quinta-feira, 2 de abril de 2015

SMS 608. Para a unidade do Algarve 


2 abril 2015

Nestes 58 anos do Jornal do Algarve, ocorre e é imperioso que se diga que o desiderato do seu fundador, José Barão, está a ser cumprido, de uma forma quase milagrosa. Desiderato que, mais do que nunca, está atual. Uma sociedade esboroa-se sem comunicação, e como na natureza, detesta o vazio. Os novos meios tecnológicos, só por si, não preenchem esse vazio, são e devem ser complementares. O Jornal do Algarve soube atempadamente perceber isso – o Algarve precisa de que o desiderato de José Barão seja prosseguido, sem anulação da concorrência, antes pelo contrário, quanto mais concorrência melhor, desde que haja um objetivo comum: a unidade do Algarve e o fortalecimento dos valores de sociedade aberta que configuram a sua identidade

Não é difícil entender que a comunicação do ou no Algarve, atravessa uma profunda crise. A atividade noticiosa depende em larguíssima medida da informação institucional dos poderes públicos, informação essa amiúde condicionada pelas vorazes agendas políticas e por interesses difusos; não tem pé na televisão; e, além das grafonolas locais que com alguma heroicidade e proporcional dependência sobrevivem, não há uma rádio regional que coloque o Algarve na agenda de informação do Pais – tem repetidores usurpando o legítimo direito das comunidades concelhias a terem voz própria, licitamente mas usurpam. À parte isto, com recurso aos novos meios tecnológicos, aí estão implantados por todos os cantos jornais online sem papel complementar ou complementares deste, não constituindo documento, arquivo, memória palpável mas também amiúde não constituindo responsabilidade expressa, designadamente a responsabilidade pública em matérias do interesse público. Diga-se, claramente e sem equívocos, que, no novo mundo virtual, há bons jornais on-line, dentro da legalidade, com propósito ético no bilhete de identidade e princípios deontológicos no cartão de cidadão. Mas, diga-se igualmente sem equívocos, que estas ilhas de bom senso e até de bom serviço público, estão rodeados por atrozes ilegalidades, havendo “redações” sem jornalistas, empresas de “informação”, contra todos os princípios, alojadas nas barrigas de aluguer de agências de publicidade quando não nas agências imobiliárias. Assim não se vai a lado nenhum e, pasme-se, há ilegalidades financiadas ou protegidas por poderes locais que, sem critério e por benefício reciprocamente servil, usam o erário público com a maior das leviandades ou distraídos pela inexistência do adequado escrutínio – somos todos vizinhos, e quanto mais próximo é o vizinho, menor o exercício de avaliação do dano público e seu autor. Se a Entidade Reguladora para Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, alguma vez, descessem ao Algarve, estamos em crer, haveria uma apreciável razia, a vários níveis.

É neste panorama que, no Algarve, as poucas empresas deveras jornalísticas (com jornais impressos, apenas online, ou mistas) sobrevivem e dão contributo para a unidade do Algarve, sobretudo as empresas que têm, prosseguem e apostam, não numa manta de retalhos de quintais mas num desiderato regional do Algarve. O Jornal do Algarve está neste caso e se há mais, que há, oxalá continue bem acompanhado. Recordo-me, era eu um adolescente, ouvir da boca de José Barão, no saudoso Café Martinho – emblema da Lisboa de outrora, que queria do seu Jornal do Algarve um “jornal provincial” e não um “jornal provinciano”. Passados 58 anos, esse seu desiderato está atual, pelo que se um abraço tem peso, um forte abraço para o atual diretor, Fernando Reis. Prossiga!

Carlos Albino
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Flagrante pergunta: Um jornal online tem obrigação de ter muito espírito, mas será sempre carne sem osso; um jornal impresso tem o dever de ter bons ossos, tendo a obrigação de não perder o espírito. O ideal é ser misto: com o espírito do online a recobrir o osso do papel. Esse será o futuro.

quinta-feira, 26 de março de 2015

SMS 607. Políticos e técnicos

26 março 2015

O mais correto seria colocar aspas nas duas palavras do título deste apontamento: “políticos” e “técnicos”. Ou então, aspas numa e noutra não. É claro que, em função daquilo a que a generalidade das autarquias chegaram, me refiro às duas classes que determinam o mapa dos corredores por onde circula quem decide, e também dos gabinetes onde são congeminadas as decisões. Os políticos são eleitos, chegam e partem como entraram, ou mais ou menos avantajados, mas um dia partem, acompanhados da corte ou por metade dela; os técnicos são nomeados, seja qual for o desvio ou atalho, não têm corte mas têm hierarquia, e o chefe, das duas uma – ou leva muito a sério a importância de não ser eleito e faz o que quer, o que lhe apetece e o que lhe interessa; ou não leva isso a sério e permite que sejam os políticos a fazerem o que lhes interessa, o que lhes apetece e o que querem. Conforme os casos, assim uns e outros merecerão dos eleitores e dos contribuintes, aspas ou não, se é que eleitores e contribuintes, já eles mesmos não sejam contribuintes entre aspas e eleitores entre comas.


É claro que há técnicos que não têm nem podem ter problemas com as aspas. Assim por exemplo, o técnico municipal que iça as bandeiras, trabalho, como se sabe altamente especializado e para o qual se exige no mínimo um mestrado. Em contraste, há outros técnicos que apenas têm problemas e estes são, de manhã até à noite, problemas com aspas. Assim, também por exemplo, engenheiros e arquitetos, que são os “técnicos” que, nas autarquias, podem colocar aspas ou retirá-las ao sistema de saneamento ou escoamento dos interesses e à armação da “arte pública” do favorecimento privado, são os que estão mais à vista, alguns até auto-convencidos de uma infalibilidade em que nem o papa já acredita.

Há políticos que, temerosos, assinam de cruz o que os técnicos lhes ditam; há técnicos que, impedantes, vão colocando os políticos na cruz. Também há o contrário, mas em todos os casos, o único acordo tácito entre uns e outros e que traduz uma das poucas “sabedorias” adquiridas nestas décadas de democracia, é que procedem e decidem com um fito nunca deveras reciprocamente confesso – o da fuga à acusação de favorecimento indevido, e o evitar deixar pernas de fora nos esquemas da mesma sabedoria.

Atrás de cada um destes “eleitos” e de cada um destes “técnicos”, há pequenas legiões de funcionários proletarizados, grupos de burocratas em que o cumprimento de formalidades, algumas horrorosas, suplanta o espírito de função e missão pública. E é assim que algumas autarquias em que eleitores e contribuintes sem aspas, na hora da eleição e do pagamento dos impostos, acreditaram que haveria mudança, se converteram em pólos de descrença. Descrença nos “políticos” e “descrença” nos técnicos, sobretudo na hora em que se verifica que, em matéria de aspas, estão uns para os outros.

Carlos Albino
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Flagrante constatação: As demolições na Ria Formosa que são um abuso quanto à forma e uma falta de bom senso quanto ao conteúdo…

quinta-feira, 12 de março de 2015

SMS 606. Retrocesso

12 março 2015

É daquelas frases que muitos não gostarão de escrever e poucos gostarão de ler – o Estado está em retrocesso e o Algarve em retrocesso está. Não é que a história tenha parado – não pára; ou voltado para trás – não volta. A história vai par a frente - os que a fazem é que deram passos para trás. Uns propositadamente, outros inadvertidamente. No que toca ao Algarve, a região está mais ou menos decapitada de capacidade de decisão autónoma. Tal como está, o Algarve é gerido como se fosse a Secção VIII da 8.ª Divisão do IX Departamento Central, e o poder local ou está em carnaval ou em quarta-feira de cinzas – impreparado, sem qualidade, burocratizado, e consumando o paradoxo de tornar simultâneo o populismo e o distanciamento político do cidadão.


