quinta-feira, 26 de agosto de 2010

SMS 377. Há demasiado jogo


26 agosto 2010

Já nem se percebe. Num dia, o turismo anda bem, ocupa as camas, enche os aviões, são as percentagens risonhas, um movimento prestes a apagar maus sinais, fora com os ventos da desgraça e da crise nem se fala. No outro dia ou no mesmo dia, isso é aparências, muita parra pouca uva, há muita gente vinda de fora mas que vem de bolsos vazios ou com os euros bem contados, os lucros vão por aí abaixo, enfim que “o setor” não recuperou. E fora do turismo? Num dia, as águas estão como nunca, o ambiente um primor, as medidas foram tomadas por responsáveis cheios de zelo, tudo muito cuidado e vigiado. No outro dia, basta um protesto de pescadores, fica-se a saber que, por exemplo, a Ria Formosa está cheia de lixo, que falta fiscalização da poluição e que as margens daquele paraíso estão aqui e li pejadas de frigoríficos, sapatos e plásticos de todo o género, além de descargas de águas poluídas, o que diga-se de passagem, é magnífico para o setor. Num dia, também por exemplo, não há presidente de câmara que garanta a requalificação urbanística, a limpeza das ruas, a iluminação com que nem Deus sonhou quando pronunciou aquele fiat lux, que não garanta o controlo da poluição sonora e o controlo de todas as poluições. No outro dia, é o que se vê: ruas conspurcadas, cada um na velocidade com o escape que entende gozando da libertinagem, novas e extensas urbanizações de casinhotos uns iguais aos outros sem qualquer bom gosto ao lado de novas estradas já entaladas entre altas placas de absorção de ruídos em fileiras tão extensas quanto as filas dos casinhotos e substituindo a paisagem pelos grafitis, o que é bom para o setor. Num dia, a saúde está num primor para efeitos dos turistas de luxo que, afinal, não abundam por aí além. No outro dia, mal de quem precisa para se certificar da falta de meios e condições, das demoras impensáveis, se não houver recurso a “uma pessoa conhecida”. Num dia, os assaltos diminuíram, a segurança está a voltar, pelo número de queixas registadas “no período homólogo”, a GNR anda em bicicleta. No outro dia, sabe-se que ali houve assalto à mão armada por 400 € e que até houve tiros por sorte ao lado do alvo humano, que houve mais vários roubos de alfarrobas – mas o que é isto para o turista de luxo? Nada - , que houve assalto à tal moradia, à outra e outra cujos dono não estavam nem foram avisados, nem serão ou que nem se queixaram suspeitando do gang mais que sabido e das represálias do gang, o que é bom para o setor, porque situações destas são mais que muitas, no dia a dia. E quanto a incêndios, agora que disso tem havido pouco no Algarve, num dia há autarcas que se apresentam como advogados em causa própria no indisfarçável propósito de capitalizarem dividendos políticos, mas nem no outro dia, por exemplo, reconhecem que o êxito contra os incêndios foi devido ao esforço político da governadora civil em promover a coordenação entre os agentes da Protecção Civil como coisa fundamental e que deve ter suado bastante em apelos para que os autarcas da se coordenassem entre si e assinassem o compromisso, justiça lhe seja feita. Mas já nem se percebe como alguns se esquecem tão depressa de um dia para o outro – há demasiado jogo.

Carlos Albino

    Flagrante esquecimento: O de Sagres. Há políticos que deveriam fazer mais do que tirar fotografias à maravilha.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SMS 376. E o que fica depois disto?


19 agosto 2010

Volto à vaca fria. Sim, senhor, por via do Programa das Experiências que Marcam, tem havido e vai haver coisas “clássicas”, mais ou menos “jazz”, também “pop”, bastante “arte”, igualmente “desporto”, aqui e ali “gastronomia”, ainda a saia larga da “animação”, coisas a que se chama “arte de rua” e também “novo circo”, para não se citar as milhentas “feiras” e os milhentos “festivais” quase todos internacionais. Muito disto em parceria com municípios que podem, com patrocínios de empresas ou organizações que devem se é que não precisam, mas também porque muito disso tinha que acontecer em algum lado, de preferência para dar uso a elefantes brancos.

Mas depois disto o que fica? Fica a memória, por certo, e também alguma recordação, sendo que a memória é curta e a recordação esvai-se. Além de que muito disso é parte de tournées, anda por todo o país e a descida ao Algarve é mera circunstância, em alguns casos bem aproveitada, noutros casos perfeitamente dispensável. No entanto, é a animação que não se contesta por ser animação mas porque, a esse propósito, se chama indevidamente cultura. Contesta-se pois que numa folha A4 se alinhem os eventos, que de eventos se trata, e, dando à cara a aparentemente extensa lista, se chame a isso cultura, se queira dizer que com isso se inunda o Algarve com cultura, e levando o sofisma às consequências pretendidas, com isso, se teime em dizer que o Algarve tem uma política cultural… Claro que não tem nem, nas presentes circunstâncias pode ter. E não pode ter, primeiro porque quem a devia delinear ou teoricamente a poderia delinear, não pode ir além do chinelo; segundo porque os municípios não mostram grande vontade em construir uma agenda cultural do Algarve que ponha em crise autonomias em grande parte provincianas e prerrogativas populistas; terceiro porque nada custa falar horas sobre as indústrias culturais e criativas, mas é já mais difícil convocar os que comprovada e reconhecidamente industriam na cultura e na criatividade, coisas que não são propriamente os jogos florais do Cachopo. E é difícil convocar porque temos alguns mortos e poucos vivos, e os vivos transportam uma crítica que os primeiros, os segundos e os terceiros não suportariam e dela militantemente suspeitam, enquanto há algum dinheirinho.

Vamos bem, caros senhores.

Carlos Albino

    Flagrante antologia: A das colunas cativas dos autarcas. Não perco uma, porque cada uma vem mesmo a propósito, e, em cada uma, não é a comunicação social que “deturpa o que eu disse”…

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SMS 375. O Cine-Teatro que esteve por um fio


12 agosto 2010

E nisto, de repente, lembrei-me de José Mendes Bota. Depois das obras, a fachada está a descoberto, nem interessa ater-me por uns pormenores desinteressantes mas dizem-me, e acredito, que o interior está mesmo muito bem. Em boa hora a câmara de Loulé tomou a iniciativa de remodelar e adaptar ao tempo que corre, o Cine-Teatro que é um dos símbolos da terra e já com longa vida – desde 1930. Mas em diversos momentos esteve por um fio, sobretudo quando a restauração das liberdades públicas faziam crer que não haveria desculpa para ali não haver bom cinema, bom teatro, boas conferências, boas sessões de poesia, boa música, boas óperas até, enfim, um foco de irradiação cultural com audiências interessadas e que nivelasse por cima e não por baixo. E eis que, olhando para a fachada, lembrei-me de José Mendes Bota, mesmo sem saber se no futuro próximo aquela casa vai ser Casa de Cultura ou mero estabelecimento de enchidos como tantos há. Mas porquê José Mendes Bota? Vou contar.

Já lá vão uns anos, ele era candidato à câmara em eleições renhidas. E por acaso, coube-me escrever sobre autárquicas com todo o espaço, naquele tempo em que as páginas dos diários nacionais eram verdadeiros lençóis. E a José Mendes Bota destinei um verdadeiro lençol, com crítica cortante e prosa daquela que os prosélitos numa primeira leitura legitimamente pensaram que era para derrubar. O certo é José Mendes Bota ganhou, foi marcado o dia de posse e tudo fiz para vir de Lisboa propositada e unicamente para assistir ao ato No final da sessão solene, os habituais cumprimentos, a habitual fila por regra composta por ganhadores e caras de vitória fresca com um ou outro com ar de bom perder pelo meio, mas sempre ar estranho em dia de tais festas. Meti-me na fila sem me importar com as caras de mau ganhar ou de bom perder, também com um único propósito – formular um pedido ao presidente empossado. Cheguei ao pé dele e percebi que ele ficou mais perturbado do que eu pelo encontro. Abri o diálogo com o normal e óbvio “venho cumprimentá-lo” e eis que ele, de pronto: “Então você, depois daquele lençol, aqui?” Olhou-me olhos nos olhos e eu olhos nos olhos o olhei, retorquindo: “Foi eleito presidente dos louletanos, acabou a liça eleitoral e venho fazer-lhe um pedido – salve o Cine-Teatro!” Depois de breves momentos de silêncio perscrutante, ele: “Acredite, tudo farei para isso.” Despedi-me com o normal e óbvio “acredito na sua palavra, vamos ver”.

É claro que sabia eu das congeminações ou projetos ou ideias primas-irmãs daquela vitória, para pura e simplesmente derrubar-se o Cine-Teatro para dar lugar a amplo acrescento do mamarracho de 10 ou 12 andares contíguo, ou a outro mamarracho ainda pior, e com isso dando-se uma machadada não só na memória de Loulé mas sobretudo no que de mais apaziguador pode haver na vida coletiva de uma terra – um lugar de Cultura com história, com alguma história pequena que seja, porque sem história não é lugar, é sítio.

Fui acompanhando o caso e pude verificar que José Mendes Bota cumpriu o que prometera e nisso foi determinante, com engenho, remetendo para as calendas a consumação da avidez imobiliária, num tempo em que as câmaras estavam longe de possuir a instrumentação jurídica e política para acautelar interesses públicos. Primeiro com um aluguer de longa duração abrindo caminho à posterior aquisição do edifício, o Cine-Tetro de Loulé aí está, não sem que tenha de dizer um normal e óbvio “obrigado, José Mendes Bota”. Oxalá esse Cine-Teatro seja lugar e não sítio.

