No fundo, para além da papelada, dos belos objetivos gerais e dos
defensáveis objetivos específicos, dos cronogramas e dos anexos que são o
principal do filme, quanto à chamada reforma das juntas de freguesia, vira o
disco e toca a mesma música. Mais ou menos, fica-se como há uns anos atrás,
esquecidos já que estamos do populismo e do eleitoralismo que semeou
freguesias, para não se falar da sementeira de concelhos em grande parte
falhada mas a que não eram, alheios interesses imobiliários e outros dos
promotores, servindo-se de uns tantos ingénuos, de outros tantos distraídos mas
também de muita gente de boa fé que, por isso mesmo, não lhe é dado perceber o
que está por trás das causas difusas. Nem sempre foram intuitos genuinamente
democráticos a basear tais movimentos alinhavados pela exacerbação do
localismo. Em todo o caso, a dita reforma, aí está, resumindo e concluindo, com
um vasto leque de “uniões de freguesias”.
Em boa parte dos casos, deixando-nos de figuras de estilo, trata-se
de anexações e em bastantes tais uniões de freguesias, o poder é nómada, anda
com a casa às costas de quatro em quatro anos, rotativamente, ora somos nós,
ora são vocês. Portanto, a reforma não parece ser do território, mas do mando
ou do comando, como se queira, haja anexações ou o poder local ande como as
caravanas dos que falam caló. No intuito de reduzir o número de freguesias,
reduzem-se apenas os comandos, criando-se reinados temporários e, não se deseja
isso, mas é de prever que a cada eleição corresponde um pé de guerra.
Uma reorganização do território, se é isso que se pretende, deveria
começar pela regionalização, com o Estado a transferir o que há muito deveria
já ter transferido para os administrados. Mas não, o Estado preferiu manter a
sua pesada rede de direções regionais e de delegações ao mesmo tempo que
estimulou um municipalismo anti-regionalista e agitou o caleidoscópio colorido
das freguesias onde cada presidente, outrora regedor, se foi habituando, tanto
quanto possível, à ideia de que era chefe de governo proclamando em muitos
casos fronteiras ridículas com placas não menos ridículas, além da promoção das
excursões a Fátima e de outros trajetos que sempre dão votos. Naturalmente que
o sistema não poderia funcionar sem ser excessivamente oneroso e sem que criar
uma ampla teia de burocracias inúteis, repetidas e de jogos de empurra das
câmaras para as freguesias e das freguesias para as câmaras, que foram deixando
o cidadão comum cada vez mais atónito, descrente e, por defesa, também cada vez
menos participativo. A democracia local viveu à custa das obras e do fogo de
vista, o que, em abono da verdade, castrou os sentimentos de região, delapidou
acervos seculares de identidade e quebrou figurinos de comunidade em que
território, cultura e desenvolvimento deveriam ser denominadores comuns e não
mantas de retalho com cada um a puxar para o seu lado. E foi assim que se adiou
o Algarve com o fomento de algarvezinhos.
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Flagrante
estratégia: Em alguns municípios, quem
vier a seguir que apague a luz que quem a acendeu já se safou.
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