Da parte do Estado, não é difícil fazer-se o reconhecimento de que raramente se teve como em 2014 e já nestes dois meses de 2015, uma tempestade de factos negativos, despejados sem descanso sobre o cidadão. Dos mais altos decisores, passando pelos decisores intermédios, até aos de mais baixo escalão. Não tem havido dia, sem uma má surpresa proveniente quer dos eleitos quer dos nomeados. E logo a começar pelo Presidente da República que, tanto no que diz como no que omite, fala como uma espécie de monarca. Dá mau exemplo.

Da parte do Algarve, também não é difícil reconhecer-se que está muito mais longe da regionalização e que esta, a regionalização, nas atuais circunstâncias é coisa para não se desejar. Ou seja: o Algarve não está preparado para ser Região, a começar pela sua massa crítica e a terminar na crítica da massa. Não é que não se deseje e essa finalidade, a da Região e que esta não seja defensável e até desejável. Mas não temos condições, não temos gente que esteja, veja e aja para além do jogo de poder, do carreirismo e dos interesses difusos. No que falam e no que omitem, fazem-no como uma espécie de duques nos municípios e de condes nas freguesias. Dão mau exemplo.

Claro que há exceções, as quais não cito pelo pudor de não deixar às claras como é a generalidade. A isto chama-se retrocesso e quando isto acontece são os eleitores que se enganaram.

Carlos Albino
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Flagrante dilema: Quanto à maior parte dos estrangeiros que se fixaram no Algarve fugidos do frio, eles têm um dilema – ou são e se comportam como colonizadores, ou se inserem na condição de aqueles que os aceitam como vizinhança, estarem já colonizados. Vai dar no mesmo.

quinta-feira, 5 de março de 2015

SMS 605. Três poetas populares

5 março 2015

Sabia que existiam, foi muito difícil encontrar estes três poetas populares algarvios: Carcominda Figão, Fernão Barranco e Filomeno Querenço. Incompreensivelmente, os seus livros estão por publicar. Ao acaso e por entre centenas e centenas, retiro quadras soltas das suas obras inéditas, a seguir referidas entre aspas, para ajuda de eventuais investigadores à procura de pretexto para subsídios:

1 – Carcominda Figão, in "Linha Amarela, Paragem 13”

Qual pior, se náufrago só numa ilha
Se ilha já sem lugar para naufragados.
Um náufrago sozinho não pilha,
Em ilha de ladrões, são todos “alegados”.

Perante chineses, só deves rir
Da desgraça, com riso amarelo:
Eles sabem bem distinguir
Uma laranja de um marmelo.

2 – Fernão Barranco, in "Constatações do Tesouro Municipal"

Um agente duplo pede-me resposta
A se é um vertebrado ou invertebrado.
Digo-lhe: “O que tens, é fratura exposta,
E o que não tens, é osso emprestado".

Relógio pára à falta de corda,
Falta de relógio o tempo não pára.
Acaba por dar horas numa açorda
Quem canta de galo sendo uma arara.

3 – Filomeno Querenço, in "Manuscritos da Benémola"

Seja a sondagem a mais correta,
Por Portugal ser Portugal,
Quando a coisa está mesmo preta,
Ou dá petróleo, ou gás natural…

Pensas que apertar as mãos dá votos:
Quem à cruz apertou as mãos de Cristo
Apenas teve apoio de uns canhotos
Com o resultado que estava previsto.


Carlos Albino
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Flagrante nome: Aeroporto Internacional do Algarve, diria Sacadura Cabral, o qual, a não ser isso proporia Gil Eanes – nome maior.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

SMS  604. Entrevista coletiva

26 fevereiro 2015

Senhores médicos, advogados, arquitetos, autarcas, dirigentes distritais, diretores de hotéis e jornalistas, bem vindos a esta sala e por favor ocupem os vossos lugares nas cadeiras que vos estão reservadas. Muito agradecemos que cada um aguarde a sua vez para responder, lembrando que temos à vossa disposição, serviço de tradução simultânea para português para que ninguém diga que não entende:

1 – Senhores médicos, como se sabe há falta de médicos no Algarve, designadamente em determinadas especialidades em que haver poucos para muitos, é a alma do negócio. Podem dizer se é verdade ou não que médicos de outras zonas de País que querem trabalhar no Algarve, não o conseguem, porque esbarram com barreiras protecionistas do mercado da saúde que por aí mercadeia sem escrutínio ?

2 – Senhores advogados, é verdade ou não que a imobiliária que necessita dos vossos distintos serviços se move com dinheiro por fora, condição designadamente colocada por nacionais de países que querem dar lições aos portugueses?

3 – Senhores arquitetos, por que motivo, nuns sítios e nuns tempos, os projetos, sobretudo nos chamados centros histórico e nas zonas rurais, têm de obedecer a características invocadamente tradicionais, paisagísticas, etc., e noutros sítios e noutros tempos, se faz e aprova o contrário da véspera em função da sintonia ou não entre ateliers privados e gabinetes públicos?

4 – Senhores autarcas, podem com rigor distinguir nesta casa comum que é o Algarve, o que é para VEXAS a sala de estar e o quintal? E já agora, que distinção VEXAS fazem entre poder local e poder central localizado sob disfarce?

5 – Senhores dirigentes distritais, podem VEXAS esclarecer se atuando no Algarve são Algarvios, ou são Emissários com as características dos decisores em Terras de Missão?

6 – Senhores diretores de hotéis, podem Vossas Excelências garantir que Zurique, Londres, Paris, Madrid e Frankfurt não são autarquias do Algarve?

7 – Senhores jornalistas, podem definir o que é uma avença seja esta formal ou informal?

Apenas perguntamos, já que perguntar não ofende.

Carlos Albino
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Flagrante SIADAP: Não será difícil perceber que o SIADAP é a guerra civil dos funcionários que funcionam muito na quantidade e muito pouco na qualidade.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

SMS 603. Nestes tristes dias

19 fevereiro 2015

A verdade é que o Algarve é a região do País onde o desemprego mais subiu. E não se viu por aí grande preocupação pelas causas e pelos efeitos. A verdade é que há fome e ou se oculta ou se disfarça. E a verdade também é que, em contraste, para muitos o Algarve é uma região de enriquecimento fácil à custa de expedientes. Faltam médicos, mas a coisa está discretamente montada para impedir a vinda dos médicos que queiram vir para cá, para proteção de pequenos reinos e reinados. Falem os advogados e digam se é verdade ou não o chamado dinheiro por fora, sobretudo na imobiliária. Falem os arquitetos, os engenheiros, etc., e digam se é verdade ou não que a transparência, os jogos de influência e de interesses moram numa travessa. Falem os autarcas e digam se é verdade ou não que a generalidade dos funcionários está proletarizada, fazendo o estritamente necessário ou menos que isso, altamente preparados para lidar com a burocracia cada vez mais asfixiante. Falem os professores e digam se é verdade ou não que a maioria está desinserida da sociedade, o mesmo acontecendo com juízes, magistrados.

Não há região, a regionalização recuou vinte anos e a preparação séria para isso é uma cópia disforme dos valores que a regionalização supõe. Não há participação porque também os potenciais participantes esbarram com os cenários montados, pré-determinados e pré-moldados. A representação política está nas lonas e a crise do sistema aparece por todos os lados, com meia-dúzia a falar em nome de todos e, paradoxalmente, em nome da “identidade” do Algarve.