Carlos Albino

    Flagrante estupefação: Que outra coisa não pode haver quando um casal que reside em Albufeira me diz que teve de alugar um apartamentozinho em Quarteira para poder ir à praia e ter socego...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

SMS 374. Fartos, fartos de escrever e dizer que…

5 agosto 2010

que ali em Sagres, aquilo não é nem pode ser uma rosa-dos-ventos mas um relógio solar de dois quadrantes e que urgiria estudar com cuidado e rigor, dando sequência ao trabalho mais sério feito até hoje feito nos anos 60 pelo astrónomo José António Madeira.

que mais do que suspeitas, indícios de que a cataplana foi introduzida no Algarve pelos soldados polacos do tempo das invasões napoleónicas e que desertaram – as suas armas estão a ser descobertas, uma hoje, outra anteontem na serra onde terão sido escondidas pelos desertores e vendidas por tuta e meia a colecionadores particulares ou negociantes por vezes sem escrúpulos.

que corridinho e acordeão terão sido introduzidos por essa via ou sobretudo por essa via. O meu saudoso amigo de Alte, José Vieira, chegou a testemunhar-me a sua estupefacção quando, numa ida do seu rancho à Polónia, os polacos cantaram a Tia Anica na sua língua sem prévio ensaio ou aviso.

que a chaminé algarvia a que em crónica aqui no JÁ, vai para 42 anos chamei “estranha arma de ira”, é um belo e inestimável elemento persistente da arquitetura romana e que nada tem a ver com essas visões dos que vêem vestígios árabes em tudo. Chaminé romana proveniente do culto dos deuses Lares que eram de três ordens tantas quanto os orifícios da genuína chaminé algarvia (e não as da Mealhada) feita para servir a lareira por cima da qual outrora existia a “boneca”, sim, vestígio da deusa da casa. Aliás, Carminda Cavaco provou, e bem, a traça romana da casa rural algarvia, mas os estudos deveriam ter ido já mais além para não ficarmos na intuição. A chaminé de quatro águas, secundária e normalmente para servir o forno, essa sim é árabe e encontra-se aí por todo o lado nas adjacências do Mediterâneo, desde o Alentejo à Andaluzia, Marrocos Argélia, por aí fora.

que os castelos do Algarve nada têm a ver com a conquista mas com o casamento de Afonso III, em segundas núpcias, com Beatriz de Castela cuja heráldica incorporou, seguindo os costumes. Nada dessas patranhas das publicações da antiga Mocidade Portuguesa, havendo autarcas que não passaram a leitura daí.

que a população algarvia, em grande parte, tem mais a ver com transmontanos do que com árabes, pois pelo menos ao longo de três séculos, XVI a XVIII como bem responde Romero Magalhães, foram os transmontanos transportados por galegos (que aqui tinham as suas póvoas na costa) que colonizaram e recolonizaram o Algarve, deixando para a posteridade os seus jantares, advérbios, cantares e, sobretudo, os romances, como de resto Teófilo Braga se encarregou de recolher, com pequenas variantes. A natureza não dá saltos e então a natureza cultural não daria um salto sobre Beiras e Alentejo.

que não há meio nem vontade de política para recolocar em Faro pelo menos parte da Biblioteca do Bispado roubada em pilhagem inacreditável mas que orna Oxford como inquestionável acervo humanista onde figura o primeiro livro impresso em Portugal, o Pentateuco impresso por Samuel Gaucon na oficina que possuía na capital algarvia e que, disso, apenas tem uma fotocópia.

muito mais, muito mais, para não chegarmos aos caíques, pois é aqui que devia estar um Museu Marítimo e das Descobertas . Para não dizerem que o Algarve não tem nada. Foi perdendo tudo, o que é diferente e bem pior.

Carlos Albino

    Flagrante engano: Foi inaugurado, em Loulé, um troço de uma variante que é rigorosamente uma auto-estrada de uns cinco ou seis quilómetros mas que parte de um certo sítio que não se sabe bem que sítio é e chega a outro sítio que não se sabe para onde vai.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

SMS 373. Estrelas a rodos


29 julho 2010

Independentemente das ações judiciais e de quem tem ou não razão, se os promitentes-compradores britânicos se a empresa às portas da Quinta do Lago, o caso é chocante. E é chocante não pelos milhões dos apartamentos em causa, muito menos pelo apresentador José Mourinho, mesmo nada por ser PIN a fazer recordar aqueles discursos entusiasmantes de Manuel Pinho, também em nada chocando que a administração reitere, como acaba de o fazer, que o empreendimento “é claramente um produto acima do Hilton”. É chocante pelo número de estrelas.

Na verdade, o anúncio do empreendimento surpreendeu o país: não era quatro, nem cinco mas de seis estrelas! Com tanta estrela, as televisões noticiaram, os jornais repicaram e aquela parte do Algarve que continua provinciana mesmo que dela já façam parte britânicos que, alguns, vão para onde forem, também arrastam o seu próprio provincianismo crédulo porque não são exceção à globalização do provincianismo, regozijou-se com a nova constelação caída dos céus para uma zona classificada como florestal no PDM de Loulé. E então dizia um que pouco daquilo haveria em toda a Europa, ao que outro emendava – qual Europa? A nível mundial! E como tudo isso, é claro, que todos tivemos de acreditar nas seis estrelas, pois hoje já nada se faz sem estudos prévios, sem estudos previsionais, sem pareceres jurídicos ao pormenor para a lei não ficar em crise nuns casos, ou noutros para que legalmente se contorne a lei pelas veredas das lacunas, omissões e doutrinas difusas emanadas de instâncias interpretativas, havendo recurso, nas horas tristes e se a coisa dá para o torto, à invocada crise conjuntural que era coisa apenas imprevisível para quem, na origem das estrelas, já escondia a cabeça na areia.

Sabe-se agora que as referências às seis estrelas foram apagadas da obra e que, pelos vistos, só agora se percebeu que o número de estrelas não é por livre arbítrio, havendo um quadro legal. É claro que não se sabe muito bem porque é que as estrelas foram mal contadas ou se até o próprio ex-ministro Manuel Pinho por lapso contou seis onde estavam cinco, devendo nós ressalvar que, se não houvesse lei para o caso, até concordaríamos em dar sete, nove ou - porque não? - dez estrelas, ou até mais mesmo sem contrapartidas, formais ou informais. Aliás, como o governo, na altura, também ressalvou ao decretar a suspensão do PDM apenas na área do empreendimento, possivelmente fiado nas estrelas…

Carlos Albino

    Flagrante merecimento: Claro que esta homenagem não é autárquica ou, por outras palavras, a levar água no bico, mas 21 anos a fazer um jornal – Carteia - assumidamente local e que sempre resistiu a fazer de capacho autárquico, é obra. Vaz dos Santos, continue com brio.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

SMS 372. Aproveitemos estes dois meses e picos


15 julho 2010

Sim, aproveitem alguns este agosto e setembro que julho vai para o fim para passear pela fresquinha nos areais junto da arrebentação das ondas, para fotografar arribas agora que nenhuma delas se desmorona sem estudo prévio, para refrescar memórias a meio da tarde com os dedos cruzados em alguma esplanada que sirva café que não saiba a cardos, para percorrer nas noites sem ventania algum chão calcetado perto do mar se possível lambendo um gelado que é a melhor forma de evitar brigas nas famílias desavindas, para sonhar de janelas abertas aqueles sonhos que repelem até os mosquitos quanto mais os lobisomens, vampiros e outros títeres voadores que não perdem uma greta para saborear o sangue alheio à falta de sangue próprio, enfim aproveitem alguns estes tempinhos para perceber um monumento que ninguém explica se é que a porta esteja aberta. E que outros também aproveitem estes meses e picos para vender brindes, servir sardinha assada, lucrar alguma coisita com chapéus de palhinha e óculos de sol, compensar dezembro com baldinhos de plástico que calem crianças berradoras, equilibrar janeiro com uns quilitos de camarão assado junto de quem parece querer tirar a barriga da miséria mas a teve sempre farta, fazer esquecer fevereiro com umas camas paralelas mas tão paralelas como todas as outras pois dormir em camas verticais deve ser muito incómodo, enfim, justificar março convencendo que é artesanato o que à pressa se acabou anteontem para ir de feira em feira, e saldar algumas contas de abril com essa laranja toda à beira das estradas grande parte com aquela casca grossa que apenas engana papalvos. Ah! É claro que muitos não podem evitar o sofrimento nestes dois meses e picos, sobretudo perante as palmeiras comidas até ao tutano pelos bezouros, ou, depois do milagre de não ter sido passado a ferro por aquele carro conduzido por um cara de pau a 140 à hora na rua mais digna de civilização da localidade, ou ainda após ter engolido o habitual impropério da tal rapariga de óculos escuros com ar de ministra da Palestina mas que mais não é que rapariga das limpezas da agência bancária. Aproveitemos todos e o melhor possível estes dois meses e picos porque já estamos habituados, e, além disso, as próximas eleições legislativas ainda vão longe, muitos autarcas já não poderão ser reeleitos mas é agora que, sem abrirem demasiado o jogo, devem preparar o salto para outra, embora alguns, à evidência, melhor fariam se aproveitassem este tempinho que falta inscrevendo-se nalgum curso das novas oportunidades – e há um desses cursos, o da cultura geral, que forma excelentes especialistas.

Carlos Albino

    Flagrante advertência: Com provincianos, uma região nunca vai lá e mal de quem adverte pois o provincianismo jamais perdoa quem faz o diagnóstico, tal como o doente que prefere morrer na ignorância da causa.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sete anos de SMS

Poucos deram por isso mas passaram sete anos sobre o dia em que as SMS começaram neste mesmo espaço que é também tempo e vestígio. Foi a 15 de maio de 2003. Obrigado a todos os que desde então ou de ainda agora nos acompanham.

