. Independentemente das vertentes jurídicas que são sempre uma forma de encomendar fato a alfaiate à medida do corpo, a finalidade da lei é uma finalidade moralizadora e esta não tem vertentes – ou é moralizadora ou não é, ou é para todos ou não é para minguem, ou se aplica a todas as autarquias mesmo que estas distem mil quilómetros entre si ou é fogo de vista.


Admite-se que em algumas autarquias, este ou aquele partido “não tenha mais ninguém” a não ser alguém cuja transferência por aquisição de passe possa salvar a situação como nos clubes em aflição. Mas isso, independentemente das tais vertentes jurídicas, põe em crise o propósito moralizador da lei pelo que se torna possível que alguém vá cumprindo três mandatos de autarquia em autarquia pelos 278 municípios do continente a começar em Valença do Minho e a acabar em Vila Real de Santo António se a vida der para isso, porque a moral e a ética política seguramente é que não dá.

Carlos Albino

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    Flagrantes equivalências: Santo Deus! O número de licenciados em ciências empresariais e afins que por aí não há mas que nem sabem o que é a regra de três simples.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

SMS 501. Promiscuidade



17 fevereiro 2011

Sei que a palavra promiscuidade, em título, causa arrepios, mas não há outra que retrate a vida ou a atividade política portuguesa quanto a condicionar e a orientar a chamada opinião pública. Há comentadores que falam para todo o País e que metade ouve, mas que são ao mesmo tempo titulares de altos cargos ou funções de Estado, e ainda ou sobretudo nos intervalos, são também interventores ativos dos partidos – como nas lixívias de lavar o chão, três em um. Há comentadores diariamente ativissimos que metem pitada sobre tudo, da política interna à externa, mas que se somem como água na areia e desaparecem das televisões onde fincaram pé, mal ficam à frente do grande negócio consumado para o qual, pelo comentário ou também pela intervenção política espúria e difusa, contribuíram como iniludível parte interessada. Há comentadores que surgem no pequeno ecrã como cordeiros de lã fofa mas que dão nome, representam ou são eles mesmos o mundo que gravita em torno de sociedades de advogados, de empresas de comunicação e marketing político, e de lóbis bancários que no tempo de Sócrates estimularam o homem para as grandes obras e, agora sendo os mesmos, estimulam outro homem na perseguição ao contribuinte, na transformação dos pequenos pensionistas em inimigos públicos e no despautério de chamar ociosos aos jovens desempregados e sem perspetivas. Em emissão televisiva nacional são capazes de dizer que Relvas deu o beijo da morte a Seara no apoio a Lisboa, mas que andam por aí pelo país a beijarem candidatos a autarquias tão ou mais meteoricamente licenciados que Relvas e cujo passado, bem contado e não omitido nos pormenores, até faria Seara corar de vergonha.

Naturalmente que, em democracia, todo o homem e mulher é livre, mas há leis que por definição não esgotam a ética e há ética que, embora não constando das leis, deve ser seguida. Assim como é inconcebível que um conselheiro de Estado, nessa qualidade, apresente o Preço Certo, também a qualidade de apresentador reboludo que rebola nas baixas emoções, não lhe dá credencial para conselheiro de Estado. E um comentador que seja deveras comentador sério, não deve sair desse estrado, porque se saltar amiúde para o estrado seja deste ou partido, ora para cá ora para lá, parte-se-lhe a coluna da ética como comentador, se for vertebrado. A lei não o proíbe a não salte de estrados mas a ética aconselha-o e a democracia exige-lhe que não se sirva de um estrado para saltar para o outro, sobretudo uma democracia com opinião pública frágil, crédula e formada à base de ingénuos ou confiantes em que não há gente má no mundo.

Seja como for, a promiscuidade está instalada e pouco há a fazer a não ser uma reforma das mentalidades, até porque, aqui e além para salvar algum decoro, há sempre uns quantos convidados para fazerem figura de contraditório mas que vão no jogo, aceitam o jogo e legitimam o jogo. Promiscuidade, é a palavra. Até quando, não se sabe, e pelo que constatei em nenhum país da Europa acontece o que em Portugal é o pão-nosso de cada dia, e, no Algarve, com uma Imprensa geralmente acrítica, com as rádios reduzidas a grafonolas, e que quanto a televisão esta está para lá do Caldeirão, é pior.

Carlos Albino
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    Flagrante prova real: O PSD/Algarve que teve o mérito de exigir a publicitação de currículos sem omissões dos nomeados ou candidatos a cargos políticos, tem nestas autárquicas a obrigação de não pregar como frei Tomás.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

SMS 500. Toda a gente vê e percebe

14 fevereiro 2013

Por todos os cantos se fala da “reforma do Estado”, associando-se a tal pretendida reforma cortes orçamentais aqui e ali e não àquilo que deveras merecia reforma urgente – a reforma das mentalidades, a reforma dos procedimentos e usos da democracia, a reforma do centralismo estatal gerador de uma cadeia infinda de mordomias e postos de ociosidade, a reforma dos frágeis mecanismos do Estado que permitem a prática de verdadeiros crimes públicos cujos efeitos são pagos dura e cruelmente por aqueles que os não cometeram. As causas do estado a que o Estado chegou ou em que está, são tão velhas como Portugal, tala como vem dos antigos saber-se que quem enuncia e denuncia tais causas ou é afastado da sociedade ou atirado para o esquecimento por aqueles a quem uma verdadeira reforma do Estado não interessa. Como exemplo dos tempos que passam, basta citar o caso do BPN e da constelação de burla e dolo que andou à volta da instituição bancária, para nos certificarmos que uma reforma autêntica do Estado não interessa. Dizem os apressados e falsamente chamados reformistas ou que da designação se reclamam, que há gastos a mais na saúde, na educação, na segurança social, por aí fora, mas silenciam o astronómico buraco deixado pelo dinheiro que se sumiu e ninguém sabe ou, sabendo, ninguém diz onde pára sob as desculpas de se terem encontrado um ou dois bons bodes expiatórios. A justiça não é responsável mas leis desfasadas, leis omissas e leis deliberadamente redigidas no terreno do equívoco que competiriam ao Estado corrigir, aclarar ou introduzir, permitiram que muito do que devia ser punido exemplarmente acabasse por ser tolerado e aceite apenas não ser ilegal, cobrindo jogadas de dolo e enriquecimentos à tripa forra por via de negócios especulativos sob o manto diáfano das próprias instituições do Estado cuja reforma agora se diz urgente apenas para que os justos, os ingénuos e a generalidade dos cidadãos confiantes paguem os desvarios. Podem reformar por decretos punitivos para quem nunca cometeu crimes públicos e podem invocar causas internacionais e episódios da política doméstica insuflados pela conquista ou manutenção do poder, mas toda a gente vê e percebe que um Estado assim não tem emenda, até porque logo à partida os reformadores, num Estado a sério, deveriam ser logo identificados como prevaricadores ou seus aliados quer por via da omissão, quer por via de atos de exceção permissiva. Chegámos, sem dúvida, a um Estado que na sua grande parte é uma pirâmide de ociosos, de cargos inúteis, de mordomias distribuídas por prosélitos, de oficialidades impantes, de cortejos de burocratas que levam quinze dias para rubricar um papelinho, de palradores que falam horas e horas ou do que não percebem ou se percebem ninguém emtende porque não passam dos chavões e das linguagens cifradas que camuflam a estreiteza do espírito, a ausência de alma e, sobretudo, um egoísmo muito maior que a Ponta de Sagres a entrar no oceano dos cidadãos honestos e que logo às primeiras horas da democracia acreditaram e disseram em voz alta “Isto agora vai”. Não foi e assim não está a ir.

Carlos Albino
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    Flagrante exemplo papal: O papa abdicou porque sentiu chegada a sua hora de abdicar. Mas esse foi o pepa real, porque há por aí muitos papas de pacotilha que há muito deveria abdicar e não abdica e que em vez de sentirem chegar a sua hora, pelo contrário, dizem – “Estamos na hora e há que papar mais  enquanto é tempo!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

SMS 499. De braços cruzados é que não

7 fevereiro 2013


Quando uma das coleções da Salvat, nos anos sessenta, inaugurou uma série de livros sobre o devir das sociedades, um dos aspetos que já então se ressaltava era o aumento da insegurança que iria dominar o nosso futuro. Se noutros campos se registaram rotundos enganos, infelizmente, em relação à violência que iria vir, os futurólogos acertarem por completo. O panorama que nos chega diariamente dos Estados Unidos, de Espanha, d França, ou mesmo da até há pouco considerada fleumática Inglaterra, só para nos circunscrevermos aos países ocidentais, dá até que pensar. E entre nós, considerados pessoas de costumes calmos, desde que se deram os crimes da Meia Culpa e do Bar do Avião, ficou dado o alerta – o crime violento de grandes dimensões tinha começado, a sociedade portuguesa não iria mais ser o que era.