E começou já um pouco por todo o lado a corrida para as próximas autárquicas, as listas para as legislativas estão a ser geridas como os deuses gerem os seus segredos, o populismo anda por aí na militância de gente que parece séria e que sobrevive à custa de uma sociedade que não fala em voz alta porque não tem as bases do anonimato social nem pode ter pela diminuta base demográfica, e à custa também de uma sociedade que não tem comunicação nem local e muito menos regional, coisas não só dispensáveis como até inconvenientes.

Como é que esta gente se há-de preocupar com o desemprego gritante, com os desvalidos mais que muitos, com os que passam fome geralmente pela calada, com os que os que sofrem e morrem por uma saúde pública em derrocada e uma saúde privada sem controle, sem escrutínio? O caso que aqui se referiu por alto na semana passada, é verdade: uma pequena intervenção cirúrgica num olho custou 2000 euros no Algarve e a mesma intervenção cirúrgica no outro olho custou 50 euros na Alemanha… Isto diz tudo: há um algarvio com um olho algarvio de 2000 euros e o outro olho alemão de 50 euros. Tristes dias e mal de quem expõe o seu estado alma em voz alta.

Carlos Albino
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Flagrante pergunta: Já se pergunta, à falta de melhor dúvida, se “o meu coração é árabe”. E os rins, a bexiga, a vesícula, etc., não serão também árabes? Ficam de fora? Triste cóltura.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

SMS 602. A morte das amendoeiras

12 fevereiro 2015


Já delas se disse tanta coisa, que cobriam de neve os caminhos, que Deus por via delas escrevia versos algarvios com tinta de luar, que eram Meninas da primeira comunhão, ascéticas, descendo da montanha à beira do caminho em procissão. Já foi notícia obrigatória nas primeiras páginas dos jornais, já foi cartaz turístico e bilhete de identidade de encher os olhos, já foi riqueza quando chegava ao miolo, alimentou lendas, deu como verdade que um rei mouro desposara uma rapariga do norte da Europa, à qual davam o nome de Gilda. Tudo isso não serviu de nada. As amendoeiras estão à morte, abandonadas. Não são varejadas, não são podadas, não são tratadas e estas com sorte porque as que não têm essa triste sorte são arrancadas e substituídas por umas exotices compradas na Guia. Não revigoram, o rei mouro já perdeu a coragem para dar ordem para que em todo o Algarve se fizessem plantações de amendoeiras, a “Bela do Norte” volta a estar em pranto e soluços, a Gilda volta à sua tristeza mortal de não ver os campos cobertos de neve, como na sua terra, e os poetas, desde os de alto gabarito aos de fatela, já não têm matéria-prima para patranhas rimadas.

Há, aqui e ali, algumas chapadas com essas flores de janeiro e fevereiro, mas são resistências de um sonho moribundo. Num momento em que tanto arquiteto e engenheiro paisagista por aí apareceu e cresceu como erva nas burocracias municipais e estatais, ninguém acode à moribunda apenas porque supostamente não tem valor no mercado, perdeu expressão económica e ficou derrotada pelas amêndoas vindas de todo o lado apesar destas não terem sabor algum, embora bem embaladas como acontece para o embuste ser aceite – “sabem a amêndoa”, e é quanto basta para encherem as prateleiras dos aspiradores dos dinheiros locais. É a morte das amendoeiras, numa mortandade que atinge igualmente as alfarrobeiras e as figueiras. E como um mal não vem só, os detentores do saber tradicional também estão a desaparecer, sem se recolher e fixar o que sabem. Há também, aqui e ali, uns choradinhos, umas nostalgias efémeras, umas leituras de Cândido Guerreiro, uns românticos tardios que quase convencem que a lenda foi um facto. Mas as amendoeiras em flor no Algarve já não são notícia anunciadora da fertilidade da Mãe Natureza e muito menos pretexto para a fotografia, para o cinema e para fixar o domicílio das Belas do Norte que para o Algarve vêm reformadas tal como o rei mouro já se reformou. Mas ainda há flores e as que chegam ao fruto com a sua semente, sabem muitos, têm um sabor inigualável e incomparável, além de um imenso valor económico escondido, não aproveitado, como a Gilda, que era esperta, conhecia. Ou não percebesse de neve o suficiente para enganar o mouro.

Carlos Albino
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Flagrante advertência: Muita cultura, por aí, não passa de cóltura que é como o peixe frito em óleo velho.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

SMS 601. Quadra inédita de Aleixo

5 fevereiro 2015

A situação foi-me descrita, já lá vão uns bons anos, por quem ouviu relato direto. Volta e meia contei o caso em alguns sítios e em certa ocasião, também já lá vai tempo, tive a sensação de que uma quadra que Aleixo de repente atirou a quem ele julgou que a merecia, estava desatualizada, completamente fora do contexto e que pertencia à pré-história de um país cuja mentalidade era suposto que tivesse sido reformada. Esta semana, nem sei porquê, a quadra de Aleixo subiu à memória e, para espanto meu, está atualizada em função do que ouço, do que vejo e, mais importante, do que sinto – aquilo que por vezes a gente ouve e vê trai ou atraiçoa o que sente. Ora, verifico que essa quadra do genial Aleixo não trai nem atraiçoa. Vamos ao caso.

Estava Aleixo a trabalhar nos jardins da Quinta do Alto, quando a viúva de Júdice Fialho recebeu no palácio farense o poeta António Botto. No meio de um almoço, a viúva anfitriã comentou para Botto que “temos aí um homenzinho simples a trabalhar no jardim que dizem ser poeta”. Boto não hesitou em solicitar a presença do homenzinho. A viúva, no receio do homenzinho sujar o salão e estragar a solenidade do repasto, resistiu mas Botto levou a melhor e o homenzinho foi chamado. Aleixo entrou com o chapéu na mão, olhou, olhou, nada disse. A viúva repreendeu-o: “Então, Aleixo, não dizes nada? Diz uma dessas tuas quadras para este senhor ouvir”. E Aleixo, nada. “Fala! Não sejas malcriado!”. Aleixo, nada, e cada silêncio com o olhar a fixar os nutridos pratos mais enfurecia a viúva Fialho já disposta a expulsar o homenzinho do salão. Então Botto decidiu atalhar observando que Aleixo talvez se sentisse envergonhado e daí o seu silêncio. “Aleixo, fala!”, voltou a vúva à carga. Para evitar o desfecho previsível da cena, Botto dirigiu-se a Aleixo nestes termos: “Caro colega. Peço-lhe que me diga uns versos seus que é a melhor forma de nos conhecermos”. Parce que estas palavras convenceram Aleixo que levantou o rosto, fixou os olhos da viúva e disse num daqueles seus repentes:

“Anda toda esta canalha,
De banquete em banquete,
Enquanto o Povo que trabalha
Come o caldo sem azête.”

Sei que, dito isto por Aleixo, Botto fez questão de passear com ele pelos jardins, com a viúva a observá-los pelos vidros da janela. Creio que. além da quadra, a figura da viúva está atual. Anda por aí.