SMS 371. Olhando, medindo e comparando


15 julho 2010

Não é de agora, nem de há pouco mas há muito tempo que a caixa de correio se me enche desmedidamente às quintas e sextas. Não, não é pela publicidade gratuita mas pelos jornais locais e regionais um pouco de todo o país. Alguns mesmo, são os principais ou os mais vivos, intervenientes e, portanto de referência, independentemente do número de páginas ou da roupagem. A maior parte desses jornais vêm-me parar às mãos por deferência, bastantes por mediáticas cumplicidades antigas, alguns deveras por gratidão em função de ajudas, colaborações esporádicas ou, caso mais frequente, por ensinança, coisas que de modo geral para a imprensa loca ou regional fui fazendo ao longo da vida sem qualquer contrapartida e ainda assim é hoje. Mas porquê esta conversa? É que dei por mim não tanto a folhear e a ler na diagonal cada um desses jornais de toda a semana passada acumulados na caixa do correio, mas a compará-los uns com os outros, em três áreas de interesse, não quanto à forma mas quanto ao conteúdo: editoriais, noticiário próprio e publicidade. E sobretudo nesta área da publicidade ocorreu-me comparar, com mais pormenor, o grosso dos jornais lá de cima com os do Algarve. Rapidamente cheguei a uma conclusão para qual não é preciso grandes dotes, enorme esforço e muito menos correr-se o risco de cansaço cerebral: a publicidade dos jornais locais e regionais lá de cima, sobretudo os oito ou nove principais e que não vivem adventiciamente de ou para esquemas esquisitos, refletem a sociedade onde se inserem e servem, desde a publicidade colocada diretamente pelas autarquais e empresas locais, até aquela mesma publicidade colocada pelo cidadão comum, seja a da oferta ou da procura de serviços, seja a da mera prestação de informação social como é o caso da necrologia. E, para comparar melhor o fenómeno, medi com mais atenção dois desses jornais, um do Oeste (a Gazeta das Caldas) e outro da Beira (o Jornal do Fundão) comparando-os com os dois melhores jornais regionais do Algarve que não andam em barrigas de aluguer, não porque me repugnem as barrigas mas apenas porque as barrigas desvirtuam a avaliação própria do jornal alojado, sobretudo em matéria de publicidade que nunca se sabe. Mas que diferença lá em cima com aqui em baixo! Lá em cima, autarquias, empresas e serviços marcam presença nos jornais como que por necessidade e para eficácia; cá em baixo, não levem mal e aceitem mil desculpas se estamos em erro, a publicidade é colocada, pelo que parece, ou por favor e caridade patrocinadora, ou à espera de encómio adequado nem sempre discreto, ou como contrapartida para campanha sem convicção e por vezes para fogachos pessoais. E interrogo-me: como é que os jornais no Algarve podem sobreviver? Melhor: como é que o Algarve e os algarvios querem ter jornais? É que medindo e comparando bem, autarquias, empresas e cidadãos cá em baixo, na sua relação com os jornais cá de baixo, imitam e fazem o mesmo que as agências funerárias, no género – «Morreu alguém? Para que isso se saiba, basta colar fotocópias do morto em cada esquina e em placards sem taxas e sem IVA, que a família do morto paga!» Pois tenho que dizer: no Algarve, quer o Jornal do Fundão quer a Gazeta das Caldas, seriam jornais impossíveis, não por falta de apoios e ajudas mas por diferenças nas mentalidades e procedimentos entre lá em cima e cá em baixo, como se verifica logo folheando as agendas municipais cá de baixo. Isto da sociedade algarvia não se refletir nos seus jornais, dói.

Carlos Albino

    Flagrante interpelação: O Algarve tem deputados a mais ou deputados a menos?

quinta-feira, 8 de julho de 2010

SMS 370. A 125? Há seis anos ninguém ligou


8 julho 2010

Foi em 16 de dezembro de 2004 que a nossa mensagem curta n.º 84 trazia este título: Uma Avenida Metropolitana para todo o Algarve… Vai para seis anos, portanto. Confesso que tive a esperança de que a ideia fosse aproveitada por algum amante do Algarve mas sobretudo decisor ou influenciador, e secundada pelos amadores. Confesso que tive a vaga esperança de que os autarcas se mobilizassem, de que os dirigentes políticos assumissem a ideia, e de que, enfim, o Algarve se mexesse em vez se ficar à espera do trem e do sábado que vem. Mas não, ninguém ligou, e nem mesmo quando o governo avançou com a ideia da requalificação da 125, ninguém levantou um dedo, sabendo-se que tal requalificação não é da estrada mas sim requalificação de gabinetes de arquitetos, de engenheiros e de construtoras. Julgo que ninguém levantou um dedo porque toda a gente se acomodou na ideia de que a Via do Infante sem portagens era um dado adquirido e de que a Via do Infante continuaria até todo o sempre como a via rápida e única de travessia do Algarve, e até porque não houve político que tenha sido eleito ou nomeado para mordomia que não tenha feito essa promessa que alguns até entoaram como profissão de fé.

Justifica-se repetir esse apontamento de 2004, para que o leitor conclua:

Boa ideia, a que ouvi de Horácio Neves, o editor e director da Brasilturis (para quem não sabe, a maior publicação de turismo do Brasil). Estávamos a evocar José Barão e eis que ele salta com a proposta de se transformar a Estrada 125 que atravessa a Província Algarvia, numa avenida – precisamente a Avenida Metropolitana do Algarve. Na verdade, em muitos pontos, a 125 e derivados (os apêndices da 125 vão de 1 a 9) já não é mais nem menos do que ruas de comércio, trabalho e residência, movimentadas ruas às quais é crime chamar estrada. A ideia de Horácio Neves vem a matar e julgo que é uma daquelas ideias galvanizadoras, um projecto integrador de que o Algarve precisa como de pão para a boca e pelo qual vale a pena terçar armas. Os Municípios envolvidos – 12 dos 16 que integram a Área Metropolitana – se quiserem, podem concretizar a ideia não porque essa avenida venha a ser a maior da Europa mas porque retiraria o Algarve do beco onde possivelmente já está ou para onde caminha se não houver uma ideia salvadora. A transformação da 125 em Avenida pode ser um daqueles desígnios muito mais significativos do que D. Afonso III ter conquistado castelos aos mouros… Portanto, Macário Correia deve anotar isto na agenda. Deixemo-nos disso que caiu em folclorada do «Não às Portagens» e tratemos é desta boa ideia que, por tão boa, é a melhor resposta ao ministro António Mexia e ao senhor que se segue que não deve ser muito diferente do que o antecedeu. Está nas nossas mãos.

Recusar uma ideia destas tem perdão? Não tem. Ponham a mão na consciência.

Carlos Albino

    Flagrante refúgio dos bandidos: Reconhece-se agora abertamente que parte apreciável dos bandidos que assaltam, roubam e atacam, vêm de Espanha e que, depois de cada façanha, ao refúgio de Espanha retornam. As autoridades de um e do outro lado, sabendo disto, não agem? Ou será que as queixas de um lado não comovem o outro lado?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

SMS 369. A única Via que o Algarve tem


1 julho 2010

Vamos por pontos:

1 – A Via do Infante, em grande parte, não custou um cêntimo ao estado e a pequena parte que custou mais não é do que o retorno de uma décima milionésima parte do lucro que o Algarve tem dado ao mesmo estado. Além disso, ficou barata: absorveu as montanhas de escórias de Sines tornando-se por isso, em largos troços, na via mais barulhenta da Europa.
2 – Estrada de 3 vias esticada com engenho para 4, a Via do Infante foi uma solução para a EN 125 pois esta 125 não foi planeada para a região mas feita para ligar terra a terra, aos ziguezagues, na época da mula e das duas camionetas da EVA, quatro automóveis de Faro para Portimão, duas cucciolos de Olhão, duas de Sachs para Loulé e o resto a pedal quer no Parchal quer do Patacão. E com tanto turismo, foi um crime ter-se deixado que a 125 se transformasse na Estrada da Morte, após décadas de fino lucro do estado com o mesmo turismo.
3 – Largos trajetos da Estada da Morte foram sendo anulados consoante os bochechos da Via do Infante, transformando-se praticamente em ruas com restaurantes de grelhados e casas de toldos à esquerda, vendedores de automóveis e de materiais da construção civil à direita, separadores de arame ao centro com casas de móveis de um lado e outro, rotundas volta e meia com setas para paraísos da imobiliária, tudo menos uma estrada de ligação longitudinal do Algarve que nunca foi mas isso fazia de conta. Entusiasmadas pelo progresso, as câmaras concederam licenças atrás de licenças, os clandestinos legalizaram-se, as finanças do estado agradeceram (e de que maneira!) e a estrada, hoje, é uma feira de quilómetros e quilómetros. É verdade que a 125 deixou de ser a Estrada da Morte mas isso aconteceu apenas porque a Via do Infante passou a ser a única estrada de travessia do Algarve, sem alternativas e nada tendo a ver com a lógica da rede de auto-estradas do Minho, do Douro e das Beiras, também não tendo comparação com os descampados do Alentejo – a Via do infante, na hora que passa, é a única via possível, a única utilizável e a única que serve e o próprio conceito de SCUT que se lhe aplicou foi um erro político de entendimento. E aqui é que bate o ponto.
4 – A anunciada mas muito atrasada requalificação da EN 125 mais não será do que a requalificação da Estrada da Morte – requalificará mais a morte que a estrada pois a 125, tal como nasceu e para o que serviu, não tem emenda. Talvez até ficasse mais barato uma estrada nova, embora esta tenha ficado inviabilizada pelos erros de traçado da Via do Infante por efeito daquela pressão de meia dúzia de fundamentalistas do ambiente que são os que mais conspurcam às escondidas o ambiente humano.
5 – Mesmo com a promessa da morte requalificada, a 125 deixou de ser estrada, e se voltarem a empurrar o trânsito para aí, por mais rotundas e traçados de emenda que arquitetos e construtoras adoram, a mesma 125 será, sim, a Estrada do Genocídio com palmeiras e rotundas. É só esperar pela pancada.
6 – Introduzir portagens na Via do Infante é, além de injusto, uma violência e um abuso, porque essa estrada numerada como A 22 não é uma entre outras auto-estradas que o Algarve tem, é única via de que a região dispõe – é uma via que o estado tardiamente construiu com dinheiros dados ou repostos com maus modos e ainda assim aos bochechos (é 22 mas terminou depois da 48). E, além disso, é auto-estrada por acaso porque foi pensada para estrada de três vias por gente dos gabinetes em Lisboa a justificar que “O Algarve não precisa mais do que isso”.
7 – É preciso dizer Não a isso.