O Algarve, terra do Sul, de calor e lazer, bem que poderia ter ficado recuado, o que até há pouco parecia acontecer. Mas de súbito, pelas razões que sobejamente todos conhecemos, esta região passou a fornecer casos típicos de violência que, dia a dia, preenchem as páginas do crime e abrem os telejornais. Não vale a pena voltar a falar da insegurança que se vive nas cidades, nas praias e nos campos do Algarve. Nem vale a pena amedrontar as pessoas, contando casos e descrevendo pormenores. Vale a pena ver, isso sim, como inverter uma situação que pode ser altamente gravosa para os seus naturais, seus residentes e seus visitantes. Vale a pena pensar naquilo que a política pode impulsionar, no que as autoridades têm a fazer e na forma como nós, os habitantes, podemos contrariar esta tendência.
Todos gostaríamos que, no Algarve, por todo o lado, se pudesse colocar cartazes dizendo: “Terra livre, aqui vive-se em paz e segurança”. Sabemos que assim não pode ser, mas lá por isso não podemos ficar de braços cruzados, com as autoridades à espera da próxima participação, e os habitantes a disputarem a página do jornal de amanhã com os pormenores do crime de ontem à noite. As políticas de segurança têm que ser mais eficazes e mais atentas, com a consciência de que proteger uma população dispersa pelos montes é diferente do que protegê-la em ruas de prédios apinhados. Mas além de que as autoridades já deveriam ter iniciado novas rotinas com reforço da polícia de giro, ligação da polícia com a população, enfim, serem uma polícia protetora, presente e disciplinadora, em vez de uma polícia só punitiva e ameaçadora sem motivo aparente, também os habitantes já deviam ter mudado e muito, designadamente no estabelecimento de novas relações de vizinhança, criando dispositivos de associação de moradores, com ligação dos vizinhos em rede, serviços de alerta com roteiro de proteção, um mapa de sinais de alarme e identificação, em tempo útil, de ocorrências extraordinárias.

O que significa que nos próximos tempos, políticos e autoridades têm muito a fazer mas os habitantes, sem caírem na tentação de se substituírem às autoridades, também não podem de ficar de braços cruzados. Um novo conceito de responsabilidade cívica assim o exige.

Carlos Albino
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    Flagrante aparência: Ser presidente de câmara ou de junta, ou ser deputado, não é um emprego, nem sequer deveria tal parecer. Só numa ditadura é que há empregos desses.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

SMS 498. A crise dos que estão em crise


31 janeiro 2013

É nos momentos de crise que muita coisa devia estar mais forte e com mais vida do que nos momentos de vacas gordas quando muita força e muita vida é força e vida à custa de subsídios, subvenções, esquemas, parcerias de conveniência e tudo o que se foi vendo, não por virtualidade própria. A escola, do básico à universidade, devia estar a dar respostas e não apenas a fazer perguntas; os jornais deviam ser procurados e não encostados ao muro das lamentações; os sindicatos deviam prestar orientações mesmo sem serem procurados e não à espera do comando central para a próxima jornada; as associações empresariais deviam mobilizar-se para o investimento próprio dos congregados ou captado em parcerias sérias e projetos sérios em vez de carpirem o fim dos negócios fáceis com voos rasantes pelos paraísos fiscais como segredo de ofício; os da segurança deviam pensar mais na defesa dos inseguros, no apoio ativo aos indefesos e na prevenção do que é previsível do que andarem por aí na obsessiva caça à multa e nas manifestações de combate ao crime depois do crime ter sido cometido; o voluntariado devia surgir diariamente como resposta onde o Estado não responde porque não quer ou não pode; a noção, mentalidade de região devia estar na cabeça das pessoas, nos propósitos das autarquias e na ponta da língua dos líderes políticos que se reclamam paradoxalmente como líderes regionais; e por aí fora, não se deixando de dizer que a sociedade devia mostrar e ter canais de solidariedade permanente, atenta e eficaz para as tragédias que se sabem ser quotidianas e já de rotina para um imenso número de envergonhados que sofrem pela calada porta sim, porta não, além de que deviam mostrar debate de ideias, debate sobre caminhos a seguir e soluções a encontrar, debate combativo e não tanto combate de pasmaceira ou permanente luta acesa pela qual tantos desperdiçam a alma. E quando não há isso, é sinal de que há uma crise mais profunda do que a crise de não haver vacas gordas. É uma crise estrutural que não se disfarça por mais festas que se promovam, por mais festivais que animem a aldeia, por mais peregrinações a Fátima em que as juntas de freguesia se comprometam.  É claro que não se nega há, aqui e além, debate, solidariedade, uma ou outra ideia de projeto, um ou outro empresário com resposta, uma ou outra escola ativa, como também não se nega que há voluntários quando há enxurrada. Mas são casos isolados ainda que emblemáticos. Falta Algarve no Algarve, há muito quintal, há muito ego a querer fazer figura de proa. E essa é que é a pior crise dos que estão em crise porque não se resolve por decreto, nem a solução nasce de um dia para o outro.

Carlos Albino
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    Flagrante pergunta: Não foi VEXA, senhor presidente da Comissão Europeia que quando era primeiro-ministro prometeu uma linha de alta velocidade Faro-Huelva e até mostrou o mapa?

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

SMS 497. O reino do eleitor

24 janeiro 2013

Esta crise é uma oportunidade para os eleitores afirmarem a sua responsabilidade na escolha dos poderes. É nas horas difíceis que se conhecem os amigos, não é? Nas anteriores eleições autárquicas, em todas elas, os eleitores bem tiveram mil desculpas para, em algum momento, justificarem que se enganaram. Agora não será assim. Os eleitores, do mais letrado devido às toneladas de livros que meteram na cabeça até ao perfeito e já vulgar licenciado em telenovelas, futebol e Correio da Manhã, agora, se são enganados é porque querem, ou porque têm interesse no engano, porque será difícil haver distraídos. Não há desculpas para uma irresponsabilidade naqueles dois ou três minutos que se gastam no voto. Nas anteriores eleições locais, é muito provável que muitos, endossados por partidos ganhadores, tivessem sido eleitos apenas porque granjearam a fama de bons organizadores de festas e peregrinações, ou então porque beneficiaram de campanhas faustosas financiadas pela imobiliária desde o porta-chaves até à avioneta com faixas nos ares para influenciar o pacóvio, ou ainda porque, como se diz, estavam ou pareciam estar por dentro das coisas, ou seja, inspiravam aquela confiança de quem se mexe bem em Lisboa a benefício da terra. Claro que outros não. Outros, até independentemente dos partidos, foram eleitos pela competência e saber, pela honestidade e probidade, pelo bom coração e por serem gente de palavra. É por isso mesmo que se lamenta que, por força da lei de limitação de mandatos, alguns bons autarcas tenham que ficar fora da carruagem para serem rendidos não se sabe por quem. E não se sabe porque, nestas eleições de horas difíceis, mais do que nunca, o reino é do eleitor.

Daí que, em momento de grande renovação no poder local, os candidatos tenham a obrigação de serem verdadeiros e que sobre o seu passado não cometam omissões. Não basta a fotografia, o slogan, o discurso empolgado do comício a mostrar proa e três ou quatro ideias para exacerbar o bairrismo num mega-jantar de feijão com massa. É preciso que sejam verdadeiros no currículo profissional e académico, que nada omitam sobre os interesses que eventualmente os movem, e, além disso, que esclareçam as dúvidas se dúvidas existirem. Que digam por completo onde trabalharam, por onde andaram, se avançaram passos por mérito, que provas podem exibir para a experiência requerida. Sobretudo se são capazes de serem amigos nas horas difíceis. A democracia fez-se para isso, não se fez para aldrabões sorridentes. Daí a responsabilidade do eleitor porque a democracia é o seu reino.

Carlos Albino
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    Flagrante regabofe publicitário: Agora, as agências funerárias para além de encherem as paredes de fotocópias com os mortos tal como os circos fazem, já publicitam também as missas de 7.º dia, as missas do 30.º dia e até as missas do 1.º aniversário do morto como morto. Em vez dos normais anúncios nos jornais é o regabofe e, pelo que se diz, bem pago para o que é. Que Deus lhes perdoe a intromissão nas sacristias.   

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

SMS 496. E não foi sempre assim?