Carlos Albino
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Flagrante comparação: Quem viveu a situação garante – uma intervenção cirúrgica num olho custou dois mil euros (2.000 €) no Algarve, e intervenção do mesmo tipo no outro olho, duas semanas depois, custou cinquenta euros (50 €) na Alemanha… Estão a ver os palácios que se constroem por aí, não estão? Há mais.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

SMS 600. Isso parece que ficou pelo caminho

29  janeiro 2015

De modo geral, aquelas tais primárias que levaram António Costa à liderança do PS, provocaram uma onda de entusiasmo. Chegou-se a pensar que esse seria um caminho certo para recolocar a crença nos procedimentos democráticos quanto à escolha de candidatos e que tal caminho poderia e deveria comprometer as escolhas do essencial do regime: os deputados.

Chegou-se a pensar que esse seria um método acertado para se acabar com o carreirismo político que, à evidência, levou à confusão entre cargo eletivo e emprego cativo, entre mandato e mordomia, entre exercício público do poder de representação e coisa da propriedade privada dos beneficiários do sistema. Chegou-se a pensar que essa seria um bom remédio para a cura da doença coletiva da abstenção e que, aplicado com a posologia prudente e adequada, haveria de repor a aproximação entre eleitos e eleitores. Foi um sinal de esperança dentro e fora do PS que teve a iniciativa e esse sinal contaminou o melhor que as força partidárias ainda têm para oferecer na tentativa de sobrevivência em pluralismo. Ficou também à evidência que os democratas convictos, sem interesses pessoais e diretos nas disputas de poder, e que, além disso, podem pronunciar a palavra Valores sem peso na consciência, se manifestaram favoráveis a que o processo de escolha do “candidato a primeiro-ministro” não ficasse por aí, chegasse às listas de candidatos a deputados (com primárias nos círculos eleitorais) e aos candidatos a presidentes de câmaras (com primárias locais). Mas parece que tudo isso ficou pelo caminho.

A oito meses das eleições legislativas de 2015, que irão decorrer entre 14 de setembro e 14 de outubro, nenhum dos partidos abre jogo para a disputa dos nove lugares cabem ao Algarve. As listas estão naturalmente já nas cozinhas e estão a ser cozinhadas, e voltamos, portanto aos lugares talhados, negociados, conseguidos, convidados, instados, possivelmente alguns impostos ou pelas circunstâncias, ou pelo labor populista dos interessados ou ainda pela esperteza dos chamados aparelhos onde tanto nadador-salvador da democracia se tem instalado sem saber nadar ou sabendo apenas nadar de costas. Com eleições em setembro, listas a terem de ser fechadas em julho, para primárias este final de janeiro já é tarde. Aliás, a democracia, quando quer, chega a horas; alguns democratas é que se atrasam, e outros nem precisam de relógio julgando-se senhores do tempo.

Mais uma vez, repetem-se os motivos não para se desejar “Boas Eleições!”, mas “Bons Empregos!”

Carlos Albino
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Flagrante saber alentejano: Por aí, nas prateleiras dos supermercados da região, frascos de mel rotulado como “Mel do Algarve” (Honey of Algarve, p’ró turista não se enganar), mas “produzido e embalado” na Messejana… Ou as abelhas alentejanas já voam tão depressa que perderam a noção de que o Ameixial e a Messejana são da mesma freguesia e lado a lado, ou as abelhas algarvias são lentas a perceber os rótulos. Além disso, o mel é péssimo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

SMS 599. O pior táxi perto de si…

22 janeiro 2015

Na semana passada aqui se referiu a perigosa proletarização voluntária das profissões, e, pelas consequências gravosas para a sociedade, aqui se destacou a proletarização dos profissionais cuja atividade se cruza com serviço público, missão cívica e os tais “desideratos” invocados normalmente nos atos de posse e logo esquecidos no dia seguinte. Sei que a palavra proletarização ou proletários é já de sete e quinhentos, mas para dizer o que se pretende é uma palavra inevitável e menos acintosa do que, por exemplo, criptogâmicos (seres incapazes de criar) ou mesmo fanerogâmicos (seres cuja manha depende das flores que produzem), o que também por esses municípios, escolas e departamentos estais afora. Fiquemos então pelos proletários, mal sabendo que seria eu uma rápida vítima dessa renovada espécie. Vamos aos fatos.

Nesta segunda-feira, pelas 23 horas, precisei de um transporte urgente em Loulé, para resolver pequena inconveniência. Telefonei para o número “oficial” da praça de táxis, e fui remetido para a caixa de mensagens. Aguardei resposta de retorno e, por um quarto de hora, nada. Decidi então caminhar até à dita praça. Nem um táxi. Confirmei os contactos dos táxis “de serviço” colocados à disposição pública. Novamente fui remetido para a caixa de mensagens. No abrigo, encontrava-se um rapaz enregelado (fazia um frio de rachar) que me disse estar a guardar um táxi havia uma hora e nada. Fiz uma nova tentativa de chamada telefónica e o resultado foi o mesmo que anterior: caixa de mensagens, concluindo eu por isso que estava a tentar em vão o serviço de um novo proletário. Desisti do proletariado da praça de Loulé, e acabei por pedir a um amigo o incómodo de me ajudar na situação. E fiquei a pensar sobre qual a razão, pela qual uma já razoável cidade, às 23 horas, não tem um táxi nem um taxista que pelo menos atenda uma chamada, dê uma indicação, seja solícito. Ninguém exige que um taxista fique dentro do seu carro em prisão preventiva até que surja um cliente, mas aquele que está “de serviço” tem a obrigação pública de atender telefones seja a que horas forem.

A cidade de Loulé está rodeada de outdoors que anunciam o melhor concelho perto de si, os melhores eventos desportivos perto de si, o melhor património perto de si, tudo perto, incluindo nomeadamente o novo “minarete da cóltura”. Apenas falta mais um outdoor: “O pior táxi perto de si” ou, em alternativa e com maior abrangência, “O proletariado no seu melhor perto de si”.

Carlos Albino
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Flagrante convite: Vou convidar Cláudio Torres (e mais alguém) para uma passeata em Loulé...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

SMS 598. É mesmo isso: proletarização

15 janeiro 2015

É verdade que acontece um pouco por todo o País, mas no Algarve, para quem nele mergulha, está mais à evidência: a proletarização dos grupos profissionais das mais variadas espécies, dos professores aos médicos, dos funcionários autárquicos aos desenhadores, dos pasteleiros aos empregados bancários, dos pintores de portas aos juízes, dos que estão no quadro, em qualquer quadro, aos que estão em comissão de serviço ou a termo certo. Mesmo os que, frente ao espelho, garantem a si próprios que não são proletários, padecem disso. Vendem a sua força de trabalho, fazem apenas o que lhes compete, nada mais. Cumprem as obrigações para se manterem na função, aguardam o último minuto do horário obrigatório e depois, depois adeus sociedade, depressa para a casinha, quem pode para as lojas do centro, quem tem para uma passeata, quem deve para uma jantarada sem fim, e quem não pode, não tem e quem não deve enrola-se no sofá depois do cão e do gato, entra pela televisão adentro e adeus mundo, adeus sociedade.

Não é admirar assim que salas de conferências de meter inveja a Lisboa, Porto e Coimbra fiquem às moscas. Sendo, por exemplo, um assunto de história e, por hipótese, nas cercanias haja 78 professores de história de miúdos e meio-graúdos além dos universitários, aparecem dois ou três. E sendo o assunto de justiça, quais juízes, quais advogados, quais solicitadores e notários – aparecem três. Se é poesia, o número de assistentes depende da rede de amigos do poeta. É um pensador de nomeada que se anuncia que vem falar? Para que é isso, o que adiante? – perguntam os proletários. É um economista que se propõe falar sobre o presente e o futuro do País ou da região? Paleio de feira – respondem os mesmos proletários que na escola, na câmara, no serviço estatal ou no cantinho da empresa já cumpriram o horário, fizeram o obrigatório, o mínimo para garantirem um final de mês igual ao anterior e se possível um próximo mês melhor na sequência da avaliação de quem vende força de trabalho e a isto resume a vida, desde que haja sol em agosto, aquecimento em dezembro, horas extraordinárias remuneradas para estar presente seja onde for ou pelo menos a garantia de ser visto pelo senhor presidente, pelo senhor diretor, pela senhora figura.