Carlos Albino

    Flagrante falta de zelo: Diz a Câmara de Loulé que atuou no património da Praia do Trafal “por falta de resposta das entidades com responsabilidade direta nesta área”. Mas que novidade! O Algarve não é local para sinecuras?

quinta-feira, 24 de junho de 2010

SMS 368. Os maus da fita


24 junho 2010

E como estamos em época de crise e de forçada poupança, lá vem outra vez a história dos governadores civis como se fosse com a extinção deste cargo (18 titulares) que alguma salvação viria para as finanças públicas. Quem reclama a extinção sabe, lá bem no fundo, que a poupança é irrelevante e que manter ou não o cargo de governador civil é coisa meramente simbólica, primeiro porque o cargo é simbólico e segundo porque cada figura que o exerce simbólica é. O cargo é simbólico do centralismo (que é o sistema, haja ou não governo civil) e as figuras simbólicas são da mordomia política acrescida de alguma relevância protocolar que, além das polícias, pouca gente sente e, se sente, é por deferência civilizada. Na dependência hierárquica do ministro da Administração Interna e com equiparação a secretários de estado, os governadores civis obviamente que não obstáculos à regionalização, embora sejam os braços mais emblemáticos do centralismo, como de resto emblemáticas são desse mesmo centralismo as dezenas de direcções, delegações e agências regionais que mascaram uma descentralização que não há e dissimulam uma desconcentração faz de conta, cada uma delas apresentando-se por sua vez como governozinho civil gozando a vida à custa do mau da fita que é esse governo civil assumido. E por aí sim, seria pelas direcções e delegações regionais que de regionais nada têm que a poupança deveria ser feita, até porque se suspeita que no seu conjunto esteja já a ser mais dispendiosa do que uma efetiva regionalização. No Algarve, por exemplo, o que se ganha com a extinção do governo civil, mantendo uns 40 governozinhos civis (parece que João Soares contou 48...) que, não raras vezes, são mais intratáveis que o simbólico e intratável Terreiro do Paço? Até porque, também não raramente, o governo civil é a única defesa de proximidade perante as 40 prepotências que nos cercam e que, algumas, em termos de mordomia, fazem elevar o governo civil aos céus.

Carlos Albino

    Flagrante promoção: Se chamam a isto promoção do Algarve, cá dentro e lá fora, é uma grande promoção a juntar à animação que é um provincianismo que soma e segue.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

SMS 367. Assim se vê a força de você


17 junho 2010

Olhando para as atividades dos deputados eleitos pelos eleitores algarvios, o panorama é confrangedor. As iniciativas respeitantes cá à terra, são escassas; os requerimentos, salvo um ou outro, são como lã para encher almofadas e por vezes não passam de pretextos oferecidos ao requerido; as perguntas, em grande parte, parecem ser do âmbito de assembleias municipais ou menos do que isso – de assembleias de freguesia; quanto a nomeações de relatores, contam-se pelos dedos os de assunto com peso e interesse direto e útil para a região; quanto ao trabalho em comissões, parlamentares, é o cumprir de agenda e pouco ou nada mais; quanto a intervenções em plenário, pouco há a registar, mesmo nas matérias que à partida estariam talhadas para galvanizar o debate público na região (público, e não meramente o que serve ao jogo partidário); sobre atividade em delegações permanentes ou eventuais, há por aí bastante turismo político lá fora e cá dentro mas que também pouco ou nada tem a ver com o Algarve; quanto a audições e audiências, é uma pobreza de agenda; quando a deslocações, não levem a mal, mas as que ao Algarve dizem respeito, parecem missões de escuteiros. É claro que há deputados com muito mais parra que outros e outros alguma uva, independentemente da parra. Mas o panorama é confrangedor e, com algum tempo e paciência (mais paciência que o tempo), iremos apreciar cada um dos eleitos que estão em funções, pois a cada um eles poderemos dizer: «Assim se vê a força de você...”

Carlos Albino

    Flagrante convicção: A de que, em matéria de publicidade na imprensa regional, há por aí suficientes indícios de favorecimento resvés a tocar no ilícito ou a pôr em crise as boas regras da livre concorrência. Nota-se à vista desarmada e pode vir a dar muito mau resultado.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

SMS 366. Três Presidentes


10 junho 2010

Do nosso sítio, até hoje, saíram três algarvios para a Chefia do Estado. Um, o País conhece mais ou menos bem – Teixeira Gomes. Outro, foi esquecido ou pelo veneno do costume ou pela intriga que já é hábito – Mendes Cabeçadas. O terceiro, ainda está sob escrutínio mas já deixou suficiente rasto – Cavaco Silva. O primeiro, Teixeira Gomes, renunciou porque não quis ser o "senhor da cana verde", como ironicamente descreveu a situação em que as elites republicanas o colocaram. O segundo, figura-chave da implantação da Repú¬blica, é verdade que esteve na Presidência escassos 26 dias, mas essa brevidade foi um mero pormenor – ele podia ter estado ou tentado estar por muito mais tempo se, com abnegação, não tivesse querido evitar uma guerra civil sem precedentes, sendo esta a sua opção a troco de um negociado Carmona. O terceiro, cumpriu praticamente um mandato e, pelo já se viu, também não estará muito afim a que o transformem em "senhor da cana verde" ou presidente ao serviço de uma qualquer facção, e pode ou não vir a submeter-se a sufrágio para um segundo mandato, mas apesar dos altos e baixos, o País já lhe reconhece contributos para alguma serenidade e equidistância entre gregos e troianos. Quanto ao primeiro, Teixeira Gomes, Portimão encabeça um programa de evocação nacional, sem grande espalhafato mas com dignidade e até estímulo ao estudo da figura e da obra, pois teve obra - no entender de muitos, e estamos aí, foi um dos grandes estilistas da língua pois a forma como descrevia fosse o que fosse, cativa com perenidade. Quanto aos dois restantes, Loulé expôs as biografias no que uma biografia pode sugerir ou ter de espectáculo da história, muito embora Cavaco Silva possa falar de si e Mendes Cabeçadas já não. É claro que a renúncia de Teixeira Gomes, hoje, pode pôr o País a pensar duas vezes sobre se deseja ou se será aconselhável que a história se repita. Sobre o mandato de Cavaco Silva, sem dúvida que todos – os que o publicamente o apoiaram ou não, como foi o meu caso – gostariam de usar a máquina do tempo e dando um salto artificial de 50 ou mais anos, apreciá-lo num passado longínquo, mas não temos esse dom pelo que temos que avaliar a atualidade na atualidade. E quanto a Mendes Cabeça¬das que pertenceu ao grupo que romanticamente acreditou numa "regeneração democrática" e onde estavam figuras cimeiras da intelectualidade portuguesa da década de 20, tão cedo dela se desiludiu com o galopar do regime autoritário, como logo se transformou em figura cimeira e de referência incontornável da oposição democrática, pelo que o próprio regime autoritário o sacrificou tanto a ele, Mendes Cabeçadas, como a todos os que acreditaram por uns momentos breves na "regeneração de¬mocrática", tais como Fidelino Figueiredo, António Sérgio e Fernando Pessoa, para se citar alguns.

Carlos Albino

    Flagrante vazio: Não é? Cada um à sua maneira finge mas há um enorme vazio, com responsáveis públicos, por aí, a não se darem conta da sua superficialidade. O que até confrange.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

SMS 365. Há elites, não há escol


3 junho 2010

A propósito do apontamento da semana passada, fizeram-me várias observações, algumas em tom de reparo, por aqui se ter insistido nessa evidência de que o Algarve não tem uma liderança regional, sem que se tivesse adiantado um linha sobre o que será uma «liderança regional», as condições para que seja isso e as características dessa entidade... Limitámo-nos a referir não basta liderar a fração regional de um partido para automaticamente se ascender a esse patamar de liderança política regional, mesmo que tal fração partidária seja eleitoralmente esmagadora. É claro que toda a gente sabe isto, mas é sempre bom recordar isso porque dessa confusão tem resultado o erro político do Algarve, por certo erro incontornável porque a confusão é também círculo vicioso.

Numa ditadura, ou, em palavras mais amenas, num regime autoritário, não é coisa muito difícil que uma elite coloque um líder na praça da consideração pública, seja essa a mera praça regional, envolvendo-o com a fama de liderança – basta que ele tenha um bengalim na mão ou coisa que isso finja (uma simples esferográfica pode resultar...), bigode a dar ares amedrontadores ao lábio superior, uns óculos escuros se o olhar for ralo, e, naturalmente, uma dúzia de capatazes à volta aptos a desdobrar ordens e a negociar perdões.

Numa democracia, não é assim, nem pode ser assim – aí, um líder tem que necessariamente sair de um escol (não de uma elite...) e de um escol gerado e alimentado pelo confronto de ideias, de projetos de sociedade, de programas políticos e propostas de atuação. O líder, em democracia, sai daí, desse escol, e, se de facto é líder, sai com um golpe asa quanto a ideias para a região, com um projeto para a região, um programa para a região, propostas para a região, e com provas de denodada generosidade para com a região. Não é a oratória que se lhe exige, embora a oratória seja muleta, é a ideia, o programa, o plano, a proposta e, naturalmente, é a definição de valores que identifica um rosto de líder à légua pela sua credibilidade. E só depois disto tudo é que, se for o caso, vai a votos, ganhando ou tendo que dar lugar a outro, pelo que, já agora se acrescente que não é o cargo que faz um líder, podendo haver líder sem que seja algum cargo a sugerir tal função.

Desiludamo-nos, não é a regionalização do Algarve que por si só vai criar líderes algarvios ou uma liderança algarvia suportada com serenidade pelas alternativas dos partidos. Por palavras mais precisas, será melhor que não haja regionalização se não houver escol, pois o escol (e não a elite...) é a condição para a formação de líderes e lideranças sufragadas.

Ora, no Algarve, elites temos muitas, o que não falta por aí são elites – mas não temos escol, com bilhete de identidade. E tem o Algarve tido também chefes, muitos chefes, cada qual com uma montanha de interesses sobre os ombros mas sem um grama daquele peso pelo qual um escol apenas poderá certificar um espírito como tendo golpe de asa.

Carlos Albino

    Flagrante inevitabilidade: Cortes a doer nos municípios, e se não se começar pelas mordomias será mau, muito mau. Mau e feio. Feio e perigoso.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

SMS 364. João Soares disse a verdade


27 maio 2010

O facto. Sabe-se que, no passado sábado, durante o jantar que levou ao Arco da Vila a nutrida comissão parlamentar de Assuntos Económicos que anda por aí e bem a tomar o pulso ao país real, o deputado do PS, João Soares, afirmou alto e bom som que o problema de fundo do Algarve é o da “falta de liderança regional”. Mais disse João Soares, surpreendendo muitos, que esse problema jamais poderá ser resolvido pelo governo central – o atual ou mesmo o que se lhe seguir, provavelmente em 2011 – e que nem sequer a regionalização o resolverá.