17 janeiro 2013

Cinco histórias
do dia-a-dia:

1 – O alemão por equivalência. O  homem discursava no lugar popular de frutas e legumes como o dedo em riste para a dona preocupada com o novo regime de faturação: “Tem que ser! Estamos na União Europeia e isso tem que ser! Como sabe sou alemão! Portugal não produz nada, ninguém quer trabalhar! Lá minha terra não é nada disto. Aqui, o pagode vive acima das suas possibilidades, é só auto-estradas, é só feriados… Não sabe que temos de lutar contra a economia paralela?”  Foi então que decidi cortar-lhe as vazas  com uma comparaçõeszitas entre Portugal e a Alemanha em matéria de adoção de normas europeias, de autoes-estradas, de feriados. Enrolou o estoijo e depois de ter saído, alguém no lugar comentou: “O que este me saiu! Lá por ter nascido na Alemanha, filho de emigrantes e que anda por aí sem fazer nada a viver dos rendimentos do pai, diz-se agora alemão para pregar sermões…”

2 – Educadoras. São educadoras infantis no jardim-escola e todos os dias estacionam as careros em cima do passeio a dar para uma passadeira de peões. Alguém lhes chamou a atenção e mesmo à frente da criançada, guinchou uma: “Você é da GNR?”

3 – Mortos privativos. Como se sabe, as funerárias em vez de anunciarem nos jornais da terra, andam por aí a colar pelos cantos fotocópias com os falecimentos e até para as missas de sétimo dia. Algumas até têm placares privativos que são verdadeiros jornais de parede como na China. Uma noite destas, vi um funcionário de3 uma dessas funerárias arrancar as fotocópias de uma funerária concorrente…

4 – Inglês acima da lei. Presta serviços de construção, tem um camião, vive à beira de uma estreita estrada municipal mas bastante movimentada, entre curva a 15 metros e uma contra-curva a outros 15. Tem um parque para estacionar o veículo, mas qual coisa! Estaciona na berma da estrada ocupando parte desta, a qualquer hora do dia ou da noite. Por essa estrada, pelo que já observei, passam regularmente veículos da GNR, não sei de em serviço de patrulha, se em alternativa de táxi, mas passam e fazem vista grossa. Até que um dia se dê por ali um desastre fatal. Nas quem vai falar com um iuglês acima da lei?

 5 – Alemã de bom feitio. Não sei o que fez nem o que faz, vive numa pequena casa rural à beira de um caminho municipal, a portada dá para uma lomba onde a circulação está limitada aos 40 à hora mas por onde grande parte dos vão sem visibilidade dos que vêm, passa a 100, 120, quando não mais. Pois a senhora alemã, para não ter o trabalho de abrir a portada, faz do caminho e da lomba o seu parque de estacionamento. Alguém lhe chamou a atenção e a receção foi a sete pedras. Se todos os alemães tiverem este fetio, estamos feitos.

Carlos Albino
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    Flagrante falta de prémio: Nada, ninguém no horizonte algarvio a quem, pudesse ser atribuído o Prémio SMS de Jornalismo 2012. Segundo o júri, isto vai de mal a pior, tanto que apenas se justificaria um prémio de anti-jornalismo àquela reportagem da televisão sobre a criança de Quarteira.   

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

SMS 495. Vamos a votos

10 janeiro 2011

Vão ser quatro anos de eleições seguidas, como se sabe. A abrir o ciclo, aí temos, em outubro, as eleições autárquicas que, no Algarve, por este ou aquele motivo, vão ditar uma extensa reformulação na galeria dos líderes locais. No próximo ano, 2014, são as eleições para o Parlamento Europeu que, independentemente das sinecuras e dos bónus a figuras dos partidos, costumam funcionar como barómetro interno. Depois, em 2015, o primeiro de dois pratos fortes, as eleições legislativas, se nada ocorrer que as antecipe, o que é improvável. E finalmente, em 2016, o segundo prato forte, com as eleições presidenciais a marcarem a entrada do retrato de Cavaco Silva para a galeria dos antigos presidentes. Portanto, vão ser quatro anos em que os partidos, mais do que nunca e que por vezes se esquecem, precisam dos eleitores que são também contribuintes e que, além disso e também mais do que nunca, sentem na pele a maior ou menor seriedade do Estado e têm gravada na memória a comparação entre as promessas feitas e garantias dadas em eleições anteriores e os factos. Um eleitor isolado pode ser enganado e um contribuinte solitário pode ser iludido, mas o conjunto do eleitorado, como está provado, tem uma sabedoria tal que até determina as sondagens, tal como o conjunto dos contribuintes tem uma tal perceção das coisas que, mais dia menos dia, até determina a desgraça dos aldrabões de Estado que, à semelhança da criação divina, são aqueles anjos que deram em diabos.

Para as próximas autárquicas de outubro, no Algarve, salvo este ou aquele caso mais bicudo, estão mais ou menos completadas as nomeações dos partidos. Uns sabem que podem ganhar, outros sabem que farão apenas figura de corpo presente o que não deixará de ser um abnegado sacrifício, outros ainda outra expetativa não têm do que dar nas vistas o melhor possível, mas todos fazem parte deste jogo democrático em que os eleitores que são também contribuintes, têm a palavra decisiva, apesar de um ou outro enganado e de este ou aquele ludibriado. Não é um jogo que instale na terra o paraíso, mas é o melhor jogo humano possível desde que os candidatos, começando por parecerem anjos e arcanjos, não acabem por se revelar uns verdadeiros em diabos.

Ora, para se evitar em grande parte essa metamorfose de que o inferno está cheio, é importante que cada candidato, designadamente às funções de presidente de câmara, diga em verdade aos eleitores e contribuintes o que fez, o que estudou sem equivalências da macaca, que experiência tem, quais os interesses a que está ligado, onde trabalhou, se tem processos arquivados por conveniência das partes, enfim, que dê as mínimas garantias de não ser ou não ter sido aldrabão sorridente de Estado – o currículo completo e não amputado. Depois disso, vamos a votos, haja vida, saúde e paciência.

Carlos Albino
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    Flagrante coincidência: Neste ano de 2013, o número da paragem à porta do Cemitério da chamada Linha Amarela dos transportes urbanos de Loulé, é precisamente 13, além de ser amarela.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

SMS 494. Grande incerteza, enorme desconfiança

3 janeiro 2013

Todos gostaríamos que as palavras fossem outras mas não vale a pena pintar a manta: este ano de 2013 vai ser de grande incerteza e enorme desconfiança. Incerteza porque o compromisso do poder eleito com os eleitores deixou de ser um valor respeitável como ficou comprovado em 2012 e que já vinha de trás, cada um culpando o anterior para se desculpabilizar e sacudir a água do capote. Desconfiança porque os escândalos, quer os financeiros, quer os comportamentais, quer ainda os de incompetência, tornaram-se numa coisa normal e banal – factos ficam por explicar com uma justiça presa a formalidades eternas e fintada pelas lacunas das leis, responsabilidades ficam por apurar com os magistérios de influência a trabalharem afanosamente para salvar os compadres, e depois, o silêncio dos que deviam ser exemplos de moralidade pública e garantes da seriedade do Estado mas que, apanhados com uma perna de fora, usam e abusam da tolerância e do respeito que o cidadão comum nutre pelas instituições. E ainda há os que, sendo esbanjadores reconhecidos, populistas refinados e demagogos para quem a democracia é já burro velho, ainda há esses que, até à exaustão, julgando que convencem um povo atónito, repetem esse refrão de que vivemos acima das nossas possibilidades como se todos tivéssemos sido uns esbanjadores, como se fosse esse povo atónito a ocultar as causas da crise, e como se fossem os eleitores de boa a fé que dissimularam os motivos da confusão que grassa de alto a baixo no Estado e o colocou na dependência externa e à beira da miséria interna, Na verdade, neste anos todos que passaram com grandes certezas e enormíssima confiança, o que aconteceu é que elegemos gente que estava muito abaixo das capacidades que diziam possuir, gente sem fio de prumo moral, gente jogadora, gente manhosa que fez da manha a arte da política. É importante que se diga a esses que não foi o cidadão comum que viveu acima das suas possibilidades, mas sim que quem foi por ele eleito agiu e decidiu muito abaixo das capacidades que todos acreditámos terem. Não se pode fazer uma geração de um dia para o outro e certamente por bastante tempo, designadamente em 2013, teremos de suportar uma geração que errou, que não reconhece o erro e insiste no erro. O cidadão comum, eleitor de boa fé, só tem culpa numa coisa – ter escolhido mal ou ter escolhido também por não ter havido muito por onde escolher. Possivelmente, nas próximas eleições autárquicas, é isso que também irá acontecer. Oxalá que não.

Carlos Albino
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    Flagrante agricultura: Como há muito não se via, terras e terras arroteadas para sementeiras, muitas árvores novas plantadas para dar frutos e, portanto, ainda algum ânimo na serra e algum empenho no barrocal. Vamos ver no que dá.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

SMS 493. Aos leitores acima de tudo

27 dezembro 2012


Porque não há jornal sem leitores, não há leitores fiéis sem assinantes e não há assinantes sem que o jornal sirva o interesse público e o bem-comum com independência, isenção e aquele esforço próprio que o faz porta-voz de uma comunidade – a comunidade dos leitores fiéis, dos por estes influenciados a que se juntam, ainda bem, os curiosos do online -, é aos leitores acima de tudo que deixamos aqui os votos de que 2013 seja um ano de esperança em que tudo isto melhore, de coragem para se enfrentar este dia a dia em que a generalidade da gente séria faz das tripas coração para honrar compromissos e continuar com palavra de honra, e sobretudo um ano de saúde, segurança, cultura e justiça.