Claro que há exceções mas as exceções não dão para garantir vida cultural, vida social, vida universitária, debate de ideias, primado do espírito, sociedade adulta e evoluída, senda de progresso coletivo, civilidade e civismo, tudo o que, afinal, um proletário mais detesta porque nada disso é pago, e, para além do mais, se o proletário é de um certo grau, ele tem uma vida intensa. Intensa em relatórios mesmo que dos relatórios nada resulte, intensa em ações de formação ainda que a mais parte dessas ações seja de deformação, intensa em ações de representação com as quais os novos proletários animam o nosso imenso turismo municipal que é primo-irmão do turismo político, enfim, aquele turismo à custa dos contribuintes para uns efeitos sem causa e à custa dos eleitores para umas causas sem efeito.

Enquanto assim for e enquanto o Algarve, nesta matéria, for pior que o resto do País, as salas não se enchem. Os novos proletários, por regra, evitam juntar-se a outros proletários.

Carlos Albino
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Flagrante silêncio: Curiosamente, depois do barulho que foi sinal de entusiasmo com as tais primárias, agora que se aproxima a hora das listas para deputados, a ideia das primárias foi engolida pelo mar... 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

SMS 597. Problemas muitos; soluções poucas

8 janeiro 2015

Os problemas do Algarve arrastam-se, no essencial, de ano para ano. Neste ou naquele assunto, continuamos na mesma, aqui e ali estamos pior. A sociedade está cada vez mais dividida, as autarquias fecham-se cada vez mais, e cada um cada vez mais se fecha nas suas casas, alguns mais confortavelmente do que a maioria que vai engrossando e sofre pela calada. Mas parafraseando o novo cardeal de Lisboa, numa daquelas suas tiradas que ele julga de bom gosto e bom senso, “os Algarvios sobrevivem apesar do Algarve”… Sobrevivem porque julgam que o adormecimento é de bom gosto e que a regra do cada um que se governe é de bom senso.

O desemprego e o emprego precário atingem recordes no país; na saúde, médicos e responsáveis fazem das tripas coração para que a coisa continue a chamar-se serviço público; no ensino, os professores que estão à frente dos agrupamentos escolares deveriam receber medalhas de mérito porque já estão a fazer o impossível na sequência de uma reforma irracional e de medidas avulsas que não atendem à realidade caso estejamos numa sociedade que pretende a melhoria; a suposta rede pública de transportes para uma minoria chama-se carro particular e para a maioria interdição de mobilidade; o comércio está nas lonas, por um lado porque não se adaptou nem se quer adaptar, e por outro porque está na prática estrangulado pelas grandes superfícies que se instalam sem condições e funcionam como aspiradores do dinheiro local, dando uns empregos nas caixas, nas arrumações e nas limpezas; a cultura está na proporção do subsídio e na dependência da maior ou menor proletarização dos responsáveis por bibliotecas públicas e departamentos municipais, onde se faz o que é exigido e pouco mais, onde a criatividade rumo à excelência é um estorvo; cada vez mais há associações sem associativismo e os que insistem no associativismo não conseguem aguentar-se em associação; participação cívica e política tornou-se cada vez mais sinónimo de combinação prévia; o turismo oferece números que não andam desligados das tragédias dos outros, não se sabendo, por ora, o que será quando acabarem as tragédias nos destinos concorrentes, além de que a avaliação do turismo que vamos tendo não excede a contagem do número de dormidas; a construção, depois do caos e das plantações de cimento, parou.

Enfim, todos sentem isto mas poucos o dizem em voz alta, havendo alguns que, mesmo sentindo, dizem por conveniência do lugar e da qualidade dos ouvintes que tudo vai bem, queo comércio vai animado, que o turismo vai de vento em popa, que a agricultura e as pescas deram azo a uma sólida indústria transformadora alimentar, que a cultura prova uma sociedade de sábios, que o ensino e a saúde estão “racionais”, que isto entrou tudo na disciplina, estando por fazer apenas o trabalho de fazer esquecer essa coisa chamada Algarve substituindo a palavra por Sul, como a orquestra já o fez. Para quê o Algarve?

Dir-me-ão que é preciso acordar; direi que, assim, o que é preciso é dormir bem.

Carlos Albino
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Flagrante monumento nacional novo: Em Loulé, encostado a restos da muralha, de torre e do caminho da ronda (monumento nacional) surgiu em betão o que se pode designar por “Minarete da Cóltura”. Merece o nome. 

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

SMS 596. Na pessoa de Viegas Gomes

1 janeiro 2015

Vai para dois meses, Viegas Gomes dedicou-me nestas páginas palavras que me comoveram. Não lhe agradeci de imediato como seria de esperar porque o tempo voou avaliando se tais palavras foram justas ou desproporcionadas. Faço-o agora, quando 2015 começa, no pressuposto de que as palavras de Viegas Gomes não se dirigiam exclusivamente a mim, mas sim ao conjunto dos jornalistas algarvios sérios, probos e com espírito de missão pública, tendo eu sido mero pretexto, simples pretexto.

Na verdade, o Algarve tem um grave problema de comunicação e, entre outros fatores, os jornais e as rádios pesam, porque em matéria de televisão e atividade noticiosa o Algarve não tem absolutamente nada de próprio e autónomo. Os meios de comunicação social da chamada “cobertura nacional” mantêm por aqui umas antenas de correspondência, umas avenças e pouco mais, com jornalistas que não podem fazer mais do que fazem, submetidos às agendas de Lisboa e Porto, para as quais o Algarve praticamente conta quando há crime, catástrofe, desastre de peso ou alguma curiosidade para entreter o mercado de leitores nortistas e centristas. Restam os jornais locais, um ou outro, é verdade, a tender para o regional mas que já não chegam aos dedos de uma só mão, e, nestes, jornalistas que resistem sabe Deus como. Temos um grave problema de comunicação que afeta a sociedade algarvia em geral, problema esse que tem vindo a agravar-se de ano para ano, contra as expetativas dos que sempre pensaram que a liberdade de expressão, a liberdade de empresas de comunicação e um ensino universitário específico viriam a dotar o Algarve de um forte sistema de informação, matriz da sua identidade e alavanca das atividades que lhe são próprias da economia à cultura, do desporto à educação.

É costume avaliar-se o grau de desenvolvimento de uma sociedade pelo número de profissionais especializados por cada mil habitantes. Se há um médico por cada mil, ótimo; um dentista por cada cinco mil, razoável… Quanto a jornalistas, no Algarve, há 0,00005 por cada mil, mesmo assim contando-se com os jornalistas adventícios, os brincalhões e os que dão uma perninha a troco de salário de prestígio social. Mas há um grupo de resistentes e com crença num dia de amanhã melhor. E há também uma avalanche de jovens bem dotados e preparados que sonharam exercer essa profissão de missão pública mas que, se têm sorte, acabam nos press releases populistas das câmaras, e se não têm, acabam a lavar pratos.