Primeiro ponto, então. João Soares disse a verdade, tem carradas de razão e não lhe pode ser imputado qualquer sinal de incoerência, antes pelo contrário, todos os algarvios (sejam do PS ou não) apenas podem ficar-lhe gratos pela coerência manifestada, coerência essa, oxalá fosse seguida pelos demais deputados sejam eles do PS ou não, pois a todos, nesse caso, deveríamos ficar gratos não assobiarem para o lado ao menos uma vez na vida. E é importante sublinhar que João Soares não disse que o Algarve precisava de uma liderança partidária ou de lideranças partidárias, mas sim de liderança regional – o que tem a ver mas pode também não ter a ver com apenas partidos. Naturalmente que os partidos ou as estruturas regionais dos partidos elegem os respetivos líderes sejam estes assim ou assado, por interesse do cozido ou ao serviço do frito, mas são eleitos e não consta que haja lugares vagos. O problema de fundo não é, pois, partidário, mas de liderança regional e o lugar desta, sim, é que está vago. Aliás esteve sempre vago e, bem avaliados os intérpretes e personagens (todos) da política algarvia desde 1974, nunca a região teve uma liderança nem um líder que verdadeiramente a protagonizasse. Uns arremedos, quando muito.

Segundo ponto. Um líder - e então um líder do Algarve! - obviamente que não é feito nem pode ser feito por decreto, como se bastasse para tanto um primeiro-ministro da simpatia despachar coisa do género “nomeio fulano tal, líder do Caldeirão ao cais da lota de Faro”. Além disso, como ficou provado, o líder não pode depender da eleição partidária interna (pode coincidir mas não depende), o que se viu de forma muito clara nas últimas eleições: é verdade que os partidos algarvios, num primeiro momento, elegeram os que julgaram ser os seus “líderes partidários” regionais mas, a começar pelas três agora principais forças políticas, tais líderes foram desautorizados para a representação democraticamente mais refinada. E a desautorização, aceite, tolerada ou colaborativamente consumada, é o quanto basta para impedir que uma qualquer liderança partidária evolua para liderança regional.

Terceiro ponto. É claro ainda que o tal líder ou a tal liderança regional também não cai do céu por obra e graça do Espírito Santo, e, em democracia, jamais se pode aceitar que seja alguém que, por nascimento, fortuna ou fanfarronice se julgue predestinado a chefe, ou portador de desígnio insondável, desígnio este que por regra anda com a máscara do populismo, sobretudo quando a democracia se transforma em permanente carnaval de uns quantos foliões à custa do erário e do interesse público – o Algarve tem conhecido disto e é por isso mesmo que mais uma vez, reconheça-se, João Soares tem razão: não é regionalização que vai ou poderá resolver o problema da falta de liderança política do Algarve, porque uma regionalização sem liderança e sem pluralismo de líderes não passará de um baile populista que, passados três dias de democracia frágil, redundará num perfeito entrudo.

Carlos Albino

    Flagrante esquecimento: O de alguém, crente ou não, que em nome ou em representação do Algarve, tivesse oferecido uma caravela ao papa. Até do nosso maior milagre já nos esquecemos?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

SMS 363. Tudo ao molho e fé em Deus


20 maio 2010

Mesmo com todos os sinais que estão à vista, alguns que não são poucos continuam a não querer perceber a crise em que estamos metidos, e, pior do que não querer perceber, é camuflar os sinais e adiar a discussão dos possíveis caminhos de saída. Para o Algarve, estes caminhos são escassos, porquanto a região depende precisamente de tudo o que pelo mundo afora e no país está em crise ou que inesperadamente ameaça entrar em crise, pedindo-se a todos os santos para que a crise não se transforme em colapso, como é o caso preocupante das ligações aéreas. Tenho vindo a dizer, desde há semanas, que estamos entregues ao acaso, o que é desagradável, e pior do que isso, não temos estratégia decente e segura – temos táticas, por sinal pequenas táticas atiradas para o ar na esperança de que a coisa resulte e haja sorte. Infelizmente até a sorte tem faltado e oxalá que não cheguemos a um momento em que a regra seja aquela de “tudo ao molho e fé em Deus”. Um exemplo de tática pífia atirada ao ar, por exemplo, aí esteve patente nos discursos de esperança no mercado espanhol para compensar a quebra do mercado britânico, no turismo claro. Como se a crise não estivesse já instalada em Espanha, com os espanhóis a braços com os mesmíssimos males de que padecemos – do desemprego ao défice. Outro exemplo de pífias táticas atirada para o ar, aí a temos também, com as veleidades segundo as quais a exploração de pequenos nichos de mercado, mesmo que seja a pretexto de coisas festivamente marginais e de duvidosa paz, ajudará a matizar a crise… E é assim que instituições que temos entre nós e que já deviam ter produzido estudos com linhas alternativas de orientação, ou que já deviam ter instalado observatórios com alertas para o que der e vier, andam nas nuvens ou olhando para o umbigo. Refiro-me sobretudo às instituições que deviam ser as últimas em que a sociedade deve perder a confiança.

Carlos Albino

    Flagrante calafrio: O fracasso do Museu da Cortiça. O fracasso não foi apenas de Silves mas do Algarve no seu todo. Além disso um sinal de aviso e que não é pequeno.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

SMS 362. Quem se pica, alhos mordica


13 Maio 2010

E em vez de se avaliar a realidade (a que temos pelos olhos e a previsível) continua-se a fazer vaticínios, conjeturas, hipóteses e exercícios de esperança sem fundamento que é a pior das esperanças. Em vez de preparar isto para enfrentar o pior, porque para o melhor não são necessários preparos, ainda se está a amaciar e a pintar o céu de azul quando as nuvens carregadas entram pelos olhos. Além disso, em vez de se reconhecer que o poder central está, na sua quase totalidade e nos postos-chave, na dependência dos grupos de pressão onde o Algarve e os algarvios não contam como tal, ainda alguns por aqui julgam que o tal Zé Pagode já não percebeu que a moda virou desde que os decisores deixaram de ter interesses directos ou indirectos neste quintal, que a política volta a ser dirigida quase em exclusivo para onde secularmente se tem dirigido sempre e que é onde o país se julga sentir país, considerando o resto como um pequeno território inofensivo e adjacente tal como aquelas ilhas que já foram adjacentes e hoje, pelos vistos, não. Portanto, pequeno território que não levanta ondas e mesmo que as levante está sob controlo porque o próprio território perdeu o controlo de si próprio – o controlo económico há muito que o perdeu ou não o soube construir quando podia e devia, e o controlo político naturalmente que foi sacrificado a bem das disciplinas nacionais. O turismo como motor de desenvolvimento do Algarve pode estar à beira de um estrondoso fracasso se a sorte faltar, porque o turismo, além de não viver de cálculos com desfecho improvável e de notícias artificiais, também não é motor de desenvolvimento quando não está ancorado onde opera – e o turismo algarvio não se ancorou, é um extenso balcão de quem está fora com a carteira. Além disso, o mar está esquecido e o que dele se ouve parece oratória nas nuvens, e a terra resume-se a umas poucas experiências-piloto, a meia-dúzia de resistências e a campos abertos a qualquer género de ladroagem. Não admira, pois, que o discurso político no Algarve abuse do vaticínio e se sirva da ingenuidade circundante, até porque quem não aceita as regras deste jogo que é um jogo infame numa democracia, está feito. Aliás, pouco faltará para que a própria democracia não esteja feita. E quem se pica, alhos mordica.

Carlos Albino

    Flagrante incógnita: A do estafado Hospital Central do Algarve... Obra adiada, suspensa ou para ir até ao fim?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

SMS 361. O triunfo do Zé Pagode…



6 maio 2010

Há um personagem que volta a andar por todas as ruas e aflora amiúde à mente de toda a gente, não há ninguém que o não conheça embora não apareça nas televisões nem seja tido muito em conta pelos jornais, nunca se candidatou a câmaras, sempre o recusaram para listas de deputados e, não estando contra os partidos, também não se importa que estes o olhem com desdém não desejando a sua presença em reuniões em que alguma coisa se possa decidir. Esse personagem, silencioso por natureza, sabe mais do que se julga quanto a jogadas que abusam do interesse público, a procedimentos que roçam a ilegalidade e tocam-não-tocam na corrupção e a golpes que resultam sempre em enriquecimentos sem justa causa, em usufruto de mordomias e empregos de favor, e em estratagemas que pouso a pouco vão diluindo a confiança nos poderes eleitos e a crença nos processos de escolha dos que em última análise decidem a vida colectiva e determinam a maior ou menor felicidade de se viver numa sociedade aberta e livre. Claro que esse personagem tem um nome embora o seu nome não conste em nenhum bilhete de identidade, nunca se absteve sem que alguma vez tivesse fisicamente aparecido em qualquer mesa de voto de Aljezur a Alcoutim e, como mais ninguém, interfere na opinião pública possível de Vila Real a Sagres. Pois não é segredo dizer-se que esse personagem é nem mais nem menos que o Zé Pagode. Exactamente: o Zé Pagode.

Ele, o Zé Pagode está na sua e dificilmente o demovem da convicção de que o aparelho público, tal como está, das juntas e câmaras às repartições, divisões, delegações, entidades e direcções desconcentradas ou descentralizadas dos ministérios, que tal aparelho, de um modo geral não existe para servir a população, mas para ser sustentado por ela. Pode até não ser assim, mas o Zé Pagode pensa isso e tem motivos para pensar assim – ou pelo sinal de imobilismo transmitido por esse aparelho no trato das questões centrais do Algarve que dependem exclusivamente não só do livre mas sigiloso arbítrio do estado mas também dos que o Zé Pagode acreditou para serem seus representantes, ou pelas provas patentes de que é pura e simplesmente uma perda de tempo esperar a colaboração do estado em qualquer medida que vise a devolução do poder aos administrados com a consequente diminuição da fisiologia política do aparelho público que só revela alguma humildade mês e meio antes de cada eleição, seja esta qual for e consoante o nível que seja da eleição. Ora o Zé Pagode que de ingénuo nada tem, naturalmente que anda por aí irritado por o terem tratado como se tivesse nascido e sido criado pela ingenuidade, ingenuidade esta, como se sabe, é já de si um promíscuo harém da democracia.

