quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

SMS 491. Pés de guerra

13 dezembro 2012

No fundo, para além da papelada, dos belos objetivos gerais e dos defensáveis objetivos específicos, dos cronogramas e dos anexos que são o principal do filme, quanto à chamada reforma das juntas de freguesia, vira o disco e toca a mesma música. Mais ou menos, fica-se como há uns anos atrás, esquecidos já que estamos do populismo e do eleitoralismo que semeou freguesias, para não se falar da sementeira de concelhos em grande parte falhada mas a que não eram, alheios interesses imobiliários e outros dos promotores, servindo-se de uns tantos ingénuos, de outros tantos distraídos mas também de muita gente de boa fé que, por isso mesmo, não lhe é dado perceber o que está por trás das causas difusas. Nem sempre foram intuitos genuinamente democráticos a basear tais movimentos alinhavados pela exacerbação do localismo. Em todo o caso, a dita reforma, aí está, resumindo e concluindo, com um vasto leque de “uniões de freguesias”.

Em boa parte dos casos, deixando-nos de figuras de estilo, trata-se de anexações e em bastantes tais uniões de freguesias, o poder é nómada, anda com a casa às costas de quatro em quatro anos, rotativamente, ora somos nós, ora são vocês. Portanto, a reforma não parece ser do território, mas do mando ou do comando, como se queira, haja anexações ou o poder local ande como as caravanas dos que falam caló. No intuito de reduzir o número de freguesias, reduzem-se apenas os comandos, criando-se reinados temporários e, não se deseja isso, mas é de prever que a cada eleição corresponde um pé de guerra.

Uma reorganização do território, se é isso que se pretende, deveria começar pela regionalização, com o Estado a transferir o que há muito deveria já ter transferido para os administrados. Mas não, o Estado preferiu manter a sua pesada rede de direções regionais e de delegações ao mesmo tempo que estimulou um municipalismo anti-regionalista e agitou o caleidoscópio colorido das freguesias onde cada presidente, outrora regedor, se foi habituando, tanto quanto possível, à ideia de que era chefe de governo proclamando em muitos casos fronteiras ridículas com placas não menos ridículas, além da promoção das excursões a Fátima e de outros trajetos que sempre dão votos. Naturalmente que o sistema não poderia funcionar sem ser excessivamente oneroso e sem que criar uma ampla teia de burocracias inúteis, repetidas e de jogos de empurra das câmaras para as freguesias e das freguesias para as câmaras, que foram deixando o cidadão comum cada vez mais atónito, descrente e, por defesa, também cada vez menos participativo. A democracia local viveu à custa das obras e do fogo de vista, o que, em abono da verdade, castrou os sentimentos de região, delapidou acervos seculares de identidade e quebrou figurinos de comunidade em que território, cultura e desenvolvimento deveriam ser denominadores comuns e não mantas de retalho com cada um a puxar para o seu lado. E foi assim que se adiou o Algarve com o fomento de algarvezinhos.

Carlos Albino
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    Flagrante estratégia: Em alguns municípios, quem vier a seguir que apague a luz que quem a acendeu já se safou.

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