A Imprensa, de forma muito particular e gritante no Algarve, vive dias negros na onda geral dos dias negros que afeta pessoas, empresas e instituições. Numa região, como a nossa, a mais flagelada pelo desemprego e pelas consequências calamitosas de erros já em décadas na política de desenvolvimento que desencorajou a agricultura, decapitou as pescas, levou o comércio a viver aos supetões e instalou um turismo sem sede no Algarve feito balcão, mais do que nunca essa Imprensa – a local e a regional – é necessária e é um bem imprescindível. Se queremos que a Região tenha um correio público que preserve a sua identidade cultural já de si tão esbatida, ponha em letra de forma a defesa dos interesses gerais e transcreva os anseios da sociedade em documento que os poderes sejam obrigados a sentir e a registar desde que essa mesma Imprensa não seja mera montra da política e dos políticos, tentação que, a bem da verdade, a contaminou bastante e muito perverteu, não há volta a dar a não ser com os leitores e os assinantes acima de tudo. Tal como os políticos, num regime democrático, não sobrevivem muito tempo sem eleitores, um jornal, seja local e atento à rua e ao número da porta, seja regional dedicado aos grandes assuntos e aos factos relevantes de lés a lés, não sobrevive sem leitores. Uma política desfasada dos eleitores é o cancro da liberdade, morre da doença; um jornal sem leitores firmes e que respondam à chamada é andar enganado na mesma doença da liberdade, morre da cura. É do Bê-á-Bá.

Assim sendo, Bom Ano para os leitores acima de tudo.

Carlos Albino
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    Flagrante correio azul: E por último, mas só depois dos leitores, Bom Ano e muita força anímica para o o diretor do Jornal do Algarve, Fernando Reis, para aguentar o barco, e, se me permitem, para os que semana a semana mais direta e pacientemente recobrem o autor destes apontamentos com benevolência, desde a voz castelã da Filomena, ao Domingos Viegas que é o jornalista mais alto do Algarve e ao trio de combate da Lídia Palma, da Irene e Ana Reis.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

SMS 492. O burro e a vaca

20 dezembro 2012

Se há religião do mundo que tenha dado à humanidade algum símbolo de sublime afetividade e de paz, sem dúvida que essa religião foi ou tem sido o cristianismo mais ou menos já purgado do fundamentalismo que o arrastou para os extremos da inquisição, para as chantagens do confessionário, para as histerias de púlpito e para as incongruências dos apetites pelo poder temporal em, nome de um Deus que, segundo santos bem informados, nunca permitiu isso nem está no seu feitio. E de tudo o que o cristianismo deu de aproveitável para crentes e não crentes, o exemplo mais acabado símbolo de magia afetiva e de poética da paz está indubitavelmente no presépio, construção forjada ao longo de séculos onde o inverosímil é lógica pura, não importando se foi falso ou verdadeiro, importando apenas o símbolo mágico da afetividade e da paz e o código genético da tolerância que todos temos pensado ser a matriz da civilização que transportamos como se fosse uma chama olímpica. E nessa construção mágica e poética do presépio, tudo é importante mesmo que inverosímil, mesmo que se saiba tratar-se de invenção circunstancial a que se foi somando, ao longo dos tempos, a imaginação empurrada pela força simbólica.

É assim surpreendente que o papa, como não tendo mais nada no mundo com que se preocupar, se venha meter com o burro e com a vaca do presépio, pretendendo emendar a história naquilo que não pertence à história. O burro e vaca, tal como o anjo, os reis e as estrelinhas, a palha do menino, a samaritana, os pastores e as ovelhinhas, por aí fora, são peças desse puzzle simbólico que tem sido o jogo anual de paciência para gerações, ponto de encontro de famílias e olhares, enfim, suave magia que pacifica o espírito e dá alminha de paz ao corpo mesmo que esse corpo seja o do pior bruto. Entender-se-ia que o papa questionasse o burro e vaca ao pequeno-almoço com dois cardeais, já não se entende que ele não perceba o que um símbolo e faça doutrina. Por mim, vou armar o presépio de sempre com o mesmo burro e a mesma vaca, justificando-se ainda mais, nos dias que correm, que torne mais vivo esse símbolo de conforto anímico.

Andando pelas ruas, vê-se que as pessoas estão tristes e que as ruas estão tristes. Além de não haver o espalhafato autárquico das iluminações com milhões de lâmpadas da China, é raro ver um Pai Natal pendurado das janelas, um paninho onde se leia o bordado de um Feliz Natal, uma lampadazinha portuguesa a dar um tom de mágica exceção à fachada da casa. Ao menos que, num recanto da casa, haja um presépio, haja uma ceia, haja um presente, haja um símbolo sendo verdade que todo o símbolo tem a sua vaca e o seu burro, tenha Sua Santidade santa paciência na sua frieza alemã pois não foge à regra. E já, agora, que p melhor presente do Natal deste ano seja já o Natal do próximo ano com um milagre, o milagre de que isto mude, o milagre de que haja alguém, inspirando confiança, a dizer basta e que retire os falsos burros e as falsas vacas de um presépio onde não têm lugar. Alguém que reponha o símbolo da esperança.

Carlos Albino
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    Flagrante assalto: Ao Estado.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

SMS 491. Pés de guerra

13 dezembro 2012

No fundo, para além da papelada, dos belos objetivos gerais e dos defensáveis objetivos específicos, dos cronogramas e dos anexos que são o principal do filme, quanto à chamada reforma das juntas de freguesia, vira o disco e toca a mesma música. Mais ou menos, fica-se como há uns anos atrás, esquecidos já que estamos do populismo e do eleitoralismo que semeou freguesias, para não se falar da sementeira de concelhos em grande parte falhada mas a que não eram, alheios interesses imobiliários e outros dos promotores, servindo-se de uns tantos ingénuos, de outros tantos distraídos mas também de muita gente de boa fé que, por isso mesmo, não lhe é dado perceber o que está por trás das causas difusas. Nem sempre foram intuitos genuinamente democráticos a basear tais movimentos alinhavados pela exacerbação do localismo. Em todo o caso, a dita reforma, aí está, resumindo e concluindo, com um vasto leque de “uniões de freguesias”.

Em boa parte dos casos, deixando-nos de figuras de estilo, trata-se de anexações e em bastantes tais uniões de freguesias, o poder é nómada, anda com a casa às costas de quatro em quatro anos, rotativamente, ora somos nós, ora são vocês. Portanto, a reforma não parece ser do território, mas do mando ou do comando, como se queira, haja anexações ou o poder local ande como as caravanas dos que falam caló. No intuito de reduzir o número de freguesias, reduzem-se apenas os comandos, criando-se reinados temporários e, não se deseja isso, mas é de prever que a cada eleição corresponde um pé de guerra.

Uma reorganização do território, se é isso que se pretende, deveria começar pela regionalização, com o Estado a transferir o que há muito deveria já ter transferido para os administrados. Mas não, o Estado preferiu manter a sua pesada rede de direções regionais e de delegações ao mesmo tempo que estimulou um municipalismo anti-regionalista e agitou o caleidoscópio colorido das freguesias onde cada presidente, outrora regedor, se foi habituando, tanto quanto possível, à ideia de que era chefe de governo proclamando em muitos casos fronteiras ridículas com placas não menos ridículas, além da promoção das excursões a Fátima e de outros trajetos que sempre dão votos. Naturalmente que o sistema não poderia funcionar sem ser excessivamente oneroso e sem que criar uma ampla teia de burocracias inúteis, repetidas e de jogos de empurra das câmaras para as freguesias e das freguesias para as câmaras, que foram deixando o cidadão comum cada vez mais atónito, descrente e, por defesa, também cada vez menos participativo. A democracia local viveu à custa das obras e do fogo de vista, o que, em abono da verdade, castrou os sentimentos de região, delapidou acervos seculares de identidade e quebrou figurinos de comunidade em que território, cultura e desenvolvimento deveriam ser denominadores comuns e não mantas de retalho com cada um a puxar para o seu lado. E foi assim que se adiou o Algarve com o fomento de algarvezinhos.

Carlos Albino
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    Flagrante estratégia: Em alguns municípios, quem vier a seguir que apague a luz que quem a acendeu já se safou.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

SMS 490. Bibliotecas Públicas em maré vazia

6 dezembro 2012

Vem do centro da Europa aquele velho provérbio que diz que, quando a maré desce, quem está nu dentro do mar mostra as vergonhas. Se este princípio se aplica às economias em geral, nos tempos que passam, tal como o disse há pouco tempo Christine Lagarde, o que não dizer de certos sectores, como a Cultura, as Artes e a Leitura, actividades sempre frágeis, sempre balouçando financeiramente na corda bamba, não pelas más administrações, ou vício de parasitismo, como em geral se diz, mas pela sua própria natureza. Como se sabe, estas são actividades que geram as riquezas motoras fundamentais para o desenvolvimento, mas não se autofinanciam.