Resumindo e concluindo, o Algarve, tal como no distante século XIX, está cheio de duques, condes e viscondes mas sem nobreza própria, e, tal como no recente e acabado século XX, está cheio de regedores e com proeminentes figuras no santuário da representatividade popular, mas não chegam aos dedos de uma só mão os que em vez de mostrarem que sabem defender os interesses dos eleitores, não se livram da fama de apenas defenderem os interesses pessoais e políticos dos que integram o carro alegórico da pescadinha de rabo na boca em que os partidos tristemente se converteram aos olhos do Zé Pagode que não é propriamente uma ilustre figura da democracia e, pior, não tem o código genético desta, sendo mais um filho do harém…

Carlos Albino

    Flagrante entalanço: O da entidade do turismo com as verbas do orçamento. Pois o modelo não foi acabar com a evolução da defunta RTA? O que se esperava com o modelo, se o modelo foi para isso?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

SMS 360. Dependentes da sorte


29 abril 2010

Aí temos o Anuário Financeiro dos Municípios relativo a 2007, portanto, com as antenas viradas para antes da crise. O anuário dá obviamente uma ideia mas é já uma ideia ultrapassada – a generalidade das autarquias cuja eficiência financeira em 2007 podia ser vista com conforto, hoje estão desgraçadas ou à beira da desgraça, e as que já nessa data estavam desgraçadas, hoje mais desgraçadas estão ou mesmo perto da falência. No caso do Algarve, o anuário diz aquilo que a gente já sentiu nas ruas e que fez parte das conversas de responsabilidade, quanto a resultados económicos das autarquias ou mesmo quanto a rankings de eficiência financeira.

Nos 30 municípios (grandes, médios e pequenos) com maiores resultados económicos a nível de país, Loulé surge à cabeça, à frente de Braga, Loures, Oeiras e Sintra, seguindo-se em 5.º lugar Albufeira., com Tavira em 20.º, Lagos em 27.º0. E nos municípios com menores resultados económicos, lá surge Portimão em 5.º lugar e Olhão em 27.º. Quanto à eficiência financeira, por entre os 50 melhores municípios registam-se igualmente as presenças de Albufeira, Lagoa, Lagos, Loulé, Tavira e Vila Real de Santo António. Dá portanto uma ideia mas válida para 2007, mas em três anos tudo mudou radicalmente quanto a lógicas de prosperidade, de liquidez, de receitas de impostos e de independência financeira. Por exemplo, em 2007, Loulé surgiu como o município do país com o maior peso de receitas provenientes de impostos, à frente de Cascais, Lisboa e Oeiras seguindo-se Portimão em 5.º e Albufeira em 6.º, mas hoje já não se sabe se é assim. Aliás, até pode ser assim mas tudo está diferente, pelo que pensar nos números de 2007 é um exercício do passado e, em certo sentido inútil, porque não se vive apenas de autarquias, mas sobretudo de empresas ou de empresas que estejam longe da falência. Com uma rapidez impressionante, a crise tornou efémero qualquer prestígio de desempenho local e mostrou como o Algarve está apenas à mercê do acaso e apenas dependente de uma sorte que não domina e na qual não pode interferir.

Carlos Albino

    Flagrante temor: O do fecho de jornais locais no Algarve, a seguir à redução de periodicidade, depois do fracasso quase geral das rádios locais.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

SMS 359. A liberdade


22 abril 2010

E mais uma vez chegamos a um momento do calendário em que parece ser ritual obrigatório dar vivas à liberdade. Na verdade, a conclusão a que podemos chegar após estes anos todos de vivas, não é alarmante para o único modo de jornalismo que vale a pena – o independente. Lá por isso, não devemos adormecer ou viver distraídos. O país tem estado imune a autoritarismos ou a cerceamentos mais ou menos explícitos de liberdade de informação e opinião, não só reagindo ao mínimo sinal ou indício disso como também recriminando faltas de responsabilidade ou manipulações abusivas – está provado que todos queremos ser livres e que gostamos muito de ser livres, mas importa saber se isso basta, ou se basta sentir isso apenas em abstrato.

No que particularmente diz respeito ao Algarve, que não tem televisão própria, onde se lê pouco (muito pouco), e com as rádios a subsistirem por artes mágicas, há liberdade, como diria La Palisse, porque também não há motivos para não deixar de haver – e se damos vivas por isto, damos vivas por pouco. Sem televisão regional, sem jornais suportados por alguns bons (mas bons) milhares de leitores e sem rádios de referência no plano informativo, em suma com o mundo comunicacional a revelar uma forte dependência da única agência noticiosa que opera e da papelada oficial, podemos dar vivas à liberdade, todos os vivas, mesmo que distraídos não demos conta que pouca imprensa pode fiscalizar e pouca rádio pode escrutinar, não havendo mais nada, à exceção dos sites e blogues que obviamente podem desenvolver atividade próxima ou parente da profissional mas não se lhes exigindo isso. É nestas circunstâncias que não deixa de causar arrepios quando se ouve responsáveis regionais, ao mesmo tempo que dão vivas, a declarar publicamente que o papel da imprensa não é o de fiscalizar mas apenas o de noticiar, como se a pouca ou quase nula fiscalização incomodasse. E causa arrepios porque tais responsáveis deveriam sim é sublinhar o enorme e escandaloso défice informativo e comunicacional na região, reclamando medidas e programas para o debelar. Se o tivessem feito já, então sim, ninguém duvidaria dos seus vivas à liberdade.

Tais responsáveis deveriam incomodar-se com o facto da liberdade de informação e de opinião significar pouco mais que uma dúzia de pequenos e débeis jornais resistentes a barrigas de aluguer, e que outros tantos postos de rádio feitos muitas vezes com heroicidade igualmente resistente a rebuçados de falsa economia, reproduzam os éditos emanados dos gabinetes, gabinetes estes que também dão vivas à liberdade, e não se saindo daqui porque as agendas municipais fazem o resto.

Carlos Albino

    Flagrante insegurança: Regressa a onda de assaltos a pessoas e residências, sobretudo nas zonas rurais. Há qualquer coisa que está a falhar e os bandidos sabem disso.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

SMS 358. Lá para cima e ilhas adjacentes


15 abril 2010

Com toda a franqueza, esperava-se que, desta vez, alguém do poder autárquico Algarve fosse nomeado para integrar a delegação portuguesa ao Congresso dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa. E se não fosse como membro efetivo, pelo menos como suplente. Mas nada disso aconteceu, pelo que na última sessão plenária em Estrasburgo (17 a 19 de março) por entre os 14 elementos da delegação portuguesa, do Algarve, nada. Como há muito tempo acontece, o que de resto vem na lógica de se te substituído a antiga expressão de Portugal continental e ilhas adjacentes pela de Portugal lá de cima e regiões adjacentes, com o Caldeirão-Monchique a definir o que está em cima e o que está em baixo.

Nomeada para exercer mandato até 2013, a delegação integra para a Câmara das Regiões 4 elementos efectivos da Madeira, Açores, Região Centro e Junta Metropolitana do Porto, com 3 suplentes (novamente Madeira, Açores e Junta do Porto), enquanto na Câmara dos Poderes Locais lá estão 3 efetivos, autarcas das câmaras de Sousel e Beja, e outro da freguesia de Oliveirinha, com 4 suplentes, igualmente autarcas das câmaras de Miranda do Corvo, Caminha e Alcanena, mais um da freguesia de Torgueda.

Na anterior delegação, há dois anos, já tinha sido assim e disso demos conta na SMS 265 (junho de 2008). Para a Câmara dos Poderes Locais para lá foi gente da Covilhã, Sousel, Cabeceiras de Basto, Leiria e Torres Novas, além das eternas presenças dos eternizados fregueses de Oliveirinha e Torgueda que já devem conhecer melhor Estrasburgo do que o próprio presidente da República, e para a Câmara dos Poderes Regionais para lá foram pontuar o óbvio Carlos César, obviamente Alberto João Jardim, mais, dessa vez a Junta Metropolitana de Lisboa, com substitutos também da Madeira, dos Açores, mais um da junta do Porto e outro ainda da junta de Lisboa...

É claro que, como em tudo o que existe em Estrasburgo, quem lá está ou para lá vai pode fazer muitas coisas e também pode não fazer rigorosamente nada ou fingir que faz muito e nada fazer – tem havido de tudo e o próprio Algarve tem tido vários desses exemplos que vão da formiga trabalhadora à cigarra fanfarrona. Mas não é isso que está em causa. Independentemente de quem lá está, o que é chocante é a sistemática marginalização do Algarve em estruturas de representação política regional, paradoxalmente sem grande contestação regional ou local. O que quer isto dizer que alentejanos do Algarve, beirões do Algarve, transmontanos do Algarve e demais marroquinos de Oliveirinha e da Torgueda se sentem bem representados no congresso do Conselho da Europa afinal pelos seus verdadeiros conterrâneos porque o país desde há muito voltou a ser o Lá de Cima e Ilhas Adjacentes, como se viu nas listas para as legislativas, para o Parlamento Europeu e como se tem verificado para os mais importantes cargos políticos regionais que não sejam ONG’s ou IPSS.