Viegas Gomes, obrigado pelas palavras que me dirigiu, mas, não leve a mal, reparto-as pelo pequeno grupo de jornalistas algarvios que merecem um 2015 com o reconhecimento da sociedade, e também um 2015 em que os políticos, sobretudo os políticos, ponham a mão na consciência e vejam em que estado se encontram aqueles de quem se servem quando deles precisam e rapidamente deles se esquecem quando verificam que a independência de espírito, a livre crítica e o relato objetivo dos factos são um estorvo e obstáculos a eliminar. Não seria franco se não dissesse que os políticos algarvios, no seu conjunto, são os principais responsáveis do grave problema se comunicação que o Algarve tem e se não o resolver, não vai longe.

Carlos Albino
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Flagrante apelo: A quem encontrar a AMAL, roga-se o favor de informar o seu paradeiro. Tem 16 manchas no lombo. 

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

SMS 595. Que palavra difícil: destribalização

25 dezembro 2014

É costume, na semana de Natal, falar-se de amor quando o que mais há é falta de amor, de cordialidade quando o que mais há é falta de coração, de reconciliação quando o que mais há são sacanices, de paz quando o que mais há são guerrinhas, de concórdia quando o que mais há são estratégias para trepar e táticas para tramar alguém quando há apenas um lugar para dois aspirantes. Quem não seja hipócrita sabe que é assim e que o parênteses de Natal é uma ilusão por mais bonitas que sejam as palavras trocadas. Bem gostaríamos que o ambiente de amor, coração, sem manhosices e de vida contributiva para uma sociedade proba, não fosse uma fantasia para o reduto dos que acreditam e tudo fazem para que o mundo à volta possa ser pautado mais pelo bem comum do que pelos interesses individuais que, por sorte ou com expedientes sabidos, se tornam dominantes e alguns até a espezinhar quem é dado como vivendo noutro mundo.

Mas há uma palavra que pode acompanhar muito bem esta oportunidade do calendário para votos ou desejos no Algarve e que foge à tentação do moralismo. Para uns quantos, é uma palavra difícil: destribalização.

Sim, destribalização. Sem nos darmos bem conta disso, a sociedade algarvia e as sociedades à dimensão de cada cidade, vila e povoação, tribalizaram-se. São as tribos partidárias que cortam em absoluto com tudo o que diga respeito à outra tribo; são as tribos culturais que não reconhecem cultura nas tribos diferentes; são as tribos de professores, de médicos, de engenheiros, de juízes e advogados, tribos de funcionários autárquicos, tribos que se fecham e apenas se incomodam ou se inquietam quando o chefe da tribo muda. E, além das tribos adventícias que são as tribos do dinheirinho, há ainda as tribos, mais numerosas, para as quais a sociedade começa no sofá e acaba dormindo coçando o cão em frente da televisão que é a feiticeira desta gente tribal. Não matam, não roubam, não insultam ninguém, mas, sem que na generalidade o saibam, são tribos fazendo das ruas um sertão e dos centros comerciais a sua própria casa.

Nestes termos, a identidade do Algarve é apenas a identidade de cada tribo, sendo lícito então formular sinceros votos de que o Algarve se destribalize. Tem tribos a mais, e, com tanta tribo, não só recua na história como a estraga, a inutiliza e a mancha.

Carlos Albino
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Flagrante recorde: O das dormidas, em 2014. Nota-se pela quantidade de gente com sacos de plástico à saída dos supermercados. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

SMS 594. Mensagem da época


18 dezembro 2014

Não há agenda municipal, boletim de freguesia, folheto de entidade ou instituição pública que, nesta época, dispense ou prescinda da “Mensagem de Natal” ou de “Ano Novo”, com simpáticas fotografias dos mensageiros, em pose protocolar e bandeirinhas atrás. O que o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro fazem, é assim imitado, pelos presidentes do País até à mais recôndita aldeia. Por regra, estas mensagens não acrescentam nada. Repetem-se de um ano para o outro, como nos antigos sermões em latim. Lá vêm as estafadas referências a que esta época é de paz e amor, que é a ocasião para se colocar de lado todas as divergências, que os sinos tocam, que a alegria inunda as praças e ruas, só não dizem que os passarinhos cantam os hinos municipais e dançam a valsa das freguesias, porque nesta época não há muitos passarinhos. Algumas dessas mensagens atingem o cúmulo do ridículo e, sem os seus autores disso se darem conta, acabam por ostentar, por vezes sem pudor, provas de atroz provincianismo que, como observava Pessoa, é a doença mental do português. Digamos que do conjunto destes exercícios natalícios, só se salvam as fotografias dos seus supostos autores, até porque nem sempre quem surge como “mensageiro” redigiu a mensagem.

O exercício das mensagens não se esgota, todavia, com o Natal e o Ano Novo. É já um estilo de vida, uma prática política. Há mensagens a propósito de tudo e de nada, ao longo do ano. Esse hábito das mensagens já funciona quase como campanha eleitoral, mesmo que não haja campanha e muito menos eleições. Digamos que esse hábito faz parte do populismo que grassa no País, no qual o Algarve não é exceção. Antes pelo contrário. Entrou agora e aqui em força, quando lá pelo Norte e Centro, as pessoas responsáveis já vão dando conta desse ridículo e de como desgastam a sua imagem, a sua presença e até a sua credibilidade.

É de presumir que alguns não gostarão de ler estas palavras e muito menos de as reler. Mas, em consciência, entendi que deveria redigi-las. Não digo que os responsáveis de aldeia, cidade, concelho, instituição, por aí afora, não digam umas palavrinhas porque têm tribuna para isso. Só que o que é demais não presta e o exercício populista das mensagens, além de matar o mensageiro, é já um estorvo e um incómodo público. Qualquer pessoa minimamente inteligente ri-se dessa presunção e água benta. Mas cada um toma a que quer.

Carlos Albino
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Flagrante lembrete: Tanto um cargo público por nomeação como um mandato ganho pelo voto, não são coisas da propriedade privada de quem os exerce. Certo?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

SMS 593. Ofertas de Natal…


11 dezembro 2014

A cada Presidente de Câmara do Algarve que puser o sapatinho, serão estas as ofertas, com uma vénia para uns momentos de humor:

Albufeira – 15 Vistos Gold
Alcoutim – Binóculos
Aljezur – Uma batata-doce
Castro Marim – Traje medieval
Faro – Libertação imediata dos presos do Fórum
Lagoa - Alcagoitas
Lagos – Meia-praia para completar a outra
Loulé – Uma saia larga com barra de cachiné
Monchique – Uma grande superfície na Fóia, já agora
Olhão – Lentes de contacto
Portimão – O fim dos pesadelos
São Brás – A criação da Região do Algarve em cortiça
Silves – A navegabilidade do Arade, pelo menos para andorinhas
Tavira – Entrada da dieta mediterrânica nos jantares do Protocolo do Estado
Vila do Bispo – Monumento ao Caracol
Vila Real SA – Um caramelo espanhol

E às entidades, isto:

AMAL – Pastilhas contra a tosse
CCDR – Um Chapéu de Coco
RTA – Muletas
Bispado do Algarve – Projeto de convite ao Papa Francisco para vir e ver como vai isto
Jornal do Algarve – Mil assinantes

Carlos Albino
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Flagrantes votos: E agora muito a sério, votos de Festas Felizes, de que bem precisamos, a todos os leitores, concordantes ou discordantes, que nos seguem condescendentemente desde 2003. Sobretudo aos discordantes, porque aquele que só concorda, não tem assunto. Bom Natal!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