A que vem isto a própósito? Vem a propósito de que a imagem da maré vazia, aplicada ao caso particular das Bibliotecas Públicas do Algarve, lembram o que foi feito durante a maré cheia.

Durante a maré cheia, governos centrais e autarquias criaram uma rede de bibliotecas invejável, numa zona completamente desprovida de equipamentos culturais do género. As cidades principais desta região muniram-se de espaços polivalentes extraordinariamente bem concebidos, os arquitectos foram prendados, algum luxo foi mesmo aplicado. Mas aos pilares e escadarias de bom desenho e às boas cadeiras de encosto, candeeiros de tecto que poderiam ser do Siza, não correspondeu a elevação do nível cultural esperado. Esgotado o dinheiro que permitia tapar o sol com a peneira, encomendando serviços externos, pagos e bem pagos, promovendo e até mesmo publicando livros ou cobrindo edições municipais de valor zero, mas impressos em papel sumputário, agora, as Bibliotecas do Algarve ficaram entregues à verdade nua e crua daquilo que são os talentos dos seus bibliotecários. É aí que entra a maré vazia.

Na maré vazia, não vamos de  dedo em riste entrar pela porta das bibliotecas acusá-los, mas apenas manifestar o desgosto, de que terminado o tempo das marés cheias, alguns deles não tenham sequer capacidade para criar uma montra de livros de Natal. É de chorar às lágrimas perceber que as sugestões de leituras para o Natal podem ficar por um amontoado de livros de esoterismo, anjinhos e diabos, espiritismo e profecias, enfeitados com desenhos próprios das "Modas e Bordados".

Triste maré vazia, triste realidade.

Que um outro sino de Natal, do ponto de vista cultural, chegue rápido.

Carlos Albino
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    Flagrante classe política: Para as autárquicas no Algarve, ou há candidatos a mais, ou há candidatos a menos, em alguns casos nenhum.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

SMS 489. Deputados, mais uma vez

29 novembro 2012

Vamos em 38 anos de democracia, já elegemos deputados vezes sem conta, pelo que seria quase ridículo lembrar que um deputado é, antes de tudo, porta-voz da população na Assembleia da República, que deve responder e dar corpo aos anseios e necessidades dos seus eleitores e que por isso mesmo compete-lhe procurar respostas legislativas para os problemas deste mundo e não do outro mundo. Seria ridículo lembrar isto se os deputados, a começar pelos cá da casa, assim tivessem procedido e não, como tem sucedido, assumirem posição inversa, ou seja, a de porta-vozes do governo se são do partido no poder ou do diretório central da oposição se são da oposição. Um deputado do poder não tem que explicar à população medidas do governo, tem que ouvir a população, e um deputado da oposição não tem que espicaçar os eleitores para a luta superior do seu partido, tem, sim, é que ouvir os mesmos eleitores para que a oposição seja coerente, idónea e, já agora, alternativa credível e não mero fruto das circunstâncias. Portanto, ser deputado não é uma profissão de carreira, é um serviço que deve ser prestado por um contrato solene com os eleitores. Ser deputado não é ir para Lisboa e iniciar uma carreira que pode dar em ministro, em secretário de Estado, outro grande cargo, ou, nessa impossibilidade, viver uma vidinha de funcionário de corte política cumprindo disciplinarmente os deveres partidários a troco de privilégios e de um razoável salário de lealdade. E por isso mesmo, um dos seis deveres que decorrem do seu estatuto é precisamente o de “assegurar o indispensável contacto com os eleitores”. Para tanto, o regimento parlamentar reserva-lhe as segundas-feiras, todas as segundas-feiras que, para cada deputado não são portanto “dias livres” mas dias a preencher com o trabalho de ouvir e registar aquilo que as populações têm a dizer.

Vem isto a propósito dos deputados do PSD cá da casa terem anunciado a promoção de “nova ronda de atendimento de eleitores” em três sábados deste mês de dezembro – dia 8, Elsa Cordeiro em Tavira e Pedro Roque (Portimão), a 15, Cristóvão Norte em Faro, e a 22, Mendes Bota em Loulé.  Dos dois do PS e dos outros dois do BE, do PCP e do CDS, não se sabe se fazem também alguma nova ronda nuns sábadozinhos, é possível que sim, é possível que não. Não está em causa que os deputados troquem a segunda-feira pelo sábado para atenderem eleitores, o que releva é que parece ser um ato excecional aquilo que devia ser normal e rotina, seja ao sábado por conveniência de deputados e eleitores, seja às segundas-feiras, todas as segundas-feiras por força do dever indeclinável e regimental dos deputados, de cada um dos deputados. Vamos em 38 anos de democracia e só não é ridículo lembrar que esse dever devia ser uma rotina, porque passam as semanas, os meses, anos e anos e o que mais se tem visto e observado não é o cumprimento do dever de ouvir o que populações têm a dizer ao governo, mas, volta e meia, uma espécie de direito dos deputados a juntar eleitores para lhes explicar ações do governo ou espicaçá-los para os cálculos de oposição – o contrário do que devia ser e daquilo para que uma democracia é feita. Em todo o caso, mais valem três sábados que nenhuma segunda-feira.

Carlos Albino
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     Flagrante cheiro: A inevitáveis eleições se não houver emenda ou remendo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

SMS 488. Não é para inglês ver

22 novembro 2012

A insegurança do dia de amanhã está a tornar Portugal um país nada confiável para os portugueses. O que foi ontem prometido não é cumprido hoje, discursos de esperança para arrebanhar circunstanciais aplausos esbarram pouco depois com fracassos em grande parte evitáveis, previsões de melhoria são desmentidas com os números feitos à mesma hora em que tais previsões foram feitas, anúncios de dinâmica nova para a economia portuguesa cedo se revelam dependentes dos humores económicos que nem são assim tão mundiais mas residem cá na casa, garantias de um governo menos pesado de ser carregado pelos cidadãos acabam por se transformar em aumento de prosperidade apenas para alguns, as reformas de contenção de gastos do Estado não se traduzem no reforço da potencialidade do Estado mas em mais impostos e em mais entraves burocráticos e legais que impedem o integral desenvolvimento das forças produtivas do país, o implante de modelos que não foram referendados estão a quebrar ou quebraram já o que até há pouco era um franco entusiasmo com as conquistas do país na consolidação da democracia e da estabilidade económica, enfim, a instabilidade tornou-se um património da sociedade e isso é amplamente percebido.

Portugal tem, pela primeira vez desde há muitos anos, perceção de risco, com uma classe política dirigente que se contradiz amiúde, sem uma ideia ou um pensamento claro e amigo, mas que sobrevive pela ameaça e sobretudo com essa acusação falaciosa feita a todos os portugueses segundo a qual vivemos muito acima das nossas possibilidades, quando a verdade é que os dirigentes que temos tido ou fomos elegendo, esses sim, revelaram-se ou acabam por se revelar como muito abaixo das potencialidades que se esperava terem. Há a suspeita geral de que grandes escândalos que à evidência estiveram e estão na base do desvario das contas públicas e do erário público, são esbatidos ou abafados como que por milagre divino, em função do poder de influência dos seus autores, coniventes ou beneficiários. O Estado não se descentralizou, nem sequer onde lhe seria fácil como no caso do Algarve, comprometendo os administrados nas decisões que lhes pertencem, tudo isso a pretexto de se insuflar um municipalismo que, na hora de fazer contas, agora quase é colocado no banco dos réus ou de castigo, tanto que não temos Ministério das Finanças mas apenas Ministério do Orçamento e não temos Ministério da Economia mas Ministério dos Remendos. Para um país que há bem pouco tempo era visto como um país de futuro, é bom saber que esse futuro está mais longe e não é para inglês ver.

Carlos Albino
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     Flagrante apelo: Aos leitores assinantes do Jornal do Algarve dos quais depende a continuação desta obra de que o Algarve não pode nem deve prescindir. Juntamo-nos ao apelo bem lembrado de João Leal: “Salvem o Times”.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

SMS 487. A Universidade e a paisagem

15 novembro 2012

Funcionou como um murro no estômago, a notícia sobre a eventualidade da Universidade do Algarve ter que encerrar como consequência das restrições orçamentais. Como murro no estômago em alguns, não em todos pelo que não se viu um forte cerrar de fileiras dos que, aqui ou ali, nomeados ou eleitos, estão investidos em funções de zelo pelos chamados interesses algarvios. Ora, deve ser dito em alto e bom som que não é possível admitir o encerramento da Universidade, e muito menos aceitar a sua absorção por Évora (fusão iria dar nisso). A sul de Lisboa, a Universidade do Algarve é a que melhor oferece um quadro de internacionalização e de contactos internacionais designadamente no quadro lusófono e em parcerias com o Norte de África e Médio Oriente, além de oferecer áreas de atuação por excelência (caso do mar e o turismo) e sugerir outras por explorar devidamente (caso das línguas). Destruir o que a Universidade do Algarve conseguiu e representa, seria um recuo de décadas e equivaleria a mais um passo para o Algarve voltar ao estado semi-colonial e de indigenato que o marcou secularmente. É inadmissível o encerramento da Universidade pelo que a região deveria ter já feito uma barragem de voz única ao cutelo, se há cutelo, quer face aos ministros das Finanças e da Educação, quer ao próprio primeiro-ministro.

