quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SMS 375. O Cine-Teatro que esteve por um fio


12 agosto 2010

E nisto, de repente, lembrei-me de José Mendes Bota. Depois das obras, a fachada está a descoberto, nem interessa ater-me por uns pormenores desinteressantes mas dizem-me, e acredito, que o interior está mesmo muito bem. Em boa hora a câmara de Loulé tomou a iniciativa de remodelar e adaptar ao tempo que corre, o Cine-Teatro que é um dos símbolos da terra e já com longa vida – desde 1930. Mas em diversos momentos esteve por um fio, sobretudo quando a restauração das liberdades públicas faziam crer que não haveria desculpa para ali não haver bom cinema, bom teatro, boas conferências, boas sessões de poesia, boa música, boas óperas até, enfim, um foco de irradiação cultural com audiências interessadas e que nivelasse por cima e não por baixo. E eis que, olhando para a fachada, lembrei-me de José Mendes Bota, mesmo sem saber se no futuro próximo aquela casa vai ser Casa de Cultura ou mero estabelecimento de enchidos como tantos há. Mas porquê José Mendes Bota? Vou contar.

Já lá vão uns anos, ele era candidato à câmara em eleições renhidas. E por acaso, coube-me escrever sobre autárquicas com todo o espaço, naquele tempo em que as páginas dos diários nacionais eram verdadeiros lençóis. E a José Mendes Bota destinei um verdadeiro lençol, com crítica cortante e prosa daquela que os prosélitos numa primeira leitura legitimamente pensaram que era para derrubar. O certo é José Mendes Bota ganhou, foi marcado o dia de posse e tudo fiz para vir de Lisboa propositada e unicamente para assistir ao ato No final da sessão solene, os habituais cumprimentos, a habitual fila por regra composta por ganhadores e caras de vitória fresca com um ou outro com ar de bom perder pelo meio, mas sempre ar estranho em dia de tais festas. Meti-me na fila sem me importar com as caras de mau ganhar ou de bom perder, também com um único propósito – formular um pedido ao presidente empossado. Cheguei ao pé dele e percebi que ele ficou mais perturbado do que eu pelo encontro. Abri o diálogo com o normal e óbvio “venho cumprimentá-lo” e eis que ele, de pronto: “Então você, depois daquele lençol, aqui?” Olhou-me olhos nos olhos e eu olhos nos olhos o olhei, retorquindo: “Foi eleito presidente dos louletanos, acabou a liça eleitoral e venho fazer-lhe um pedido – salve o Cine-Teatro!” Depois de breves momentos de silêncio perscrutante, ele: “Acredite, tudo farei para isso.” Despedi-me com o normal e óbvio “acredito na sua palavra, vamos ver”.

É claro que sabia eu das congeminações ou projetos ou ideias primas-irmãs daquela vitória, para pura e simplesmente derrubar-se o Cine-Teatro para dar lugar a amplo acrescento do mamarracho de 10 ou 12 andares contíguo, ou a outro mamarracho ainda pior, e com isso dando-se uma machadada não só na memória de Loulé mas sobretudo no que de mais apaziguador pode haver na vida coletiva de uma terra – um lugar de Cultura com história, com alguma história pequena que seja, porque sem história não é lugar, é sítio.

Fui acompanhando o caso e pude verificar que José Mendes Bota cumpriu o que prometera e nisso foi determinante, com engenho, remetendo para as calendas a consumação da avidez imobiliária, num tempo em que as câmaras estavam longe de possuir a instrumentação jurídica e política para acautelar interesses públicos. Primeiro com um aluguer de longa duração abrindo caminho à posterior aquisição do edifício, o Cine-Tetro de Loulé aí está, não sem que tenha de dizer um normal e óbvio “obrigado, José Mendes Bota”. Oxalá esse Cine-Teatro seja lugar e não sítio.

Carlos Albino

    Flagrante estupefação: Que outra coisa não pode haver quando um casal que reside em Albufeira me diz que teve de alugar um apartamentozinho em Quarteira para poder ir à praia e ter socego...

1 comentário:

Anónimo disse...

Lembro-me de na altura uns senhores doutores de Loule estarem interessado em construir ali um Centro Comercial com cinema mas os vereadores Paulo Lopes, Baltazar e outros que até eram da oposição votaram contra ou desenvolveram esforços para que isso não acontecesse. Escreveu-se na Voz de Loulé e acho que o PS local fez até um abaixo assinado.... Mas já lá vão uns tempos. Parabéns a todos os que impediram que o nosso Cine Teatro hoje desvirtuado por dentro segundo dizem, mas moderno está pronto. Loulé precisa. Somos a única cidade do Algarve e quiça do País sem remodelação até há pouco.
Louletano Cinéfilo