Vamos em 38 anos de democracia, já elegemos deputados vezes sem
conta, pelo que seria quase ridículo lembrar que um deputado é, antes de tudo,
porta-voz da população na Assembleia da República, que deve responder e dar corpo
aos anseios e necessidades dos seus eleitores e que por isso mesmo compete-lhe
procurar respostas legislativas para os problemas deste mundo e não do outro
mundo. Seria ridículo lembrar isto se os deputados, a começar pelos cá da casa,
assim tivessem procedido e não, como tem sucedido, assumirem posição inversa,
ou seja, a de porta-vozes do governo se são do partido no poder ou do diretório
central da oposição se são da oposição. Um deputado do poder não tem que
explicar à população medidas do governo, tem que ouvir a população, e um
deputado da oposição não tem que espicaçar os eleitores para a luta superior do
seu partido, tem, sim, é que ouvir os mesmos eleitores para que a oposição seja
coerente, idónea e, já agora, alternativa credível e não mero fruto das
circunstâncias. Portanto, ser deputado não é uma profissão de carreira, é um
serviço que deve ser prestado por um contrato solene com os eleitores. Ser
deputado não é ir para Lisboa e iniciar uma carreira que pode dar em ministro,
em secretário de Estado, outro grande cargo, ou, nessa impossibilidade, viver
uma vidinha de funcionário de corte política cumprindo disciplinarmente os
deveres partidários a troco de privilégios e de um razoável salário de
lealdade. E por isso mesmo, um dos seis deveres que decorrem do seu estatuto é
precisamente o de “assegurar o indispensável contacto com os eleitores”. Para
tanto, o regimento parlamentar reserva-lhe as segundas-feiras, todas as
segundas-feiras que, para cada deputado não são portanto “dias livres” mas dias
a preencher com o trabalho de ouvir e registar aquilo que as populações têm a
dizer.
Vem isto a propósito dos deputados do PSD cá da casa terem
anunciado a promoção de “nova ronda de atendimento de eleitores” em três
sábados deste mês de dezembro – dia 8, Elsa Cordeiro em Tavira e Pedro Roque
(Portimão), a 15, Cristóvão Norte em Faro, e a 22, Mendes Bota em Loulé. Dos dois do PS e dos outros dois do BE, do
PCP e do CDS, não se sabe se fazem também alguma nova ronda nuns sábadozinhos,
é possível que sim, é possível que não. Não está em causa que os deputados
troquem a segunda-feira pelo sábado para atenderem eleitores, o que releva é
que parece ser um ato excecional aquilo que devia ser normal e rotina, seja ao sábado
por conveniência de deputados e eleitores, seja às segundas-feiras, todas as
segundas-feiras por força do dever indeclinável e regimental dos deputados, de
cada um dos deputados. Vamos em 38 anos de democracia e só não é ridículo
lembrar que esse dever devia ser uma rotina, porque passam as semanas, os
meses, anos e anos e o que mais se tem visto e observado não é o cumprimento do
dever de ouvir o que populações têm a dizer ao governo, mas, volta e meia, uma
espécie de direito dos deputados a juntar eleitores para lhes explicar ações do
governo ou espicaçá-los para os cálculos de oposição – o contrário do que devia
ser e daquilo para que uma democracia é feita. Em todo o caso, mais valem três
sábados que nenhuma segunda-feira.
Carlos Albino
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