É evidente que há falhas. É evidente que a falta de ambição cultural da população algarvia (há que reconhecer isso com verdade e humildade) não está a ser alterada pela presença da Universidade. É evidente também que a Universidade carece de dinamismo e de entrosamento com a sociedade algarvia em patamar de excelência e sem cedências a nivelamentos por baixo. E é também evidente que, não existindo um escol na sociedade algarvia, a Universidade não provocou ainda o aparecimento de tal escol com domicílio na região e sem interesses difusos. Mas isso são contas nossas – nossas, da Universidade e da paisagem que a cerca. Todavia as deficiências ou aparentes pontos fracos não permitem ao Estado varrer a região como se varre um capacho, depois do mesmo Estado ter escondido a enormidade que durante décadas recebeu do Algarve e por causa do Algarve comparada com a ninharia de investimento público feito na região da qual a Universidade é ou deveria ser o motor, um motor de que não se pode prescindir.

Carlos Albino
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    Flagrante pobreza: Pobreza mental, a de Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares em que o Banco Alimentar do Algarve se integra. Ouvimos bem o que disse, e em seis minutos com uma má ideia pode-se estragar um bom ideal.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

SMS 486. Próximas autárquicas

8 novembro 2012

Ainda há pouco tempo, antevia-se as próximas eleições autárquicas como mais um ritual de um presidente dar lugar a outro seu rival ou seu correligionário, ou mais uma quinzena de propaganda rotineira, de comícios que nenhuma novidade introduzem a não ser rouquidão nos oradores menos prevenidos, e sobretudo de jogadas que só cinco ou seis em cada terra percebem e mesmo assim ficando tudo dentro dos partidos que são como as lapas – só se mexem quando se lhes toca. Parecia, pois, que as autárquicas iriam despertar o menor interesse na história da democracia, até porque com a profunda crise em que o País mergulhou, gerir uma câmara e conduzir um município não dá a pompa que recentemente dava. E sendo assim só um grande santo disposto a enorme sacrifício ou então algum diabo com grande e estranho interesse atado ao rabo escondido, poderiam concorrer a presidências de câmaras deficitárias, algumas quase falidas, outras na corda bamba mas dissimulando tudo isso para salvar o prestígio do poder local, sem que alguém se importe minimamente com o facto de ter sido o somatório destes poderes que esvaziou, para gáudio do Estado centralista e centralizador, o que poderia ser hoje um poder regional.

Acontece porém que nestas próximas eleições autárquicas não vão ser tanto os candidatos que vão estar à prova mas sim os eleitores. É que, depois das promessas, incongruências e trocas de pés pelas mãos que o eleitorado verificou e sente na pele como resultado das recentes legislativas, é muito provável que, nas próximas autárquicas, já sejam muito menos os que comem gato por lebre ou que vão exclusivamente atrás da propaganda. Numa democracia adulta, o eleitor é altamente exigente para consigo mesmo; numa democracia de fatela, o eleitor vai atrás do compadre, vota na mira de um favor e por vezes chega a dar um contributo decisivo para uma eleição apenas para corresponder a um aperto de mão do candidato. E é por saberes disto que alguns candidatos, sobretudo nos poderes locais, imitam campanhas só admissíveis em clubes desportivos mesclados com negócios – grandes jantares e passeatas como se fossem mini-Presidentes da República.

Pelos indícios já dados nos últimos meses, parece que nas próximas autárquicas serão em número muito mais reduzido que em eleições anteriores, os eleitores que vão dar voto fiado. E se assim não for, será caso para se dizer que pior que a democracia só a ditadura, quando se preferiria dizer que melhor que a democracia só uma melhor democracia.  E quanto a isto não decretos que determinem – depende dos eleitores que temos e somos.

Carlos Albino
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    Flagrante pena: Guimarães que não pediu desculpa ao Algarve pelo tal cartaz, está com dívidas, tem que importar criadores de todo o lado e apesar de ter esvaziado as nossas praias, não tem gente. É uma pena só  encher o castelo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SMS 485. Divórcio com o eleitorado

1 novembro 2012

A palavra divórcio é adequada ao caso, embora deputados e eleitorado nunca tenham casado. Não é todos os anos que um país inteiro toma conhecimento de um Orçamento de Estado de desfazer os ossos, como não é coisa rotineira que uma região ou círculo com seus eleitores pode ver desmoronar-se programas e projectos em que se empenhou e e que acreditou. É verdade que o debate foi nacional, ou seja, foi um debate entre os diretórios partidários, com avanços ou recuos em função das fatias do bolo da democracia (caso do acordo para as autárquicas entre dois desses partidos), mas nada justifica que os deputados se tenham refugiado na toca ou se tenham tornado anónimos, portanto sem nome e sem cara.

No caso do Algarve, é para todos, sejam quatro ou três mais um, dois apenas ou um. Não basta um comunicado apaziguador dos militantes, ou de resposta a facção interna, ou ainda para mostrar serviço a Lisboa. Muito menos basta uma croniqueta, dessas que mal começam, sabe-se logo como acabam. Os deputados do círculo, todos por um ou um por todos, deveriam ter tomado posição pública sobre assunto da mais elevada importância para indivíduos, empresas e instituições da região. O normal é que cada um desse a cara, mostrasse a boca e olhasse olhos nos olhos os eleitores que o elegeram, muitas vezes sem hesitações, outras por arrasto da figura de proa.

Nunca escondi que sou crítico deste Orçamento – pela sua filosofia, pela garotice na condução do processo, pelas intenções escondidas e pelas omissões graves sobre a causa da crise e desta emergência com impunidade para os reponsáveis. Isso não quer dizer que apenas seja bom ou correto quem partilhar da mesma opinião. Nada disso! E no caso dos deputados do Algarve, esperava, sempre esperei que tivessem ido a Lagos, a Tavira, a Silves, a Portimão ou a Faro que apenas fosse, explicar o sim ou o não. Não basta Lisboa dizer que não, para isentar os deputados regionais da explicação, como não basta Lisboa decretar a disciplina de voto para os dispensar da prova pública de que têm um voto de consciência. Não o fizeram, ficaram-se pelo comunicadozito ou por um textozito com fotografiazita, e assim deixaram provado que o divórcio com o eleitorado ainda lhes dá o que resta do casamento: o ordenadozito.

Carlos Albino 
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    Flagrantes monumentos: Sobretudo igrejas, é verdade que abertas para glória dos turistas que estão lá nas alturas tais como santos e anjinhos, mas perante as quais os vivos dão com os narizes nas portas.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

SMS 484. Falemos então dos passarinhos…

25 outubro 2012

Segundo parece o debate sobre o Orçamento e a região (região, por assim dizer) não pegou. Nem quanto ao papel dos nossos deputados (nossos, por assim dizer) que no mínimo teriam a obrigação de explicar um sim ou um não, sem se abrigarem nas desculpas da disciplina partidária ou no argumentário da salvação da pátria que naturalmente não existe sem as regiões atentas ao seu futuro como também a democracia não existe sem os círculos eleitorais com eleitores providos de memória e de responsabilidade quanto ao futuro. As próprias alas regionais dos partidos parecem atadas, uma por um motivo, outra por alguma razão de cálculo, e enquanto o barulho de minorias a todo o pretexto faz o seu trabalho de amedrontamento. A nosso política regional, segundo parece, esgota-se no registo acrítico a nomeação deste para aqui e daquele para ali, no porto de pesca que precisa disto, no município que precisa daquilo, e no que fulano disse sobre algo em geral, cicrano sobre nada em particular e beltrano repetiu sem se aperceber que repete o mesmo há anos. A única universidade pública da região pode estar em risco, mas ninguém toca no assunto como se o problema fosse apenas um problema corporativo das Gambelas e não da região. O turismo pode continuar a viver ou a sobreviver como se estivesse num mundo aparte e do Algarve só precisasse gente para as limpezas, para os balcões de receção e um ou outro quadro mas reduz-se a mera questão de estatística, porque quanto a inserção numa política de desenvolvimento regional, só por tabela. A saúde pode ter gravíssimos problemas mas a época baixa não faz subir ao alto o diagnóstico político do assunto. A pobreza e a miséria bate cada vez mais à porta com a enorme legião de desempregados e outra ainda maior de sub-empregados a que se juntam os explorados até ao tutano e o feche em catadupa de mini-empresas, mas não interessa, diz-se que é da crise e basta para se encolher os ombros. Por aí afora. E ai de quem pensa e escreve que alguma coisa está mal na banda que passa, que alguma coisa está mal quando a política se resume ao combate e aos preparativos do combate para ocupar postos e assentos de comando ou de babugem da nomenclatura política, que alguma coisa está mal quando, nos sítios e com gente própria não se discutem as questões de fundo para a região. Região esta que está politicamente amorfa, não sendo o barulho nas ruas que, só por si, lhe dá vida. O barulho é um sinal mas algo está mal quando o sinal não provoca reflexão, busca de soluções e projetos políticos concretos que denotem a existência de quadro mental nos arautos. Quem pensa e escreve colocando algum dedo na ferida, gera equívocos, equívocos que incomodam sobretudo aqueles que desejariam que apenas se escrevem crónicas sobre os passarinhos que fazem os seus ninhos, coitadinhos, felizes com seus filhinhos nos beirais dos telhados.