Carlos Albino

    Flagrante reparo: Ainda mal se sabia se a SMS da passada semana teria mais um ou dois leitores do que o habitual, e eis que nos chega um e-mail com isto: “Apenas para informar que os títulos: Olhão Fez-se a Si Próprio, por António Rosa Mendes, tenho-o em Estante desde 10 de agosto de 2009, e que O Convento da Graça, por João Miguel Simões, tenho-o em Estante desde 9 de fevereiro de 2009.” Já nos tinham assegurado que, em matéria de livros, no Algarve, todos os caminhos não vão dar a Roma mas à Livraria Simões, em Faro, que nos endereçou o e-mail e fez prova dessa verdade.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

SMS 357. Amor e conhecimento


8 abril 2010

Falando de livros, nota-se à evidência uma onda de edição no Algarve, apadrinhada sobretudo perlas câmaras, e que vai da monografia em particular à poesia em geral. Esqueçamos por ora as motivações e custos dessa relativa febre editorial, mas não é difícil notar que a generalidade da produção, se de monografia de trata, não vai além da reedição e aumento da lenda por vezes com aparato académico, e se é poesia, muito do que por aí se publica não vai além do verso rimado ou então da metáfora de umbigo. As edições são, por regra de escassa tiragem, de modo que os livros dão para familiares e amigos do autor, ficam uns quantos na biblioteca em descansada memória, e ainda há outros tantos para visitantes dos paços do concelho que os recebem de presente, agradecem com um sorriso mas que na generalidade nem folheiam. O fenómeno não é específico do Algarve, grassa pelo país fora, e algumas embora poucas empresas da capital até se especializaram no negócio, ou na indústria, como se queira. É claro que nesta torrente se confunde o que tem valor e o que seguramente é dispensável, porquanto há obras preciosas que se perdem no meio de outras cujo número as submerge e faz eclipsar. Além disso, a excessiva municipalização da edição e no que esta passou a significar no que toca a apoios acríticos à edição, impede a afirmação ou até mesmo a tentativa da iniciativa privada nesse domínio em que a independência do poder e dos interesses de afirmação política é garante de liberdade e competitividade quanto à criatividade intelectual. E é pena pois o amor à terra não se justifica sem o conhecimento da terra, e quanto a conhecimentos ninguém pode dar o que não tem.

Mas calma! Nem tudo é mau, há bastante de proveitoso e até mesmo de altamente proveitoso. Exemplos? Há mais, mas dois bastam. Um, é o belo livro de António Rosa Mendes - “Olhão fez-se a si próprio”. Outro, é o da lição que João Miguel Simões dá com “O Convento da Graça”, o daquelas ruínas de Loulé. Corri livraria atrás de livraria à procura desses dois títulos que me faltavam na estante e de que tinha referências bastantes para apetecer, mas apenas recentemente por obra de meros acasos os livros vieram-me parar às mãos. Li-os e sem dúvida que estão perfeitamente na linha do conhecimento da terra como condição do amor à terra. São duas obras em que se aprende o Algarve, independentemente dos pretextos locais de Olhão ou de Loulé. Duas obras de grande qualidade, cabendo dizer, neste breve apontamento, Obrigado António Rosa Mendes! E obrigado João Miguel Simões!

Carlos Albino

    Flagrante dúvida: Será que todos os municípios têm a consciência de que devem respeitar a inter-religiosidade, a diversidade religiosa e que não podem afirmar-se, directamente ou indirectamente, como confessionais? Há dúvida nisso.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

SMS 356. Avestruzes


1 abril 2010

Anda por aí muita avestruz. Vêem o desemprego que no Algarve é do pior que o país apresenta, e não só enterram a cabeça na areia como querem que os outros à viva força imitem as avestruzes, não sendo nem querendo ser bichos que tais. Vêem a insegurança com o aumento da criminalidade a fazer notícia diária em cada terra, mas, com a cabeça metida lá bem para o fundo da cova de conveniência, argumentam com as estatísticas do ano passado para este ano ou com as comparações de queixas no período homólogo como se as pessoas acreditassem ou tivesse que acreditar nessa palraria artificial. Vêem o turismo a cair em quantidade e em qualidade com perda de mercados, mas adiam formular o problema e encontrar solução, com promessas de mirabolantes promoções supostamente salvadoras e com anúncios de mercados alternativos que não passam de miragens. Vêem a agricultura como está, e ainda falam do golfe como o ouro que se pode encontrar em toda a região. Vêem as pescas como estão, mas disso pouco mais conhecem ou querem conhecer que a peixaria bem provida da grande superfície ali ao lado. Vêem o grosso das escolas secundárias a primarizar-se e o que há de universidades a secundarizar-se, mas vão de vento em popa como se fossem elites do pensamento em veraneio e sem que uma única vez na vida se incomodem com o facto do Algarve não ter um escol digno deste nome e digno dessa função. Vêem que o Algarve não beneficia de uma estratégia cultural traçada com princípio, meio e fim, mas o que lhes importa é que o Olhanense se mantenha, o Portimonense suba e o Teatro das Figuras se encha com a misericórdia de deus, até porque o Dia de Portugal já vai ser em Faro. Com tanta avestruz, como é que neste areal não volta a ter êxito apenas quem seja acrítico e os idealistas não passem de uns fracassados?

Carlos Albino

    Flagrante pedido: Temos em mão um livro inédito com 837 quadras em que “alpista” rima com “sacrista” e “manta” com “sacripanta”... Qual é o município que quer apoiar a edição desta manifesta e genuína cultura popular?

quinta-feira, 25 de março de 2010

SMS 355. Riram-se


25 março 2010

Quando, há uns meses, aqui se falou da conveniência de se pensar num Plano B para o Algarve, caso a região tenha que enfrentar algum crise profunda seja qual for a causa, alguns riram-se como se isso fosse agoiro, menosprezando a dependência do turismo ou desvalorizando o que isso significa. Depois do que aconteceu na Madeira, felizmente com efeitos relativamente bem controlados, alguns do que se riram, enfim, lá meteram a mão na consciência fazendo cara séria. E há bem pouco tempo, face a sinais de abanão mais ou menos profundo nos fluxos do turismo internacional, quando alguns julgaram dar sossego com a ideia supostamente salvadora do turismo interno como alternativa, muito mais gente que se tinha rido acabou por franzir a testa, sendo evidente que o turismo interno não pode salvar internamente todo o país em que já não há sítio que não espere ser salvo com o turismo interno e, curiosamente, invocando como coroa de glória o não ter repetido “os erros do Algarve”.

Naturalmente que um Plano B ou uma reflexão sobre o que resulte pelo menos em algumas coordenadas de orientação e recurso, não nasce da terra nem cai do céu, não se apanha como o medronho nem pode resultar de decreto. É algo que deve ou tem que resultar da sociedade ou do arsenal sócio-cultural que ela eventualmente possua, pois se não possuir esse arsenal ou se o arsenal não for adequado, também não vale a pena esperar grande coisa ou coisa diferente a não ser continuar-se encostado ao poder central salvador e previdente, mesmo que não tenha capacidade de salvar seja o que for, como se verifica na Grécia que tanto se riu com as suas mil ilhas do mar Egeu, mas onde também se verificou o tal fenómeno de quem delas se aproveitou tão depressa chegou com partiu sem dar contas fosse a quem fosse.

Mas olhando à volta, estamos entregues ao destino e à sorte, com uns empregos políticos pelo meio e uma montanha de considerações honoríficas que tantos e tantos escalam a fazerem representação de figuras públicas conjugando o verbo eu perante o pessoal cá de baixo em silêncio.

Carlos Albino

    Flagrantes 364 dias: Descontado aquele dia de limpar (Algarve incluído) oxalá que não sejam 364 dias a sujar Portugal com os voluntários para isto que toda a gente conhece, bastando poucos para sujarem muito mais do que os muitos que limpam.

quinta-feira, 11 de março de 2010

SMS 354. Título auto-censurado


18 março 2010

Foi uma boa dúzia de títulos para iniciar este apontamento e todos foram sacrificados por auto-censura – ou porque um sugeria desprimor, ou podia outro ser mal interpretados como afronta pessoal, ou pareciam vários ter partido de pessoa desejosa por que a democracia sucumba e venda a alma. E por isso, desta vez, todos os títulos foram cortados exclusivamente por declarado exame prévio e não por pressão do poder. Tudo a propósito do Orçamento ou da forma como o Algarve é considerado no Orçamento, e do comportamento dos deputados que o Algarve elegeu certamente para representarem o Algarve e não para serem delegados automáticos do poder que está ou do que poderá vir. À evidência, este Orçamento desconsidera o Algarve relativamente a todo o resto nacional, numa desproporção injusta, sem equidade e, mais grave, com uma indiferença sobranceira – o que apenas se compreende porque o poder há muito que explora o facto dos algarvios abafarem protestos por mais legítimos que sejam, e, contrariamente à fama secular que ganharam, os algarvios preferirem o silêncio tolerante face ao poder, pondo de lado a tal algaraviada antiga. O poder sabe disto e abusa. E para este abuso há deputados cá do círculo que manifestamente contribuem por atos e por omissões.

Mas muito para além das prontas explicações do deputado Mendes Bota para a sua recusa em votar este Orçamento - o “não” do BE explica-se a si próprio -, havia natural expectativa em que Miguel Freitas explicasse o seu “sim” amalgamado na maioria relativa para a qual altamente contribuiu sem que daí tivesse tirado ilações políticas. E expectativa ainda em que ele explicasse isso do princípio até ao fim, sem artifícios, sem aqueles números apresentados como palavras cruzadas e sem aquela prática corrente que está a corroer a democracia e que consiste no “mostrar serviço” não aos eleitores mas aos da “ordem superior”, expressão de casta que volta a ser usada presencialmente e por ofício. Mas foi isto que acabou por acontecer um tanto inesperadamente, diga-se, a dar prova da fraca ou baixa qualidade do debate político no Algarve. É que Miguel Freitas em vez de explicar e de se explicar sobre a razão pela qual o Hospital Central do Algarve se tem arrastado e foi adiado anos e anos, questiona agora Mendes Bota sobre se Passos Coelho quer suspender o hospital suspenso... É que Miguel Freitas que não questionou quem, com poder, decidiu adiar e protelar o projeto, questiona agora quem nem sequer pode ainda decidir e quem, ao que se sabe, não apresentou a rigor qualquer proposta ou sugestão de adiamento do hospital que é, de resto, um pormenor da região. Pormenor a que Miguel Freitas recorre para não explicar o que importa, pois o que importa é o Orçamento, e já agora o QREN, o PIDACC, enfim, o investimento público efetivo no Algarve, orçamentado ou não orçamentado. E ao recorrer a isso, força-me a censurar o título para este apontamento.

Carlos Albino

    Flagrante calafrio: O da pedofilia que abana a igreja católica na Irlanda e na Alemanha. E não vamos mais longe...

SMS 353. O que fica?