SMS 592. Menosprezo pelo que é nosso


4 dezenbro 2014

Toda a gente sabe que a identidade de uma região, começa logo pelo território e pela assumpção dos bens e valores que essa mesma região pode e deve exibir no seu bilhete de identidade, designadamente por onde se transita. E como há muito já não estamos com os caminhos de almocreves da Idade Média, agora falamos de estradas, aeroporto, caminho-de-ferro, portos e marinas, tudo por onde passe quem vem e onde esteja quem recebe. Quanto ao Algarve, é uma desgraça, há anos e anos. A RTA se fez outrora pouco, agora não faz nada, nem tem lampejo para dar sinal de Algarve. A Via do Infante atravessa o Algarve como podia atravessar a Mauritânia - apenas tem placas de desvios para ali e acolá, como se os viajantes fossem caravanas de camelos. As estações dos caminhos-de-ferro parecem morgues onde o Algarve entrou morto e está congelado à espera da autópsia. Nas marinas e no porto de cruzeiros, a palavra Algarve não existe, e é tudo muito local, muito quintal, muito casa de arrecadação municipal. Na 125 e suas derivas, as autarquias metem-se umas com as outras, sobrepõem-se em cartazes com direções e quilometragens como se cada uma fosse capital da próxima e dentro das outras, todas a dizerem que sejam bem vindos, como pretexto para marcação do quintal e não mais que marcação, sem Algarve e sem o que, de valores e bens de relevância, sirva de bilhete de identidade do Algarve, caindo na fatela, no ridículo, no novo-riquismo de analfabetos. Os hotéis, na generalidade, nos seus folhetos, nas suas páginas electrónicas e nos seus guias para o turista, exibem erros, omissões e indicações sem rigor que são para estarrecer. No aeroporto, é como se todos chegassem à República Centro-Africana – nada de Algarve, a não ser, no pior sentido, a confusão dos parques às voltas e às curvas - não há acolhimento de Algarve, cada um que vá à sua vida, nos seus transfers, táxis ou carros alugados, ao seu golfe e aos seus bares e discotecas, e nada de conversa fiada sobre Algarve.

Bem podem dizer que, quem vem de Lisboa pela auto-estrada, depois do Viaduto das Ribeiras após dezenas de viadutos no Alentejo assinalados como que pontos de referência mundial, há um placar a indicar Algarve com umas amendoeiras debotadas, e depois a indicação da fortificação militar de Paderne (como se esta estivesse em Messines…) e a do Castelo de Silves. E terminou. Depois disso até Vila Real de Santo António num sentido ou até Lagos noutro sentido, mais nada.

É o menosprezo pelo que é nosso, pelo muito que em património material e imaterial temos, pelo muito que em bens culturais possuímos, algumas coisas únicas na Europa e únicas no País. Se calhar, os responsáveis nem sabem. Falando com alguns, parece que é isso.

Carlos Albino
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Flagrante má educação: Há gente por aí que, antes de subir ou para subir o degrau do poder, escreve, insiste, exige resposta, roja-se aos pés; depois de conquistado o degrau, não responde aos emails, desconhece o remetente, ou manda terceiros dar resposta lacónica e até saloia, como se tivessem o mundo a seus pés. Não vão longe, ou se forem, é a má educação que os acompanha.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

SMS 591. Sócrates


27 novembro 2014

Terminou o que já parecia um auto de fé. Independentemente da acusação que supostamente será deduzida, a carreira política de Sócrates terminou.

Ninguém, à direita ou à esquerda pode vangloriar-se com o destino que José Sócrates foi traçando até este desfecho que em primeiro lugar afeta todos os que acreditaram nele, especialmente a roda da sua proximidade e, nela, os que usufruíram, à confiança, algum benefício político legítimo.

Mas também ninguém, à direita ou à esquerda, pode ou deve vangloriar-se.

Por um triz, outras figuras não caíram, outras caíram mesmo e pertencem a comboios diferentes daquele que Sócrates tomou. A prisão de Sócrates não permite, só pela prisão, vivas à Democracia, como se a saúde desta dependesse da prisão de um homem que já foi poderoso, mas, agora, está reduzido à dimensão de quem tem que explicar porque não cumpriu deveres e obrigações.

Na verdade, é triste que, para esse homem, agora tenhamos que lhe destinar aquele sentimento da Grécia Antiga e que tem o nome de piedade. Não está condenado, poderia ter fugido como muitos podem fugir neste mundo e fugiram, mas a sua carreira terminou.

É certo que, no território da probidade e da seriedade, deixa muita gente atónita, e permite que, no território do engano, muita gente também ande por aí ululante mas com pernas de fora ou tapando muita perna.

A ver vamos.

Esta é uma lição da qual todos, sem exceção, eleitos e eleitores, devem extrair conclusões. Aquele que foi eleito e sobre o qual possam recair dúvidas baseadas em factos, documentos e procedimentos, prejudicando gravemente a respetiva idoneidade moral, têm o dever de, atempadamente, se demitir ou de se auto-suspender, não entrando no jogo da presunção de inocência ou da invocação de que “nunca fui condenado”, sabendo-se como a lei, sempre imperfeita e lacunar, pode ser contornada e ladeada. Desde o Presidente da República, Primeiros-Ministros e Deputados cuja consciência tem um espelho como qualquer cidadão mas cujos exercícios decorrem perante uma massa de anónimos desconhecidos, até ao Presidente de Câmara do qual todos são vizinhos e conhecidos, têm essa obrigação de não entregar a sua idoneidade aos tribunais. A idoneidade moral não é assunto de tribunal, de sentença ou de acórdão – é assunto de consciência. E os que elegem têm o dever de, pelos menos, não se enganarem duas vezes seguidas. A ver vamos.

Carlos Albino
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Flagrante alerta: Houve alguém que, um dia, perante a campanha anti-partidos, saiu-se com este: “Os partidos são melhores que os seus líderes”.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

SMS 590. Patrimónios

Magnífica obra de betão junto da Muralha remanescente da Torre da Corredoura
do Castelo de Loulé (Monumento Nacional)
20 novembro 2014

Não é agora que vou diretamente a um exemplo concreto que me força a adaptar o tal verso do Fernando Pessoa para o que não é verso mas controverso: “A autarquia faz ronha, o homem requer, o monstro nasce”. Isto, a propósito de património, designadamente património classificado de monumento nacional ou de interesse público. E não é agora, porque ainda espero que a autarquia e a tutela tenham o bom senso e o bom gosto de tratar da ferida. Da ferida, não; do monstro.

Patrimónios em geral, por ora, e do edificado. Como se sabe, o Algarve não é possuidor do chamado património gigantesco, esmagador aos olhos, a tocar nas nuvens. É quase tudo rasteiro, discreto, mas muita pérola. Ou seja, o património algarvio é como a gente olhar para um ser humano de corpo normal, de beleza absolutamente normal e que passa desapercebido, só que com um anelinho nada normal no dedo e é esse anelinho que luz como património. Há muito e bom anelinho por aí, dos tempos mais antigos da ocupação humana do território aos tempos mais recentes. E estamos tão habituados aos anelinhos que quase sempre não damos por eles, desvalorizamo-los, achamos até estranho que alguém fale do seu valor. Os que vêm de fora, sim.