Carlos Albino
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    Flagrante caso: O da criança de Carlos Albino que comprovou o enorme défice de informação do Algarve e no Algarve. É o pior dos défices.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

SMS 483. O voto dos representantes, irá representar?

18 outubro 2012

Aqui temos, desta vez, um fantasmático Orçamento de Estado que, para um Algarve com o maior nível de desemprego do país, autarquias nas lonas, empresas fechadas, turismo com coração aqui mas carteira lá fora, insegurança até dizer basta, portagens coloniais, agricultura grandemente desfeita e pescas metidas a pique, para este Algarve, o Orçamento que se apresenta irá ser como que um exército de invasores a matar sem dó nem piedade e a pilhar tudo o que luza. Se no tempo das vacas gordas, o Algarve foi tratado com os pés, agora que nem é sequer já de vacas magras mas de esqueletos de vacas, o Algarve é atirado para o fundo do mapa ou mesmo dele retirado. A falha imperdoável do governo em honrar compromissos eleitorais e o seu fracasso em atingir metas traçadas somado ao fraco valor político e técnico de ministros-chave, gerou a desconfiança geral do país, e, aqui no canto do mapa, criou aos algarvios um sentimento de que estão indefesos e de que não há ninguém que os possa e queira defender. Há discursos que são já tardios e por isso ineficazes; e há prosápias que tentam justificar o não feito pelo prometido, e também por isso que não geram convicção em ninguém.  E quanto ao Orçamento, de uns, umas quantas generalidades de circunstância, circunstância de oposição, e de outros, o silêncio, moita-carrasco, agachem-se soldados na trincheira enquanto houver tiros lá em cima.

Quanto aos nove deputados eleitos pelo Algarve, claro que seria de esperar que tivessem tomado a posição de votarem contra este Orçamento tal como ele se apresenta para a região e para os algarvios. Ou então que tivessem dito que se revêem nele, que o apoiam e que, enfim, receberam o mandato dos algarvios para tal fim. Tenham essa coragem, como os deputados da Madeira sem rodeios a tiveram, ou como os dos Açores, à sua maneira (que aqui entre nós é como que à maneira de Monchique ou de Querença, ou seja, com toda a manha) já a expressaram telegraficamente. Pois eles, os nove deputados, representam o quê e quem? Representam as direções partidárias ou representam os eleitores algarvios?

Acaso esses nove deputados reuniram-se com associações empresariais e sindicais, com instituições regionais, com autarquias, enfim, com cidadãos em reuniões abertas, pelo menos nas 16 sedes concelhias, e não apenas com sequazes, sejam estes seus discípulos de aldeia ou seus mestres de escritório? Sendo tais nove deputados os legítimos representantes dos algarvios, com que fundamento eles vão dar um voto favorável ou contrário a este Orçamento de Estado que vai afetar as vidas de todos os eleitores que representam e sem os quais eles não seriam o que são nem estariam onde estão? Vão votar por essa tal disciplina partidária que tem  matado as raízes da participação política, ou vão votar em representação do Algarve, sem medo de que o denominador comum seja o máximo? Ou têm medo, paradoxalmente, até de declararem que vão votar a favor desta obra que, sem medo, aqui se deixa claro, é iníqua além de errada com erros crassos? Digam.
(Os 9 deputados eleitos pelo Algarve, neste mês de outubro, no seu conjunto já deviam ter feito 27 contactos com o eleitorado algarvio nas três segundas-feiras que passaram, pois para isso têm as segundas livres. Mas fizerem esses 27 contactos ou fizeram 27 fins-de-semana prolongados?)
Carlos Albino
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    Flagrante afronta: O propósito de encerrar a Fundação António Aleixo, é uma afronta. Seria interessante saber quais foram os meninos de coro que fizeram o estudo em que o governo se baseou para decidir infantilmente. É uma afronta para Loulé e para Quarteira e uma afronta dessas é uma afronta ao Algarve.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

SMS 482. Assim, por exemplo...


11 outubro 2012

O PCP viu subir recentemente ao plenário parlamentar o seu projeto de resolução sobre “Dinamização da atividade portuária como instrumento de desenvolvimento económico da região algarvia”, subscrito entre outros pelo deputado Paulo Sá, um dos nove eleitos pelo Algarve. O projeto de resolução foi votado no dia 28 de setembro, sendo rejeitado (votos contra do PSD e CDS, favoráveis do PCP, BE e PEV e abstenção do PS). Não interessa para aqui avaliar tais votos e tal abstenção, mas o texto do projeto, a sua eficácia política, alcance, viabilidade e adequação. Sem dúvida que temos ali uma razoável descrição dos três portos comerciais e de outros três de pesca, mas, chegados ao ponto das recomendações ao governo, estas não passam do elenco de reivindicações que é normal encontrar-se em programas eleitorais. Não é que as reivindicações não sejam pertinentes e justas – no caso dos portos algarvios até são uma coisa e outra -, só que figurando num projeto de resolução apenas se justificam com prévia e sólida negociação política ou com a certeza e segurança de eficácia da iniciativa. E se assim não for, é atirar barro à parede e adiar mais uma questão como foi o caso. A partir do parlamento, quem está na oposição e sobretudo em nome de uma região politicamente frágil, pode tentar mas não pode obrigar o governo a fazer o que este não quer fazer mesmo que possa, e, além disso quer se esteja na oposição ou do lado do poder, também não deve confundir iniciativas parlamentares com cardápios eleitorais apenas para satisfazer um diminuto número de militantes. Faltou qualidade, clarividência e oportunidade política ao projeto do PCP, mas quem perdeu não foi o PCP que nunca esperou ganhar a votação mas apens fazer trabalho de casa, quem perdeu foi o Algarve que, mais uma vez viu adiada, senão enterrada por muito tempo, a discussão dos seus portos comerciais e de pesca, matéria em que todos os governos têm andado a brincar. Mas se os governos podem brincar aos algarves como têm brincado, já os deputados da região, sejam eles do PCP, do CDS, do PSD, do BE ou do PS,  poder podem mas não devem jogar às manecas no parlamento. Pode ser divertido, mas é politicamente primário.

Carlos Albino
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Flagrante pergunta: Com essa retirada do helicóptero do INEM para Beja, não compreenderam que para este governo, o Algarve não está no mapa e que os algarvios são uns sub-alentejanos?

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

SMS 481. Deputados e proximidade


4 outubro 2012

Temos no parlamento, como se sabe, nove deputados ativos, 4 do PSD, 2 do PS, 1 do CDS, 1 do BE e 1 do PCP. É claro que a atividade parlamentar se mede pela qualidade e adequação das iniciativas legislativas que apresentam, pelo teor das intervenções, pelo impacto dos requerimentos ao governo e pelas repercussões das perguntas que formulam sobretudo aos ministros.  Além disso, para o perfil de cada deputado também conta o nível de trabalho em comissões, o valimento das deslocações que fazem, os dotes que comprovam possuir quando são eventualmente nomeados como relatores e também a perspicácia  e grau de conhecimentos que revelam nas audições em que circunstancialmente são envolvidos. O registo de tudo o que fazem vai constando exemplarmente no site oficial da Assembleia da República onde só não constam porque não podem constar podem constar, os resultados ou a eficácia política da atividade de cada deputado em S. Bento, sendo esta uma matéria do partido a que pertencem e em última análise aos cidadãos que os elegeram e não andam distraídos. Mas isso é S. Bento, havendo outra bitola para avaliação dos eleitos. É a bitola da sua proximidade com os eleitores e para tal têm tempo reservado.

Olhando bem para essas duas facetas do conjunto que o Algarve despachou para S. Bento, de modo geral o panorama é politicamente pobre para não dizer paupérrimo.