11 março 2010

Pois o que fica de cada Allgarve, aquelas letras que anunciam a entrada na região por terra e ar, sem que haja outra coisa a indicar o nome que a região tem? Há todo o interesse em questionar o que disso fica, o que isso representa ou significa, mesmo que este momento que atravessamos fosse de vacas gordas e o dinheiro desse para tudo pois não dá para quase nada.

Temos tido dança, certa dança. O que fica da dança? Temos tido pintura e escultura, aliás certa pintura e certa escultura. O que fica das exposições? E tem havido música, com certeza. O que fica? Que teatro fica a não ser o que sem Allgarve já existia? E que cinema? E que literatura? Portanto, que práticas culturais ficam, que vivências culturais, que agendas culturais?

O erro que enche o bojo desse programa está precisamente em sugerir que ele inunda o Algarve de cultura e recreio, levando a crer que tudo o que, quanto a cultura, o Algarve carece, não excede a animação turística, provoque tal animação ou não recreio. E como o dinheiro não dá para tudo, a cultura fica por aí, acrescentando-se, quando muito, o que alguns municípios fazem por si próprios ou podem fazer por si próprios, fora da grandeza aparentemente esmagadora do programa Allgarve.

É pois um erro de política, o erro que o programa arrasta, ao afastar qualquer ideia ou propósito de estratégia cultural no Algarve e para o Algarve pensado como um todo, estratégia essa que galvanize, potencie e sobretudo qualifique as iniciativas locais e que tantas vezes, sem a existência de tal estratégia, são degoladas pelo carrasco do provincianismo e do localismo.

Nisto, e na falta de desconcentração coerente, para já não se falar de uma descentralização com pés para andar e braços para mexer, o ministério da Cultura tem-se demitido das suas funções no Algarve e, pior do que isso, logo desde início deixou-se ultrapassar precisamente pelo ministério que tutela o programa de animação, não se podendo exigir ao ministério da Economia que faça o que o da Cultura não faz, ou porque não pode, ou porque não quer, ou porque não lhe interessa. E aqui é que bate o ponto: o erro não está tanto no programa que o ministério da animação turística movimenta com mais l ou menos l, mas sobretudo na ausência de estratégia do ministério da Cultura para a região, sendo essa a prova de que não está desconcentrado, muito menos descentralizado, porque se assim estivesse, poder-se-ia discordar da estratégia, mas tinha estratégia. O que o ministério da Cultura tem por aqui, e que propõe ao lado do tal programa do ministério da Economia, é uma tática – a tática de distribuição dos subsídios possíveis, e que tal como o orçamento está, tal tática será sempre vista como um mal distribuído pelas aldeias.

Carlos Albino

    Flagrante sugestão: À falta de perguntas para um exame de consciência dos deputados eleitos, sugere-se esta: “Eu fui eleito por aquilo que eu sou e valho, ou fui eleito porque o partido me fez eleger independentemente do que eu sou e valho?”. Garante-se que as respostas ficarão em segredo de justiça.

quinta-feira, 4 de março de 2010

SMS 352. Falemos então do “Allgarve”


4 março 2010

Já tinha prometido a mim próprio não voltar a escrever uma linha pública sobre o programa lançado por Manuel Pinho. Primeiro, porque já disse o suficiente sobre a designação do programa e sobre a relação direta e útil que o programa possa ter na cultura, melhor, na política cultural e nas práticas ou vivências culturais dos que passam pelo Algarve e sobretudo dos que vivem no Algarve como lugar do mundo que escolheram ou a que estão amarrados por destino reconfortante ou não. Segundo, porque já desafiei bastante os decisores para que digam de uma vez por todas o que entendem por cultura já que de forma quase majestática outorgam cultura, portanto sem aceitarem discussão, debate e diálogo e, pior, sem darem contas dos resultados além das contas de quem ganha com isso. Terceiro, porque não tenho paciência para dissertar sobre fogos de artifício. Mas quebro a promessa e voltarei a falar do “Allgarve” uma vez porque, segundo foi anunciado, o programa foi ampliado ou reforçado, certamente em função dos resultados e das contas.

Mas ao voltar a falar do “Allgarve” não posso evitar referir alguns pressupostos, sendo importante que fiquem em letra de forma. Primeiro, nada tenho contra criadores, artistas e animadores que o programa movimenta e paga para pôr em cartaz – fazem o seu papel, alguns neste passado recente até o fizeram bem e não são culpados dos critérios seletivos. Segundo, nada tenho contra museus, fundações e demais instituições culturalmente beneméritas que desenterram material das caves – fazem bem desenterrar e oxalá que tenham lucrado, com transparência, alguma coisa com isso. Terceiro, nada tenho contra os responsáveis colocados no terreno, sejam eles comissários, antenas municipais e entusiastas por dever de ofício – não está em causa a sua competência, muito menos a sua devoção pela cultura. Quarto, nada tenho contra os municípios que acriticamente aderiram e continuam a aderir ao programa, vendo nele um supletivo ou mesmo o indeclinável preenchimento de lacunas “culturais” que as gestões camarárias por si sós não conseguiriam no quadro do que se convencionou designar por “animação” mesmo que se admita que a animação seja pouca e de cultura pouco mais tenha do que a sensação de efémeros eventos como outrora nas missas em latim – tudo muito bonito mas a generalidade não entende. E quanto a pressupostos, estão todos – o programa “Allgarve” não faz adversários, muito menos inimigos, mas é algo que, pelo impacto, propaganda de sobrevivência e conveniência mecenática, é passível de debate no que o programa tem a ver com o patamar da decisão política, designadamente da política cultural para uma região que se chama Algarve

Então o que está em causa? Manuel Pinho já se pirou como ministro, e como ministro furtou-se ao debate no tempo devido com quem devia (foi uma espécie de Lurdes Rodrigues da animação turística desfocada da cultura, suportado por acólitos – e é pena porque ele tinha e tem qualidades - , mas o que está em causa permanece atual, melhor, fica atualizado com a decisão política de ampliar e estender o programa, o que não um mal em si, mas atualiza a premência de indagar o que este governo sem Pinho entende por cultura e como recorta a animação turística do que se pode e deve entender por Cultura, pois a outorga governamental se esgota no conceito de animação e parece não se comover com uma adiada estratégia regional de cultura, séria e galvanizadora.

Não se pode dizer tudo de uma vez porque os pressupostos tinham que ser postos em letra de forma. Na próxima semana vai mais uma pitada.

Carlos Albino

    Flagrante insistência: Há uns quantos cargos públicos no Algarve (que até não são muitos) que devem ser confiados apenas a Algarvios. Como outrora se ouvia na praia do Monte Gordo, Oh mé m’nino rico, você sabe nadar ou quer q’eu o aprenda?

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

SMS 351. A lição da Madeira


25 fevereiro 2010

O que aconteceu, aconteceu - será uma perda de tempo apontar o dedo à procura de culpados que nem haverá porque a mãe-natureza é assim os filhos que, independentemente de culpas, lhe chamam mãe nos dias de sol com passarinhos e nas noites de luar com luze-cus. Mas o que aconteceu na Madeira, tal como o que noutros lados tem ocorrido menos tragicamente, designadamente de quando em onde no Algarve, não é apenas um aviso para se fazer fábula mas factos de que se deve tirar lição e lição a ser aplicada enquanto é tempo ou enquanto há tempo. É que com as linhas de água não se brinca e não vale a pena argumentar que a engenharia resolve tudo e tudo previne, pois basta a mãe-natureza esquecer os passarinhos e os luze-cus, para inesperadamente qualquer engenharia ir por água abaixo seguindo as linhas com que a natureza se cose e riscando dos mapas os “rigorosos cálculos” dos humanos tantas vezes calculados em função de mais um lote, de mais uma urbanização, de mais uma negociata na vertical ou na horizontal.

É claro que será impossível pensar o mundo sempre em função de um hipotético dilúvio ou tornar a terra agradável e habitável sempre em função da pior catástrofe que se possa imaginar mas não prever. Mas tal como a natureza não dá saltos a todo o momento e muito menos avisa quando os dá, ela, a mesma natureza, mostra-nos também evidências sobre as quais o homem não pode saltar e com as quais se deve munir para não ser inteiramente surpreendido no momento mais inesperado ou quando passarinhos e luze-cus apontarem para tudo menos para catástrofe ou coisa perto disso. Linhas de água, fracturas sísmicas, arribas de costa... há mais evidências mas bastam essas três para que, no Algarve, seja aconselhável que tudo deva ser feito para se prevenir, e não ficar à espera para se remediar, mesmo que aquilo que se tenha que fazer seja demolir, rectificar, repor ainda que se ponha em causa o reputado autor do disparate. Antes que seja tarde. É que não só é mais barato e mais ético identificar já hoje os responsáveis por desvios e desvarios que, a benefício de uns poucos, amanhã podem prejudicar tragicamente todos, do que na hora da tragédia procurar culpados, ou, mais grave, ilibar responsáveis válidos com expedientes indecorosos.

Há felizmente capacidade técnica e científica para se fazer o diagnóstico e, volta e meia, alguns esboços de diagnóstico têm sido apresentados por entidades idóneas e que até sobem com êxito ao noticiário quotidiano se por acaso há algum sismo lá longe ou calamidade mais perto que mobilize bombeiros, escuteiros e protectores civis para algum necessário espectáculo da prevenção. Admite-se que este esforço esteja já a impedir ou pelo menos a tornar impopulares os tais “erros no futuro”, mas não se vê lá grande vontade em corrigir os erros do passado que são os que aí estão cometidos, alguns tais que não só arrepiam como entram pelos olhos, até de qualquer leigo, que não se resolvem com engenharias do tipo lego. Quem não conhece urbanizações sobre linhas de água ou sobre o que natureza, quando entender, considerará como uns simples canudos de brincadeira?

Carlos Albino

    Flagrante clareza: Sem aquelas derivas, se responde a muitos anónimos e a bastantes identificados que nos escreveram e responde-se claramente – há uns quantos cargos públicos no Algarve (que até não são muitos) que devem ser confiados apenas a Algarvios. Para os de lá, até é a regra que vale por costume político nas Beiras, no Minho e por aí fora incluindo o Alentejo.