Passam anos e anos, e projetos de valorização dos nossos anéis, não passam de boas intenções. Deixamos até, com a maior das indiferenças, que sejam vandalizados e roubados. O que é feito não passa de caidela e por vezes o que é feito é mal feito. E o que é bem feito, que também há bastante, passado o período de propaganda que normalmente não incide no património mas na figura promotora que da propaganda parece que precisa mais que o próprio património, isso volta a cair no esquecimento. O somatório deste património enterrado ou mesmo cremado e posto à margem, dá assim a ideia de que o Algarve “não tem nada” ou mais nada a não ser praias por dois meses, sol na faixa costeira e uns copos nas lojas dos indígenas, já que muita gente entra e sai do Algarve julgando que o Barrocal e a Serra são áreas de noites eternas que não dão para ver nada, além de que até as próprias cidades costeiras têm o seu património fechado ou a funcionar “nas horas de expediente” do funcionalismo público…

Não admira assim que o autarca anterior ao autarca atual tenha feito ronha, que o homem beneficie do requerimento despachado de ânimo leve e que o monstro nasça. Mesmo que nasça encostado a monumentos nacionais, a património de interesse público e zonas remanescentes protegidas ou que deveriam estar protegidas, até porque, lá longe, gente fechada em gabinetes que só vê a coisa por mapas e fotografias decide ou homologa de tal forma que em matéria patrimonial, no Algarve, vão-se os anéis e ficam os dedos.

E depois ficamos a olhar uns para os outros, ninguém tendo culpa nisto, uns por absoluta impreparação e falta de preparação para os cargos que ocupam, outros por falta da competência legal que deveriam ter, por falta de autoridade para intervir e porque estão reduzidos a meros “correios” para os gabinetes de Lisboa onde o Algarve não conta, ou conta cada vez menos de há uns anos a esta parte. Por isto mesmo, a gente erudita que há no Algarve e muita, sofre; gente culta que há no Algarve e muita, sofre. Sem sofrer ficam os que fazem ronha, requerem, e felizes estão com os monstros nascidos.

Carlos Albino
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Flagrante dieta mediterrânica: O populismo começa, por regra, por engolir-se um garfo. E acaba com o rei na barriga. Mas, independentemente do que, por esta dieta, é engolido, o curioso é que todos os candidatos são anti-populistas até chegarem ao poder.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

SMS 589. Gatos e ratos

Toda e qualquer coincidência com nomes conhecidos
 ou com a realidade, é simples semelhança”
8 janeiro 2014 

Por muito que haja, o debate local autárquico e também o debate regional, não ganham vigor e muito menos verdade, se tudo isso se resumir a uma luta de gatos e ratos. Os ratos nos seus esconderijos, resistindo com as possíveis provisões de queijo e toucinho, à espera de que o gato se afaste ou que, desalentado, vá à caça de outro roedor; o gato disfarçando-se em vegetariano, comendo cenoura, alface e até ovos de perdiz, para iludir o rato sobre o instinto carnívoro dos felinos.

Este jogo de disfarce até tem a sua piada quando gatos e ratos atuam no mesmo território, seja ele o de uma freguesia ou o de um mesmo concelho. Reuniões públicas de câmaras e de juntas, ou de assembleias municipais e de fregueses, naturalmente que propiciam divertidíssimos momentos em que os ratos exercitam com esperteza a paciência da clausura política (toda a clausura de rato é sempre política), e em que os gatos abdicam de um passarinho na ementa – quanto mais de um rato! – para provarem à sociedade que, por coerência com os resultados do último sufrágio, passaram a comer brócolos políticos (todo o bróculo na boca de um carnívoro é sempre político).  Todavia esse divertimento entre gatos e ratos, se é feito no mesmo território que os bichos partilham, até pode favorecer o escrutínio das ementas de cada um, ou seja, ajuda a esclarecer se gato come brócolos e se rato ainda tem queijo para se aguentar no esconderijo. Em cada concelho, em cada freguesia, poderíamos dar nomes aos gatos e ratos locais, mas ter-se-ia que usar a tal legenda dos filmes: “Toda e qualquer semelhança com nomes conhecidos ou com a realidade é simples coincidência”. Assim foi na Arca de Noé, onde este almirante bíblico conseguiu a proeza de evitar que os ratos fossem extintos pelos gatos e estes, por sua vez, extintos por abocanharem politicamente ratos envenenados (todo o veneno dado a rato é sempre político). Por aqui não há problema.

O problema é quando, sem que o gato saiba ou disso se aperceba, o rato escolhe outro território, outro concelho, outra freguesia com a proteção dos gatos locais, para espreitar a ocasião da extinção do gato no território onde campeou. E igualmente problema será quando o gato, alterando de igual forma as regras do confronto, vai à caça dos ratos do concelho a que não pertence ou da freguesia onde não é freguês, fazendo a caça de forma perversa: comendo brócolos, ou cenouras como coelhinhos da banda desenhada. A esta troca de terrenos sempre se chamou emigração política de conveniência, mas também sempre com maus resultados. Ou seja: entre gatos e ratos apenas muda uma letra. E essa letra mutante é politicamente suicidária.

Isto é uma fábula, e, tal como em todas as fábulas, “Toda e qualquer coincidência com nomes conhecidos ou com a realidade é simples semelhança”.

Carlos Albino
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Flagrante modalidade paraolímpica: Espionagem autárquica.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

SMS 588. O que caiu na rede social…



6 novembro 2014

Salta para o papel o que até agora tem jazido na rede social que não tem nem pode ter chão, e embora mais valha jazer numa rede social do que numa rede anti-social, dar chão às palavras como só o papel pode dar, é torná-las habitantes da nossa própria casa. Portanto, aqui ficam em papel:

Se o Facebook é um mural de emoções, de desabafos, de ordens para salvar o mundo ou de receitas para o afundar mais depressa, enfim, mural de tudo o que venha à cabeça ou fique atravessado no coração, não resisto a dar conta de pequena emoção.

Estava para entrar em casa, chave na fechadura, 23:02, ouvi música na proximidade, daquela música que apenas podia ser ao vivo e não ao morto. Retirei a chave, e a primeira emoção foi a de ir atrás do som. Atrás, ou atraído. Atravessei a rua, entrei por pequena travessa, oito passos e virei para pequena rua esconsa, um portão aberto, a música vinha dali. Espreitei, entrei, encostei-me à parede de fundo forrada de cortiça tal como as outras paredes, um salão térreo apinhado de músicos. A batuta do maestro verberava como asas de libelinha acima das cabeças de rapazes, homens velhos, mulheres de meia-idade e raparigas de perfil, um quadro que dava para retrato do Louvre, seriam uns 60 ou mais.

A música tocava, mas de repente deixei de a ouvir porque os olhos suplantaram os ouvidos como naqueles momentos em que as coisas nos parecem irreais ou quando muito inverosímeis como perante um fresco de Miguel Ângelo, em que o humano se torna divino e com o divino se confunde.

E estava eu convencido de que estava perante uma obra-prima da Renascença, quando o maestro, lá ao fundo, me cumprimenta com um sinal de batuta, como se eu fosse mais um músico. Se tivesse um instrumento, tocaria, tocaria qualquer coisa, nem que fosse um sopro que provocasse o som de um Obrigado. Mas foi nesse momento também que senti que estava a violar um espaço sagrado. Fiz uma vénia ao maestro, abandonei o local com uma emoção esmagadora, e até meter novamente a chave na fechadura, fui dizendo para mim: Obrigado, Artistas de Minerva, obrigado banda magnífica que Loulé tem, obrigado músicos de várias gerações e géneros, obrigado, vocês não são eleitos mas são de eleição, obrigado pérolas da noite.

Carlos Albino
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Flagrante evidência: Nenhuma terra se pode proclamar capital de qualquer coisa, se não capitalizar seja o que for. É óbvio.