No que toca à azáfama em Lisboa, pode um ou outro apresentar um comboio de iniciativas legislativas, mas não passam de iniciativas de paus mandados, com a assinatura para fazer número; pode este ou aquele invocar um sem número de perguntas e de requerimentos, só que, além de impacto político escasso ou nulo, a grande percentagem de tais perguntas sem resposta e de tais requerimentos que nem aquece nem arrefece o requerido, não ultrapassa matéria própria de assembleia de freguesia soando a ridículo e a reles interesse eleitoraleiro numa Assembleia da República – só falta aparecer um requerimento para a substituição da lâmpada de 25W naquela rua sem nome do Cachopo . E quando se trata de intervenções de fundo em plenário, é a voz do dono conforme o chefe do momento. 

No que toca à proximidade com os eleitores, está à vista desarmada. Claro que um u outro deputado de vez em quando toca nas grandes causas mas pegando-as de cernelha se são afetos ao poder ou fazendo pegas de caras desajeitadas se são da oposição. Por isso mesmo, a proximidade fica-se nas pequenas causas e, nestas, ou é encenação montada para se ser visto, e não para ouvir, indagar e auscultar quem tem razões fundamentadas dando-lhes seguimento, com vista à iniciativa legislativa, ao requerimento doa a quem doer ou à pergunta com resposta polticamente obrigatória e rápida, dando prova de que um deputado em Lisboa, seja ele do partido do poder ou da oposição, não é um verbo de encher e um pobre sortudo que veio da província e já tem mais do que esperava ou contava ter pelo que convirá não descarrilar.  

Carlos Albino
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    Flagrante défice mental: Corre nos círculos bem informados, que foi a troika que obrigou o governo a inaugurar a escola de Martinlongo, 13 anos depois de estar a funcionar em pleno, pois o facto de uma coisa abrir sem ser inaugurada e ser inaugurada para continuar aberta, contribui para o agravamento do défice mental.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SMS 480. Pequeno aviso, grande advertência

27 setembro 2012

As manifestações de 15 de setembro foram uma surpresa para todos: os que, desta ou daquela maneira, a promoveram não contavam com a grandeza da adesão, e os destinatários do protesto (poder e partidos que o suportam) também faziam outras contas. Assim foi em todo o país, não sendo o motivo de alegrias mas de tristeza e repulsa pela falta de palavra política e pelo abuso político. E no Algarve, que sofre o maior desemprego, sente a maior insegurança do país e engole o maior desdém do governo por uma região, onde também se registou uma das maiores provas públicas de sempre (em Faro, Portimão e Loulé) também há conclusões a tirar, quer pelos promotores, quer pelos destinatários.

Quanto aos promotores, não só não podem nem devem ir além do que a manifestação foi – inegavelmente um estrondoso protesto cívico –, como também terão de concluir que os que encheram as ruas não foram atrás da folclorada, ou seja, não foi uma manifestação de tachos e caçarolas, foi uma manifestação de almas doídas e de protesto contra a política que rasga compromissos, oculta entendimentos e e que em vez de entregue a gente madura e séria, parecerá entregue a adolescentes tardios e a rapazolas. Portanto, os promotores não podem pensar em cantar hinos do tipo de até à vitória final, porque a esmagadora maioria dos que foram para as ruas não o fizeram para cantigas – foram para a rua não como um meio mas como um fim.

Quanto aos destinatários, nenhum deles pode deixar-se tentar pela ideia de que o alvo dos manifestantes foi o vizinho do lado, e não é só o poder ou os partidos do poder que, numa prova de inteligência e sobrevivência política, podem e devem tirar ilações, mas também os da oposição. As manifestações excederam em muito as contas porque as pessoas não se sentem capazmente representadas como as fizeram acreditar que estavam no atual sistema político. As vozes que elegeram para as representar ou lhes soam a engasgadas, ou engasgam-se por comprometidas, ou até mesmo correspondem a bocas que politicamente nada valem ou valem menos que uma casca de amêndoa e nem para espantalhos de pardais servem. Foi para estes mesmos destinatários – todos, sejam os do poder esquecidos já do que prometeram quando eram oposição ou os da oposição que julgam que toda a gente se esqueceu das fanfarronices de antes de ontem – que a manifestação algarvia foi também um pequeno aviso e uma grande advertência.

Pequeno aviso - o de que a sociedade não está cega, surda e muda. Grande advertência - a de que haja uma mudança de práticas políticas para que eventuais avisos seguintes não sejam maiores ou, para além de inorgânicos, incontroláveis frutos do desespero que já é um grande pomar.

Carlos Albino
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    Flagrante antevisão: Possivelmente as próximas autárquicas não vão ser como até aqui – coisa controlada quase exclusivamente pelos partidos. Assim por exemplo, um reconhecível ladrão que se atreva a concorrer...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

SMS 479. As pessoas não aguentam

13 setembro 2011

Coincidiu que a democracia em Portugal se converteu em rotina precisamente quando a Europa entrou na nossa rotina. E assim foram sendo eleitos primeiros-ministros em função dessas duas rotinas coincidentes, cada qual eleito por dizer cobras e lagartos do anterior e quanto mais melhor mesmo que de forma perversa, explorando a esperança dos eleitores e quase por regra abusando da sua crença. Cada eleito, até este último inclusive, foi-se apresentando como salvador da pátria e do mundo, fama essa que também por regra foi durando seis meses, quando muito um ano, período esse durante o qual também foi tolerável que cada novo eleito atribuísse ao deposto o mal e a caramunha.

Só que os eleitores foram assistindo até à exaustão, a este jogo do empurra e das ambições, estado de exaustão em que a maioria dos votam hoje se encontra. O eleitor está exausto dos que prometem uma coisa e fazem outra completamente diferente ou que executam o que juraram nunca fazer; está exausto dos jogos para atingir apenas o poder e depois mantê-lo ao serviço de quem está por trás do reposteiro e que nunca soube estar noutro sítio; está exausto dos que ganham as pessoas com a cantiga de que primeiro estão as pessoas mas que rapidamente escolhem as pessoas para o tiro ao alvo; está exausto dos escândalos de toda a ordem e cujos autores por aí andam com caras de anjinhos como se nada tivesse acontecido; e já está tão exausto que não diz sequer que está exausto, ficando o eleitor pura e simplesmente calado, sem acreditar seja em quem for e sem esperança. E então o que resta? Resta um terreno propício para o exercício autoritário do poder, sem oposição que seja capaz de o fazer tremer, e rodeado de clientelas que sugam o Estado como a formiga-branca suga a madeira de cuja ação só nos damos conta quando estala a pintura. Ora, deixando-me de abstrações, tenho que dizer que, depois dos outros três que emigraram, assim se chegou a Pedro Passos Coelho que está a estalar a pintura, porque as pessoas estão exaustas e não aguentam mais.

Carlos Albino
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    Flagrante irresponsabilidade: A de decapitar direções próprias das escolas, deixando-as ao deus dará ou ao sabor dos dedos de quem recebeu o telecomando.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

SMS 478. Quarteira perdoa


6 setembro 2012

Durante anos e anos, Quarteira foi usada como símbolo do desvario urbanístico e do caos imobiliário em todas as crónicas e croniquetas. Até o projeto turístico do Alqueva chegou a ser apresentado como um paraíso onde o erro de Quarteira não teria lugar. Gente que nunca pôs os pés em Quarteira ou que apenas por lá esteve de passagem há trinta anos, ainda hoje, quando lhes dá jeito meter na prosa um exemplo do inferno, lá recorrem ao símbolo que se lhes meteu na cabeça como um quisto. Ora, não é assim. Quarteira não é propriamente um milagre das rosas mas para quem conheceu a terá ainda como póvoa de pescadores, depois a viu crescer desnorteada, assistiu ao enorme esforço de requalificação e hoje a vê como uma cidade esplendorosa com o mar por vizinho à mão como poucas, só pode concluir que se não houve milagre, parece. Na verdade, contrariamente ao que diz o poeta, ali em Quarteira Deus quis outra coisa, o Homem corrigiu e a obra nasceu. O longo passeio público marítimo, o conhecido calçadão, é a qualquer hora dádiva da natureza e milagre de convivência humana; nas avenidas que deram novo traçado à terra respira-se paz; o que era alto ficou disfarçado e o que sempre foi baixo ficou integrado; desapareceram os apartheids, o apartheid dos ricos a poente e os apartheids dos pobres e remediados , de tal forma que se a justiça social não fosse perturbada pelos diabos que Deus quis com o rei na barriga, ali o Homem parece sempre sonhar e a Obra sempre a nascer. É uma cidade esplendorosa, símbolo de um Portugal corrigido pela determinação, generosidade e visão de poderes eleitos.   É uma terra onde se pode ir e estar. Há poucos exemplos de milagres como o de Quarteira, apetecendo dizer à cidade: “Quarteira perdoa a quem não te viu como estás e que fala de ti não sabendo como és. Perdoa.”

Carlos Albino
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Flagrante geografia política: Para este governo, o Algarve não deve já constar no mapa do País.